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EM PORTUGAL (XVIII-XX)
TÍTULO
Espaços e Actores da Ciência em Portugal (XVIII-XX)
COORDENAÇÃO
Maria Fernanda Rollo, Maria de Fátima Nunes,
Madalena Esperança Pina e Maria Inês Queiroz
DESIGN E PAGINAÇÃO
Nuno Ribeiro e Nuno Pacheco Silva
ISBN
978-989-658-
DEPÓSITO LEGAL
___/14
DATA DE EDIÇÃO
Junho de 2014
EDIÇÃO
ORGANIZAÇÃO
APOIO INSTITUCIONAL
ESPAÇOS E ACTORES DA CIÊNCIA
EM PORTUGAL (XVIII-XX)
COORDENAÇÃO
INTRODUÇÃO 0
INTRODUÇÃO
7
da História enquanto Ciência Social e linguagens cientíicas oriundas de vários
saberes da Ciência, com a carga de um tempo histórico incorporado.
Tendo presentes as diversas linhas de investigação e a actualidade destas ques-
tões, o encontro reuniu também relexões sobre metodologias de investigação em
História da Ciência e arquivos de ciência (também eles espaços de ciência), asso-
ciando questões mais intimamente ligadas ao património cientíico museológico,
identiicando protagonistas, espaços de desenvolvimento e produção cientíica e o
modo como participaram na construção de agendas de investigação e ciência.
Os dois dias de trabalhos foram organizados nos seguintes paineis temáticos:
Painel 1 – Espaços e Actores: lugares da Ciência
Painel 2 – Organização da ciência: promotores e organismos
Painel 3 - Internacionalização cientíica em Portugal: agentes e dinâmicas
Painel 4 - Espaços e actores: protagonistas da Ciência
Painel 5 - Património museológico e arquivos de Ciência
Os contributos dos conferencistas do Brasil e de Espanha, convidados a integrar
estas sessões, suscitaram novas linhas de abordagem e estudo para a história com-
parada da Ciência, dos seus principais agentes e promotores, promovendo mesmo
a projecção de novas iniciativas conjuntas, de carácter internacional.
Tendo presentes os objectivos gerais e as linhas de acção propostas pelo HetSci,
a realização deste Encontro permitiu assim cruzar perspectivas e abordagens de
natureza diversiicada, tendo em consideração os painéis temáticos propostos, esti-
mulando desta forma a interdisciplinaridade e o debate.
O livro que agora se publica reproduz uma parte signiicativa das comunicações
apresentadas aos diferentes painéis temáticos, assinalando precisamente a primeira
iniciativa organizada pelo Hetsci.
COORDENAÇÃO
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ESPAÇOS E ACTORES:
LUGARES DA CIÊNCIA
A Criação do Observatório Astronómico
da Universidade de Coimbra (1799)
e o Estabelecimento do seu Programa Científico
Fernando B. Figueiredo1
Centro de Geofísica da Universidade de Coimbra/Departamento de Matemática da Universidade de Coimbra
1 bandeira@mat.uc.pt
2 O plano de estudos do novo curso mathematico compreendia 7 cadeiras (4 na Faculdade de Matemática e 3 na de
Filosoia): 1º ano: Geometria + Filosoia Racional e Moral + História Natural; 2º ano: Álgebra + Física Experi-
mental; 3º ano: Foronomia (Física-Matemática Aplicada); 4º ano: Astronomia. Havia ainda uma cadeira anexa
de Desenho e Arquitectura que poderia ser frequentada no 3º ou 4º ano.
3 É precisamente durante o século XVIII que na Europa a astronomia se torna na primeira ciência aplicada a to-
mar um papel cimeiro na hierarquia das ciências. A título de curiosidade veja-se a percentagem de membros da
Académie Royal dês Sciences de Paris, um dos centros mundiais de ciência mais importantes do século XVIII,
cujo interesse académico se centrava na astronomia: 16,4%; só ultrapassada pelos membros que se interessava por
botânica e pela história natural: 18,7% [McClellan 1981].
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ESPAÇOS E ACTORES DA CIÊNCIA EM PORTUGAL (XVIII-XX)
4 A propósito destes conceitos de observatórios universitários e nacionais, veja-se [Hutchins 1999, pp.4-22].
5 “[...] Para isso distribuirá os discípulos em turmas, que lhe assistirão no Observatório pelos seus turnos […] e
lhes ensinará o uso dos Instrumentos, fazendo muito por formá-los na precisão, e delicadeza escrupulosa, que
distingue os Grandes Observadores, úteis ao progresso da Astronomia” [Estatutos 1772, v.3 p.195, 203]; “com
o cuidado expresso de distinguir e não deixar interferir as aulas e a prática lectiva com as observações e práticas
astronómicas quotidianas do Observatório” [C.R 4-12-1799, §.9].
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A CRIAÇÃO DO OBSERVATÓRIO ASTRONÓMICO DA UNIVERSIDADE DE COIMBRA (1799)
E O ESTABELECIMENTO DO SEU PROGRAMA CIENTÍFICO
Hoje, a maior parte dos muitos visitantes que franqueiam a Porta Férrea da
Universidade e olham, ao entrar no Pátio das Escolas, à sua esquerda e se aproxi-
mam do varandim para desfrutar a imensa vista sobre a baixa da cidade e do rio
Mondego, não sabe que era aí que durante muitos anos (c.150 anos) esteve edi-
icado o Observatório Astronómico da Universidade de Coimbra (OAUC) – um
edifício de coniguração rectangular, “constituído por três corpos contíguos em que
o central é três vezes mais alto do que os laterais.” [Bandeira 1943-1947, p.129] –,
demolido aquando das obras de requaliicação da Universidade de Coimbra nos
anos 40 e 50 do século XX. Porém, este Observatório instalado no Pátio não foi
aquele que a Reforma Pombalina previu ediicar. O sítio que se determinou pri-
meiramente para a construção do Observatório foi o Castelo da cidade, que se
situava na vertente da Alta de Coimbra oposta ao Paço das Escolas, onde hoje é o
Largo D. Dinis [Lemos 1777, p.260].
O sítio do Castelo da cidade para além de corresponder a um dos principais
requisitos que um estabelecimento cientíico desta natureza exigia, o ser ediicado
num lugar alto e “desassombrado por todos as partes” [Estatutos 1772, v.3 p.214]7,
desempenhava também um papel simbólico da própria Reforma Pombalina. A
monumentalidade da Reforma espelhava-se na obra arquitectónica dos vários es-
tabelecimentos cientíicos, dos quais sobressairia pela monumentalidade e locali-
zação o Observatório Astronómico. É com base neste programa que Guilherme
Elsden (?-1779), irá desenvolver as duas versões conhecidas do projecto para o
referido Observatório8.
6 Foram muitas as vicissitudes por que passou a construção do Observatório da Universidade, os trabalhos mais
signiicativos que até à data se escreveram são os seguintes: [Freire 1872], [Ribeiro 1871-1914, vols.1-2], [Braga
1898-1902, v.3], [Bandeira 1943-1947, pp.75-138], [Reis 1964], [Carvalho 1985], [Osório 1985], [Mariano &
Pinheiro 1991], [Craveiro 1990], [Lobo 1999], [Craveiro 2004], [Martins & Figueiredo 2008] e [Figueiredo
2011].
7 “O dito Observatório deverá ser desassombrado por todos as partes; de sorte, que dele se domine livremente o
Horizonte; e se possam observar todos os Fenómenos, que sucederem no Hemisfério superior. Além disso deverá
ser amplo, e cómodo; para nele poderem diversos Astrónomos observar ao mesmo tempo o mesmo Fenómeno:
Tendo-se grande atenção em dispor as janelas com tal artifício, que se possam fazer as Observações nocturnas
em quaisquer distâncias do Zénite, sem os Observadores serem incomodados pelo sereno.” [Estatutos 1772, v.3
p.214]. O astrónomo francês Antoine Darquier de Pellepoix (1718-1802) a propósito do local mais adequado
para instalar um observatório astronómico escreve: “La position le plus avantageuse, pour un observatoire, seroit
sans contredit d’être situe au rez-de-chaussée, isole de toute parts, & ayant un ciel découvert de tous les côtés
jusqu’à l’horizon [lettre de 10 Juillet 1777]” [Darquier 1786, p.4].
8 Guilherme Elsden chega a Coimbra em inícios de Março de 1773 [DRP 1937-1979, v.1 p.80] e no inal do
mês começam os preparativos da obra com a demolição do Castelo medieval e a regularização do terreno. Os
trabalhos começaram em 29 Março de 1773 com 64 trabalhadores desmanchando as paredes velhas do castelo
[ANTT Mç.513 Ministério do Reino]. Na semana que inda em 3 de Abril de 1773 são pagos os primeiros
ordenados e despesas referentes à obra [AUC Liv.1 Est.10 Tab.2 n.15].
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ESPAÇOS E ACTORES DA CIÊNCIA EM PORTUGAL (XVIII-XX)
9 Esta é a versão inal do Observatório Astronómico do Castelo, aquela que é apresentada por Francisco de Lemos
à Rainha ([Lemos 1777], [Franco 1983]). Na verdade ao longo de todo o ano de 1773 houve imensas indeini-
ções relativas ao projecto deinitivo, com várias e sucessivas plantas a serem desenhadas e discutidas (de que hoje
se desconhece o paradeiro e que creio mesmo que não será fácil encontrá-los!). No Ofício de 15-4-1773 come-
çam a ser discutidas e aprovadas as plantas das obras [DRP 1937-79, v.1 p.69]. Três meses depois (24-6-1773)
o Reitor informa que as obras preparativas para a construção do edifício haviam entretanto começado, estando
o Castelo já desembaraçado das muitas paredes velhas que eram necessárias demolir para fundar o Observatório
[Braga 1898-1902, v.3 p.470]. Em 3 de Setembro de 1773, ao que parece, as plantas estavam quase prontas com
as obras de preparação ainda a decorrer [Braga 1898-1902, v.3 p.504].
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A CRIAÇÃO DO OBSERVATÓRIO ASTRONÓMICO DA UNIVERSIDADE DE COIMBRA (1799)
E O ESTABELECIMENTO DO SEU PROGRAMA CIENTÍFICO
fig. 2 - alçado do Observatório do Castelo [Elsden, c.1773] [MNMC, Inv. 2945/DA 23]
fig. 3 - “Elevação Geométrica da frente principal do Observatório Astronómico
da Universidade de Coimbra” [Franco 1983]
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ESPAÇOS E ACTORES DA CIÊNCIA EM PORTUGAL (XVIII-XX)
10 Na Provisão de 16-10-1772 o próprio Marquês faz questão de referir essa função simbólica do edifício: “para
que a entrada para o mesmo Observatório e para a Rua Larga dos Colégios, sendo uma das principais e mais
úteis, e necessárias ique em beneicio publico dos Académicos, e dos Habitantes de Coimbra livre e desembara-
çada dos impedimentos, e perigos que nela se acham; e constituindo uma das porções mais formosas da mesma
Cidade naquela parte destinada aos passeios públicos”. A respeito do discurso arquitectónico da própria Reforma
Pombalina vejam-se [Pimentel 2000] e [Craveiro 2004].
11 Desde o início da Reforma que o custo das obras foi uma preocupação constante [DRP 1937-1979, v.1 p.71],
havendo em Novembro de 1775 grandes diiculdades de tesouraria para o pagamento das “Folhas das Obras”
[DRP 1937-1979, v.1 p.215]. De facto os livros de despesa referentes às obras do Observatório do Castelo
fecham as contas no mês de Setembro de 1775 com um custo total de 18879$582reis [AUC: Universidade de
Coimbra, Administração e Contabilidade, Obras, Observatório Astronómico. Despesas com Obras. Livro I, II,
III] – valores de facto elevados a representarem cerca de 15% do custo global das obras da Universidade quando
o edifício pouco ia, como se vê, além dos alicerces.
12 “Para o uso interino das Lições, e Observações Astronómicas iz construir hum pequeno Observatório no Ter-
reiro dos Paços das Escolas, o qual tem servido até aqui para o dito im. […] Para se não suspender o Exercício
das lições e Observações Astronómicas enquanto não se acabar o Grande Edifício [Observatorio do Castelo]
para elas destinado construir-se no Território dos Paços da Universidade uma Casa térrea para servir de Obser-
vatório interino” [Lemos 1777, p.214, 127].
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A CRIAÇÃO DO OBSERVATÓRIO ASTRONÓMICO DA UNIVERSIDADE DE COIMBRA (1799)
E O ESTABELECIMENTO DO SEU PROGRAMA CIENTÍFICO
13 Segundo John Blankett (?-1801) em 1777 já estava construído [Blankett 1777, p.33].
14 Castro Freire [Freire 1872] defende que o Observatório interino foi construído entre 1782 e 1789, porém
convém notar que o autor desconhecia o relatório de Francisco de Lemos [Lemos 1777]. Lurdes Craveiro,
mais recentemente, defende que o Observatório interino foi construído ao longo da década de 1780, sofrendo
depois uma grande obra virando deinitivo em 1799 [Craveiro 2004]. Em nossa opinião a autora está errada. O
Observatório Interino foi construído na década de 70, sendo alvo de contínuos melhoramentos até c.1785, tendo
sido demolido aquando da construção do deinitivo Observatório Astronómico da Universidade de Coimbra
(OAUC), que aproveita parte do espaço que este ocupava [Figueiredo 2011, pp.283-305].
15 D. Tomás Xavier de Lima (1727-1800), Visconde de Vila Nova de Cerveira e posteriormente Marquês de
Ponte de Lima (17-12-1790), substitui o Marquês do Pombal (1699-1782) na Secretaria de Estado do Reino,
ocupando o cargo de 14 de Março de 1777 a 15 de Dezembro de 1788; nesta altura deixou a pasta do Reino e
foi nomeado Ministro Assistente ao despacho e Ministro e Secretário de Estado da Fazenda, acumulando com a
presidência do Erário e da Junta do Comércio; a partir de Agosto de 1799, após a demissão de José de Seabra da
Silva, reocupou interinamente a Secretaria de Estado do Reino.
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ESPAÇOS E ACTORES DA CIÊNCIA EM PORTUGAL (XVIII-XX)
16 No Aviso Régio de 1-10-1787 o ministro Vila Nova de Cerveira informa o Reitor de que o Observatório da
Universidade era para ser efectivamente construído, “Sua Majestade, achando muito justo, e necessário que o
Observatório Astronómico, e o Teatro Anatómico se concluam, e acabem, como V. Exa. lhe representou: Há por
bem que estas duas Obras se acabem pelo modo que V. Exa. aponta para a despesa delas: mas que não se entre a
promover o trabalho destas Obras, enquanto com a Oicina da Tipograia Régia e Sua Direcção, não se regula a
porção que poderá dar, ou a Consignação ânua, que poderá fazer, por conta do capital, que deve a essa Universi-
dade; o que só poderá ter depois que Eu recolhido a Lisboa poder tratar e ajustar este Negócio. O que participo
a V. Exa. de Ordem de Sua Majestade, para que ique a este respeito entendendo qual é a Resolução da mesma
Senhora.” [DRP 1937-1979, v.2 pp.177-178]. Convém salientar que nem no livro de Actas da Congregação de
Matemática, nem em nenhum outro documento por nós consultado se encontra informação alguma sobre uma
possível discussão no seio da Congregação da Faculdade da questão do Observatório (a última Congregação
da Faculdade antes do referido Aviso Régio data de 25-7-1787 e nela participaram Monteiro da Rocha, José
Joaquim de Faria, Manuel José Pereira da Silva e Manuel Joaquim Coelho da Maia).
17 O projecto da publicação das ‘Ephemerides Náuticas, ou Diário Astronómico’ (Lisboa, 1788) começara a ser
pensado cerca de meia dúzia de anos antes (1781), tendo José Monteiro da Rocha sido sondado pelo Secretário
da Academia sobre o assunto (veja-se [Figueiredo 2011, pp.365-369]). Lembremos que data também deste ano
a tentativa (Aviso Régio de 16-3-1787) do estabelecimento da Congregação Geral das Ciências conforme os
Estatutos, uma reacção evidente da Universidade face ao papel competitivo que a ACL vinha assumindo.
18 Seabra da Silva estará à frente do Governo até 5-8-1799, data em que é demitido pelo Príncipe Regente D. João
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A CRIAÇÃO DO OBSERVATÓRIO ASTRONÓMICO DA UNIVERSIDADE DE COIMBRA (1799)
E O ESTABELECIMENTO DO SEU PROGRAMA CIENTÍFICO
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ESPAÇOS E ACTORES DA CIÊNCIA EM PORTUGAL (XVIII-XX)
realizados nesta fase, estes dados estão em causa. Varia isso sim, e isso os distingue,
a forma e a disposição volumétrica (para mais detalhes dos planos e da construção
do deinitivo OAUC veja-se [Figueiredo 2011, pp. 293-305]).
A forma inal do edifício – o projecto inal do OAUC é aprovado pela Junta da
Universidade em 5-2-1791 e em 1799 o edifício está concluído –, será constituída
por um corpo horizontal com um piso e cobertura plana, e uma torre com três
pisos deinida a partir do vão central, também com cobertura plana.
Este edifício é um bom exemplo do desfasamento entre as ambições iniciais
da reforma pombalina e a nova realidade. Pensado no seu início como um edifí-
cio destacado de todos os estabelecimentos cientíicos, acabava no mais modes-
to de todos eles. Abdicava-se da carga simbólica e da função urbana iniciais e
concentrava-se a atenção na criação de um simples estabelecimento astronómico
[Martins & Figueiredo 2008].
OAUC mas em vários outros documentos que justiicam várias despesas referentes à obra; note-se que o Aviso
Régio de 23-1-1778 autorizava a Junta da Fazenda a dispor sem prévia licença régia de 400$000 reis anuais para
despesas de obras).
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A CRIAÇÃO DO OBSERVATÓRIO ASTRONÓMICO DA UNIVERSIDADE DE COIMBRA (1799)
E O ESTABELECIMENTO DO SEU PROGRAMA CIENTÍFICO
fig. 5 - “Planta do Observatório Astronómico que a Universidade mandou fazer dentro no seu pátio no
anno de 1791” [BGUC Ms. 3377-44]
22 Por exemplo, a brevidade do fenómeno condiciona o uso dos instrumentos, tal é o caso, por exemplo, dos trânsi-
tos dos planetas Mercúrio e Vénus sobre o disco solar.
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ESPAÇOS E ACTORES DA CIÊNCIA EM PORTUGAL (XVIII-XX)
fig. 6 - “Prospecto ou fasia da rua da Trindade e Expecato emtrior por A B” [BGUC Ms. 3377-45]
fig. 7 - “«Observatorium Conimbricense Academian Moderante Ex.mo ac Rmo D. D. Francisco Raphaele
de Castro Ex Comitibus Resendiensibus, A Regiis Consiliis, S. E. P. Lisbon principali, Anno M.DCC.
XCII exstructumicense (1792)’ [OAUC G-006]
como para a sua instalação deinitiva em salas e locais próprios para a observação.
O deinitivo OAUC (1799) organiza-se em vários espaços diferenciados: salas de
aula, salas de observação, gabinetes, salas de instrumentos (nas plantas dos projec-
tos (1790-1792) especiica-se mesmo as salas do Mural, do Sector e do Zénite),
biblioteca, quarto de dormir e sala de jantar23. A organização do espaço do OAUC
responde às exigências práticas da própria praxe observacional, ou seja o espaço de
observação disciplina o próprio espaço no qual se inscreve24. A própria escolha do
lugar para a ediicação de um observatório deverá ter em atenção algumas carac-
terísticas. O astrónomo francês Darquier ressalva a importância dos observatórios
se construírem num sítio que proporcione estar “isolé de toutes parts, & ayant un
ciel découvert de tous les côtés jusqu’à l’horizon”, sendo a solidez e a estabilidade as
qualidades fundamentais e primeiras de um bom observatório astronómico [Dar-
quier 1786, p.4]. A falta de solidez do edifício pode comprometer a qualidade das
observações pois a estabilidade dos instrumentos é um factor essencial para a ob-
tenção de bons resultados. Quanto ao interior Darquier escreve que este deve ser:
“bien dressé et sans aucun ornement, ain que dans la suite on pusse y mètre avec
plus de facilite, les peintures nécessaires”25. O núcleo instrumental fundamental do
23 Esta organização é transversal, embora, obviamente, com algumas diferenças, a todos os projectos, desde o
primitivo projecto do Castelo até ao projecto inal construído no Pátio.
24 Esta organização do espaço, diferenciado em vários subespaços com funções especíicas, é herdeira do Obser-
vatório de Tycho Brahe (1546-1601), em Uraniborg (1580-1597), e encontra-se em praticamente todos os
observatórios construídos no século XVIII [Shackelford 1993].
25 Também estes factores e características foram considerados logo nos Estatutos: “O dito Observatório deverá ser
desassombrado por todos as partes; de sorte, que dele se domine livremente o Horizonte; e se possam observar
todos os Fenómenos, que sucederem no Hemisfério superior. Além disso devera ser amplo, e cómodo; para nele
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A CRIAÇÃO DO OBSERVATÓRIO ASTRONÓMICO DA UNIVERSIDADE DE COIMBRA (1799)
E O ESTABELECIMENTO DO SEU PROGRAMA CIENTÍFICO
poderem diversos Astrónomos observar ao mesmo tempo o mesmo Fenómeno: Tendo-se grande atenção em
dispor as janelas com tal artifício, que se possam fazer as Observações nocturnas em quaisquer distâncias do Zé-
nite, sem os Observadores serem incomodados pelo sereno. No mesmo edifício do Observatório haverá alguns
aposentos; assim para neles descansarem os Observadores no tempo, que esperarem pelas Observações; como
para icarem o resto da noite, quando as acabarem a horas incómodas de voltarem para suas casas.” [Estatutos
1772, v.3 p.214].
26 E são também estes os instrumentos que os Estatutos de 1772 já estipulam como os que deveriam provir a
“Colecção de bons Instrumentos do Observatório da Universidade”: “um Mural, feito por algum dos melhores
Artíices de Europa; e um bom sortimento de Quadrantes; de Sectantes de diferentes grandezas; de Micróme-
tros; de instrumentos de Passagens; de Máquinas Paraláticas; de Telescópios; de Níveis; de Pêndulas [...] e de
tudo o mais necessário a um Observatório, em que se há-de trabalhar eicaz, e constantemente no Exercício das
Observações, e progresso da Astronomia” [Estatutos 1772, v.3 p.214].
27 “L’Astronomie, considérée de la manière la plus générale, est un grande problème de Mécanique, dont les élé-
ments des mouvements célestes son les arbitraires; sa solution dépend à la fois de l’exactitude des observations et
de la perfection de l’analyse, et il importe extrêmement d’en bannir tout empirisme et de la réduire à n’emprunter
de l’observations que les données indispensables” [Laplace 1878-82, v.1 p.i].
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ESPAÇOS E ACTORES DA CIÊNCIA EM PORTUGAL (XVIII-XX)
leva a que os Observatórios se apetrechem com instrumentos cada vez mais preci-
sos ocupando os telescópios meridianos, os instrumentos de passagens, os sectores,
os telescópios relectores e os quadrantes murais o cerne instrumental de qualquer
observatório bem apetrechado [Daumas 1972, p.122]. A grande preocupação do
astrónomo do século XVIII é a recolha sistemática e precisa das posições dos astros,
principalmente dos corpos dos sistema solar e das posições estelares. O essencial
para o astrónomo é medir e essas medições exigem instrumentos cada vez mais pre-
cisos (os telescópios e lunetas por si só não o fazem). Como Pannekoek airma a as-
tronomia prática tornou-se a rotina principal de qualquer Observatório oitocentista,
uma rotina que se renovava continuamente numa procura de uma maior exactidão
observacional e na busca de novos métodos de instrumentação e observação [Pan-
nekoek 1989, p.280]. Este programa foi a base de um progresso triunfante para a
ciência astronómica e esteve na base do desenvolvimento de uma verdadeira indús-
tria de instrumentos astronómicos, onde os fabricantes ingleses passam a ocupar, a
partir da década de 20 de 1700 um lugar de destaque, consequência dessa demanda
de exactidão e precisão [Daumas 1972, pp.121-135]. O núcleo duro instrumen-
tal de um típico Observatório do século XVIII ancorava-se então num conjunto
de meia dúzia de instrumentos imprescindíveis ao desenvolvimento da astronomia
meridiana. No centro deste grupo está o quadrante mural que se torna a quintes-
sência do observatório oitocentista [Turner 2002]28. Juntamente com o quadrante
mural outros instrumentos compõem esse núcleo essencial de instrumentos mui-
to precisos. No verbete “Observatoire”, que Lalande escreve para a Encyclopédie
Méthodique, lá estão especiicados, como indispensáveis, esses instrumentos: “un
quart de cercle mobile [...], une lunette méridienne [...], un mural [...], une bonne
lunette achromatique de 3 à 4 pieds, montée sur un pied parallactique [...], pendule
& le compteur” [Encyclopédie Méthodique (mat.) 1784-89, t.II p.481]29. Também
Darquier especiica quais os instrumentos necessários para habilitar um observató-
rio para um efectivo estudo dos céus, “[Avec les instruments ci-dessus détaillés, un
observateur exercé & laborieux pourra faire beaucoup d’observations utiles]: 1º un
quart de cercle de cuivre [...]; 2º un bon instrument de passages de deux pieds [...];
28 Este instrumento, que já ocupa, é certo, nos grandes observatórios árabes da época medieval, mais tarde no ob-
servatório de Tycho Brahe (1546-1601) e depois no de Greenwich com Flamsteed um papel de relevo, assume
no século XVIII uma primazia tornando-se o primeiro de uma nova classe de instrumentos muito precisos.
É a partir do quadrante mural de 8 pés feito por George Graham (1673-1751), em 1725, para uso de Halley
(1656-1742) no Observatório de Greenwich, que o modelo se desenvolve, tornando-se então a partir daí quase
omnipresente nos Observatórios (veja-se [Learner 1981, pp.52-72]).
29 E são também estes os instrumentos que Lalande dedica dois capítulos no seu Astronomie (1771): “des ins-
truments d’astronomie (Cap. XIII)” [Lalande 1771-81, v.2 pp.722-830] e “de l’usage des instruments & de la
pratique des Observations (cap. XIV)” [Lalande 1771-81, v.3 pp.1-82].
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A CRIAÇÃO DO OBSERVATÓRIO ASTRONÓMICO DA UNIVERSIDADE DE COIMBRA (1799)
E O ESTABELECIMENTO DO SEU PROGRAMA CIENTÍFICO
30 Numa das plantas para o Observatório do Castelo há uma com um quadrante: “Risco do Quadrante Mural
copiado do que se acha no Real Observatório da Vila de Greenwich, com a descrição da construção, uso dele em
observações astronómicas” [BNRJ Inv. 1.093.803AA n.X].
31 Adrien Balbi em visita (1808) ao OAUC airma-o, para além de bem construído e bem situado, como “il était
aussi trés-bien fourni d’instrumens” [Balbi 1822, v.2 p.95] ; também Lalande se lhe refere: “Nous avons reçu
encore une description de l’Observatoire de Coimbre, par laquelle on voit qu’il y a des instrumens considérables;
un secteur de dix pieds, une lunette méridienne de cinq pieds, un quart-de-cercle de trois pieds et demi, divisé à
Londres par Troughton.” [Lalande 1803, pp.871-872].
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ESPAÇOS E ACTORES DA CIÊNCIA EM PORTUGAL (XVIII-XX)
32 Esta reestruturação de 1801 também introduz uma outra cadeira no currículo do curso mathematico, a cadeira de
Hidráulica; cuja criação foi fortemente motivada pelos desaios que se colocavam com a obra do encanamento do
Mondego para a qual o Governo havia solicitado parecer cientíico à Faculdade [Figueiredo 2011, pp.190-196].
33 Embora segundo o novo regulamento do OAUC as aulas práticas de Astronomia devessem decorrer de modo
a não interferirem com a actividade principal dos astrónomos, os melhores alunos, sob supervisão, podiam
participar nas actividades observacionais quotidianas do OAUC, com o objectivo expresso de “nesse exercício se
habilitarem melhor para serem providos nos lugares, que vagarem”.
34 Segundo parece reservou-se inicialmente o horário das 9h:30m-11h:30m para a cadeira de Astronomia Prática e
o das 15h:30m-17h:30m para a de Astronomia Teórica, mas este seria mudado a pedido dos alunos: “Repre-
sentam a V. Exa. os Estudantes do 4º ano Matemático cujo número é composto de um representante e cinco
voluntários que tendo duas aulas uma de Astronomia Prática que principia à nove horas e meia, e acaba às onze
da manhã, e outra teórica desde as três e meia até às cinco da tarde devendo para cumprir qualquer delas fazerem
uma séria aplicação para que o quantas muitas vezes não chega o tempo, gastando-se uma parte dele nas vindas
e idas ao Real Observatório, lugar das mesmas Aulas, e sendo o meio mais próprio para evitar isto a mudança da
Aula de Astronomia Teórica para as onze e meia da manhã, tempo em que inaliza a de Astronomia Prática; e
como para isto obtiveram o consentimento do respectivo Lente, que atendendo à evidente comodidade dos seus
Alunos anuiu dar a esta hora as suas Lições, e tem disto esta Aula, como modernamente criada não tem hora
senão a que V. Ex.ª lhe apresar, por isso pede a V. Ex.ª se digne transferir a Aula de Astronomia Teórica para a
hora em que inalizar a de Astronomia Prática [s.d.]” [BGUC Ms. 2530, nº.36].
26
A CRIAÇÃO DO OBSERVATÓRIO ASTRONÓMICO DA UNIVERSIDADE DE COIMBRA (1799)
E O ESTABELECIMENTO DO SEU PROGRAMA CIENTÍFICO
35 Para a cadeira de astronomia foram adoptados desde logo; o Leçons Elémentaires d’Astronomie Géometrique et
Physique (Paris, 1746), de Lacaille, e o Astronomie (1764), de Lalande [Figueiredo 2011, pp.82-86, 131-136].
36 A Academia Real da Marinha, fundada em 1779, tinha como objectivo formar os futuros oiciais da Armada e
para o efeito ministrava um curso de três anos, onde se ensinavam matérias de matemáticas puras e aplicadas,
astronomia e náutica (trigonometria esférica, navegação teórica e prática). O Observatório Real da Marinha foi
criado em 1798, “destinado à prática de instrumentos de observação astronómica como meio de preparação dos
futuros oiciais da Marinha” [Reis 2009, p.30].
37 “Diário de exercícios práticos que se tiveram no Real Observatório da Marinha” [ANB Códice 807 NP];
informação remetida pelo Inspector do Observatório da Marinha, Pedro Mendonça de Moura (1745-?), a D.
Rodrigo de Sousa Coutinho (1745-1812), o então ministro do Estado da Marinha e Domínios Ultramarinos,
informando-o sobre aulas e outros assuntos da Academia da Marinha.
27
ESPAÇOS E ACTORES DA CIÊNCIA EM PORTUGAL (XVIII-XX)
ano de 1804 e depois dela nas dos seguintes”38. O cálculo, a elaboração e a publicação
das ‘Ephemerides Astronomicas calculadas para o meridiano do Observatório Real
da Universidade de Coimbra para uso do mesmo Observatório, e para uso da Nave-
gação Portuguesa serão a partir do primeiro momento o trabalho maior e a imagem
de marca do OAUC durante todo o século XIX. Nos seus primeiros volumes (1803-
1813) foram uma constante fonte do progresso cientíico astronómico português,
pois para além das respectivas efemérides em 10 folhas mensais, publicariam vários
trabalhos astronómicos da responsabilidade Monteiro da Rocha – “Esta publicação
continua com regularidade, e constitui a parte principal dos trabalhos de que o Ob-
servatório se tem ocupado até ao presente» [Pinto 1878].
As EAOAUC foram idealizadas e criadas por José Monteiro da Rocha, adop-
tando desde o 1º volume (1803) algumas particularidades face às suas congéneres
europeias (Connaissance des Temps (Paris), Nautical Almanac (Londres) e Berli-
ner Astronomisches Jahrbuch (Berlim)); eram calculadas em relação ao Sol médio
e não ao Sol verdadeiro, usavam a medida dos 360º e não a amplamente utilizada
unidade de signo, e adoptaram um método de interpolação especial para calcular
as efemérides da Lua. Estas inovações seriam alvo de críticas positivas por parte de
alguns dos principais astrónomos da época (p. ex. Delambre (1749-1822) e John
Pond (1767-1836)), que as incorporariam mais tarde nas suas publicações.
O trabalho de cálculo das efemérides obrigava a um intenso trabalho teóri-
co que articulado com as observações astronómicas exigiam um enorme esforço
de computação, cabendo ao Director dirigir toda essa actividade, começando pelo
programa observacional – “Para tudo se fazer com ordem, o Director no im de
cada mês distribuirá pelos Astrónomos e Ajudantes as Observações, que deverão
fazer-se no mês seguinte, e mandará pelo Guarda avisar a cada um das que lhe são
encarregadas” –, e acabando na distribuição do cálculo pelos vários astrónomos – “o
Director distribuirá o Cálculo dos diferentes artigos da dita Efeméride pelos As-
trónomos e Ajudante do Observatório”. A vastidão dos fenómenos astronómicos é
enorme e o seu estudo exaustivo uma exigência nos programas observacionais dos
Observatórios e dos seus astrónomos [Darquier 1786, p.94]. O regulamento de
1799 especiica bem o programa observacional do OAUC: “As Observações diárias
que se hão-de fazer, são: as passagens dos Planetas e das Estrelas pelo Meridiano, e
as suas alturas; [...]. Além disto se observarão indefectivelmente todos os Eclipses
38 O mesmo documento isentava de qualquer licença as publicações do OAUC: “E tanto a Ephemeride, como as
Colecções de Observações Astronómicas, Tábuas, e Explicações delas, sendo assinadas pelo Director, e com a
licença do Reitor, serão impressas na Oicina da Universidade, como de ordem Minha, sem dependerem de outra
licença.”
28
A CRIAÇÃO DO OBSERVATÓRIO ASTRONÓMICO DA UNIVERSIDADE DE COIMBRA (1799)
E O ESTABELECIMENTO DO SEU PROGRAMA CIENTÍFICO
do Sol, da Lua, dos Satélites, ocultações das Estrelas, e todos os fenómenos dos
movimentos celestes.”39 Apesar de ser obrigatório um registo “diário rubricado pelo
Director” das observações efectuadas pelos astrónomos do OAUC, que depois de
coligidas e reduzidas (i. é depois de calculadas as refracções, paralaxes e erros ins-
trumentais) seriam publicadas em “Colecções Gerais das Observações”40.
Em 1813 com a publicação das ‘Tábuas Astronómicas ordenadas a facilitar o
cálculo das Ephemerides da Universidade de Coimbra’, José Monteiro da Rocha
estabelecia a base teórica para o seu cálculo (que ainda permanecerá em uso na
década de 1840). A articulação destas ‘tábuas’ com tabelas similares francesas e
inglesas, e principalmente com os fundamentos teóricos estabelecidos por Laplace
(1749-1827) no seu Mécanique Céleste (1799-1825), é um dos alvos prioritários
na nossa actual investigação.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
39 A C. R. de 4-12-1799 vem por assim dizer precisar o que os Estatutos em 1772 já haviam previamente estipu-
lado no sentido dos “os Professores trabalhem com assiduidade em fazer todas as observações [mais apuradas e
exactas], que são necessárias para se ixarem as Longitudes Geográicas; e rectiicarem os Elementos fundamen-
tais da mesma Astronomia” [Estatutos 1772, v.3 p.213].
40 Somente encontrámos 2 pequenos cadernos manuscritos (com a maior parte das respectivas páginas em branco)
onde estão registadas algumas observações efectuadas no OAUC entre os anos de 1806 e 1808 (estes dois
cadernos encontram-se na secção de reservados da biblioteca do OAUC). Nesses cadernos anotaram-se imersões
e emersões dos satélites de Júpiter; ocultação de estrelas pela Lua; observações do Sol e de um eclipse solar (a
título de curiosidade diga-se que no Observatório de Greenwich sob a direcção de Maskelyne (1765-1811) as
observações dos trânsitos de estrelas e suas ocultações pelo disco lunar correspondiam a cerca de 80% de toda a
actividade observacional [Croarken 2003, p.290]). As ‘Colecções’ não chegaram, tanto quanto nos foi possível
investigar, a ser publicadas. Os únicos registos impressos que se conhecem de observações efectuadas no OAUC
são as que foram publicadas nos volumes III, IV, V, VI e VIII das EAOAUC e dizem respeito a observações
realizadas nos anos 1802-1808.
29
ESPAÇOS E ACTORES DA CIÊNCIA EM PORTUGAL (XVIII-XX)
30
A CRIAÇÃO DO OBSERVATÓRIO ASTRONÓMICO DA UNIVERSIDADE DE COIMBRA (1799)
E O ESTABELECIMENTO DO SEU PROGRAMA CIENTÍFICO
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31
Espaços e actores do ensino da electricidade
em Portugal (1850-1911)1
Ana Cardoso de Matos
Centro Interdisciplinar de História, Culturas e Sociedades (CIDEHUS) / Universidade de Évora
INTRODUÇÃO
1 Este tema, embora com um desenvolvimento diferente, foi também desenvolvido em “he teaching of electricity
in Portugal from the Instituto Industrial de Lisboa to the Instituto Superior Técnico: places of training and the
circulation of experts and knowledge” (em publicação)
2 Sobre o assunto veja-se Ana Cardoso de Matos et ali, A electricidade em Portugal dos primórdios à II Guerra Mun-
dial, Lisboa, EDP, 2004, Cap. I.
3 CABRAL, Paulo Benjamin, O ensino da Electrotechnia em Portugal, Lisboa,1892, p.4
4 Segundo Benjamin Cabral esta formação visava « simplesmente a completara a educação dos engenheiros com
os conhecimentos gerais das aplicações mais vulgares de eletricidade”. Ibidem, p. 11.
33
ESPAÇOS E ACTORES DA CIÊNCIA EM PORTUGAL (XVIII-XX)
5 Cargo que, em acumulação com as suas funções de vogal do Conselho de Obras Públicas e Minas, desempenhou
até 1855, altura em que foi substituído por Júlio Máximo de Oliveira Pimentel.
6 José Vitorino Damásio “Abertura das aulas no Instituto Industrial de Lisboa, Boletim do Ministério das Obras
Públicas, Commercio e Industria, nº10, 1854, p. 250.
7 Ibidem, p. 251.
8 Sobre este museu vejam-se MATOS, Ana Cardoso de Matos, « Les musées techniques portugais et les
expositions universelles au XIXe siècle » in Ana Cardoso de Matos, Irina Gouzevitch e Marta C. LOurenço,
Expositions universelles, musées techniques et société industrielle/World Exhibitions, Technical Museums and Industrial
Society, Lisboa, Colibri, 2010, pp. 49-74; NEVES, José Miguel Casal Cardoso (1996), Museus Industriais em
Portugal (1822-1976), thèse de maîtrise, Lisbonne, FCSH/UNL; CUSTÓDIO, Jorge et alii (1991), “Estudos
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Museus Industriais e Comerciais criados no séc. XIX” in Publicações do Museu Nacional da Ciência e da Técnica, nº
8. Coimbra 1978, pp. 163-172
34
ESPAÇOS E ACTORES DO ENSINO DA ELECTRICIDADE EM PORTUGAL (1850- 1911)
tecnia e das indústrias químicas9. Tendo icado o ensino desta cadeira icado a car-
go de José Pedro Teixeira, doutorado em Ciências Matemáticas pela Universidade
de Coimbra, o programa da mesma foi dedicado exclusivamente à electrotecnia
e baseou-se na obra de Éric Gérard, “Leçons sur l’Électricité”, que reproduzia as
lições que Gérard dava no Instituto de Monteiore, anexo à Universidade de Liège.10
Com a reforma do Instituto Industrial e Comercial de Lisboa realizada no ano
seguinte criaram-se os seguintes cursos: artes químicas; electrotecnia; máquinas;
construções civis e obras pública; minas; e telégrafos. A criação dos cursos de artes
químicas, electrotecnia e máquinas era justiicada pelas “aplicações à indústria, que
de dia para dia se multiplicam, da química, da electricidade e da mecânica”11. Nos
vários cursos procurava-se combinar o ensino teórico com o ensino prático nos
laboratórios, museus e oicinas, e os alunos dos cursos industriais eram obrigados
a fazer um tirocínio de 6 meses em estabelecimentos fabris da sua especialidade
pertencentes ao Estado ou a particulares.
Contudo, apesar dos esforços para se implantar o ensino da electrotecnica em
Portugal12, só com a criação do Instituto Superior Técnico em 1911, o ensino
da engenharia, nomeadamente da engenharia electrotécnica, teve uma alteração
qualitativa que foi marcada pela airmação da formação escolar nas várias áreas da
engenharia, pela actualização do ensino e pelos métodos pedagógicos e avaliativos
que aí foram introduzidos13.
Neste texto analisam-se: a evolução do Instituto Industrial de Lisboa até à
criação do Instituto Superior Técnico como um espaço de ensino da electricidade;
alguns dos principais actores que estiveram ligados a este ensino como foi o caso
do físico Francisco da Fonseca Benevides ou de Benjamin Cabral.
35
ESPAÇOS E ACTORES DA CIÊNCIA EM PORTUGAL (XVIII-XX)
14 O contracto foi assinado em 26 de Abril de 1855.Em 16 de Setembro de 1855 inaugurou-se o primeiro troço da
rede telegráica elétrica que estabelecia as comunicações entre as quatro estações de telegraia já instaladas: Ter-
reiro do Paço, Cortes, Necessidades e Sintra. Para coordenar este serviço cria-se a Direção de Telegraia Elétrica.
15 Portaria de 23 de Dezembro de 1856.
16 Independentemente destes cursos ensinava-se gratuitamente nas estações telegráicas, sob a responsabilidade dos
respetivos chefes, o ensino prático de manipulação dos aparelhos telegráicos. Este ensino não era acompanhado
de qualquer ensino teórico de física ou de química.
17 A partir de 1868 estes Institutos integram um curso comercial e passam a ser designados Institutos Industrial e
Comerciais
18 Por decreto de 13 de Janeiro de 1887 o curso prático de correios e telégrafos que era lecionado nas direções
gerais dos telégrafos de lisboa e Porto foi extinto passando a formação a ser feita exclusivamente nos institutos
Industriais e Comerciais de Lisboa e Porto completando-se a formação dos alunos com um tirocínio nos servi-
ços telegráicos do Estado.
36
ESPAÇOS E ACTORES DO ENSINO DA ELECTRICIDADE EM PORTUGAL (1850- 1911)
19 Apenas 14 alunos realizaram o tirocínio no mês de Agosto e 11 no mês de setembro. Arquivo Instituto Indus-
trial, Caixa correspondência recebida 1890.
20 Só mais tarde foi criada a oicina de instrumentos de precisão Maximiliano Augusto Herrmann.
21 Decreto de 30 de Dezembro de 1869
22 Este pêndulo integrou a coleção de objetos que o Instituto enviou à Exposição Universal de Londres de 1862.
37
ESPAÇOS E ACTORES DA CIÊNCIA EM PORTUGAL (XVIII-XX)
23 BENEVIDES, Francisco da Fonseca, Relatório sobre a Exposição Universal de Paris de 1867, Lisboa, Imprensa
Nacional, 1867.
24 BENEVIDES, Francisco da Fonseca, Tratado Elementar de Electricidade e Magnetismo contendo numerosas appli-
cações ás sciencias, artes e industrias, Lisboa, Imprensa Nacional, 1868. Para além desta escreveu várias outras obras
como obra Tabellas, dados práticos, regras e instruções para uso de engenheiros, condutores de trabalhos, construtores
e em geral dos industriais, Lisboa imprensa Nacional, 1868, e Noções de physica moderna com numerosas aplicações,
Lisboa, Imprensa Nacional, 1870.
25 Neste mesmo ano publicou na Gazeta das Fábricas o artigo “Machinas de dividir circulos”, no qual defendeu a
vantagem da utilização da electricidade para as pequenas máquinas, referindo que os motores electro magnéticos
“cuja força não pode ainda exceder um cavalo, não têm vantagens para grandes máquinas pelo seu grande peso,
alto preço, grande deterioração nos contactos etc.; mas para máquinas de pequena força, grande velocidade e
regularidade, podendo funcionar a qualquer distancia etc., são preferíveis a outros motores”. Gazeta das Fábricas,
vol. 1, nº2, Fevereiro de 1865, p. 47.
26 União Académica. Folha Hebdomaria publicada por uma empreza de estudantes, Lisboa, nº4, 29 de Abril, 1865, p.3.
38
ESPAÇOS E ACTORES DO ENSINO DA ELECTRICIDADE EM PORTUGAL (1850- 1911)
27 Agremiação que se tinha constituído em 1860 com o objectivo de representar a indústria fabril do país e de
promover o seu melhoramento.
28 Gazeta das Fábricas, nº 2, Janeiro de 1865, p. 47.
29 BENEVIDES, Francisco da Fonseca, Relatório sobre a Exposição Universal de Paris de 1867, Lisboa, Imprensa
Nacional, p. 45.
30 Em Portugal o primeiro dínamo foi introduzido em 1872, em 1878 a cidadela de Cascais foi iluminada a eletri-
cidade com seis candeeiros Jablochkof de arco voltaico, e em 1881 constituiu-se a empresa de Motta & Cª que
realizava instalações de electricidade.
31 Segundo Alain Beltran e Patrice A. Carré, esta exposição foi a « séquence majeure dans l’histoire des techniques,
la séquence inaugurale de l’histoire des applications de l’électricité ». BELTRAN, Alain et CARRE, Patrice A.,
La fée et la servante. La société française face à l’électricité XIXe-XXe siècle, Paris, Belin, 1991, p. 64. Também André
Grelon et Girolamo Ramunni destacam a importância desta exposição e a consideram um marco importante na
história da electricidade, « cette année 1881 marque la frontière entre deux étapes du développement industriel
de l’électricité », GRELON, André et RAMUNNI, Girolamo, « Ingénieur, vecteur de la science électrique », La
naissance de l’ingénieur-électricien. Origines et développement des formations nationales électrotechniques, Paris PUF,
1997, p.8.
32 BENEVIDES, Francisco da Fonseca, Relatório sobre alguns estabelecimentos de instrução e escolas de desenho indus-
trial em Itália, Allemanha e França e na Exposição de Turim de 1884, Lisboa Imprensa Nacional, 1884.
39
ESPAÇOS E ACTORES DA CIÊNCIA EM PORTUGAL (XVIII-XX)
padas Swan e uma máquina Siemens tenham sido realizadas, por sua iniciativa,
em 1883-84 neste Instituto. Esta iluminação foi possível porque o laboratório
de física possuía uma instalação completa para a demonstração dos fenómenos
elétricos, nomeadamente duas máquinas dinamoelétricas Siemens e uma máquina
dinamoelétrica Gramme.
Em 1886 o Instituto Industrial de Lisboa foi objeto de uma reforma que estabe-
leceu, como se disse, a disciplina de “Eletrotecnia, telegraia e outras aplicações de
eletricidade” (8ª cadeira) e uma escola prática de telegraia.33 Como suporte deste
ensino criou-se um laboratório de eletrotecnia, onde se realizariam as “experiências
necessárias para as lições da 8ª cadeira, e bem assim para a exempliicação e ensino
das diversas aplicações de eletricidade”34.
Em 1887 foi nomeado lente da disciplina de eletrotécnica o engenheiro Paulo
Benjamin Cabral. Este engenheiro possuía, devido à sua formação, aos estudos
que realizara e ao seu percurso proissional, um grande conhecimento e prática
das aplicações de electricidade, nomeadamente da telegraia elétrica. Com efeito,
era formado pela Escola do Exército e entrou para o serviço da Direção dos te-
légrafos e faróis do reino, em 25 de Fevereiro de 1876, sendo elevado a chefe da
Repartição da mesma Direção geral em 4 de Outubro de 1879, e em 1880 passou
a ser inspetor-geral dos telégrafos. Por nomeação de 15 de Dezembro de 1881 foi
nomeado professor do curso prático dos correios e telégrafo estabelecido em 1880.
Na disciplina de “Eletrotecnia, telegraia e outras aplicações de eletricidade” mui-
to escasso o número de alunos de electrotecnia aprovados em 1887 e 1891: 2 no ano
letivo de 1887/1888; nenhum em 1888/1889; 1 em 1889/1890; e novamente apenas
1 em 1890/1891.35 Na verdade esta disciplina não teve oportunidade de conhecer
um maior desenvolvimento, pois a reforma de 1891 substituiu esta disciplina pela
disciplina de Industrias físicas e construção de instrumentos de precisão.36
33 Por decreto de 13 de Janeiro de 1887 o curso prático de correios e telégrafos que era lecionado nas direções
gerais dos telégrafos de lisboa e Porto foi extinto passando a formação a ser feita exclusivamente nos institutos
Industriais e Comerciais de Lisboa e Porto completando-se a formação dos alunos com um tirocínio nos servi-
ços telegráicos do Estado.
34 Decreto de 30 de Dezembro de 1886.
35 CABRAL, Paulo Benjamin, O ensino da Electroctenia em Portugal, ob. Cit, p. 31. Entre 1887 e 1891 apenas um
aluno foi aprovado na disciplina de eletrotecnia existente no Instituo Industrial do Porto.
36 A reforma de 8 Outubro de 1891 no Instituto Industrial do Porto esta disciplina foi suprimida.
40
ESPAÇOS E ACTORES DO ENSINO DA ELECTRICIDADE EM PORTUGAL (1850- 1911)
41
ESPAÇOS E ACTORES DA CIÊNCIA EM PORTUGAL (XVIII-XX)
Em 1891 Portugal foi afetado por uma importante crise inanceira decorrente
da entrada em colapso das inanças do Estado e do sistema bancário41.
As diiculdades inanceiras que se viveram então no país obrigaram a reduzir a
despesa nos vários sectores da administração pública e nas instituições que eram
subsidiadas pelo Estado. Assim, a dotação orçamental destinada ao ensino foi re-
duzida obrigando a restruturar a formação dada em várias instituições. Foi o que se
passou nomeadamente com os Institutos Industriais de Lisboa e Porto, cujo ensino
foi reorganizado pelo decreto de 8 de Outubro de 189142. Com esta reforma estas
escolas passaram a ser escolas de formação média, sendo-lhe retirada, por um lado,
a formação industrial de nível elementar, que desde a década de 1880 tinha passado
a ser dada nas escolas industriais e de desenho industrial que se tinham criado em
várias regiões do país, e, por outro lado, a formação de nível superior que conside-
ravam insuiciente pois
para habilitarem chefes de industrias. Só de nome os têm formado, pois os seus cursos
chamados de diretores são simplesmente da categoria dos cursos de condutores e não
bastam na realidade para diretores ou engenheiros. Nem essa é a sua missão, os nossos
engenheiros se são de obras públicas formam-se na escola do exército e na academia
politécnica; se são de minas ou industriais, na mesma academia onde é de presumir que
especialmente o ensino industrial chegue a tomar maior incremento.43
A reforma de 1891 teve um impacto direto no curso de correios e telégrafos,
que foi suprimido, e na disciplina Eletrotecnia, telegraia e outras aplicações de
eletricidade, existente no Instituto de Lisboa44, que como se disse, foi transformada
numa disciplina de Indústrias físicas e construção de instrumentos de precisão.
Esta disciplina passou a ser dividida em duas partes “reservando uma para o ensino
das aplicações de eletricidade e destinando a outra propriamente para a construção
dos instrumentos cientíicos”45.
41 Sobre esta crise inanceira veja-se SANTOS, Luis Aguiar, “A crise inanceira de 1891: uma tentativa de Explica-
ção”, Análise Social, vol. XXXVI (158-159), 2001, p. 185-207. Esta crise inanceira vai ter como resultado uma
crise económica e a adoção de uma política protecionista dos mercados portugueses.
42 Como neste decreto “As alterações que o governo introduz nos estabelecimentos de ensino industrial e comercial
(…) inspiram-se no propósito de lhe comunicar o espírito de economia que deve presidir a todos os serviços
públicos, de tal modo que não só o tesouro faça com eles o mínimo de dispêndio, mas ainda se colha da sua
organização o maior proveito possível”
43 Preâmbulo do decreto de 8 de Outubro de 1891.
44 Esta mesma reforma suprimiu a disciplina de eletrotécnica do Instituto Industrial do Porto.
45 CABRAL, O ensino de Electroctécnica…op. cit., p. 33.
42
ESPAÇOS E ACTORES DO ENSINO DA ELECTRICIDADE EM PORTUGAL (1850- 1911)
43
ESPAÇOS E ACTORES DA CIÊNCIA EM PORTUGAL (XVIII-XX)
b) A maior parte dos professores não dominava a prática das disciplinas que
ensinava e para colmatar essa insuiciência recorria-se de preparadores que
os auxiliavam nos trabalhos práticos. Mas, como referia Bensaúde, para a in-
dustria era mais importante “saber fazer do que saber só como é que se faz”51;
c) A pouca atenção dada ao ensino do desenho, que “de certo modo é a
linguagem escrita do técnico”, deiciência que só podia ser superada se
se obrigasse “os alunos a elaborar o maior número possível de projetos
concernentes às cadeiras de aplicação (...). Assim, aprenderiam ao mesmo
tempo a desenhar e a aplicar os conhecimentos teóricos”.52
Tanto a proposta apresentada pelo conselho escolar como a apresentada por
Alfredo Bensaúde estabeleciam a existência de 7 cursos: curso de construções civis;
curso de máquinas; curso de eletrotecnia; curso de química tecnológica, curso de
minas; curso secundário de comércio curso superior de comércio. No entanto, a
forma como os mesmos deviam ser organizados diferiam. Na proposta de Ben-
saúde devia ser criado um primeiro ano comum para todos os cursos industriais.
A organização do curso de eletrotécnica era também diversa nas duas propostas.
Na proposta do conselho escolar tinha a duração de 4 anos, enquanto na de Ben-
saúde se reduzia a 3 anos. Apesar disso o ensino especíico de eletrotecnia não ocu-
pava mais horas na primeira proposta, embora estivesse dividido pelos 3º e 4º anos.
Na sequência da importância que Bensaúde atribuía ao ensino do desenho no
primeiro ano do curso, que como se disse era comum aos todos os cursos industriais,
existia uma disciplina de desenho de carácter prático que ocupava 12 horas sema-
nais. No 2º Ano foi incluída uma disciplina de construções urbanas, o que provavel-
mente se ligava com a introdução cada vez maior da eletricidade nas habitações, e
no 3º Ano uma disciplina de higiene.
O projeto de reforma apresentado por Alfredo Bensaúde foi objeto de numero-
sas críticas que o consideravam eivado de estrangeirismo. A inluência estrangeira
foi, aliás, reconhecida por ele. Bensaúde tinha-se formado em mineralogista e enge-
nharia de minas na Alemanha, onde frequentara as classes preparatórias da escola
Técnica Superior de Hannover e a Escola de Minas de Chausthal, terminando os
seus estudos na universidade de Goettingen em 1881. A sua passagem pelas escolas
alemãs e o conhecimento de outras escolas europeias permitiam-lhe aperceber-se
as vantagens dos sistemas de ensino que aí eram seguidos e, por isso, os procurava
introduzir em Portugal. Respondia, também aos seus críticos airmando que,
51 Ibidem, p. 12
52 Ibidem, pp. 22-23
44
ESPAÇOS E ACTORES DO ENSINO DA ELECTRICIDADE EM PORTUGAL (1850- 1911)
Tendo sido posta em prática a organização dos cursos propostos pelo conselho
da escola, a forma como se organizava o ensino da eletrotecnia era claramente in-
suiciente para formar técnicos capazes de realizarem instalações elétricas, e ainda
menos para formar engenheiros eletrotécnicos.
53 BENSAUDE, Alfredo, Notas Histórico- pedagógicas sobre o Instituto Superior Técnico, Lisboa, p.8.
54 BENEVIDES, Relatório … Ano lectivo de 1893-1894, Ob.cit., pp. 10-11.
55 Decreto de 30 de Junho de 1898.
45
ESPAÇOS E ACTORES DA CIÊNCIA EM PORTUGAL (XVIII-XX)
46
ESPAÇOS E ACTORES DO ENSINO DA ELECTRICIDADE EM PORTUGAL (1850- 1911)
47
ESPAÇOS E ACTORES DA CIÊNCIA EM PORTUGAL (XVIII-XX)
65 Sobre a formação dos engenheiros eletrotécnicos portugueses formados no estrangeiro veja-se MATOS, Ana
Cardoso de, “Formation, carrière et montée en puissance des ingénieurs électriciens au Portugal” (en publication).
66 Alfredo Bensaúde, Notas Histórico- pedagógicas …, ob. cit., p. 9
48
ESPAÇOS E ACTORES DO ENSINO DA ELECTRICIDADE EM PORTUGAL (1850- 1911)
67 A reforma do ensino estender-se-ia, em 1915, ao Porto, onde a Academia Politécnica foi transformada em
Faculdade Técnica. RODRIGUES, Maria de Lurdes, Os Engenheiros em Portugal, ob. Cit.p. 85.
68 Ibidem, pp. 68-69.
69 Em 1924 Léon Fesh foi convidado para trabalhar na Companhia Reunidas Gás e Electricidade de Lisboa.
SIMÕES, Ilídio Mariz, Pioneiros da electricidade e outros estudos, Lisboa, EDP, 1997, p.58.
49
ESPAÇOS E ACTORES DA CIÊNCIA EM PORTUGAL (XVIII-XX)
Vários dos alunos que saíram dos primeiros cursos de engenharia eletrotécnica
encontraram colocação em empresas elétricas, como a CRGE de Lisboa, a Socie-
dade Energia Hidrelétrica e a Casa H. B.C de Lisboa, em empresas ou instituições
que utilizam a eletricidade como iluminação ou força motriz, na Companhia de
Telefones e na secção de estudos hidrelétricos da Casa Henry Burnay & Cª. É
possível, que pelo menos nalguns casos, os professores tenham funcionado como
bureau de placement, tal como Alfredo Bensaúde defendia.
CONCLUSÃO
A partir das últimas décadas do século XIX a eletricidade passou a ser uma
energia essencial à vida doméstica, à vida urbana e social, às comunicações e ao de-
senvolvimento económico dos vários países. No entanto, em Portugal, o seu ensino
em Portugal não acompanhou nem os progressos que se registaram nesta área, nem
a forma como se foi organizando o ensino da electricidade e das suas aplicações.
No Instituto Industrial de Lisboa, apesar dos esforços feitos por homens como
Franciscco da Fonseca Benevides ou Benjamin Cabral, o ensino da telegraia eléc-
trica foi dado de uma forma pouco sequencial e, nem sempre organizado de forma
a dar aos alunos os conhecimentos necessários para prosseguirem com segurança
e eicácia uma vida proissional nesta área. Por seu lado, o ensino da electrotecnia
continuou a não dotar os técnicos portugueses com as competências necessárias
para poderem projectar e construir centrais e instalações elétricas com um certa
dimensão, o que obrigou vários engenheiros a completar a sua formação no estra-
geiro. Só com a criação, em 1911, do Instituto Superior Técnico, e no ano seguinte,
da Faculdade de Ciências do Porto, o país passou a formar engenheiros eletrotéc-
nicos com as competências necessárias ao desenvolvimento das várias aplicações da
eletricidade. Aliás, nas primeiras décadas do século XX, os engenheiros eletrotécni-
cos assumiram em Portugal uma importância crescente e airmaram-se como um
grupo essencial ao desenvolvimento económico e social do país.
50
A Imprensa Científica Militar (1851-1918):
Trocas e circulação de saberes entre Portugal
e a Europa
José Luís Assis
Comissão Portuguesa de História Militar – Ministério da Defesa Nacional / Centro de Estudos História e Filosofia da
Ciência (CEHFCi) / U. Évora Instituto de História Contemporânea – FCSH/UNL /HetSci
INTRODUÇÃO
1 NUNES, Maria de Fátima, “Leitura e Leitores”, in Imprensa Periódica Cientíica (1772-1852), Leituras de Sciencia
Agrícola em Portugal, Lisboa, 2001, p. 9.
51
ESPAÇOS E ACTORES DA CIÊNCIA EM PORTUGAL (XVIII-XX)
2 Cfr. BAPTISTA António M., A Primeira idade da Ciência. A Ciência no Século XIX e tempo de D. Carlos I,
(1863-1908), Lisboa, Gradiva, 1996, pp. 65-85. O volume inclui, além de uma síntese sobre o estudo da Ciência
portuguesa deste período, uma cronologia dos principais acontecimentos cientíicos e tecnológicos do século.
3 Sobre este tema veja-se BARREIRA, Cecília, Onde está a felicidade? O Conceito de Progresso Técnico no século XIX,
Lisboa Universitária editora, 1997. (ensaio orientado para a vertente simbólica e a metafórica do discurso sobre a
técnica na imprensa portuguesa nos anos 50-60 do século XIX).
52
A IMPRENSA CIENTÍFICA MILITAR (1851-1918): TROCAS E CIRCULAÇÃO DE SABERES ENTRE PORTUGAL E A EUROPA
4 MENDES, João Clemente, “Impressões de uma Viagem Medica”, O Escholiaste Medico, 13.º Anno, 3.ª Serie,
1856, n.º 26, pp. 17-21; n.º 28, pp. 49-53; n.º 30, pp. 81-84; n.º 31, pp. 97-100; n.º 33, pp. 129-133; n.º 34, pp.
145-150, n.º 36, pp. 177-182; n.º 37, pp. 193-197; n.º 39, pp. 225-229; n.º 40, pp. 241-245; n.º 42, pp. 273-276;
n.º 44, pp. 304-309.
5 O cirurgião de divisão João Clemente Mendes, era diplomado pela Escola Médico-Cirúrgica de Lisboa (1840)
e doutorado em Medicina, Cirurgia e Partos pela Universidade de Bruxelas (1855). Ingressou no Exército com
o exame militar para cirurgião ajudante a 28 de Outubro de 1840 e por Decreto de 2 de Novembro do mesmo
ano tomou posse naquela função. Pertenceu às comissões cientíicas responsáveis por elaborar os formulários de
medicamentos para os hospitais militares, (1858 e 1871); o Regulamento Geral do Serviço de Saúde (1852-1872);
o Projecto das Tabelas das Lesões (1870). Foi adjunto da repartição de Saúde do Ministério da Guerra. Para
mais informação sobre esta notável personalidade médica consulte-se REIS, Carlos Vieira, (2004), História da
Medicina Militar Portuguesa, vol. II, Lisboa, Estado-maior do Exército, pp. 249-250.
6 Idem, n.º 26, p. 18.
7 As doenças mais frequentes e que requeriam um determinado tipo de cuidados e de meios eram tratadas em
hospitais próprios. Havia hospitais para doentes com a síilis de ambos os sexos. O do Midi onde se tratavam
os homens e o de l’Ourcine as mulheres. O de S. Luiz tratava os doentes da pele. As crianças dos 2 aos 15 anos
tinham os seus próprios hospitais, o Enfants Malades. Existia, ainda, os hospícios para mulheres e para homens,
maternidades, asilos, instituições de caridade e um considerável número de casas saúde. Para mais informação
consulte-se Idem, pp. 18-19.
8 O pessoal médico e administrativo para prestar serviço nos hospitais era seleccionado entre os melhores elementos
do país e cada um, dentro da sua área, prestava os melhores serviços. Contudo ocorriam, por vezes, conlitos entre
os médicos e os directores da administração dos hospitais. Esta situação dava razão aos que defendiam que a
administração dos hospitais devia ser entregue a um facultativo. Veja-se Idem, p. 21.
9 O regime dietético dos doentes em todos os hospitais era óptimo. Recebiam o vinho, o leite, os legumes e uma
ininidade de iguarias. Veja-se Idem, Ibidem, p. 21.
10 A baixa dos doentes aos hospitais era determinada pelo Bureau central d’admission, instituição no dizer do autor
perfeitamente organizada, na qual doze médicos e seis cirurgiões desempenhavam o serviço de avaliar a situação
clínica de cada doente e designar o hospital em que deveria ser internado. Em situação de urgência os doentes
não eram apresentados àquela instituição, iam directamente para o hospital. Consulte-se Idem, p. 21.
53
ESPAÇOS E ACTORES DA CIÊNCIA EM PORTUGAL (XVIII-XX)
54
A IMPRENSA CIENTÍFICA MILITAR (1851-1918): TROCAS E CIRCULAÇÃO DE SABERES ENTRE PORTUGAL E A EUROPA
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ESPAÇOS E ACTORES DA CIÊNCIA EM PORTUGAL (XVIII-XX)
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A IMPRENSA CIENTÍFICA MILITAR (1851-1918): TROCAS E CIRCULAÇÃO DE SABERES ENTRE PORTUGAL E A EUROPA
57
ESPAÇOS E ACTORES DA CIÊNCIA EM PORTUGAL (XVIII-XX)
traram que o assunto ainda não estava devidamente amadurecido para ter uma
solução consentânea.
No quadro do Congresso, salientamos as insistentes e oportunas intervenções
dos congressistas portugueses António Manuel da Cunha Bellem e Guilherme
José Ennes através das interpelações e apresentação de propostas que seriam discu-
tidas e aprovadas por unanimidade pelos representantes dos países presentes para
depois serem adoptadas de forma universal. Eram momentos muito relevantes nos
quais se procurava encontrar soluções para os problemas de modo consensual para
que depois as medidas fossem deinitivas e uniformes.
Nas viagens de instrução das Corvetas Rainha de Portugal e Bartolomeu Dias,
ocorridas nos anos de 1888 e 1889, foram visitados alguns portos do Atlântico e
do Mediterrâneo, admiráveis do ponto de vista militar e industrial, pelos arsenais
que possuíam e as obras de arte que os protegiam. O relatório dessas visitas viria
à luz no ano seguinte nas páginas dos Annaes do Club Militar Naval40 sob o título
Arsenaes e Portos Militares do oicial de marinha J. A. Celestino Soares. De tudo
o que visitou e dos apontamentos que tomou relativamente ao assunto, apenas
daremos uma ideia dos portos e arsenais de Cherbourg e de Toulon41. Na costa
da Normandia, na baía formada pelas águas do Canal da Mancha que banham a
península de Cotentin, ixa-se a cidade de Cherbourg com o seu porto e arsenal
militar. Celestino Soares inicia a sua exposição com um olhar geral sobre a defesa
marítima e terrestre da cidade, do porto e do arsenal42. Como a organização desse
serviço público era igual em todos os portos e arsenais franceses, apresenta um
esboço da sua estrutura que lhe pareceu muito metódica e bem regulada43.
A Direcção de Construções Navaes francesa era semelhante à 2ª Direcção do Arse-
nal de Marinha e estava dotada das mesmas atribuições44. O Arsenal Cherbourg era
um enorme recinto de 97 hectares de superfície com duas grandes bacias, (docas
molhadas) com o nome de Carlos X e Napoleão III, ambas com profundidade para
de batalha. Riant, pelo contrário, como delegado da Sociedade Francesa de Socorros defendia calorosamente a
utilidade e proicuidade dos serviços prestados por tais instituições no campo de batalha. Os médicos Le Fort e
Després achavam que as sociedades se deveriam limitar à simples função de beneicência promovendo donativos
que depois enviariam para os serviços hospitalares a cargo dos médicos do exército. Outros ainda, onde se incluía
o barão Larrey aceitavam plenamente a coadjuvação do pessoal médico civil das sociedades de socorros a feridos
de batalhas, desde que subordinados à autoridade médica militar. Idem, pp. 186-187.
40 SOARES, J. A. Celestino, “Arsenaes e Portos Militares” Annaes do Club Militar Naval, Anno XX, 1890, pp. 16-
26; pp. 39-42; pp. 95-100; pp. 142-148; pp. 205-210; pp. 249-253.
41 Cada departamento tinha apenas um porto militar e nele um arsenal marítimo que estava dividido em quatro
direcções: movimento do porto; construções navais; subsistências; artilharia.
42 Para mais informação sobre o sistema de defesa da cidade e do seu porto, nomedamente a posição dos fortes e da
artilhria bem como da articulação de forças navais consulte-se Idem, Ibidem, pp. 95-100.
43 Para um estudo rápido sobre a organização dos portos e arsenais franceses, consulte-se Idem, Ibidem, pp. 20-23.
44 Idem, p. 21.
58
A IMPRENSA CIENTÍFICA MILITAR (1851-1918): TROCAS E CIRCULAÇÃO DE SABERES ENTRE PORTUGAL E A EUROPA
45 As oicinas eram amplas, mas não apresentavam maquinaria que as distinguissem das visitadas noutros arsenais,
como as de Toulon. Celestino Soares considerou “A direcção dos trabalhos hydraulicos, a das construcções nava-
es, bem como as oicinas de caldeireiros, serralheiros, carpinteiros, os telheiros de mastros e embarcações […]
muito inferior ás nossas […]”. Nesta visita tivera a oportunidade de visitar o Alger, cruzador de aço que tinha
acabado de ser lançado ao mar. Idem, p. 26.
46 O arsenal de Toulon estende-se ao sul da cidade, excepto a parte designada de Mourillon construída numa
península que correspondia à parte mais moderna do arsenal.
47 Para mais informação sobre a forma como estavam dispostos os fortes e a colocação das baterias consulte-se
Idem, Ibidem, pp. 95-100.
48 A doca velha embora comunique directamente com a seguinte não era uma dependência directa do arsenal. Nela
encostavam navios mercantes, os vapores de carreira e todo o tipo de embarcações particulares. A doca nova,
também chamada de Vouban estava na dependência exclusiva do arsenal e junto dos cais estavam direcções de
construções navais e alguns diques de reparação e planos inclinados. A doca de Castigneau ocupa uma área de
17 hectares oicinas de máquinas, as clareiras, a fundição, e os armazéns logísticos. A doca de Missiessy com 23
hectares de área compreende os diques secos que podem reparar os maiores navios e são obras importantíssimas
do ponto de vista dos acabamentos e dimensões.
49 “o que ha de mais importante e digno de ser visto […], é, sem duvida, a secção das machinas, cujas oicinas são
perfeitamente montadas em edifício apropriado e notaveis pela vastidão, não havendo ahi cousa alguma acanha-
da, e sobrando por toda a parte o ar e a luz”Veja-se, Idem, p. 207.
59
ESPAÇOS E ACTORES DA CIÊNCIA EM PORTUGAL (XVIII-XX)
rillon situado a sueste da cidade. Nas suas modernas carreiras assentavam as quilhas
dos maiores couraçados e nas oicinas fascinou-se com as máquinas de trabalhar
o ferro movidas hidraulicamente, “[...]sem duvida, a parte mais interessante, não
só do Mourillon, mas de todo o arsenal”50. Uma máquina de vapor instalada fora
da oicina, comprimia a água que depois através de uma canalização conveniente-
mente instalada a distribuía pelas diferentes máquinas fazendo-as movimentar51.
Por im faz um balanço da sua visita, considerando a convivência com os oiciais
franceses muito proveitosa, pois no que respeita à marinha, falavam com franque-
za e não disfarçavam as imperfeições e erros da sua organização tanto do pessoal
como do material. Essa convivência possibilitou aperceberem-se de que nem tudo
era bom, havia coisas que teriam de ser melhoradas. Os oiciais da marinha fran-
cesa eram bem instruídos e conheciam perfeitamente o material com que tinham
de trabalhar.
No âmbito da indústria do ferro, em 1894, a Revista do Exercito e da Armada
divulgou Os ateliers da Sociedade Cockerill em Searing52, do engenheiro militar Ro-
dolpho Ferreira Dias Guimarães como resultado da viagem cientíica realizada à
Bélgica e à França. Os ateliers da Sociedade Cockerill eram dos maiores da Europa
na indústria do ferro e encontravam-se estabelecidos na cidade de Seraing, Bélgica,
nas margens do rio Mosa. Eram formados por onze secções, além dos serviços de
transporte terrestres, marítimos e de administração, constituindo quatro grandes
grupos: minas, metalurgia, ateliers de construção industrial e serviço de armamento.
No primeiro grupo, apresenta as riquezas mineiras da Sociedade (os jazigos e mi-
nério e as minas de hulha) e os valores em toneladas do consumo dos fornos onde
se fabricava o aço e ferro53.
Continuando o plano de viagem, no segundo grupo, visita a metalúrgica, inferior
às célebres fábricas de Creusot e de Essen, mas não menos importantes. É constitu-
ída por quatro secções, altos-fornos, oicinas de produção de aço, ateliers de trabalho
em ferro e fundição, forjas e martelagem. Os cinco altos-fornos a laborar produziam
60
A IMPRENSA CIENTÍFICA MILITAR (1851-1918): TROCAS E CIRCULAÇÃO DE SABERES ENTRE PORTUGAL E A EUROPA
54 Os quatros fornos produziam por dia uma média de 90 toneladas, enquanto o quinto de construção moderna
produzia 140 toneladas.
55 As pequenas forjas estavam apetrechadas de pequenas máquinas, ventiladores, diversos martelos-pilões e muito
outro maquinismo destinado ao fabrico de pequenas peças.
56 Idem, p. 237.
57 Exemplo disso é o vasto conjunto de material construído do qual destacamos no material bélico: as máquinas
de 160 e 240 cavalos para a marinha de guerra holandesa; as canhoneiras blindadas para o exército russo; as
máquinas para o couraçado russo Tchesma da marinha imperial russa; os canhões de tiro rápido para o exército
belga. Do material para ins civis anotamos: as máquinas a vapor; as locomotivas e rails para caminhos-de-ferro;
os transatlânticos como o Leopoldo I, duque de Brabante; o colossal material para abertura do túnel de Monte
Cenis; o material perfurante utilizado no istmo do Panamá; as turbinas hidráulicas; os motores a vapor e as
locomotivas de todo o tipo para caminhos-de-ferro. Veja-se Idem, pp. 239-240.
58 C.S.M., “A Exposição de Düsseldorf em 1902”, Revista de Engenharia Militar, Tomo 8, n.º 8, 1903, pp. 184-189.
59 Idem, Ibidem, p. 185.
61
ESPAÇOS E ACTORES DA CIÊNCIA EM PORTUGAL (XVIII-XX)
62
A IMPRENSA CIENTÍFICA MILITAR (1851-1918): TROCAS E CIRCULAÇÃO DE SABERES ENTRE PORTUGAL E A EUROPA
CONCLUSÃO
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ESPAÇOS E ACTORES DA CIÊNCIA EM PORTUGAL (XVIII-XX)
BIBLIOGRAFIA
Fontes
BELLEM, António Manuel da Cunha, “Exposição de Paris – Congresso de Medicina Militar”, Gazeta
dos Hospitaes Militares, 2º Anno, n.º 40, 1878, pp. 184-187.
C.S.M., “A Exposição de Düsseldorf em 1902”, Revista de Engenharia Militar, Tomo 8, n.º 8, 1903, pp.
184-189.
GUIMARãES, Rodolpho Ferreira Dias, “Os ateliers da Sociedade Cockerill em Searing”, Revista do
Exercito e da Armada, n.º 18, 1894, pp. 233-240.
MENDES, João Clemente, “Impressões de uma Viagem Medica”, O Escholiaste Medico, 13.º Anno, 3.ª
Serie, 1856, n.º 26, pp. 17-21; n.º 28, pp. 49-53; n.º 30, pp. 81-84; n.º 31, pp. 97-100; n.º 33, pp. 129-133;
n.º 34, pp. 145-150, n.º 36, pp. 177-182; n.º 37, pp. 193-197; n.º 39, pp. 225-229; n.º 40, pp. 241-245; n.º
42, pp. 273-276; n.º 44, pp. 304-309.
SARMENTO, José Estêvão de Moraes, “Congresso do Serviço Medico dos Exercitos em Campanha”,
Revista Militar, Tomo XXX, n.º 16, 1878, pp. 499-507.
SOARES, J. A. Celestino, “Arsenaes e Portos Militare” Annaes do Club Militar Naval, Anno XX, 1890,
pp. 16-26; pp. 39-42; pp. 95-100; pp. 142-148; pp. 205-210; pp. 249-253.
Bibliografia
BAPTISTA António M., A Primeira idade da Ciência. A Ciência no Século XIX e tempo de D. Carlos I,
(1863-1908), Lisboa, Gradiva, 1996.
BARREIRA, Cecília Barreira, Onde está a felicidade? O Conceito de Progresso Técnico no século XIX, Lisboa
Universitária editora, 1997.
NUNES, Maria de Fátima, (2001), “Leitura e Leitores”, in Imprensa Periódica Cientíica (1772-1852),
Leituras de Sciencia Agrícola em Portugal, Lisboa, pp. 5-25.
REIS, Carlos Vieira, (2004), História da Medicina Militar Portuguesa, vol. II, Lisboa, Estado-maior do
Exército, 2004.
64
Laboratórios universitários – espaços de ciência
na transição da Monarquia para a República
Ângela Salgueiro
Instituto de História Contemporânea – FCSH/UNL
65
ESPAÇOS E ACTORES DA CIÊNCIA EM PORTUGAL (XVIII-XX)
salutares relações entre mestres e discípulos, destes entre si, abrindo a discus-
são, fonte sempre de luz. […]”1.
No ano de 1904 seria a vez de Bernardino Machado se manifestar em defesa do
progresso cientíico, enquanto instância essencial para a permanência da soberania
nacional:
“[…] Ser instruído é ser livre. Uma nação sem originalidade, que nada cria,
inventa e descobre, e apenas vive de empréstimos materiais ou espirituais, se,
pelo prestígio do nome herdado, ainda conserva a sua autonomia, não está longe
de perdê-la.”2.
Também Sobral Cid se referiu a esta problemática, defendendo as vantagens
do modelo humboldtiano de universidade e a necessidade de subordinar o ensino
português aos princípios da autonomia universitária, da liberdade de ensino e da
promoção da investigação cientíica:
“A verdade é que a Universidade e Escolas Superiores, tal como foram conce-
bidas e organizadas pelo Estado, sem independência corporativa e para ins
meramente proissionais não têm podido desempenhar a função mais elevada e
nobre do ensino: criar e fazer progredir os conhecimentos humanos e educar as
novas gerações no espírito da investigação cientíica.”3
Seria apenas com a I República que se conseguiria dar resposta a muitas destas
aspirações e propostas, aproveitando a conjuntura revolucionária para fazer aprovar
um conjunto de reformas que teriam efeitos estruturantes no ensino superior por-
tuguês. O desenvolvimento cientíico foi então assumido como um dos ins princi-
pais das Universidades e Faculdades, aparecendo, em maior ou menor medida, nos
diplomas regulamentares e orgânicos promulgados pelo Ministério do Interior, a
cargo de António José de Almeida. O primeiro diploma publicado pelo Governo
Provisório que visava directamente a reestruturação do ensino superior foi o de-
creto de 22 de Fevereiro de 1911, no qual se reformavam os estudos médicos, se
criavam três Faculdades de Medicina, com um estatuto similar, e se airmava a ne-
cessidade de acabar com “o velho vício da teorização exagerada e descuramento da
prática proissional”4. Deiniu-se o ensino prático, numa óptica alargada, enquanto
prática que devia decorrer na Universidade, no hospital e nos laboratórios:
1 HENRIQUES, Júlio Augusto, “Oração de Sapiencia recitada na sala dos Actos Grandes da Universidade de
Coimbra no dia 16 de Outubro de 1894” in Annuario da Universidade de Coimbra. Anno lectivo de 1894-1895,
Imprensa da Universidade, Coimbra,1895, pp. XVII-XVIII.
2 MACHADO, Bernardino, “A Universidade e a Nação” in Annuario da Universidade de Coimbra. Anno lectivo de
1904-1905, Imprensa da Universidade, Coimbra, MDCCCCIV, p. XXXII.
3 CID, José de Matos Sobral, “Oração de Sapientia” in Annuario da Universidade de Coimbra. Anno lectivo de 1907-
1908, Imprensa da Universidade, Coimbra, MDCCCCVII, p. LIV.
4 Decreto de 22 de Fevereiro de 1911. Dário do Governo, n.º 45, 24 de Fevereiro de 1911, p. 742.
66
LABORATÓRIOS UNIVERSITÁRIOS – ESPAÇOS DE CIÊNCIA NA TRANSIÇÃO DA MONARQUIA PARA A REPÚBLICA
“Por ensino prático entende-se, para os efeitos da reforma, o que o aluno realiza
nos Laboratórios e Clínicas, em contacto directo com os factos. Trata-se de fa-
cultar ao aluno os meios próprios de investigação, de o adestrar no seu manejo,
de o familiarizar com o seu emprego até que se habilite a servir-se de todos os
meios alcançáveis na descoberta da verdade.”5
Também a reforma dos estudos jurídicos, decretada em 18 de Abril do mesmo
ano, se deteve nesta problemática, considerando essencial a aposta num ensino ba-
seado na lição-diálogo e o desenvolvimento de trabalhos de investigação no âmbito
especíico do Direito, mediante a organização de um Instituto Jurídico, como cen-
tro de trabalho comum para os alunos e os professores6. Não obstante, seria apenas
com a aprovação da Constituição Universitária, em 19 do mesmo mês, que este ob-
jectivo apareceria de forma evidente e destacada nas atribuições das Universidades
da República. Este diploma reconheceu como os grandes ins dos estabelecimentos
universitários portugueses:
“a) Fazer progredir a ciência, pelo trabalho dos seus mestres, e iniciar um escol
de estudantes – nos métodos da descoberta e da invenção cientíica;
b) Ministrar o ensino geral das ciências e das suas aplicações, […]
c) Promover o estudo metódico dos problemas nacionais e difundir a alta cultu-
ra na massa da Nação pelos métodos de extensão universitária.”7
Estes diplomas legislativos, publicados nos primeiros meses de 1911, desempe-
nharam um papel fundamental na regulamentação das restantes áreas cientíicas,
que acabaram por seguir, genericamente, as grandes linhas destes documentos. As-
sim, quando se criaram as Faculdades de Letras em Coimbra e Lisboa, estipulou-
se, desde logo, a organização de estabelecimentos de trabalho cientíico e apoio ao
ensino, nomeadamente através de um Instituto de Estudos Históricos, organizado
em três secções – Filologia, História e Filosoia -, um Instituto de Estudos Geo-
gráicos e um Laboratório de Psicologia8.
A assunção do desenvolvimento cientíico como um dos principais objectivos
do ensino superior implicou a reestruturação dos antigos gabinetes, laboratórios e
museus de apoio ao ensino, bem como a criação de novos estabelecimentos para
dar resposta às crescentes exigências curriculares, resultantes da ampliação dos pro-
gramas escolares e da especialização disciplinar.
5 Ibidem.
6 Decreto de 18 de Abril de 1911. Diário do Governo, n.º 91, 20 de Abril de 1911, p. 1608.
7 Decreto de 19 de Abril de 1911. Diário do Governo, n.º 93, 22 de Abril de 1911, p. 1638.
8 Decreto de 9 de Maio de 1911. Diário do Governo, n.º 109, 11 de Maio de 1911, p. 1906.
67
ESPAÇOS E ACTORES DA CIÊNCIA EM PORTUGAL (XVIII-XX)
1910 1915
Faculdade de Letras
Laboratório de Psicologia Experimental
Faculdade de Direito
Instituto Jurídico
Fonte: Anuário da Universidade de Coimbra (anos vários).
Este foi um processo complexo pela escassez das verbas para aquisição de mate-
rial e bibliograia e pela exiguidade do espaço disponível na maioria dos estabeleci-
mentos de ensino, com excepção talvez da nova Faculdade de Medicina de Lisboa,
que se transferiu para o edifício inaugurado por ocasião do Congresso de Medicina
de 1906. Implicou ainda a expansão do professorado e do pessoal técnico, permi-
tindo o ingresso no corpo docente universitário de alguns jovens investigadores,
68
LABORATÓRIOS UNIVERSITÁRIOS – ESPAÇOS DE CIÊNCIA NA TRANSIÇÃO DA MONARQUIA PARA A REPÚBLICA
com uma formação cientíica moderna. Foi o caso, em Lisboa, de José Leite de
Vasconcelos, que integrou o corpo docente da Faculdade de Letras, e de Celestino
da Costa, Azevedo Neves e Sílvio Rebelo, na Faculdade de Medicina9. Para além
do evidente signiicado institucional, esta opção implicou também a constituição
de uma nova sociabilidade cientíica no País e uma maior interdependência com a
realidade económica e social. O laboratório universitário apareceu, nesta fase, como
um espaço de frequência mais democratizada, no qual conviviam e trabalhavam
professores, investigadores e alunos. Airmou-se ainda como um organismo mais
abrangente, presente em áreas cientíicas tradicionais, como a das ciências biomé-
dicas e a das ciências naturais, e em domínios novos, nomeadamente das ciências
humanas e sociais e das ciências jurídicas.
O espaço laboratorial passou a assumir-se como um espaço eminentemente
universitário, o que se traduziu num processo de concentração de diversos orga-
nismos autónomos sob a tutela dos estabelecimentos de ensino superior. Assim,
logo em Novembro de 1910, o Instituto Bacteriológico Câmara Pestana, um dos
mais modernos estabelecimentos cientíicos coevos, passaria para a tutela da Es-
cola Médico-Cirúrgica, depois Faculdade de Medicina de Lisboa10, o que impli-
cou a transferência da administração dos serviços de hospitalização do Instituto
para os Hospitais Civis de Lisboa; a entrada do seu director, Aníbal Bettencourt,
no corpo docente da Faculdade; e a elaboração de um novo regulamento privativo,
que deinia como atribuições principais: o ensino da Microbiologia na Faculdade
de Medicina; o estudo das doenças infecciosas e parasitárias do homem e animais,
bem como a sua proilaxia; a realização de análises bacteriológicas; a preparação
de soros e vacinas e a iscalização de produtos importados do mesmo género; o
tratamento anti-rábico; e o estudo da peste murina11. Em Abril de 1911 aconte-
ceria o mesmo com os Institutos de Oftalmologia e Higiene de Lisboa12. No caso
do Instituto Central de Higiene, a nomeação para o cargo de director passava a
recair no professor da cadeira da Higiene e não no Inspector-geral dos Serviços
Sanitários, como acontecia anteriormente, o que na prática permitia que Ricardo
Jorge continuasse na direcção da instituição. A integração pedagógica na Univer-
sidade signiicou também uma ampliação dos serviços, quer ao nível das exigên-
cias cientíicas e educativas, quer no domínio da proilaxia e salubridade públicas,
no controlo e estudo de surtos epidémicos e na análise laboratorial de produtos
9 Anuário da Universidade de Lisboa. Ano lectivo de 1914-1915, Imprensa Lucas, Lisboa, 1915, pp. 15-35.
10 Decreto com força de lei de 12 de Novembro de 1910. Diário do Governo, n.º 34, 14 de Novembro de 1910, p. 898.
11 Artigo 1.º do decreto de 6 de Julho de 1911. Diário do Governo, n.º 156, 7 de Julho de 1911, p. 2838.
12 Por decreto de 6 de Abril. Diário do Governo, n.º 81, 8 de Abril de 1911, p. 1478.
69
ESPAÇOS E ACTORES DA CIÊNCIA EM PORTUGAL (XVIII-XX)
13 Decreto de 26 de Maio de 1911. Diário do Governo, n.º 124, 29 de Maio de 1911, pp. 2250-2251.
14 De acordo com os decretos 5 de Abril (Diário do Governo, n.º 81, 8 de Abril de 1913, p.1271), de 16 de Agosto
(Diário do Governo, n.º 196, 22 de Agosto de 1913, p. 3139) e pelo decreto n.º 124 (Diário do Governo, n.º 210, 8
de Setembro de 1913, p. 3402).
15 COSTA, A. Celestino da, A Universidade Portuguesa e o problema da sua reforma. Conferências feitas em 19 e 22 de
Abril de 1918 a convite da Federação Académica de Lisboa, Tip. da Renascença Portuguesa, Porto, s.d., p. 9.
70
LABORATÓRIOS UNIVERSITÁRIOS – ESPAÇOS DE CIÊNCIA NA TRANSIÇÃO DA MONARQUIA PARA A REPÚBLICA
Gráfico I – Reuniões da Associação dos Anatomistas nas quais participaram investigadores portugueses
16 BENSAÚDE, Alfredo, “O Instituto Superior Técnico e o desenvolvimento da indústria nacional”. A Águia, 61-
63, 1917, pp. 70-71.
17 MIRABEAU, Bernardo António Serra de, Memoria Historica e Commemorativa da Faculdade de Medicina nos cem
annos decorridos desde a reforma da Universidade em 1772 até o presente, Imprensa da Universidade, Coimbra, 1872.
71
ESPAÇOS E ACTORES DA CIÊNCIA EM PORTUGAL (XVIII-XX)
18 SALGUEIRO, Ângela, “Do Instituto Bacteriológico de Lisboa ao Instituto Bacteriológico Câmara Pestana
– um agente de inovação nas ciências biomédicas portuguesas”, comunicação às Oicinas de Investigação do CIT-
CEM - “Saúde e doença na oicina de Clio: visões multifocais sobre a historiograia das ciências biomédicas (2ª parte)”,
Faculdade de Letras da Universidade do Porto, 9 de Novembro de 2012.
19 ABREU, Manuel Viegas, “A criação do primeiro Laboratório de Psicologia Experimental em Portugal: O Labo-
ratório de Psicologia Experimental da Universidade de Coimbra (1912)” in Universidade(s). História. Memória.
Perspectivas, 2, Comissão Organizadora do Congresso “História da Universidade”, Coimbra, 1991, pp. 107-131.
20 Decreto n.º 4554, de 6 de Julho de 1918. Diário do Governo, I Série, n.º 152, 9 de Julho de 1918, pp. 1086-1094.
21 Esta multiplicidade de tarefas está muito bem representada num conjunto de aguarelas sobre Marck Athias
apresentado por Isabel Amaral em “A nova face da medicina portuguesa. A geração de 1911 e a escola de inves-
tigação de Marck Athias” in Acta Médica Portuguesa, 24, 2011, p. 157.
72
LABORATÓRIOS UNIVERSITÁRIOS – ESPAÇOS DE CIÊNCIA NA TRANSIÇÃO DA MONARQUIA PARA A REPÚBLICA
estatuto dos investigadores. De facto, durante muitos anos os professores que inte-
gravam os laboratórios universitários não podiam auferir rendimentos extraordiná-
rios pelos trabalhos cientíicos realizados nestas instituições, situação que se alterou
muito lentamente. Só a partir de 1915 se conseguiria um primeiro avanço neste
domínio, mediante a concessão de um complemento salarial anual de 600$00 aos
directores dos laboratórios de Anatomia, Histologia, Fisiologia e Farmacologia da
Faculdade de Medicina de Lisboa22.
Apesar do progresso conseguido no panorama cientíico nacional, muitos des-
tes laboratórios e institutos universitários continuaram a laborar numa realidade
difícil, enfrentando diversos problemas estruturais. Desde logo, deparavam-se com
um desconhecimento generalizado sobre o signiicado de investigação aplicada,
por parte quer das autoridades oiciais, quer da classe professoral e dos próprios
estudantes, que se mostravam desinteressados, continuando a ter como principal
objectivo a frequência da universidade para a obtenção de um diploma. Como diria
Agostinho de Campos, anos mais tarde, em Portugal não se começou pelo princí-
pio base de tornar a ciência respeitável:
“Confessemos sem hesitar as nossas culpas actuais e máximas: cobiçamos o di-
ploma, e não a ciência; educamos para o Estado, e não para a Grei; criamos em
regra as escolas para os mestres, e não para os alunos; […] o honoríico prevalece
em nós ao prático e a vaidade à sinceridade; […] queremos ter tudo, em sonhos;
na realidade, contentámo-nos com muito pouco ou quase nada.”23.
Intimamente associado a este primeiro factor encontrava-se a exiguidade das ver-
bas destinadas anualmente aos laboratórios, o que limitava a obtenção do material e
da mão-de-obra necessária ao regular funcionamento dos mesmos. Outros estavam
instalados em condições muito precárias, sem o espaço necessário para o trabalho
dos investigadores e dos professores e para o ensino prático semanal de dezenas de
alunos. Era o caso do Laboratório de Química da Faculdade de Ciências de Lisboa,
cujo director, em 1929, airmava: “[…] melhor será acabar com o ensino experimen-
tal, para não o fazer arrastar uma existência tão precária que o torna irrisório.”24.
Em suma, veriica-se que a I República desempenhou um papel bastante im-
portante na renovação e expansão dos laboratórios universitários em Portugal,
através, sobretudo, de uma dinâmica actividade legislativa. Esta não correspondeu
22 Lei n.º 410, de 9 de Setembro. Diário do Governo, I Série, n.º 181, 9 de Setembro de 1915, p. 954.
23 CAMPOS, Agostinho de (Prefácio de), O Homem de Ciência, de Carlos Richet, Arménio Amado editor, Coim-
bra, 1937, p. 26.
24 Ofício do director da Faculdade de Ciências ao Reitor da Universidade de Lisboa, de 22 de Janeiro de 1929.
Arquivo Histórico do Museu Nacional de História Natural e da Ciência da Universidade de Lisboa, Fundo
Faculdade de Ciências, Série Processos de correspondência, Pasta Laboratório de Física e Laboratórios.
73
ESPAÇOS E ACTORES DA CIÊNCIA EM PORTUGAL (XVIII-XX)
74
O Hospital de Santa Marta no Nascimento
da Psicocirurgia: espaços, ideias e atores
Manuel Correia1 e Célia Pilão2
75
ESPAÇOS E ACTORES DA CIÊNCIA EM PORTUGAL (XVIII-XX)
76
LABORATÓRIOS UNIVERSITÁRIOS – ESPAÇOS DE CIÊNCIA NA TRANSIÇÃO DA MONARQUIA PARA A REPÚBLICA
77
ESPAÇOS E ACTORES DA CIÊNCIA EM PORTUGAL (XVIII-XX)
BIBLIOGRAFIA
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MONIZ, Egas, Les possibilités de la chirurgie dans le traitement de certaines psychoses, Lisboa Médica, 1936,
Ano XIII, Vol. XIII
78
A Casa de Saúde do Telhal na História
da Psicocirurgia: Ideias, Espaços,
Práticas e Protagonistas
Aires Gameiro1, Manuel Correia2 e Augusto Moutinho Borges3
79
ESPAÇOS E ACTORES DA CIÊNCIA EM PORTUGAL (XVIII-XX)
Casa de Saúde do Telhal, 1936. Primeiro grupo de Irmãos Hospitaleiros diplomados em Enfermagem.
O Médico é o Dr. Meira de Carvalho
4 Vide, por exemplo: CEBOLA, 1943, pp. 140-146, GAMEIRO, O.H., 1943, pp. 138-146 e Revista Hospitali-
dade, n.º 57, pp. 224-225 Jul.-Dez., 1993, pp. 219-223; BIERENS, 1979; GÊRARD, 1976; TOSQUELLES,
1967; ANTOINE, 1969.
80
A CASA DE SAÚDE DO TELHAL NA HISTÓRIA DA PSICOCIRURGIA: IDEIAS, ESPAÇOS, PRÁTICAS E PROTAGONISTAS
81
ESPAÇOS E ACTORES DA CIÊNCIA EM PORTUGAL (XVIII-XX)
7 GAMEIRO, 1943.
8 Leucotomias essas que vêm referidas pelo Ir. Diamantino, in Hospitalidade, N.º 53, 5.º do Tomo VII de 1949, p.
222.
9 CARVALHO, 1978, p. 29.
10 Cf. GAMEIRO, “Luíz Cebola: a República e o Estado Novo” comunicação no Congresso “Os Médicos e a Repú-
blica”, realizado na Sociedade de Geograia de Lisboa / Secção de História da Medicina, Lisboa 20 de Maio de
2010, (no prelo); vide também GAMEIRO, 2009, pp. 126-133.
11 CASTELãO, 2006, pp. 687-693.
82
A CASA DE SAÚDE DO TELHAL NA HISTÓRIA DA PSICOCIRURGIA: IDEIAS, ESPAÇOS, PRÁTICAS E PROTAGONISTAS
Nos anos trinta e quarenta do séc. XX, houve grande incremento e a introdução
dos primeiros psicofármacos, a par dos tratamentos pelas ocupações úteis e artísticas.
O Prof. Pedro Carlos Amaral Polónio sucedeu a Luís Cebola em 1948 e con-
irmou os avanços terapêuticos da Casa de Saúde do Telhal nos tempos anteriores
à sua tomada de posse12. Na data da saída do Dr. Luís Cebola (1948) os doentes
atingiam os 530 aumentando para 550. Dois anos depois a maior parte dos doentes
entrados foram referenciados com sequelas alcoólicas, seguidos de esquizofrénicos,
oligofrénicos, maníaco-depresssivos e paralíticos gerais.
12 BROCHADO, 1950, p. 195. Existe uma edição fac-similada, 2006, com bibliograia atualizada.
13 GAMEIRO, 2010, pp. 415-433.
14 FURTADO, 1938, p. 5.
15 Este número está de acordo com o que diz a Revista Hospitalidade, Jan-Mar de 1938, p. 26.
83
ESPAÇOS E ACTORES DA CIÊNCIA EM PORTUGAL (XVIII-XX)
Esta avaliação não foi a primeira, pois já em 1937, em artigo assinado por Egas
Moniz e Diogo furtado, chamando asilo ao Telhal, publicado nos Annales Médico-
psychologiques referem-se às leucotomias como “investigação” e declaram:
“Dispondo de uma série importante de doentes esquizofrénicos, internados num asilo,
ensaiamos uma investigação sistemática com o objetivo de avaliar o valor e as possibi-
lidades da leucotomia neste grupo de psicoses”.
E mais abaixo referem “Operámos no Telhal 19 casos de esquizofrenia, 18 dos quais
verdadeiros processos de esquizofrenia e o 19.º uma catatonia pura com seis meses de
evolução”16.
O artigo termina com esta airmação que denota um desejo de continuar a ex-
periência:
“Só o emprego sistemático da leucotomia num maior número de casos poderia esclarecer
nossas dúvidas” e poder tirar “conclusões dos dados apresentados”17.
Estamos em 1937, um ano apenas após a inauguração da sala de operações da
Casa de Saúde do Telhal. As operações de leucotomia continuaram até a 195118,
ou talvez 1952. Muitos dos doentes eram militares, sendo médico responsável o Dr.
Diogo Furtado, o mesmo que assina o artigo citado.
Uma outra avaliação dos resultados das leucotomias praticadas no Telhal veio
mais tarde do Dr. Luís Cebola, quando já não era diretor clínico no seu livro Estado
Novo e República 19. No Cap. “O cérebro e os políticos”, refere:
“Após enumerar as diversas terapêuticas e em especial a laborterapia, as metodologias
mais recentes: o electrochoque e a neuro-cirurgia, denominada «leucotomia de Egas
Moniz». “Nem um nem outro se baseiam em factos de ordem cientíica – incontestáveis
e conclusivos…”.
84
A CASA DE SAÚDE DO TELHAL NA HISTÓRIA DA PSICOCIRURGIA: IDEIAS, ESPAÇOS, PRÁTICAS E PROTAGONISTAS
85
ESPAÇOS E ACTORES DA CIÊNCIA EM PORTUGAL (XVIII-XX)
CONCLUSÃO
BIBLIOGRAFIA
Nota: Sugerimos uma consulta geral e uma leitura circunstanciada de alguns artigos das duas obras
gerais: GAMEIRO, Aires e BORGES, Augusto Moutinho (coord.), “75 anos da Restauração da Província
Portuguesa da Ordem Hospitaleira de S. João de Deus 1928/2003”, Lisboa, Alacalá, 2006, e, principalmente,
a obra monumental BROCHADO, Idalino da Costa (coord.), S. João de Deus. Homenagem de Portugal
ao seu glorioso Filho, 1550-1950. Lisboa, Bertrand, 1950, também edição fac-similada em 2006, com
atualização bibliográica por Pinharanda GOMES e por nós próprios (AG e AMB).
86
A CASA DE SAÚDE DO TELHAL NA HISTÓRIA DA PSICOCIRURGIA: IDEIAS, ESPAÇOS, PRÁTICAS E PROTAGONISTAS
Rodrigues, 1994.
BROCHADO, Idalino da Costa (coord.) – S. João de Deus. Homenagem de Portugal ao seu glorioso Filho,
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BORGES, Augusto Moutinho – Estudar, Preservar, Conservar e Animar a Memória da Ordem
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CARRETO, Pe. Augusto – “A nossa Casa do Telhal durante os primeiros 50 anos de existência (1893-1943)
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CEBOLA, Luís – História dum louco: analisada sob o aspecto psico-clínico. Lisboa: ed. Gomes de Carvalho,
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CEBOLA, Luís – Psiquiatria social. Lisboa: ed. Gomes de Carvalho,1931.
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GAMEIRO, Aires, BORGES, Augusto Moutinho, CARDOSO, Ana Mateus e d’OLIVEIRA,
Fernando – “Um republicano no convento, O Dr. Luís Cebola e a ocupação ergoterápica dos doentes mentais na
Casa de Saúde do Telhal, da Ordem Hospitaleira de S. João de Deus”. Coimbra, UC CEIS20, Caderno n.º 13,
2009, 36 pág.
GAMEIRO, Aires e BORGES, Augusto Moutinho (coord.) – “75 anos da Restauração da Província
Portuguesa da Ordem Hospitaleira de S. João de Deus 1928/2003”. Lisboa: Alacalá, 2006.
87
ESPAÇOS E ACTORES DA CIÊNCIA EM PORTUGAL (XVIII-XX)
88
ORGANIZAÇÃO DA CIÊNCIA:
PROMOTORES E ORGANISMOS
Ciencia y modernidad: La Junta para Ampliación
de Estudios y sus protagonistas1
José María López Sánchez
Universidad Complutense de Madrid
REGENERARSE O MORIR.
LA ATMÓSFERA CIENTÍFICA E INTELECTUAL ESPAÑOLA DEL CAMBIO DE SIGLO
1 Este trabajo se enmarca en el proyecto I+D, dirigido por Miguel Ángel Puig-Samper, con referencia HAR2010-
21333-C03-02 y titulado Naturalistas y viajeros en el mundo hispánico. Aspectos institucionales, cientíicos y docentes,
integrado en el proyecto coordinado por Alfredo Baratas Naturaleza y laboratorio. La investigación biológica en
la España contemporánea. Asimismo Este texto forma parte de las actividades del Grupo de investigación UCM
Historia de Madrid en la edad contemporánea, nº ref.: 941149, ha sido posible por la concesión de dos proyectos
de investigación del PLAN NACIONAL DE I + D + I: MINISTERIO DE EDUCACIÓN Y CIENCIA,
HUM2007-64847/HIST; MINISTERIO DE ECONOMÍA Y COMPETITIVIDAD, HAR2011-26904,
Investigador principal: Luis Enrique Otero Carvajal.
91
ESPAÇOS E ACTORES DA CIÊNCIA EM PORTUGAL (XVIII-XX)
en retirada, ante la aceptación generalizada de las tesis evolucionistas entre los natu-
ralistas europeos, en España las posiciones antidarwinistas se encontraron cada vez
con mayores diicultades en la comunidad cientíica con la llegada de nuevas genera-
ciones de cientíicos naturales y médicos a las cátedras universitarias partidarios del
evolucionismo y de la ciencia moderna. No obstante, dicho progreso fue de efectos
limitados por la sempiterna escasez de recursos del Estado español, materializada en
la ausencia de laboratorios o la precariedad de instalaciones y medios de los existentes.
Otro tanto sucedió respecto de la comunidad cientíica española, todavía reducida en
sus dimensiones, en la que las personalidades más relevantes fueron incapaces en el
último tercio del siglo XIX de gestar auténticos grupos de investigación con continui-
dad y proyección en el tiempo. La distancia con los países europeos más desarrollados
era abismal y la penuria de medios continuaba siendo una constante en la Universi-
dad española de inales de siglo.
A la altura de 1900 parecía existir un consenso casi unánime entre los grupos
políticos e intelectuales en la convicción de que España necesitaba regenerarse.
El momento más crítico había sido el conocido como Desastre del 98. Lo más
dramático de la derrota en la guerra con los Estados Unidos no eran ya tanto los
resultados de la misma, es decir, la pérdida de los restos del imperio colonial, lo
que de verdad causó espanto en la conciencia española fue el modo en cómo se
había llegado a aquel punto. Un país joven, los Estados Unidos, un recién llegado,
se podría decir que casi sin historia si la lectura se hacía desde el lado de una Es-
paña de pretendida tradición secular, había humillado y aplastado militarmente en
pocas semanas a una vieja nación. Ahora sí iba a cobrar pleno sentido el llamado
“regeneracionismo”, que alcanzó sus tonos más altos con la denominada literatura
del Desastre. El primero era un conjunto abigarrado de quejas o diagnósticos sobre
los males de la patria, así como de recetarios que buscaban soluciones tendentes a la
mejora no sólo económica, sino también moral del país. La segunda, originada por
la catástrofe colonial, vino a ser la cresta de ola del movimiento regeneracionista,
resultado del pasmo generado por la derrota y convertida, a su vez, en agitadora de
conciencias2.
Las relexiones acerca de la decadencia española y los males de la patria an-
helaban incorporar España a la Modernidad. La principal alternativa crítica al
sistema oicial y estatal había sido la Institución Libre de Enseñanza (ILE) y a
2 LAPORTA SAN MIGUEL, Francisco J.; SOLANA, Javier; RUIZ MIGUEL, Alfonso; ZAPATERO, Virgi-
lio, La Junta para Ampliación de Estudios e Investigaciones Cientíicas (1907-1936), Trabajo inédito inanciado por
la Fundación Juan March, Madrid, 1980.
92
CIENCIA Y MODERNIDAD: LA JUNTA PARA AMPLIACIÓN DE ESTUDIOS Y SUS PROTAGONISTAS
93
ESPAÇOS E ACTORES DA CIÊNCIA EM PORTUGAL (XVIII-XX)
naciones más modernas y adelantadas. Estos y muchos más eran los argumentos
que llenaron los escritos de Lucas Mallada, Joaquín Costa, Manuel Sales Ferré,
Ricardo Macías Picavea y tantos otros protagonistas de aquella literatura regenera-
cionista que no se cansó de denunciar el problema español, que insistió en su crítica
al sistema educativo. El lema de Joaquín Costa, escuela y despensa, sintetizó este
espíritu regeneracionista3.
La derrota de 1898 ante los Estados Unidos se explicaba, a juicio de regenera-
cionistas e institucionistas, por la falta de desarrollo tecnológico del país. Eduardo
Vicentí, airmó en el Parlamento que España había sido derrotada “en el laborato-
rio y en las oicinas, pero no en el mar o en la tierra”4. El planteamiento de Giner
no constituía una novedad, pero el Desastre colocó la situación de la instrucción
pública y la ciencia en el centro del debate público5, al cuestionar “una concepción
del mundo desdeñosa de la ciencia y un sistema educativo débil, que se dirige a
una exigua minoría del país y no es capaz de suministrar los rudimentos de una
información apta para provocar un desenvolvimiento económico”6. La Institución
Libre de Enseñanza había defendido a través de las páginas de su Boletín todo un
programa de reforma de la educación en España, que hasta el cambio de siglo sólo
había logrado inluir circunstancialmente en los gobiernos del partido liberal.
La crisis del 98 contribuyó al acercamiento entre institucionistas y liberales,
que se aceleró a partir de 1900, con la creación del Ministerio de Instrucción Pú-
blica, en el que vieron los institucionistas el primer gran instrumento de reforma
pedagógica que venían buscando. Los contactos con el mundo político liberal se
intensiicaron a través de nombres cercanos a los ambientes de la ILE. El principal
de ellos fue Segismundo Moret, amigo de Giner, accionista de la Institución Libre
de Enseñanza y colaborador de su Boletín. Junto a Moret, otros miembros del par-
tido liberal como Amalio Gimeno, Santiago Alba y Álvaro de Figueroa, conde de
Romanones, se alinearon con las tesis reformistas de la Institución Libre de Ense-
ñanza. A ellos se unieron desde las ilas del republicanismo viejos miembros de la
ILE como Nicolás Salmerón o Gumersindo de Azcárate. Salvar la brecha que nos
3 VALERA, Javier, La novela de España. Los intelectuales y el problema español, Taurus, Madrid, 1999.
4 Extracto del discurso del diputado Eduardo Vicenti, citado en SÁNCHEZ RON, José Manuel, “La Junta para
Ampliación de Estudios e Investigaciones Cientíicas ochenta años después” en SÁNCHEZ RON, José Manuel
(coord.), 1907-1987, la Junta para Ampliación de Estudios 80 años después: simposio internacional, Madrid, 15-17 de
diciembre de 1987, I, CSIC, Madrid, 1988, p. 3.
5 CACHO VIU, Vicente, “Crisis del positivismo, derrota de 1898 y morales colectivas” en FUSI, Juan Pablo y
NIÑO, Antonio, Vísperas del 98. Orígenes y antecedentes de la crisis del 98, Biblioteca Nueva, Madrid, 1997, pp.
221 a 235. Véase también CACHO VIU, Vicente, Repensar el 98, Biblioteca Nueva, Madrid, 1997.
6 LAPORTA, Francisco J.; RUIZ MIGUEL, Alfonso; ZAPATERO, Virgilio; SOLANA, Javier, “Los orígenes
culturales de la Junta para Ampliación de Estudios” en Arbor, Año CXXVI, nº 493, 1987, p. 33.
94
CIENCIA Y MODERNIDAD: LA JUNTA PARA AMPLIACIÓN DE ESTUDIOS Y SUS PROTAGONISTAS
separaba de las más dinámicas naciones europeas pasaba, a ojos de los institucio-
nistas, por renovar el sistema educativo del país, sus estructuras, métodos, objetivos
y contenidos. Dicha convicción fue interiorizada por los sectores reformistas del
partido liberal del sistema político de la Restauración y, más allá del mismo, por
el grueso de la intelectualidad reformista de la España del primer tercio del siglo
XX. La llamada generación del 14, con Ortega y Gasset a la cabeza, sintetizó esta
percepción en su convicción de que la solución al atraso español estaba en Europa,
entendida ésta como la apertura a las nuevas corrientes de pensamiento y cien-
tíicas que recorrían el Viejo Continente, base sobre la que debería asentarse un
amplio programa reformista que modernizara las estructuras sociales, económicas,
políticas y culturales del país.
7 Real Decreto, 11 de enero de 1907, Ministro de Instrucción pública y Bellas Artes, Amalio Gimeno, