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Racismo e Saúde Mental: A Manutenção Do Sofrimento Psíquico em Pessoas Pretas
Racismo e Saúde Mental: A Manutenção Do Sofrimento Psíquico em Pessoas Pretas
Racismo e Saúde Mental: A Manutenção Do Sofrimento Psíquico em Pessoas Pretas
CURSO DE PSICOLOGIA
Rio de Janeiro
2023.2
JACQUESCIANE MARILYA PEREIRA DA SILVA
Rio de Janeiro
2023.2
JACQUESCIANE MARILYA PEREIRA DA SILVA
APROVADA EM 06/12/2023
Nota: 9,5
BANCA EXAMINADORA
A mim mesma, apesar de todas as coisas, não ter desistido e ido até o fim. Aos
meus guias, por me ouvirem reclamar dia e noite e terem toda paciência comigo. A
minha namorada Pandora, por ter me visto nessa correria que foi este ano e ter me
auxiliado, sendo tão compreensiva neste processo.
A minha mãe, que mesmo com seu jeito silencioso, fez de tudo para que eu tivesse
a paz necessária para escrever.
A Miguel e Giovana, meus irmãos queridos, que mesmo sem querer me deram a
força necessária para eu não cair de vez.
DEDICATÓRIA
This research aims to articulate racism, gender inequality and mental health. The
author was motivated to make this dialogue due to her experiences within racism and
as a woman. In addition to reporting statements from patients who expressed the
racism they experienced. From this panorama, think about what happens in the face
of all these interconnections, as well as the effects of the violence of racism on the
mental health of black women. The path chosen to think about these interconnections
was to analyze the slavery period, gender and femininity and the violent impacts of
racism.
INTRODUÇÃO 10
CAPÍTULO 1 14
Brasil colônia e racismo: práticas racistas que permanecem até hoje 14
1.1 - Da Abolição ao encarceramento 17
1.2 O Mito da Democracia Racial de mulheres negras 22
CAPÍTULO 2 26
Feminilidade e Gênero no Brasil 26
2.1 A Feminilidade e a modernidade 28
2.2 Movimento de Mulheres no Brasil 29
2.3 Mulheres negras no Brasil 31
CAPÍTULO 3 37
A saúde mental de mulheres negras 37
3.1 Violência e a saúde das mulheres negras 39
CONSIDERAÇÕES FINAIS 44
REFERÊNCIAS 46
10
INTRODUÇÃO
A presente questão surgiu por vivências pessoais, onde ser uma pessoa
negra e ter tido o entendimento dessa questão tardiamente, pelo fato de ser filha de
um casal interracial, colaboraram para que o não pertencimento pela minha cor de
pele me colocassem numa espécie de limbo racial, que contribuiu fortemente para o
adoecimento psíquico.
estrutural que associa pessoas negras e pardas a serviços com menos prestígio
social.
outros autores pertinentes ao tema, fica explícito que o racismo e a misoginia têm
alvos e faz vítimas todos os dias, seja direta ou indiretamente.
14
CAPÍTULO 1
Não se sabe exatamente de onde surgiu o termo raça, porém o que se sabe
é que seu uso está de alguma forma ligado a classificações ou hierarquias de
pessoas pelas características físicas e intelectuais. Pegando uma parte da história
em que houve as primeiras descobertas de novas terras e o mercantilismo
crescente, o ideal de raça foi ganhando um sentido cultural forte.
único e ao mesmo tempo diverso dentro da existência humana. Deste modo, essa
visão do ser humano ser parte de algum tipo de comunidade, cedeu o lugar para,
mais tarde, a concepção ideológica. Todos que não fossem iguais a esse ideal
seriam seres menos evoluídos (ALMEIDA, 2019).
A situação das mulheres negras não era diferente da dos homens. Após a
abolição, elas precisavam se inserir no mercado de trabalho, muitas vezes era
preciso se submeter a horas de trabalho abusivas, pagamentos atrasados ou muito
baixos e impossibilidade de sobreviver. Com o período escravista finalizado, elas
precisavam se reinventar, e criar possibilidades para si mesmas e seus entes
queridos, o que às vezes as deixavam numa dependência com pessoas importantes,
criando laços cada vez mais apertados para serem desfeitos. Outra questão que
evidenciava o sofrimento dessas mulheres, era o estreitamento no mercado de
18
Esse "privilégio" com relação aos homens em ter trabalhos mais estáveis, as
mulheres muitas se viam como chefes das suas famílias, pois residiam nas casas e
também sustentavam as mesmas, já que seus maridos só conseguiam empregos
nas áreas rurais ou de serviços braçais com baixa remuneração. Para Bastide: “a
autoridade pertence àquele que sustenta a casa, e, como frequentemente a mulher
trabalha enquanto o marido não encontra emprego, a família tende a tomar uma
forma ‘matriarcal’” (1974, p. 35).
