Racismo e Saúde Mental: A Manutenção Do Sofrimento Psíquico em Pessoas Pretas

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UNIVERSIDADE VEIGA DE ALMEIDA

CURSO DE PSICOLOGIA

JACQUESCIANE MARILYA PEREIRA DA SILVA

SAÚDE MENTAL E RACISMO: A MANUTENÇÃO DO SOFRIMENTO PSÍQUICO


EM PESSOAS NEGRAS

Rio de Janeiro
2023.2
JACQUESCIANE MARILYA PEREIRA DA SILVA

SAÚDE MENTAL E RACISMO: A MANUTENÇÃO DO SOFRIMENTO PSÍQUICO


EM PESSOAS NEGRAS

Trabalho de conclusão de curso,


apresentado como requisito parcial para
obtenção do título de Bacharel em
Psicologia do curso de graduação em
Psicologia da Universidade Veiga de
Almeida.

ORIENTADOR: LUSANIR DE SOUZA CARVALHO

Rio de Janeiro

2023.2
JACQUESCIANE MARILYA PEREIRA DA SILVA

SAÚDE MENTAL E RACISMO: A MANUTENÇÃO DO SOFRIMENTO PSÍQUICO


EM PESSOAS NEGRAS

Trabalho de conclusão de curso,


apresentado como requisito parcial para
obtenção do título de Bacharel em
Psicologia do curso de graduação em
Psicologia da Universidade Veiga de
Almeida.

APROVADA EM 06/12/2023

Nota: 9,5

BANCA EXAMINADORA

Prof. Lusanir Carvalho

UNIVERSIDADE VEIGA DE ALMEIDA

Prof. Mônica Dias

UNIVERSIDADE VEIGA DE ALMEIDA

Prof. Daniel Lopes

UNIVERSIDADE VEIGA DE ALMEIDA


FICHA CATALOGRÁFICA
AGRADECIMENTOS

A mim mesma, apesar de todas as coisas, não ter desistido e ido até o fim. Aos
meus guias, por me ouvirem reclamar dia e noite e terem toda paciência comigo. A
minha namorada Pandora, por ter me visto nessa correria que foi este ano e ter me
auxiliado, sendo tão compreensiva neste processo.

As minhas amigas, Louise, Thais e Melyssa, que me ouviram e trouxeram


aconchego ao meu coração. Sem vocês, essa caminhada com certeza seria mais
extrema do que já foi.

A minha mãe, que mesmo com seu jeito silencioso, fez de tudo para que eu tivesse
a paz necessária para escrever.

A Miguel e Giovana, meus irmãos queridos, que mesmo sem querer me deram a
força necessária para eu não cair de vez.
DEDICATÓRIA

Quando você duvidar que é capaz de


renascer através da dor
repare nas estrelas
e em como elas transformam os fins em matéria prima
pra existir (Igor Pires)
RESUMO

Esta pesquisa tem o objetivo de articular o racismo, a desigualdade de gênero e a


saúde mental. A autora foi motivada a fazer essa interlocução diante de suas
vivências dentro do racismo e como mulher. Além de ter relatado falas de pacientes
que expressavam o racismo que passaram. A partir deste panorama, pensar o que
acontece diante de todas essas interligações, bem como os efeitos da violência do
racismo na saúde mental da mulher preta. O caminho escolhido para pensar essas
interligações foi analisar o período escravocrata, o gênero e a feminilidade e os
impactos violentos do racismo.

Palavra-chave: Racismo; Gênero; Feminilidade; Violência; Saúde mental


ABSTRACT

This research aims to articulate racism, gender inequality and mental health. The
author was motivated to make this dialogue due to her experiences within racism and
as a woman. In addition to reporting statements from patients who expressed the
racism they experienced. From this panorama, think about what happens in the face
of all these interconnections, as well as the effects of the violence of racism on the
mental health of black women. The path chosen to think about these interconnections
was to analyze the slavery period, gender and femininity and the violent impacts of
racism.

Descriptors: Racism; Gender; Femininity; Violence; Mental health


Sumário

INTRODUÇÃO 10
CAPÍTULO 1 14
Brasil colônia e racismo: práticas racistas que permanecem até hoje 14
1.1 - Da Abolição ao encarceramento 17
1.2 O Mito da Democracia Racial de mulheres negras 22
CAPÍTULO 2 26
Feminilidade e Gênero no Brasil 26
2.1 A Feminilidade e a modernidade 28
2.2 Movimento de Mulheres no Brasil 29
2.3 Mulheres negras no Brasil 31
CAPÍTULO 3 37
A saúde mental de mulheres negras 37
3.1 Violência e a saúde das mulheres negras 39
CONSIDERAÇÕES FINAIS 44
REFERÊNCIAS 46
10

INTRODUÇÃO

No Brasil, indivíduos de pele negra são discriminados e tratados como


inferiores desde o período da colonização, com a vinda dos escravos para o Brasil e
a invasão desse continente. Com essa crença de superioridade de uns sobre outros,
o Brasil se construiu como uma sociedade, que ainda sofre e luta contra as
desigualdades impostas neste período colonial, os quais se mantém até hoje nos
grupos considerados marginalizados.

Contudo, a população de negros e pardos é de aproximadamente 56% e


apesar do número crescente na sociedade, os direitos não são iguais para a(o)s
negra(o)s e a(o)s não negra(o)s (PRUDENTE, 2020). A falta de acesso a moradias
dignas, alimentação adequada, empregos, e a renda ser menor no quesito raça e
gênero, influenciam promovendo a precariedade da saúde mental destas pessoas.
Uma das violências baseadas na estrutura racista de nosso país foi construído a
partir da linguagem, principalmente quando se referiam a pessoas de pele preta.

Com o marco digital e a informação na palma da mão, alguns debates


começaram a surgir, e dentre eles o termo negro ou preto. Segundo o censo
demográfico realizado pelo IBGE (2010), as pessoas respondiam sobre sua cor,
utilizando da autodeclaração para a classificação da população. O instituto oferece 5
opções, dentre elas: O amarelo; o branco; indígena; pardo; preto. Sabendo dos
termos negros e pretos, o IBGE considera negro aquele que se considera preto ou
pardo. Assim, este estudo irá utilizar o termo negra ao se referir a mulher com tom
de pele não branca ou amarela.

A questão da raça/racismo sempre se fez presente na minha vida, sejam


elas por parte do núcleo familiar, afetivas e acadêmicas. O ponto alto que fez com
que meu interesse se despertasse num grau maior foi ao ingresso à faculdade por
meio do Prouni, num curso elitista, onde mais de 70% dos alunos da minha turma
eram brancos. Ali observei o quanto as questões raciais passavam despercebidas, e
o desconforto que sentia por, ao longo da graduação, ter tido somente 2 professoras
negras me fez repensar até onde o racismo impactava na sociedade e
11

principalmente dentro da psicologia. Afinal, mesmo a população de negros e pardos


serem de aproximadamente 56%, sua estadia no ambiente universitário não chega
nem perto desse número.

A presente questão surgiu por vivências pessoais, onde ser uma pessoa
negra e ter tido o entendimento dessa questão tardiamente, pelo fato de ser filha de
um casal interracial, colaboraram para que o não pertencimento pela minha cor de
pele me colocassem numa espécie de limbo racial, que contribuiu fortemente para o
adoecimento psíquico.

Entender em que ponto a psicologia está diante da sociedade e nos


processos de subjetividade do sujeito em sociedade é algo fascinante, contudo
esses processos são únicos, principalmente quando se tem o recorte étnico/racial e
de gênero. Durante os cinco anos na graduação, pouco foi abordado sobre essas
questões, o que faz sentido pensar: será que a psicologia é um curso elitista,
majoritariamente branco e do gênero masculino?

Minha experiência de estágio jurídico na instituição ACM (Associação Cristã


de Moços) com jovens aprendizes com vulnerabilidades socioeconômicas contribuiu
ainda mais pelo interesse nas questões raciais e de saúde mental, pois dos 28
jovens ali presentes, 80% eram negros ou pardos, o que faz sentido, pois quando
pensamos em políticas públicas de assistência a população, como é o caso do lugar
onde estagiei, a maior parte da população que se beneficia, é a população negra
(IPEA, 2011). Muitos não tinham apoio psicológico antes de passarem pela
instituição e os que tinham sentiam dificuldade para se conectar com a psicóloga
responsável, por ela ser branca, o que gerava um conflito identitário por não terem
semelhantes ali que eles pudessem criar uma transferência eficaz. Muitos temas
foram discutidos nas rodas de conversas e os jovens sempre traziam as questões
raciais, seja através do racismo estrutural, velado ou explícito, como foi o caso de
um dos jovens que mesmo com a camisa de jovem aprendiz, foi confundido com o
funcionário de limpeza.

Esse “engano” é muito comum na vida da pessoa racializada. Não


importando como se vista, sua classe social ou sua condição financeira, pessoas
brancas sempre as veem com o olhar de subserviência. Uma marca do racismo
12

estrutural que associa pessoas negras e pardas a serviços com menos prestígio
social.

Meu contato com movimentos sociais antirracistas e com o feminismo negro,


contribuíram fortemente na minha vivência como mulher preta, onde passei a
entender muito dos processos que passei ou que poderia vir a passar. Portanto, com
base na minha história de vida e no meu olhar racial para a sociedade, entendo que
o tema deste trabalho contribuirá fortemente para um esclarecimento de como a
sociedade funciona, quais seus mecanismos racistas e de gênero e como podemos
a partir deles melhorar, com o tempo, essa sociedade que tem as estruturas
manchadas pelo sangue de pessoas negras.

