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Semiótica e Museu
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SEMIOL
Q.2
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SEMIOTIC
nessas ciências a estrutura das relações mentais, dos processos lógicos e abstra-
tos que governam o pensamento e a linguagem, como base para a comunicação
(Q.2).
Enquanto Saussure se preocupava em explicar a estrutura dos signos tendo
como fundamento os estudos de linguagem verbal, focalizando principalmente os
processos da significação, Peirce procurou explicar os mecanismos dos signos, o
processo das trocas mentais de idéi as abstratas através de sinais concretos, que
ele denomina o processo infinito da semiose, ou da geração de sentido, no pro-
cesso de comunicação entre indivíduos, ou entre indivíduos e a realidade concre-
ta. A Semiótica de Peirce amplia assim o enfoque e o alcance dessa nova doutrina
e possibilita uma fundamentação mais científica para uma teoria da comunicação.
A escola de Semiologia oriunda dos cursos de Saussure, apesar de toda a
gama de enfoques e explorações teóricas desenvolvidas ao longo de seu percurso,
mantém inevitavelmente a referência à linguagem verbal e aos paradigmas da Lin-
güística, formalizados pelo grande mestre. A influência de Saussure foi determi-
nante na obra de sucessivas gerações de estudiosos, entre os quais os membros do
Círculo Lingüístico de Praga, a Escola Soviética de Tartu, o Círculo Lingüístico
de Moscou e de Copenhague, e entre os nomes fundamentais para os estudos da
Semiótica estão Roman Jakobson, Iuri Lotman, Ivanov e Todorov, Louis Hjelmslev,
entre muitos outros. Roland Barthes, um dos maiores críticos literários e sernió-
logos da modernidade, inverte a proposição de Saussure, sugerindo que a Semióti-
ca, ou a Semiologia, como o estudo das linguagens não-verbais, poderia ser vista
como uma parte integrante de uma Li ngüística Geral, que abarcasse todas as li 11-
guagens.
A Semiótica derivada de Peirce e de outros teóricos anglo-saxões não se
limita aos parâmetros da Lingüística, como princípios fundamentais, mas a vê como
um dos possíveis ramos da Semiótica Geral, considerada ainda em elaboração.
Umberto Eco, um dos mestres e teóricos da Semiótica contemporânea, re-
laciona uma série de disciplinas e campos de estudo passíveis de serem abordados
sob o enfoque da Semiótica.
• a "Zoo-Semiótica", por exemplo, que estuda os sistemas de comunicação
dos animais, como um limite inferior da Semiótica, mas que revela alguns meca-
nismos de comunicação presentes na linguagem humana;
• a "Semiótica Médica", a primeira disciplina a utilizar esta designação, a
Semiótica, como o estudo dos sistemas e sinais que permitem aos médicos diag-
nosticar e descrever os diferentes sintomas e patologias;
• as linguagens artificiais ou científicas e seus sistemas de sinais lógicos e
convencionais, como a Matemática, a Álgebra, a Química, a Física, ou as lingua-
gens dos computadores e seus sistemas de operação em códigos binários, o códi-
go Morse, o alfabeto dos surdos-mudos, os sinais de trânsito, ou os códigos de
bandeiras e apitos usados na navegação;
• as linguagens não-verbais, como a mímica, o gesto, a "proxêrnica", a mú-
sica e a dança, as artes plásticas, que articulam signos e comunicam mensagens
em sistemas mais ou menos convencionais e sistematizados.
14 ESTUDOS DE MUSEOLOGIA
I "SIGNIFICADO"
ARBRE '"SIGNIFICANTE"
SAUSSURE, 1916
e, __e
"ARVORE"
I I I
I I
duW
I
16 ESTUDOS DE MUSEOLOGlA
Pt nome
PIL------
U. ECO, 1979
P2
Q.5
a estrutura do signo
interpretante
homem/sujei to
signo objeto
objeto/bem cultural espaço/cenário
Peirce, 1931
SEMIÓTICA E MUSEU
tro Museu, em Figueras, fez isso constantemente, por uma questão de princípios:
o Thesaurus surrealista desafia a ordem, a lógica, os sistemas convencionais e
utiliza o poder da infração das regras para comunicar a expressar seus discursos
sobre a realidade. É possível nos perguntarmos aqui se não é freqüentemente a
infração das regras, a quebra das convenções, que permitem a invenção e a renova-
ção, o avanço em qualquer área da criatividade humana.
No processo da comunicação museológica os objetos não falam por si, como
não "valem por si". Quanto vale um pedaço da forca de Tiradentes? Os objetos
~... "museais", como signos de Ulua linguagem, têm o valor daquilo que eles signifi-
cam como valores culturais ou unidades culturais, a partir do princípio de que são
reconhecidos coletivamente como valores de uma determinada cultura, em deter-
minado tempo e espaço. A convenção social que suporta a idéia de museus como
lugares onde esses valores culturais são preservados, estudados e expostos, para o
enriquecimento cultural da sociedade, é o primeiro código que explica e justifica
o conceito de "rnusealidade" - tudo o que está no museu, em princípio, tem valor,
é significativo e deve ser preservado. Sabemos, entretanto, que o que está nos
museus, e foi coletado e selecionado, é resultado de uma escolha dos museólogos
e especialistas em cada matéria, os quais determinam o que tem valor, e o que não
interessa, de acordo com seus códigos acadêmicos e particulares. O princípio da
autoridade do discurso museológico pode configurar aqui um segundo aspecto do
código da "musealidade".