Essa forma, segundo Bernardo (1998), vem das raízes da África, sendo de
suma importância para esclarecer a organização social negra nas Américas. Sem as
mãos de obra de negros e com a vinda de imigrantes para sustentar a economia do
país, os negros viraram um amontoado de pessoas sem expectativas pelo futuro.
Largados pela cidade e hostilizados, acabavam construindo moradias em locais
distantes do centro urbano, onde tudo era muito precário, nascendo assim as favelas
que conhecemos hoje em dia. Diante disso, muitos se desdobravam para conseguir
bicos ou trabalhos braçais que eram muito mal remunerados. Ou, no caso das
mulheres, trabalhavam como empregadas domésticas, babás e tudo o que
remetesse ao ato de servir.
Com a vinda dos imigrantes para o país, surgiram alguns fenômenos que
traziam à tona o desprezo pela população negra e tudo o que viesse dela, e a teoria
do embranquecimento foi uma delas. Junto à elite brasileira, foi criado um projeto
que visava dizimar a população negra em até 100 anos. O fundador do projeto de
cunho eugenista, o antropólogo e médico carioca João Baptista de Lacerda levou
seu pensamento em forma de projeto ao Congresso Universal das Raças, em
Londres, em 1911, defendendo que através da miscigenação da população negra
com os imigrantes, seria possível um embranquecimento gradual da população
bastarda. O evento que reunia os representantes dos vários países recém
colonizados, tinha em vista discutir o futuro desses países, porém, o que de fato
acontecia nessas reuniões advinha de propostas extremamente eugenistas,
debatendo como combater a população negra e indígena que eram maioria desses
países (FERNANDES, 2022).
Na imagem, aparece uma senhora negra retinta, sua filha negra de pele
clara, um homem de pele branca, que aparenta ser marido de sua filha e um bebê
1
BROCOS, Modesto (1895). Google Arts and Culture
21
algo normal e consensual, e não fruto de abusos sexuais de homens brancos com
mulheres negras durante séculos. Assim, o racismo foi sendo mascarado e
naturalizado pelo mito da democracia racial, fazendo com que certas violências
fossem ignoradas. E se houvesse opiniões contrárias a essa teoria, como os
movimentos, eram punidos com violência, opressões e até mesmo sendo presos por
crime contra o país. Contudo, após a Segunda Guerra Mundial, a Organização das
Nações Unidas para a Educação, Ciência e Cultura (UNESCO) financiou um grande
projeto de pesquisa sobre o Brasil.
Mesmo com políticas públicas que auxiliam essa população, como é o caso
do bolsa família e do sistema de cotas, o mito da democracia racial ainda se faz
presente, sendo um obstáculo para a integração da população negra e pobre aos
ambientes considerados elitizados, como faculdades e concursos públicos.
Dessa forma, entende-se que o mito da democracia racial não existe. Está
evidente para o movimento negro e por toda esta população entretanto não está tão
bem entendido para o resto da população. O que muitos veem como vantagem, na
criação de cotas, outros entendem que se trata de reparação histórica, pois a
população negra, mesmo após séculos desde a abolição, ainda sofre com os
resquícios do racismo na estrutura da sociedade.
CAPÍTULO 2
A Igreja, durante o século XIX foi uma importante via de manipulação, para
apresentar a oposição entre maternidade e desejo feminino. Pelo cristianismo, a
relação sexual era permitida apenas para fins reprodutivos, negando e silenciando
qualquer dimensão do desejo no corpo feminino. (ALMEIDA, 2012)
Note-se ainda como a repressão sob os corpos das mulheres até quase o
século XIX, apresentava o domínio exclusivo da igreja e do campo do saber através
de pensadores e pesquisadores que julgavam o que era lícito ou ilícito. Já na
modernidade, conseguimos perceber como este campo tinha uma importância
estratégica, passando a estar sujeito a novos mecanismos de controle e
institucionalização (FOUCAULT, 1994).
Segundo Santos (2013) a ordem social funciona como uma imensa máquina
simbólica que tende a ratificar a dominação masculina sobre a qual se alicerça,
alguns pontos são nítidos. A divisão social do trabalho, distribuição bastante estrita
das atividades atribuídas a cada um dos dois sexos, de seu local, seu momento,
seus instrumentos. A estrutura do espaço, opondo o lugar de assembleia ou de
mercado, reservados aos homens e a casa reservada às mulheres, ou no interior
desta, entre a parte masculina, com o salão, e a parte feminina, com o estábulo, a
água e os vegetais. A estrutura do tempo, a jornada, o ano agrário, ou o ciclo de
vida, com momentos de ruptura masculinos, e longos períodos de gestação,
femininos (SANTOS, p.18, 2013 Apud BOURDIEU, 2012)
Foi com muita luta que as mulheres passaram a reivindicar seus direitos
perante a sociedade. Isso só foi possível graças ao movimento feminino ou
feminista, que eram um conjunto de mulheres insatisfeitas com a vida e o valor que
tinham dentro da sociedade.
Quando decidimos olhar a mulher também pelo contexto racial, vemos que
mesmo diante de tantas conquistas femininas, como direito ao voto, as pílulas
anticoncepcionais, a melhores condições de trabalho etc. Nem todas as mulheres
31
eram contempladas com essas conquistas. As mulheres pretas eram, muita das
vezes, invisíveis ao movimento feminista e ao movimento negro, se fazendo
importante criarem ali, os recortes raciais e de gênero, fundando o feminismo negro.
O jeito que a sociedade olhava e ainda olha para mulheres brancas e pretas
não são iguais. Para a mulher branca há o status de ingenuidade, bondade, beleza,
pureza, romantismo e etc., as mulheres pretas não chegavam nem perto das
mesmas colocações, a estas eram negadas a feminilidade, colocadas no auge do
erotismo, depravadas, marginalizadas e exóticas, já que o padrão branco europeu
ainda se mantém. Junto a essa visão desumanizada, também se juntam o
machismo, não eram vistas além do corpo para procriação. Percebe-se que a mulher
negra passa a ser invalidada em todas as posições possíveis.
CAPÍTULO 3
Apesar das inúmeras políticas públicas que visam estabelecer uma maior
igualdade e acesso a uma saúde de qualidade, ainda hoje há muita desinformação e
tratamentos diferentes com a população negra na sociedade. Uma sociedade que
estruturalmente foi moldada sob o racismo, é perceptível que as práticas de
assistência à saúde e/ou saúde mental não funcionam da mesma forma, mostrando
um claro contraste entre o atendimento à população preta e a população branca.
Essa discrepância no modo como lidam com a comunidade não branca e todos os
preconceitos derivados do racismo na vida desses indivíduos culminam numa saúde
física e mental debilitada. Segundo Basaglia devíamos “colocar a doença entre
parênteses para que se pudesse tratar e lidar com sujeitos concretos que sofrem e
experimentam o sofrimento” (LANCETTI e AMARANTE, 2006, p. 623).
Para elucidar este contexto, o texto do IBGE, Desigualdades sociais por cor
ou raça no Brasil (2022), demonstra que apesar de negros e pardos serem mais da
metade da população do Brasil, e da força de trabalho brasileira (54%), apenas
29,9% destas pessoas ocupam cargo de destaque. A renda desta população, em
média gira em torno de R$1.608,00 contra R$ 2.796,00 de pessoas brancas. Esses
disparates também estão na questão da escolaridade, apesar da primeira vez
estarmos como maioria nas instituições de ensino superior, não importa o nível de
estudo que possua, a maior parcela de ocupações informais é de pessoas pretas.
Ou seja, as desigualdades sociais em tantos âmbitos da vida da pessoa preta,
contribuem de modo significativo para o adoecimento e sofrimento mental, que essa,
por sua vez, nem sempre são tratadas com o devido cuidado.
casos de violência física tinham como alvo as mulheres negras, com 41,6%, sendo
superior ao de mulheres brancas, que ficavam com 39,5% dos casos. Quando
perguntado sobre onde aconteciam as violências, o SINAN continua nos mostrando
que 44,1% (268.277) aconteceram nas residências onde moravam e 46,7% em via
pública. A violência continua ao passo que quando pesquisado por quem a violência
é cometida, observa-se que para as mulheres negras, os cônjuges ou ex-cônjuges,
ou ainda parentes foram os que mais cometeram a violência nas residências (IPEA,
2013).
CONSIDERAÇÕES FINAIS
democracia racial neste país, pelo contrário, ainda nos encontramos muito distantes
dessa realidade que chega a ser uma utopia.
Neste trabalho, também foi abordado como todo o percurso de violência que
a mulher negra sofre, culminam em um sofrimento mental. Pois as condições de vida
precárias, trabalhos mal remunerados, a violência física, psicológica, jurídica e do
estado, fazem com que seja impossível sonhar com um futuro melhor. Além disso, a
falta de preparo que a rede de saúde e redes como um todo, trazem o sofrimento e o
esgotamento mental e físico a mulher negra que já se encontra debilitada
emocionalmente. Um exemplo do despreparo para com essa população, é o fato de
muitas vezes serem negadas anestesias a essas mulheres no trabalho de parto, por
terem o ideal racista de que mulheres negras são insensíveis à dor.
REFERÊNCIAS
AZEVEDO, Célia Maria Marinho de. Onda Negra, Medo Branco: o negro no
imaginario das elites. Rio de Janeiro. editora: Paz e Terra, 1987.
https://www.geledes.org.br/a-saude-mental-da-populacao-negra-importa-por-que-ain
da-precisamos-afirmar/. Acesso em: 07 out. 2023.
DAVIS, A . Mulheres, raça e classe. 1. ed. São Paulo: Boitempo, 2016. 262 p.
REIS, J. J. Quilombos e revoltas escravas no Brasil. Revista USP, [S. l.], n. 28, p.
14-39, 1996. DOI: 10.11606/issn.2316-9036.v0i28p14-39. Disponível em:
https://www.revistas.usp.br/revusp/article/view/28362. Acesso em: 16 jun. 2023.