Deste modo, cabe verificar, como as práticas de racismo podem afetar


diretamente a saúde mental de mulheres pretas? Serão investigados quais
mecanismos influenciam o adoecimento dessa população? Que contextos históricos
do racismo no Brasil e toda sua estrutura desde o período colonial, bem como as
incidências dos casos de violência de gênero ligadas ao racial e as desigualdades
que o preconceito racial pode provocar?

Entende-se que o racismo existe por termos as estruturas da sociedade


modeladas no preconceito racial, e seus processos históricos do racismo e da
desigualdade de gênero de mulheres na sociedade. Esta pesquisa parte da hipótese
de que o racismo e as desigualdades de gênero atreladas a ele, impactam de
variadas maneiras a saúde mental e física da mulher negra. Assim, este trabalho de
conclusão de curso em Psicologia tem como objetivo compreender a relação entre
racismo e a saúde mental de mulheres negras. Inicialmente iremos apresentar o
racismo e sua construção histórica; refletir sobre feminilidade e gênero no Brasil e
em seguida analisar os efeitos de práticas violentas e racistas na saúde mental de
mulheres negras.

A metodologia será realizada através de pesquisa bibliográfica, pela qual


serão utilizados dados do ATLAS da violência 2018 e 2020, da leitura de artigos
diversos, como Ammapsique e revista ABPN (Associação Brasileira de
Pesquisadores(as) Negros(as), da leitura de autores como Silvio Almeida, Djamila
Ribeiro, Maria Lúcia da Silva, Frantz Fanon, Neusa Santos, Isildinha Nogueira e
13

outros autores pertinentes ao tema, fica explícito que o racismo e a misoginia têm
alvos e faz vítimas todos os dias, seja direta ou indiretamente.
14

CAPÍTULO 1

Brasil colônia e racismo: práticas racistas que permanecem até hoje

No século XVIII, os ideais iluministas deram prosseguimento a construção do


saber filosófico que tinha o homem como seu objeto de estudo. Muito mais do que o
homem como: penso, logo existo, entende se o homem como um ser múltiplo, de
várias facetas e conhecimentos. Levando em consideração a visão intelectual, o
iluminismo estabeleceu as ferramentas fundamentais que tornaram possível a
comparação e, logo em seguida, a classificação, dos diferentes seres humanos com
base em suas características físicas e intelectuais, marcando as diferenças entre
“civilizados” e “selvagens” (ALMEIDA, 2019).

Não se sabe exatamente de onde surgiu o termo raça, porém o que se sabe
é que seu uso está de alguma forma ligado a classificações ou hierarquias de
pessoas pelas características físicas e intelectuais. Pegando uma parte da história
em que houve as primeiras descobertas de novas terras e o mercantilismo
crescente, o ideal de raça foi ganhando um sentido cultural forte.

Com o contrabando de escravos vindo de várias partes do mundo para o


Brasil, os colonizadores já tinham seu ideal de ser humano bem construído. O que
estava fora do ideal europeu branco se classificava como menos evoluído ou
inteligente. Nota-se que o racismo se apresenta como a ideia de que uma raça é
superior a outra, utilizando desse imaginário hierárquico para discriminar e
marginalizar grupos e minorias dentro da sociedade (ALMEIDA, 2019).

Para compreender o racismo, primeiro se faz necessário saber o conceito de


raça. Esse termo não é algo estático ou imutável, pelo contrário, raça é muito mais
algo relacionado ao contexto histórico da época buscada (ALMEIDA, 2019).
Portanto, foram as circunstâncias históricas que forneceram um contexto para a raça
no período colonial.

Com as constantes evoluções mercantilistas, descobertas de novos lugares


e exploração de recursos, a filosofia moderna começou a pensar o homem como ser
15

único e ao mesmo tempo diverso dentro da existência humana. Deste modo, essa
visão do ser humano ser parte de algum tipo de comunidade, cedeu o lugar para,
mais tarde, a concepção ideológica. Todos que não fossem iguais a esse ideal
seriam seres menos evoluídos (ALMEIDA, 2019).

No século XVI, os portugueses se sentiram no dever de trazer a civilização


aos povos que já estavam presentes no Brasil. Vendo o potencial de exploração que
essa terra prometia, enxergaram uma oportunidade para explorar tanto os recursos
naturais quanto os moradores locais. Encontraram dificuldades com os povos
nativos, pois as doenças trazidas pelos colonizadores dizimaram tribos inteiras e,
além disso, os conhecimentos sobre a terra dava aos indígenas conhecimento
suficiente para fugir, pois era um local conhecido. Então, os colonizadores
precisando de mão de obra para construir engenhos de açúcar e para a exploração
de minérios, começaram o tráfico dos negros africanos para exploração de mão de
obra. Estima se que cerca de 35% de africanos tenham sido trazidos ao Brasil
através do tráfico humano pelas colônias portuguesas.

O papel do negro escravo foi decisivo para o começo da história


econômica de um país fundado, como era o caso do Brasil, sob o
signo do parasitismo imperialista. Sem o escravo, a estrutura
econômica do país jamais teria existido (NASCIMENTO, 2016, p. 59).

Com base nessa rentabilidade trazida pela exploração e comercialização de


escravos, o Brasil deixa de ser mais uma mera colônia, saindo das sombras e
passando a ser o principal pilar econômico da sociedade brasileira em formação.
Assim, quando se analisa a estratégia de rentabilidade, é possível ver o
desempenho do racismo e da hierarquização de forma primordial. A distinção entre
civilizados sendo bonitos e inteligentes e os selvagens como burros e feios. O uso
de critérios de cor e classe social são utilizados para fazer valer essas diferenças e
apontar como inferior quem estivesse fora do ideal de branquitude europeia,
perpetuando as classes dominantes e dominadas.

Engana-se quem pensa que somente homens eram escravos. Com a


desumanização, todas as pessoas de pele cor de preta eram vistas como objetos a
serem explorados, inclusive mulheres e crianças. Kenneth traz o seguinte
pensamento: “a mulher escrava era, antes de tudo, uma trabalhadora em tempo
16

integral para seu proprietário, e apenas ocasionalmente esposa, mãe e dona de


casa” (KENNETH, p. 343, 1956 apud DAVIS, A. p. 23, 2016).

Por trezentos anos a(o)s negra(o)s foram destituída(o)s de humanidade, e


não faltavam estudos que os comparavam a animais, o que fazia com que o
comportamento que os brancos tinham sobre eles fossem considerados naturais.
Por terem esse tratamento desumano, muitos morriam de fome, exaustão ou de
tanto serem açoitados. Surgiram as revoltas dos quilombos. Comunidades que eram
formadas por ex-escravos foragidos e indígenas, que serviam de local para viverem
livres. Embora não tenham sido as únicas formas de resistência coletiva, as revoltas
e os quilombos foram as mais importantes no regime escravista no Brasil. Surgindo
como única opção aos escravos que não suportavam mais a vida que tinham, as
fugas, coletivas ou não, visavam uma vida melhor, longe do tratamento hostil que
tinham.

As mulheres que conseguiam fugir de seus senhores e iam até o quilombo,


tinham papéis importantes na construção da sociedade negra e indígena nos
quilombos. Um exemplo disso foi Tereza de Benguela, que na morte de seu marido,
José Piolho, liderou o quilombo do Piolho e resistiu bravamente durante duas
décadas contra a escravidão. (UFRB, Biblioteca Setorial do Cecult)

A partir de 1850, os abolicionistas pretendiam que os escravos fossem


libertados, seguindo a lei e todos os trâmites necessários. No entanto, alguns limites
eram impostos, queriam a liberdade dos cativos sem mexer na ordem econômica do
latifúndio. Isso gerava receio, pois com a liberdade, o movimento poderia chegar às
ruas, e aos seus principais interessados, a(o)s negra(o)s, gerando possível
desordem civil. Para Célia Maria Marinho Azevedo, em seu livro, “Onda negra, medo
branco”:

Tudo se passa, enfim, como se os abolicionistas tivessem dado o


impulso inicial e dirigido os escravos nestas rebeliões e fugas (...).
Quanto aos escravos, tem-se a impressão de que são vítimas
passivas, subitamente acordadas e tiradas do isolamento das
fazendas pelos abolicionistas; ou então (...) a ideia que se passa é a
de que o negro, apesar de toda a sua rebeldia, estava impossibilitado
de conferir um sentido político às suas ações. (AZEVEDO, 1987, p.
175)
17

Cabe frisar, que todos os abolicionistas a favor da liberdade e da economia,


eram brancos, e esses, olhavam as pessoas negras como seres incapazes de
pensar por si só ou de forma coerente, sempre ficando de fora das discussões sobre
suas próprias vidas.

1.1 - Da Abolição ao encarceramento

Com as revoluções mundiais, a escravidão passou a ser olhada com


péssimos olhos, não porque consideravam a prática errada, e sim porque
economicamente não era mais vantajoso, pois os avanços econômicos de todo o
mundo, e principalmente do Brasil, estavam em transformação trabalhando
intensamente, tanto na economia, quanto nas outras camadas da sociedade.

Teve o início da implantação do sistema capitalista, ligado à exportação do


café, casas bancárias, estradas de ferro e etc.. Este sistema se expandiu pela base
produtiva, fazendo com que parte da oligarquia se transformasse numa potencial
burguesia, estabelecendo assim novas relações sociais, como as características do
mercado de trabalho até o funcionamento do Estado (MARINGONI, 2011).

O Brasil foi um dos últimos países a abdicar do uso de escravos,


promulgando a lei Áurea, em 1888. Porém, mesmo com a liberdade aparente, não
se importaram em incorporar a população à sociedade. Mesmo com a liberdade,
muitas pessoas negras ainda eram mantidas como escravas. Alguns tentavam se
libertar ou até mesmo buscar jeitos para sobreviver, ficavam nas fazendas a troco de
um teto e comida ou se submetiam a trabalhos análogos a escravidão.

A situação das mulheres negras não era diferente da dos homens. Após a
abolição, elas precisavam se inserir no mercado de trabalho, muitas vezes era
preciso se submeter a horas de trabalho abusivas, pagamentos atrasados ou muito
baixos e impossibilidade de sobreviver. Com o período escravista finalizado, elas
precisavam se reinventar, e criar possibilidades para si mesmas e seus entes
queridos, o que às vezes as deixavam numa dependência com pessoas importantes,
criando laços cada vez mais apertados para serem desfeitos. Outra questão que
evidenciava o sofrimento dessas mulheres, era o estreitamento no mercado de
18

trabalho, basicamente só tinham oportunidades com serviços domésticos, mantendo


viva a ideia do cativeiro e dos seus serviços dentro das casas grandes.

Esse "privilégio" com relação aos homens em ter trabalhos mais estáveis, as
mulheres muitas se viam como chefes das suas famílias, pois residiam nas casas e
também sustentavam as mesmas, já que seus maridos só conseguiam empregos
nas áreas rurais ou de serviços braçais com baixa remuneração. Para Bastide: “a
autoridade pertence àquele que sustenta a casa, e, como frequentemente a mulher
trabalha enquanto o marido não encontra emprego, a família tende a tomar uma
forma ‘matriarcal’” (1974, p. 35).

Essa forma, segundo Bernardo (1998), vem das raízes da África, sendo de
suma importância para esclarecer a organização social negra nas Américas. Sem as
mãos de obra de negros e com a vinda de imigrantes para sustentar a economia do
país, os negros viraram um amontoado de pessoas sem expectativas pelo futuro.
Largados pela cidade e hostilizados, acabavam construindo moradias em locais
distantes do centro urbano, onde tudo era muito precário, nascendo assim as favelas
que conhecemos hoje em dia. Diante disso, muitos se desdobravam para conseguir
bicos ou trabalhos braçais que eram muito mal remunerados. Ou, no caso das
mulheres, trabalhavam como empregadas domésticas, babás e tudo o que
remetesse ao ato de servir.

Com boa parte da população negra na rua, surgiu a preocupação dos


burgueses sobre a segurança deles e da reputação que o país estava construindo
quando o encarceramento em massa começou. Segundo Matos:

(...) o processo de destruição da escravidão moderna esteve


visceralmente imbricado com o processo de definição e extensão dos
direitos de cidadania nos novos países que surgiam das antigas
colônias escravistas. E que, por sua vez, a definição e o alcance
desses direitos estiveram diretamente relacionados com uma
contínua produção social de identidades, hierarquias e categorias
raciais. (MATTOS, RIOS, 2004, Pág. 191).

A política de controle que o estado procurou impor sobre a população


marginalizada (em especial as dos negros), preparada através da sua criminalização
e das restrições de acesso à cidadania foram bem construídas. De modo que o
19

encarceramento pode ter se constituído num mecanismo apoiador do processo de


racialização das relações sociais no Brasil. Uma vez que:

O processo da racialização acabou por se constituir num contraponto


possível à generalização de uma concepção universalizante de
direitos do cidadão em sociedades que não reuniam condições
políticas para realizá-la" (MATTOS, 2009: 358).

A reforma prisional pós abolição servia como uma espécie de distintivo


civilizatório para o país, no entanto, sua implementação e progresso acabaram por
mostrar os limites e inconsistências do progresso e da modernidade brasileira. Ali
ficou claro que apesar de tentarem se mostrar um país em constante evolução e
modernidade, na realidade a reforma prisional que visava não mais a dor física e
punição e sim a retirada de liberdade, era mais um dos mecanismos para se livrarem
dos cativos indesejados que ficavam em meio a cidade.

Segundo Foucault (1987), as emergências sobre os novos discursos e


práticas sobre as prisões e suas funções, assim como as práticas de punição a
partir do caso francês, apontam para uma nova configuração da sociedade que se
dava pelo controle dos e sobre os corpos. A sociedade buscava agora disciplina, e
foi criando a necessidade de classificar, ordenar e enquadrar a população.

Os dados de uma das maiores penitenciárias de Sergipe, percebe-se um


aumento considerável da população carcerária. O livro de registro de presos em
1896 tinha 59 presos. Sete anos depois, em 1903, o número subiu para um total de
159 detentos. Um percentual de aumento de 311%. Esses dados abriram margem
para a hipótese de uma política consistente de encarceramento. Entretanto, o perfil
que mais se alinhava aos presos da penitenciária tinha cor e gênero. Essa hipótese
foi estudada e defendida por estudiosos do sistema prisional estadunidense, como
Loic Wacquant (2001), que relaciona o aumento da população carcerária negra aos
contextos de reivindicação e consequente fragilização das estruturas garantidoras da
hierarquização sócio racial.

Esse fenômeno do encarceramento em massa funcionava com o objetivo de


se livrar dos sujeitos indesejados pela sociedade. Ao excluir e manter presos,
mantinham a ordem social desejada e não seria necessário criar políticas de
inclusão a essa população.
20

Com a vinda dos imigrantes para o país, surgiram alguns fenômenos que
traziam à tona o desprezo pela população negra e tudo o que viesse dela, e a teoria
do embranquecimento foi uma delas. Junto à elite brasileira, foi criado um projeto
que visava dizimar a população negra em até 100 anos. O fundador do projeto de
cunho eugenista, o antropólogo e médico carioca João Baptista de Lacerda levou
seu pensamento em forma de projeto ao Congresso Universal das Raças, em
Londres, em 1911, defendendo que através da miscigenação da população negra
com os imigrantes, seria possível um embranquecimento gradual da população
bastarda. O evento que reunia os representantes dos vários países recém
colonizados, tinha em vista discutir o futuro desses países, porém, o que de fato
acontecia nessas reuniões advinha de propostas extremamente eugenistas,
debatendo como combater a população negra e indígena que eram maioria desses
países (FERNANDES, 2022).

João Baptista de Lacerda se baseava em uma teoria chamada darwinismo


racial, que consistia em empregar através da biologia seres mais e menos evoluídos.
Seus aliados para lhe apoiar e apoiar o embranquecimento racial, utilizaram a obra
de arte “A redenção do Cã” (1895 – FIGURA 1) para ilustrar como o Brasil estaria
em algumas décadas.

FIGURA 1: A redenção de Cã, de Modesto Brocos1

Na imagem, aparece uma senhora negra retinta, sua filha negra de pele
clara, um homem de pele branca, que aparenta ser marido de sua filha e um bebê

1
BROCOS, Modesto (1895). Google Arts and Culture
21

branco. Na imagem, ainda é possível notar as expressões corporais da senhora, que


coloca suas mãos aos céus, como se estivesse agradecendo o embranquecimento
de sua família.

A mulher negra e suas vivências como matriarcas das famílias impuseram


em muitas delas, a teoria do embranquecimento de forma inconsciente, tinham a
ideia do branco salvador, não como se eles fossem salvá-las da vida difícil, ao se
envolver com homens brancos e tivessem filhos de pele não negra, os mesmos
poderiam ter os acessos que elas não tiveram. Na sociedade brasileira:

Existe uma patologia social do “branco” que consiste na negação de


pessoas com qualquer descendência biológica ou cultural negra. Por
outras palavras, o brasileiro no geral considerava vergonhosa
qualquer associação com sua ancestralidade negra, seja no âmbito
cultural ou biológico. Esse autor sustentou que devido ao passado
considerado “positivo” da história da identidade racial branca - a
história de uma aristocracia econômica e intelectual - fez com que
ocorresse a tendência que o pardo fosse classificado como branco e
o preto como pardo, resultando em um branqueamento e
empardecimento da sociedade brasileira por consequência na
diminuição da classificação do preto (CARDOSO, 2010, p.618).

Esse apagamento cultural era algo proposital utilizado um ideal de família e


o patriarcado, para fazer com que os negros, e em especial as mulheres, pudessem
colaborar para o apagamento gradual da população de pessoas de pele preta.
Porém, muitas mulheres negras e indígenas não concordavam com esses ideais,
principalmente porque eles a lembravam dos estupros cometidos pelos donos de
escravos no período colonial.

Mais de um século depois da abolição da escravidão, o trabalho manual


continua a ser o lugar reservado para os afro-brasileiros. Em oposição ao que
afirmam as teorias sobre modernização, a estrutura de transição fornecida pelo
rápido crescimento econômico nas últimas décadas não parece ter contribuído para
diminuir de maneira significativa a distância existente entre os grupos raciais
presentes na população. (HASENBALG, 1996, p.15)

A eliminação das disparidades raciais na saúde e a produção de respostas


adequadas para a promoção de saúde das mulheres negras requerem o
desenvolvimento de ações afirmativas em diferentes níveis, o que implica o
22

estabelecimento de medidas singularizadas, baseadas em diagnósticos


aprofundados e igualmente singularizados, os quais devem fundamentar o desenho
de processos, protocolos, ações e políticas específicos segundo as necessidades e
singularidades de cada grupo populacional. (WERNECK,2012).

1.2 O Mito da Democracia Racial de mulheres negras

Em 1930, quando o Brasil procurava por uma identidade nacional. Surgiu o


mito da democracia racial, defendida por Gilberto Freyre, que consistia na crença de
que não existia grandes diferenças entre brancos e negros. Todos podiam ter
acessos a diversos locais da sociedade e o racismo era algo inexistente. Isso criou o
estereótipo negro de passabilidade, passividade, infantilidade, incapacidade
intelectual, aceitação tranquila da escravidão etc. (GONZALEZ,2020)

A história mal contada sobre a escravidão, sobre as revoltas, os quilombos e


as reivindicações por direitos, faziam com que, quem olhasse de fora, imaginasse
que o Brasil era um paraíso étnico/racial e de gênero. Coisa que os negros, e em
especial, a mulher negra, sabiam que não estavam nem perto disso.

As classificações de variadas posições da mulher negra no período


escravista giravam em torno de duas facetas: a trabalhadora do Eito e a Mucama.
Enquanto escrava do Eito, ninguém melhor do que uma mulher negra para estimular
seus companheiros para a luta ou para a fuga para os quilombos. Já como Mucama,
lhes cabia a tarefa de manter, em todos os níveis, o bom andamento da
casa-grande: lavar, passar, cozinhar, fiar, tecer, costurar e amamentar as crianças
nascidas do ventre “livre” das sinhazinhas. (GONZÁLEZ,2020)

Foi em função de todos esses trabalhos e cuidados que ficou conhecida


como “Mãe Preta”, aquela que protegia, cuidava e mantinha tudo em ordem, o que
nos lembra a organização matriarcal advinda da África. Entretanto, essa idealização
de passibilidade, ordem e obediência foi sendo retratada como uma existência
harmoniosa entre brancos e negros, negando as lutas que o povo preto passou.

Outro ponto que contribui para o pensamento de harmonia e benevolência


no Brasil foi a mestiçagem, a elite promulgava que as relações inter-raciais eram
23

algo normal e consensual, e não fruto de abusos sexuais de homens brancos com
mulheres negras durante séculos. Assim, o racismo foi sendo mascarado e
naturalizado pelo mito da democracia racial, fazendo com que certas violências
fossem ignoradas. E se houvesse opiniões contrárias a essa teoria, como os
movimentos, eram punidos com violência, opressões e até mesmo sendo presos por
crime contra o país. Contudo, após a Segunda Guerra Mundial, a Organização das
Nações Unidas para a Educação, Ciência e Cultura (UNESCO) financiou um grande
projeto de pesquisa sobre o Brasil.

A opção Brasil guarda íntima relação com o contexto internacional da


época. (...) A controvertida crença numa democracia racial à
brasileira, que teve no sociólogo Gilberto Freyre a mais refinada
interpretação, tornou-se assim um dos principais alicerces
ideológicos da integração racial e do desenvolvimento do país e foi
suficientemente substantiva para atrair a atenção internacional
(MAIO, 1999, p. 143-4).

Nas décadas de 60 a 70, a ditadura prejudicou consideravelmente o trabalho


de pesquisas raciais. Além disso, muitos movimentos foram perseguidos, incluindo o
movimento negro. Isso não impediu, porém, que outras resistências da cultura negra
florescessem e lutassem para combater a discriminação racial no país. Afinal, eles
não conseguiam compreender como a ideia do Brasil ser um país democrático
racialmente era tão defendida e aceita, quando era nítido o racismo e a
marginalização. Negra(o)s viviam à margem da sociedade, em cortiços e favelas
distantes dos centros urbanos, o direito à educação e saúde eram algo
extremamente precário.

Hoje, no século XXI, ainda sofremos com o apagamento cultural e étnico da


população negra. Segundo o IBGE (2021) a taxa de informalidade entre negros e
pardos se encontra sendo maior do que a de pessoas consideradas brancas. A
pesquisa também se baseou na renda. Foi observado que cerca de 35% da
população preta e parda, vive, em média, com R$438 reais. A contínua falta de
acesso dessa população a recursos que visam a integração nos ambientes com
potencial de crescimento, prejudica e mantém a população preta/parda e pobre,
marginalizada.

Como analisado no folheto publicado pelo IBGE, Desigualdades sociais por


cor ou raça no Brasil (2019) e a Síntese de indicadores sociais (2021), a população
24

de 9,1% e 47,0%, respectivamente, da população brasileira em 2021, sua


participação entre indicadores que refletem melhores níveis de condições de vida
está aquém desta proporção. Os indicadores têm mostrado acesso desigual a
condições dignas de vida e garantidas pela constituição de 1988.

Mesmo com políticas públicas que auxiliam essa população, como é o caso
do bolsa família e do sistema de cotas, o mito da democracia racial ainda se faz
presente, sendo um obstáculo para a integração da população negra e pobre aos
ambientes considerados elitizados, como faculdades e concursos públicos.

Desde a falha em embranquecer a população brasileira, o mito da


democracia racial se põe como algo real. Pois, passa-se a aceitar que somos um
país miscigenado, sendo a mistura de três raças que fundaram a população
brasileira existente. Essa exigência de que, por termos uma mistura tão complexa de
raça no Brasil, não exista a necessidade de integrar políticas a um alvo específico,
só se fazem presentes quando existe a possibilidade de concessão de benefícios a
um grupo racial, principalmente aos negros:

Ademais, soa realmente estapafúrdia a dúvida sobre que é negro(a)


no Brasil apresentada pelos oponentes às AA. É contraditório que
todas as pessoas saibam quem é negro(a) quando se trata de
preteri-lo por pressupostos e características raciais, e que não
saiba quem é a pessoa negra, quando se trata de resguardá-la
dessas manifestações ignóbeis do racismo (SILVA, 2003, p. 19 Apud
NUNES)

É nesse contexto que o sistema de cotas teve tantas dificuldades para


serem efetivadas. Inicialmente, as universidades que aprovaram o novo sistema de
integração de alunos, sofreram com diversas liminares contra as ações afirmativas.
Contudo, esse problema foi resolvido pelo Supremo Tribunal Federal (STF), que, no
dia 26 de abril de 2012, julgou pela constitucionalidade das cotas. O ponto alto do
julgamento se deu a partir da:

Ação de Descumprimento de Preceito Fundamental nº 186


proposta pelo partido Democratas. A ação pedia a declaração de
inconstitucionalidade do programa de ação afirmativa étnico-racial
da Universidade de Brasília e a extensão da decisão a todos
os programas dessa natureza do país, sob a alegação de que
essas políticas feriam vários preceitos fundamentais da
Constituição Federal, como o princípio da não discriminação, do
25

repúdio ao racismo, a dignidade da pessoa humana. (FERES


JÚNIOR et al, 2012, p. 406).

Após o julgamento da constitucionalidade, a então Presidenta Dilma


Rousseff aprovou a Lei 12.711 que dispõe sobre a forma de ingresso nas
universidades federais e institutos federais de ensino superior. O texto foi
regulamentado por meio da Portaria Normativa nº 18, de 11 de outubro de 2012 e
pelo Decreto Presidencial nº 7.824, de 11 de outubro de 2012. (BRASIL, 2012).

Todavia, o texto legal trouxe alguns transtornos a estudantes negra(o)s, pois


por não ser necessário uma banca avaliadora, que comprovasse se a(o) estudante
era de fato negra(o), e por permitir a autodeclaração como forma de ingresso nas
universidades. Assim, qualquer um poderia se autodeclarar. Considerando essa
questão, a lei acaba por validar o mito da democracia racial, defende que somos
todos iguais e que não existem conflitos étnicos/raciais ou desigualdades pela cor.
Essa realidade contraria os objetivos do sistema de cotas para negra(o)s nas
escolas e universidades, que são:

A inserção quantitativa de pessoas com tez negra, uma vez que a


discriminação racial no país se dá pela aparência física; o papel e
ação política dos cotistas negros em ajudar por meio de suas
profissões a população negra e não-negra, sendo que a primeira
deve ser a prioridade (NUNES, 2014, p. 12).

Dessa forma, entende-se que o mito da democracia racial não existe. Está
evidente para o movimento negro e por toda esta população entretanto não está tão
bem entendido para o resto da população. O que muitos veem como vantagem, na
criação de cotas, outros entendem que se trata de reparação histórica, pois a
população negra, mesmo após séculos desde a abolição, ainda sofre com os
resquícios do racismo na estrutura da sociedade.

Portanto, cabe à sociedade buscar meios de se conscientizar sobre práticas


antiracistas e entender que as ações de políticas públicas que focam num
determinado grupo, está acima de tudo, tentando estabelecer uma reparação
afirmativa a uma população que sofreu séculos de descasos
26

CAPÍTULO 2

Feminilidade e Gênero no Brasil


.

Para pensarmos o conceito de gênero, mais especificamente da mulher


negra, vemos como essas identidades são a base da sociedade, entretanto sofrem
inúmeras violências tanto pelas instituições públicas e privadas quanto no campo
físico e emocional.

Ao tentar identificar como se constituem os discursos do caráter da


feminilidade na atualidade, é necessário compreender com clareza que sua
produção veio a partir da posição masculina, dentro de um contexto histórico.

Desde o século XVIII, identificou-se um conjunto de ideias – médicas,


filosóficas e morais – que tinham como pretensão delimitar a diferença entre o sexo
feminino e masculino. Grandes teóricos na época, como Kant, Rousseau e Hegel,
estavam de acordo com a leitura que os homens e a sociedade faziam sobre o
feminino e o lugar da feminilidade, para fazer legitima suas inserções sociais.
(ALMEIDA, 2012).

Na cultura Europeia, quando se pensava em feminilidade, associava-se a


um conjunto de discursos que tinha como objetivo traçar uma perfeita adequação
entre as mulheres e os atributos, restrições e funções que a elas deveriam ser
pertencentes. Essas virtudes eram pautadas no recato, na docilidade, na afetividade
mais desenvolvida, na passividade, principalmente com relação ao outro e aos
próprios desejos, e mais tarde, dos filhos. Assim, a figura da mulher era construída
em volta da maternidade, erotismo feminino diretamente associado às questões em
torno de ser mãe. (ALMEIDA, 2012)

Entretanto, cabe à mulher mesmo com seus atributos pré-definidos, deveria


ser dominada pela sociedade e pela educação, para que pudessem cumprir com o
destino. O erotismo feminino, era considerado perigoso, principalmente porque tinha
potencial para causar a desordem dos estereótipos na sociedade.
27

A Igreja, durante o século XIX foi uma importante via de manipulação, para
apresentar a oposição entre maternidade e desejo feminino. Pelo cristianismo, a
relação sexual era permitida apenas para fins reprodutivos, negando e silenciando
qualquer dimensão do desejo no corpo feminino. (ALMEIDA, 2012)

Nas construções das sociedades, algumas regras já vinham sendo


estabelecidas, dependendo de cada cultura, sobre seus indivíduos. A igreja cristã,
por exemplo, exercia grande poder repressor quando o assunto era sexo,
principalmente quando se tratava do gênero feminino. A pregação para que as
mulheres somente consumassem o ato carnal quando estivessem casadas dava
poder sobre os corpos dessas mulheres ao homem. A sociedade machista, apontava
o homem como centro de todas as coisas e a mulher no lugar de submissão a ele.

Durante séculos, criou-se uma aversão ao prazer feminino, mulheres eram


vistas para reprodução, seguindo estereótipos de feminilidade, como cabelos longos,
falas mansas, submissão a seus pais ou parceiros, deveres ligados a atividades
domésticas etc. Ao serem submetidas a lugares de passividade, tinham que ocupar
e manter a ordem e harmonia do lar. Isso trazia uma espécie de alienação, pois os
cuidados com os filhos, os maridos e a família em si, não as permitiam lutar pelos
seus desejos ou ideias próprias. Essa alienação acontecia de duas maneiras,
afastavam-se do meio social, não conseguindo ter acesso a qualquer meio de poder
que pudessem definir seus direitos e destinos, pois: “sem acesso ao poder político,
as mulheres não teriam meios de garantir os outros direitos fundamentais para se
tornar sujeitos de suas próprias histórias” (KEHL, 2008, p.66 Apud ALMEIDA, 2012).

Note-se ainda como a repressão sob os corpos das mulheres até quase o
século XIX, apresentava o domínio exclusivo da igreja e do campo do saber através
de pensadores e pesquisadores que julgavam o que era lícito ou ilícito. Já na
modernidade, conseguimos perceber como este campo tinha uma importância
estratégica, passando a estar sujeito a novos mecanismos de controle e
institucionalização (FOUCAULT, 1994).

Através desses processos de desumanização e comercialização do corpo da


mulher, principalmente negro, que podemos observar a crueldade e o medo da
escalada da mulher preta dentro da sociedade em busca de ascensão. Esse
28

deslocamento que o lugar do homem e da mulher acontece conforme os anos vão


se passando, assumindo outros interesses passa a trazer, principalmente aos
homens, mas não somente a eles a sensação de "quem eu sou" ou de forma mais
precisa "quem eu deveria ser?" Pois, as mudanças e conquistas femininas,
consideradas do mundo masculino tiram do homem o lugar de poder absoluto, de
senhor das coisas. (KEHL, 1992)

2.1 A Feminilidade e a modernidade

No Brasil a construção de gênero se faz presente desde os primórdios da


sociedade, atrelada ao sistema econômico, político, social e religioso. O gênero
feminino vem sendo reforçado por suposições da época do que era adequado a
elas, com algumas mudanças ocorrendo na modernidade uma vez que na sociedade
patriarcal, mulheres ocupam o lugar da submissão, da maternidade e da delicadeza.

Quando o homem se depara com o fato de que as mulheres podem pensar,


agir e fazer tudo o que eles fazem, trazendo assim uma aproximação entre ambos,
surge a intolerância. Assume um estereótipo ativo e consegue se proteger e
combater essa aproximação das mulheres. Para Kehl (1992), este desconforto pode
ser compreendido por:

No caso das pequenas diferenças entre homens e mulheres,


parecem ser os homens os mais afetados pela recente
interpenetração de territórios – e não só porque isso implica
possíveis perdas de poder, como argumentaria um feminismo mais
belicoso, e sim porque coloca a própria identidade masculina em
questão. Sabemos que a mulher encara a conquista de atributos
“masculinos” como direito seu, reapropriação de algo que de fato lhe
pertence e há muito lhe foi tomado. Por outro lado, a uma mulher é
impossível se roubar a feminilidade: se a feminilidade é máscara
sobre um vazio, todo atributo fálico virá sempre incrementar essa
função.(KEHL, 1992, p.5)

Freud (1915-1917/1980) designa o estatuto da angústia como um estado


afetivo. Assim a angústia é um estado que se desenvolve quando se percebe o
perigo. Através desse estado, acompanham-se sensações de desprazer, aumento
de atenção sensorial e da tensão motora. O homem em desprazer se prepara para
lutar ou fugir de seu perigo iminente, que no caso, em específico, seriam as
mulheres. (FREUD, 1915 -1917/1980).
29

Segundo Santos (2013) a ordem social funciona como uma imensa máquina
simbólica que tende a ratificar a dominação masculina sobre a qual se alicerça,
alguns pontos são nítidos. A divisão social do trabalho, distribuição bastante estrita
das atividades atribuídas a cada um dos dois sexos, de seu local, seu momento,
seus instrumentos. A estrutura do espaço, opondo o lugar de assembleia ou de
mercado, reservados aos homens e a casa reservada às mulheres, ou no interior
desta, entre a parte masculina, com o salão, e a parte feminina, com o estábulo, a
água e os vegetais. A estrutura do tempo, a jornada, o ano agrário, ou o ciclo de
vida, com momentos de ruptura masculinos, e longos períodos de gestação,
femininos (SANTOS, p.18, 2013 Apud BOURDIEU, 2012)

Mulheres tiveram grandes dificuldades para adquirir direitos, pelo fato da


sociedade não reconhecer seu potencial. Eles não conseguiam ter compreensão da
capacidade intelectual e física do gênero feminino, pois a ideia de passividade ainda
reinava na mente dos conservadores baseados num senso puramente biológico.
Segundo Bourdieu (2012, p. 20):

A diferença biológica entre os sexos, isto é, entre o corpo masculino


e o corpo feminino, e, especificamente, a divisão anatômica entre os
órgãos sexuais, pode assim ser vista como justificativa natural da
diferença socialmente construída entre os gêneros e, principalmente,
da divisão social do trabalho. (BOURDIEU, 2012, p. 20, apud
SANTOS, 2013).

Foi com muita luta que as mulheres passaram a reivindicar seus direitos
perante a sociedade. Isso só foi possível graças ao movimento feminino ou
feminista, que eram um conjunto de mulheres insatisfeitas com a vida e o valor que
tinham dentro da sociedade.

2.2 Movimento de Mulheres no Brasil

No Brasil, a primeira onda do feminismo se fez publicamente pela


reivindicação do direito ao voto. As sufragetes, foram lideradas por Bertha Lutz,
cientista de importância, que estudou no exterior e voltou para o Brasil no ano de
1910, iniciando a luta pelo voto. Foi uma das fundadoras da Federação Brasileira
pelo Progresso Feminino, organização que fez campanha para o voto, tendo em
30

1927 levado um abaixo assinado ao Senado, pedindo a aprovação do projeto de lei,


que dava direito ao voto às mulheres. Em 1932 após mais de vinte anos, mulheres
conseguem conquistar este direito. (PINTO, 2010)

Outras reivindicações também foram feitas no campo do trabalho. O


chamado movimento das operárias de ideologia anarquistas, se reuniram, e em
manifesto, proclamaram: “Se refletirmos um momento vereis quão dolorida é a
situação da mulher nas fábricas, nas oficinas, constantemente, amesquinhadas por
seres repelentes” (PINTO, 2003, p. 35, apud PINTO, C. 2010, p. 16).

Os anos 60 no brasil foram de grandes impactos. Primeiro se há na música,


a Bossa Nova; Jânio Quadros após vencer, renúncia, onde Jango assume, aceitando
o parlamentarismo. De um lado a esquerda com os estudantes e de outro os
militares. O clímax das questões políticas e sociais acontece em 1964, vindo o golpe
militar e dificultando fortemente pesquisas e fazendo vista grossa a qualquer tipo de
manifestação, principalmente feminista.

Após todas as reivindicações, o movimento feminista no brasil sofreu fortes


repressões. Conseguiu se restabelecer na década de 70, não havia espaço para
manifestações legais, visto que os militares faziam vista grossa diante de qualquer
meio de protesto, os grupos de esquerda foram para a clandestinidade para
poderem continuar lutando por suas ideias. Foi nesse período conturbado que o
movimento feminista reapareceu com suas manifestações em prol dos direitos das
mulheres, entretanto, pelos militares tratarem as feministas como perigosas, as lutas
se tornaram um embate difícil e perigoso. Em 1975, na I Conferência Internacional
da Mulher, no México, a Organização das Nações Unidas (ONU) declarou os
próximos dez anos como a década da mulher. No Brasil, aconteceu, naquele ano,
uma semana de debates sob o título “O papel e o comportamento da mulher na
realidade brasileira”, com o patrocínio do Centro de Informações da ONU. No
mesmo ano, Terezinha Zerbini lançou o Movimento Feminino pela Anistia, que teria
papel muito relevante na luta pela anistia, que ocorreu em 1979. (PINTO, 2010).

Quando decidimos olhar a mulher também pelo contexto racial, vemos que
mesmo diante de tantas conquistas femininas, como direito ao voto, as pílulas
anticoncepcionais, a melhores condições de trabalho etc. Nem todas as mulheres
31

eram contempladas com essas conquistas. As mulheres pretas eram, muita das
vezes, invisíveis ao movimento feminista e ao movimento negro, se fazendo
importante criarem ali, os recortes raciais e de gênero, fundando o feminismo negro.

2.3 Mulheres negras no Brasil

De acordo com o Instituto de Pesquisa Econômica e Aplicada (IPEA, 2021),


as violências são mostradas tanto na busca por emprego quanto nas posições
sociais. O trabalho doméstico por exemplo, era (e ainda é) a área que mais abrange
a mulher negra, as colocando em empregos com falta de oportunidades de
crescimento e sempre em serviços operacionais.

Segundo Carneiro (2003), as mulheres pretas tiveram que "enegrecer" a


agenda do movimento feminista e "sexualizar" a do movimento negro, promovendo
diversificação das práticas políticas. Conseguindo assim, com muita luta, garantir
que os movimentos se integrassem e compartilhassem os interesses das mulheres
negras. Foi possível iniciar um trabalho que visasse as questões das mulheres
pretas e a importância dos recortes raciais e de gênero.

Com base nisso, o feminismo negro levou a construção de conhecimento,


enfatizando a especificidade do eu, da comunidade e da sociedade. Tendo em
mente que existe, sob a realidade da mulher preta, vivências que estão entrelaçadas
num contexto machista e racista. Fundamentado nisso, o feminismo negro procura
contestar as visões errôneas que a sociedade impõe a mulher preta, de
marginalidade, infidelidade e submissão perante aos demais indivíduos (CARNEIRO,
2003).

Através das lutas muitos direitos foram conquistados, contribuindo nos


processos de democratização do Estado. Os avanços vão desde a criação dos
Conselhos da Condição Feminina - órgãos voltados para o desenho de políticas
públicas de promoção da igualdade de gênero e combate à discriminação contra as
mulheres. Além disso, a violência doméstica e sexual, tidas como tabu começa a ser
publicizada, e junto ao movimento do feminismo negro no Brasil, tornou-se objeto de
políticas públicas. O Estado cria as Delegacias Especializadas no Atendimento à
Mulher (Deams), os abrigos institucionais para a proteção de mulheres em situação
32

de violência; e outras necessidades para a efetivação de políticas públicas voltadas


para as mulheres. Somados a isso, o movimento agilizou ou fez com que o estado
tomasse as ações devidas que incluíssem esse público aos acessos de direitos
considerados básicos. No entanto, apesar das mulheres serem consideras o “sexo
frágil”, para as mulheres negras o tratamento era mais hostil:
Quando falamos do mito da fragilidade feminina, que justificou
historicamente a proteção paternalista dos homens sobre as
mulheres, de que mulheres estão falando? Nós, mulheres negras,
fazemos parte de um contingente de mulheres, provavelmente
majoritário, que nunca reconheceram em si mesmas esse mito,
porque nunca fomos tratadas como frágeis. Fazemos parte de um
contingente de mulheres que trabalharam durante séculos como
escravas nas lavouras ou nas ruas, como vendedoras, quituteiras,
prostitutas... Mulheres que não entenderam nada quando as
feministas disseram que as mulheres deveriam ganhar as ruas e
trabalhar! Fazemos parte de um contingente de mulheres com
identidade de objeto. Ontem, a serviço de frágeis sinhazinhas e de
senhores de engenho tarados. Hoje, empregadas domésticas de
mulheres liberadas e dondocas, ou de mulatas tipo exportação
(CARNEIRO, 2003, p. 49).

O jeito que a sociedade olhava e ainda olha para mulheres brancas e pretas
não são iguais. Para a mulher branca há o status de ingenuidade, bondade, beleza,
pureza, romantismo e etc., as mulheres pretas não chegavam nem perto das
mesmas colocações, a estas eram negadas a feminilidade, colocadas no auge do
erotismo, depravadas, marginalizadas e exóticas, já que o padrão branco europeu
ainda se mantém. Junto a essa visão desumanizada, também se juntam o
machismo, não eram vistas além do corpo para procriação. Percebe-se que a mulher
negra passa a ser invalidada em todas as posições possíveis.

Quando falamos sobre a solidão da mulher preta, percebe-se que enquanto


sexo e raça, ela sofre com questões que somente mulheres racializadas são
capazes de entender. A construção atemporal de estereótipos, fez com que
mulheres pretas fossem consideradas “más” e incapazes de serem fiéis a seus
parceiros. Para a sociedade patriarcal e machista, uma mulher negra se casando
com um homem branco herdaria o status social de seu cônjuge, o que para Hooks
(2020) seria uma ameaça à hegemonia. Isso impossibilita homens brancos e muitos
negros investirem em relacionamentos românticos e até mesmo realizar negócios
com mulheres pretas.
33

Observando sob uma perspectiva histórica, mulheres, em diferentes


situações, são vítimas de violências. Quando analisamos outros dados relacionados
ao afeto da mulher, nos deparamos com a violência doméstica, podendo ser física,
sexual, psicológica ou financeira. As mulheres negras escravizadas, violência
colonial era constituinte da sua presença naquela estrutura econômica; mulheres
indígenas submetidas às mesmas condições e violações; mulheres brancas, ricas ou
pobres, submetidas a outras formas de posse, submissão e violências (CARNEIRO,
2003).

Os dados do IBGE (2018) mostram que mesmo com tantos direitos


conquistados e políticas públicas sendo feitas para as mulheres, no campo do
trabalho, da educação e da saúde pública elas ainda não estão no mesmo patamar
das mulheres brancas. No campo da violência, a mulher negra parece ter um alvo
grande em suas costas. Segundo o IPEA, no atlas da violência de 2022, a taxa de
homicídios de mulheres negras em 2019 era de 66%. Ou seja, o risco relativo de
uma mulher negra ser vítima de homicídio é 1,7% maior do que o de uma mulher
não negra. (IPEA, 2022)

Quando se trata de violência doméstica, seja ela conjugal ou não, a mulher


preta parece ser a que mais padece. Utilizando dados do Sistema de Informação de
Agravos de Notificações (Sinan, 2013), 70% dos casos de violência física tinham
como alvo as mulheres negras, com 41,6%, sendo superior ao de mulheres brancas,
que ficavam com 39,5% dos casos. Quando se é perguntado sobre onde aconteciam
as violências, o Sinan continua nos mostrando que 44,1% (268.277) aconteceram
nas residências onde moravam e 46,7% em via pública. A violência continua ao
passo que quando pesquisado por quem a violência é cometida, observa-se que
para as mulheres negras, os cônjuges ou ex-cônjuges, ou ainda parentes foram os
que mais cometeram a violência nas residências (IPEA, 2013).

Quando a pandemia se instalou no mundo, não era somente a COVID-19 a


única preocupação. As taxas de feminicídio cresceram assustadoramente,
comparado aos seis últimos meses do ano anterior. Sobre o público a que isso era
acometido, 73% das vítimas de homicídio eram mulheres negras, afirmou a
pesquisadora do Núcleo de Estudos da Violência da Universidade de São Paulo
34

(NEV-USP), Giane Silvestre, em entrevista à repórter Larrisa Bohrer, da Rádio Brasil


Atual. (2020)

Os dados até aqui apresentados, mostram que a violência permanece sendo


predominante quando colocamos o marcador de gênero e raça. Apesar de termos
políticas que visam a proteção das mulheres, como as DEAM e a Lei Maria da
Penha, é perceptível que os índices demonstram seu reduzido alcance para atuar na
proteção e direito à vida das mulheres negras. Olhando sob a perspectiva histórica,
esse fenômeno se dá pelo machismo, racismo, e desigualdade social que o
patriarcado impõe sobre o corpo das mulheres, em especial, as negras.
Desumanizadas desde o período colonial, a mulher vem sofrendo represálias da
sociedade e dos homens ao seu redor, quando decidem romper com os ideais
conservadores, que veem as mulheres apenas como fonte reprodutora e de prazer
ao homem. A violência vem junto com as reivindicações, nas entrelinhas, se trata
apenas de uma sociedade machista, opressora, desigual que teme as mudanças
que as mulheres podem causar na sociedade, principalmente sobre o poder de
decisão.

Se o patriarcado é alterado, desconfortável, com mulheres brancas fazendo


revoluções, o desconforto piora quando as mulheres são negras. Olhadas somente
de duas maneiras na sociedade, uma como seres responsáveis pelo cuidado do lar
e outra como responsáveis pela libido do homem, elas tinham um lugar de serventia,
e ainda na atualidade, é esperado que permaneçam neste lugar. Como é o caso das
domésticas, 21,8% das trabalhadoras são negras (IPEA, 2011).

A violência aqui referida é inseparável de raça e classe. Sendo assim, os


números crescentes de feminicídio e violência doméstica tem um alvo a ser dirigido
e correspondem a ideia de que mesmo com a evolução da sociedade e dos meios
para proteção dessa população, o homem ainda tem suas estruturas sociais
baseadas no machismo, racismo, e um sistema socioeconômico que os protegem, e
por isso permanecem muita das vezes num antagonismo com relação às mulheres
ao seu redor.

Contudo, quando se movimentam para alcançar novos lugares na


sociedade, muitas se deparam com a violência em todos os âmbitos, seja fora ou
35

dentro de casa, a segurança não existe. A crueldade do machismo e do racismo,


associados a um sistema socioeconômico que visa somente o lucro e nada mais,
causa a objetificação e a desumanização do sujeito feminino, quando não vistas
como objeto lucrativo, são objetos de prazer, mesmo que somente para um dos
lados. A sociedade e as cidades em si se tornam campos minados para as
mulheres, uma rua deserta não é somente uma rua deserta.

Sobre a dupla violência que acomete as mulheres negras, podemos


observar que certas coisas não se alteraram das sociedades coloniais.

[...] estudos comprovam que os gestos mais diretos e a linguagem


mais chula eram reservados a negras escravas e forras ou mulatas;
às brancas se direcionavam galanteios e palavras amorosas. Os
convites diretos para fornicação eram feitos predominantemente às
negras e pardas, fossem escravas ou forras. Afinal, a misoginia –
ódio das mulheres – racista da sociedade colonial as classificava
como fáceis, alvos naturais de investidas sexuais, com quem se
podia ir direto ao assunto sem causar melindres. O ditado popular
parecia se confirmar: “Branca para casar, mulata para foder e negra
para trabalhar” (PRIORI, 2013, p. 24).

Se no caso da mulher branca, é o machismo o grande vilão, que comanda


com suas garras a sociedade e impõe regras estapafúrdias, a mulher negra é
enlaçada pelo racismo que define que ela é objeto de uso destituído de qualquer
direito. As violações psicológicas, físicas e sociais são inerentes à lógica racista. O
medo que mulheres negras sentem de serem violentadas em suas variadas formas
foi construído pela sociedade, como uma espécie de cerca, elas estariam seguras
somente se se mantivessem nos limites. Se mostrou uma falácia, principalmente
para mulheres racializadas, não se pensava em pudor quando o assunto eram elas.

Para Goffmann (1981), trata-se de estigmas construídos e socialmente


reforçados:

Por definição, é claro, acreditamos que alguém com um estigma não


seja completamente humano. Com base nisso, fazemos vários tipos
de discriminações, através das quais efetivamente, e muitas vezes
sem pensar, reduzimos suas chances de vida: Construímos uma
teoria do estigma; uma ideologia para explicar a sua inferioridade e
dar conta do perigo que ela representa, racionalizando algumas
vezes uma animosidade baseada em outras diferenças. (GOFFMAN,
1981, p.8)
36

O que as estatísticas demonstram é que mesmo com as criações de


mecanismos de defesa e proteção de mulheres negras. É necessário educar a
população e buscar desconstruir os pensamentos machistas, sexistas e racistas que
insistem em permanecer e faz danos tão potentes na vida de mulheres negras, o
que abordaremos no próximo capítulo.
37

CAPÍTULO 3

A saúde mental de mulheres negras

O cuidado com a saúde mental no Brasil passou a ser uma prioridade na


década de 70. O "movimento sanitário" lutou a favor da mudança dos modelos
"hospitalocêntricos" e melhores gestões na prática de saúde, defesa da saúde
coletiva e equidade na oferta de serviços. A reforma psiquiátrica foi um processo
longo, marcado pelos movimentos sociais e políticos complexos, era necessário a
junção de forças para que enfim as reformas pudessem ser iniciadas.

Através da reforma psiquiátrica, a política de assistência à saúde mental


existente no Brasil, orienta-se pelos princípios do Sistema Único de Saúde (SUS),
que são a universalidade, equidade e integralidade. Através desse conceito,
espera-se que os serviços de saúde, sirvam para todos os indivíduos, se adaptando
às adversidades e tratando o indivíduo como um todo, já que somos seres
biopsicossociais.

Marcado por lutas de vários movimentos contra as internações de longa


permanência, a mercantilização da loucura e a hegemonia da rede privada de
assistência. Inicia-se a tentativa de construir coletivamente uma crítica ao chamado
saber psiquiátrico e ao modelo hospitalocêntrico na assistência às pessoas com
transtornos mentais.

Seguindo o exemplo da desinstitucionalização italiana e sua crítica radical


ao manicômio, o Brasil conseguiu através de muitas reivindicações, começar as
desconstruções e rupturas de assistências que não favoreciam a pessoa com
transtorno mental. Foi no II Congresso Nacional que o Movimento dos Trabalhadores
em Saúde Mental (MTSM) em Bauru (SP) em 1987, adotaram o lema “Por uma
sociedade sem manicômios”. Neste mesmo ano, é realizada a I Conferência
Nacional de Saúde Mental no Rio de Janeiro (MINISTÉRIO DA SAÚDE, 2005).

Segundo a Organização Pan-Americana de Saúde (OPAS), no Brasil o


campo da saúde mental é o mais desinvestido no âmbito da saúde pública. Na
atualidade, se aproximam da marca de 1 bilhão de pessoas diagnosticadas ou
38

convivem com algum transtorno mental no mundo e destas, 3 bilhões de pessoas


têm como causa de morte o uso abusivo de álcool e a cada 40 segundos uma
pessoa é vítima de suicídio.

Apesar da OMS fazer seus alertas, violações de direitos e discriminações


continuam sendo feitas direta e indiretamente a pessoas com transtornos mentais. A
maior parte da população que apresenta este perfil é a de baixa renda(OMS, 2022).

Segundo a OMS, em 2019, quase um bilhão de pessoas, incluindo 14% de


adolescentes do mundo, apresentam sinais de transtornos mentais. O suicídio foi o
responsável por quase 2 a cada 100 mortes. Quando observado de que forma os
transtornos mentais são mais prevalentes, as desigualdades sociais e econômicas,
guerras, emergências de saúde pública, estão no topo do ranking entre as ameaças
mais letais à saúde mental. A depressão e ansiedade aumentaram
consideravelmente, ano após anos depois que a pandemia da Covid-19 se instalou
no mundo (OMS, 2022).

Apesar das inúmeras políticas públicas que visam estabelecer uma maior
igualdade e acesso a uma saúde de qualidade, ainda hoje há muita desinformação e
tratamentos diferentes com a população negra na sociedade. Uma sociedade que
estruturalmente foi moldada sob o racismo, é perceptível que as práticas de
assistência à saúde e/ou saúde mental não funcionam da mesma forma, mostrando
um claro contraste entre o atendimento à população preta e a população branca.
Essa discrepância no modo como lidam com a comunidade não branca e todos os
preconceitos derivados do racismo na vida desses indivíduos culminam numa saúde
física e mental debilitada. Segundo Basaglia devíamos “colocar a doença entre
parênteses para que se pudesse tratar e lidar com sujeitos concretos que sofrem e
experimentam o sofrimento” (LANCETTI e AMARANTE, 2006, p. 623).

Segundo Silva (2005), extensa parte da população negra vive em incessante


sofrimento mental devido, por um lado, às condições de vida precárias atuais e, por
outro, à impossibilidade de antecipar um futuro melhor. Ele aponta diversos sintomas
físicos e psíquicos advindos da permanente condição “de tensão emocional, de
angústia e de ansiedade, com rasgos momentâneos dos distúrbios de conduta e do
pensamento” (p.130).
39

Entendendo todas as camadas em que o racismo se encontra na sociedade,


e o modo como afeta, em especial a população de mulheres negras, é crucial a
criação de medidas e mecanismos que de fato sejam efetivas na promoção da
igualdade. Essa condição constante pode causar transtornos tais como taquicardia,
hipertensão arterial, úlcera gástrica, ansiedade, ataques de pânico, depressão,
dificuldade de falar, ataques de raiva violenta e aparentemente não provocada,
comprometimento da identidade e distorção do autoconceito. Enfim, a exposição
cotidiana a situações humilhantes e constrangedoras podem desencadear um
número de processos desorganizadores dos componentes psíquicos e emocionais.
Se faz urgente, a necessidade de pensar sobre o que pode vir a ser feito nas
relações políticas, econômicas e sociais, pois criar uma sociedade contra o racismo
depende, antes de tudo, de atitudes anti racistas (ALMEIDA, 2019).

Para elucidar este contexto, o texto do IBGE, Desigualdades sociais por cor
ou raça no Brasil (2022), demonstra que apesar de negros e pardos serem mais da
metade da população do Brasil, e da força de trabalho brasileira (54%), apenas
29,9% destas pessoas ocupam cargo de destaque. A renda desta população, em
média gira em torno de R$1.608,00 contra R$ 2.796,00 de pessoas brancas. Esses
disparates também estão na questão da escolaridade, apesar da primeira vez
estarmos como maioria nas instituições de ensino superior, não importa o nível de
estudo que possua, a maior parcela de ocupações informais é de pessoas pretas.
Ou seja, as desigualdades sociais em tantos âmbitos da vida da pessoa preta,
contribuem de modo significativo para o adoecimento e sofrimento mental, que essa,
por sua vez, nem sempre são tratadas com o devido cuidado.

3.1 Violência e a saúde das mulheres negras

No campo da saúde, o movimento negro e de mulheres negras tiveram que


fazer revoluções e reinvindicações desde o período pós abolição. Com as lutas
incessantes pelas reivindicações ao acesso digno à saúde, conseguiram após a
marcha de zumbi de palmares (1995), pesquisadores, ativistas e políticos que
lutavam pela causa, conseguiram provocar a criação do Grupo de Trabalho
Interministerial (GTI), responsáveis pela formulação de propostas de ação
governamental.
40

Uma das ações mais conhecidas para combater as desigualdades raciais é


a Política Nacional de Saúde Integral da População Negra (PNSIPN), que visa
diagnosticar e governar as assimetrias raciais na saúde. Desde então, políticas vêm
sendo feitas e reformas vem sendo continuadas para atender esse público, porém
muito por falta de preparo e consciência racial e por outro lado o desinvestimento de
verbas destinadas a essa população vem mostrando atendimentos precários,
desumanizados e muitas vezes ignorando a subjetividade dessa população, em
específico, da mulher preta.

Quando pensamos em algumas doenças, é visto que a prevalência em


muitos dos casos são da população negra e indígena, como o caso da hipertensão,
caiu 30% para brancos, 6% para indígenas, 1,6% para pardos, porém segue
aumentando quando se refere a pessoas negras brasileiras. (MINISTERIO DA
SAUDE, 2023)

Entrando no campo da segurança pública, o Brasil é um dos países que


mais mata, entretanto essa violência tem um alvo em específico. A mulher negra
parece ter um alvo grande em suas costas. É possível compreender que a violência
está relacionada à estrutura que organiza as relações sociais, sendo reproduzida
diariamente entre a população, especialmente no da juventude negra, portanto, o
racismo deve ser compreendido a partir de sua conexão direta com a violência.

Pesquisas demonstram em números, tais como “Atlas da Violência” (2018) a


taxa de homicídio de jovens pretos e pardos é 2,5 vezes superior à de jovens
brancos. Foram registradas 57.956 mortes violentas no Brasil em 2018, sendo que
75,7% das vítimas eram negras, e as mulheres negras representam 68% do total de
mulheres assassinadas nesse período. (CERQUEIRA et al., 2020).

Segundo o IPEA, no “Atlas da Violência” (2022), a taxa de homicídios de


mulheres negras em 2019 era de 66%. Ou seja, o risco relativo de uma mulher negra
ser vítima de homicídio é 1,7% maior do que o de uma mulher não negra. (IPEA,
2022).

Quando se trata de violência doméstica, seja ela conjugal ou não, a mulher


preta parece ser a que mais padece. Utilizando dados do SINAN, em 2013, 70% dos
41

casos de violência física tinham como alvo as mulheres negras, com 41,6%, sendo
superior ao de mulheres brancas, que ficavam com 39,5% dos casos. Quando
perguntado sobre onde aconteciam as violências, o SINAN continua nos mostrando
que 44,1% (268.277) aconteceram nas residências onde moravam e 46,7% em via
pública. A violência continua ao passo que quando pesquisado por quem a violência
é cometida, observa-se que para as mulheres negras, os cônjuges ou ex-cônjuges,
ou ainda parentes foram os que mais cometeram a violência nas residências (IPEA,
2013).

A violência obstétrica também surge como mais uma das violências


vivenciadas pelas mulheres, principalmente as negras, a equipe médica sem preparo
e recursos, se expressa de forma desumanizada, abusando de medicalização e de
patologização dos processos naturais, que levam à perda da autonomia das
mulheres e às violações de direitos humanos, sexuais e reprodutivos (TESSER,
KNOBEL, & ANDREZZO, 2015).

Nota-se que durante a gravidez, momento tão desafiador de tantas formas


nas vidas das mulheres, é possível encontrar ainda mais obstáculos quando se é
uma mulher racializada. O pré-natal tendo um papel de suma importância na
redução de problemas perinatais, garantindo o controle do desenvolvimento da
gravidez, o diagnóstico e o tratamento de intercorrências clínicas e obstétricas com
repercussões para a saúde materna e fetal, a realização de ações profiláticas
específicas e a redução da exposição da gestante e do feto a fatores de riscos, teve
um aumento entre os anos de 2010 (60,6%) e 2020 (71,0% ) quando verificadas
pela Declaração de Nascidos Vivos (DNV), o que é satisfatório e mostra que as
políticas públicas estão chegando a população de baixa renda. Entretanto, foi
observado que mesmo tendo um aumento considerável por toda raça/cor, há ainda
uma variação entre pessoas brancas, que lideram com (80,9%), seguida da amarela
(74,3%), da preta (68,7%), da parda (66,2%) e da indígena (39,4%) (MINISTÉRIO
DA SAÚDE, 2023)

Voltando ao período escravista, os médicos da época viam os negros e


negras como pessoas resistentes a dor física e por isso não lhes eram necessárias
cuidados como os brancos. Mesmo tendo se passado séculos desde a abolição da
escravidão, a sociedade racista e elitizada, busca formas de desumanizar a mulher
42

negra, frequentemente é dito tanto para as pacientes em trabalho de parto quanto


nas salas de aula para futuros profissionais, que por serem negras, as mulheres
possuem maior resistência a dor. Causando sofrimento desnecessário e
descumprindo leis que asseguram a mulher que se encontra nesta posição, tal como
Diniz (2005) destaca:

A técnica é política, e inscritos nos procedimentos de rotina - na


imobilização, na indução das dores do parto e cortes desnecessários,
na solidão, no desamparo - estão "encarnadas" as relações sociais
de desigualdades: de gênero, de classe, de raça, entre outras ( p.
633).

Segundo dados do Ministério da Saúde de 2012, na comparação das taxas


de mortalidade (por 100.000 habitantes) devido ao uso de álcool, o percentual de
pretos é de 5,93 e o de pardos 3,89, enquanto, o percentual de brancos é de 2,69 e
o de amarelos, 0,86. Quando o tema é a taxa de mortalidade por suicídio em jovens,
a situação se agrava: em 2016, a cada 10 suicídios em adolescentes, 6 ocorreram
entre negros.
Para Costa (1984, p.104), "É a violência racista que, como um peso
insuportável, se impõe ao negro, através de uma "norma psico socio somática",
criada e imposta por uma classe dominante branca”. A violência, diz Costa, reside no
fato de que as reações racistas se baseiam na destruição da identidade do negro.
Essa dificuldade na criação de si mesmo por estar envolto numa sociedade que
valoriza o branco, traz uma das muitas dores pelo sentir deslocado.

Na adolescência, fase em que estamos criando nossa personalidade e modo


de ver a vida, as meninas negras sofrem com a baixa autoestima, ao serem
preteridas por seus pretendentes, e isso não acontece somente por uma escolha
qualquer do outro, e sim, porque o principal motivo para não ser correspondida é o
fato de serem negras. Esse fator contribui por uma busca incessante por um Eu
ideal, que se assemelha ao padrão estético europeu branco. Esse ideal, faz com que
essas meninas passem anos buscando através de mudanças físicas se parecer com
o Outro desejável:

O racismo esconde assim seu verdadeiro rosto. Pela repressão ou


persuasão. leva o sujeito negro a desejar, invejar e projetar.um futuro
identiricatório antagônico em relação à realidade de seu corpo e de
sua história étnica e pessoal. (COSTA, 1986, p. 106)
43

É com base em todas essas violências que atravessam o corpo negro, em


especial, da mulher negra, que sua saúde física e psicológica deteriora se com o
tempo. Se faz com absoluta urgência medidas que combatam o racismo de maneira
mais incisiva, pois mesmo os meios já utilizados, como políticas públicas de
assistência e proteção, essa população ainda carece de acolhimento adequado a
suas vivências e subjetividades, afinal, o Brasil tendo o sistema único de saúde,
pregando equidade, deveria pôr em prática o real significado dessa palavra dentro e
fora do sistema de saúde.

Portanto, analisando todas as violências expostas neste capítulo, é possível


compreender que sem o direito à igualdade no mercado de trabalho, sem condições
básicas de sobrevivência, sem o respeito a maternidade e o seus pais, sem o direito
a moradias dignas e lugares que deem o acesso necessário para obtenção de
direitos, se torna praticamente impossível que uma saúde, tanto física quanto
psicológica se mantenha estável. Consequentemente, quando colocados sobre o
marcador de cor/raça, vemos que a saúde mental da população negra se encontra
em estados preocupantes.
44

CONSIDERAÇÕES FINAIS

A trajetória percorrida por este trabalho se baseou primeiramente, em buscar


pela história do período escravocrata no Brasil até os dias atuais, onde foi possível
compreender que o racismo se encontra como racismo estrutural, a partir da
compreensão de Silvio Almeida (2020).

O Brasil viveu um período obscuro, a escravidão foi extremamente violenta,


no qual os negros eram tratados com desprezo e comercializadas como animais. As
violências não se mantêm somente pela parte física, pois a parte psicológica e
sexual também era utilizada para ferir negra(o)s. Principalmente, a mulher negra,
pois quando eram destituídas de gênero eram tratadas como animais e quando lhes
eram lembradas de seu gênero, eram violentadas brutalmente. Entretanto, mesmo
após tantas violências terem acontecido com essa população, ela continuou
resistindo a escravidão e a toda violência a que lhes eram atribuídos, a fim da
preservação dos laços familiares, sociais e entre outros.

O racismo é hoje considerado um crime e os responsáveis por ele devem


ser punidos efetivamente, pois vivemos em uma sociedade em que as
desigualdades raciais não são algo isolado, pelo contrário, elas estão na estrutura
do país e em cada espaço da sociedade. Podemos observar essa assimetria
através, por exemplo, dos alvos da violência, que costuma ser homens jovens e
negros e mulheres negras.

As ações afirmativas que visam estabelecer a diminuição das


desigualdades, são de extrema importância para que, com o tempo, brancos e
negros possam ter melhores oportunidades nos vários âmbitos na sociedade.

Por existir ainda o "mito da democracia racial", é de suma importância o


debate sobre o assunto, pois é através da informação correta que as políticas
públicas voltadas à população negra possam passar sem tantos preconceitos.
Contudo, a crença neste mito faz com que as classes dominantes e brancas do
nosso país continuem mantendo seus privilégios e impedindo que outros tenham os
mesmos acessos que eles. Nesse sentido, importante declarar que nunca houve
45

democracia racial neste país, pelo contrário, ainda nos encontramos muito distantes
dessa realidade que chega a ser uma utopia.

Neste trabalho, também foi abordado como todo o percurso de violência que
a mulher negra sofre, culminam em um sofrimento mental. Pois as condições de vida
precárias, trabalhos mal remunerados, a violência física, psicológica, jurídica e do
estado, fazem com que seja impossível sonhar com um futuro melhor. Além disso, a
falta de preparo que a rede de saúde e redes como um todo, trazem o sofrimento e o
esgotamento mental e físico a mulher negra que já se encontra debilitada
emocionalmente. Um exemplo do despreparo para com essa população, é o fato de
muitas vezes serem negadas anestesias a essas mulheres no trabalho de parto, por
terem o ideal racista de que mulheres negras são insensíveis à dor.

Portanto, é de fato crucial que medidas sejam criadas dentro e fora do


sistema para atender de maneira digna e adequada as mulheres negras que
necessitam de alguma assistência, pois o racismo faz vítimas e viola
constantemente, de variadas maneiros o corpo negro. É impossível negar que o
racismo fere, mata e faz vítimas todos os dias no Brasil.
46

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