Mas será que podemos falar de uma vassoura "museal", do telefone "museal",
do livro de ponto ou da xerox "museais", só porque essas coisas também se encon-
tram nos museus? No dia em que houver um museu dos museus, esses objetos
poderão adquirir talvez a qualidade a que nos referimos... Mas o que se passa nos
museus, em sua prática quotidiana? O sistema dos objetos, de que fala Baudri-
llard, o mercado das trocas simbólicas, descrito por Bourdieu, ou a "cozinha dos
sentidos", proposta por Roland Barthes, mostram-nos claramente a complexidade
das relações e das inter-relações que se estabelecem entre os homens e os obje-
tos, e nos dão elementos para compreender melhor a noção de "museali dade".
Nem todos os objetos que chegam a um museu são signos, embora muitos
deles já cheguem com o seu pedigree cultural, identificados como valores signi-
ficativos, como signos culturais, adquiridos, doados ou coletados pela institui-
ção. Outros, entretanto, podem ter sido trazidos por doadores ingênuos, que tra-
zem os seus signos particulares e individuais, ou foram recolhidos em algum lu-
gar, em alguma escavação amadora, ou até mesmo por uma criança curiosa.
No momento em que são trazidos ao museu, estes objetos são signos em
potencial, como as relíquias do sótão da vovó. São, na verdade, estímulos, que
podem levar-nos a descobrir neles a sua função significativa, a partir do momento
em que são estudados e analisados. Os objetos se tornam signos no momento em
que são investidos de significado, pelos curadores, pelos arqueólogos, pelos edu-
cadores. O que não quer dizer que estes objetos não possam ter o valor de signos
para quem os fez, usou, achou ou comprou, ao longo de sua história, ou de seu
percurso até a vi trine do museu, ou até a lata de lixo.
SEMIÓTICA E MUSEU
o processo semiótico na
musealização
FI F2
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I / F3
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PM
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.------ --- F4
:::::: NOME(tipo)
F 1 - "peça de museu"
F 2 - "objeto arqueológico"
F 3 - 'utensílio lítico"
F 4 - "espécime raro do tipo ... "
etc...
SEMIÓTICA E IUSEU
mas não podemos falar da "mllsealidade" sem viajar pelo universo infinito da aven-
tura semiótica.
I, Paradígmns Impopulares
O desafio contemporâneo primeiro dos museus de história natural e antro-
pologia é o de transmutar seus visitantes de seu estado de curiosidade passiva,
para um estado de engajamento ativo com as coleções, as exposições, bem como
com seus guias e monitores. Temos que não apenas satisfazer suas necessidades
de encontro com celebridades exóticas das coleções, mas permitir ao visitante
ver pela primeira vez o que lhe deveria ser inteiramente familiar. Qual o ecossis-
tema de uma casa? Como é a vida em uma favela? Como a natureza se adapta à
ocupação urbana? Como se sobrevive sob os viadutos, às margens de rios esque-
cidos, ou simplesmente em comunidades instantâneas como garimpos?
Os meios de comunicação, especialmente a TV e o turismo, alteraram nos-
so mundo e a própria maneira como o percebemos. O exótico tornou-se próximo
e familiar, e o familiar distante e exótico. Ironicamente, os visi tantes con hecem
mais sobre os "peles vermelhas" que sobre os Waimiri-Atroari e Urubu-Kaapor.
Chamam uma onça de tigre, e ignoram a diferença entre crocodi los africanos e
jacarés do Pantanal. Deslizando pelas exposições a meio quilômetro por minuto,
para a maioria dos visitantes, seu meio ambiente próximo é uma anônima mancha
de verde ou, na maioria dos casos, cinza concreto. Quantos poderão identificar
até mesmo as árvores mais comuns, o mato rasteiro, insetos e pássaros no meio
em que habitam? Infelizmente os visitantes possuem pouco ou nenhum contato
tangível com a compreensão do ecossistema onde vivem e do qual dependem. Em
minha experiência, visitantes externos à Amazônia dominam mais informações
sobre a região que os locais. Exceto pelos Kayapó e lanomami que, pela via da
"rnidia" - nem sempre responsável - entraram na casa de milhões, são incapazes de
citar qualquer outro grupo indígena amazônico. Pior, em sua concepção, todas as
peças expostas em museus pertencem a grupos extintos.
É aqui, creio eu, onde as coleções, idéias, informações e resultados de pes-
quisas nos museus antropológicos têm um papel a desempenhar. Esses museus
encontram-se hoje à beira de uma fenda cultural. O paradigma do progresso verti-
cal inclina-se rapidamente para um de progresso horizontal, globalmente interco-
nectado e interdependente - o paradigma do lugar que os povos têm na natureza.
Não mais nos vemos como mestres da ordem natural das coisas, no topo da
espiral darwiniana, sobre as quais recebemos domínio divino, mas como partici-
pantes de um sistema ecológico conexo e horizontalmente interdependente, sobre
o qual se superpõe um sistema cultural pluralístico. A vulnerabilidade de ambos
desencadeou a urgência no interesse pela natureza. Num mundo em degradação,
os museus antropológicos, os museus de história natural e os museus de ciências
em geral não mais podem dar-se ao luxo de manterem-se como instituições erudi-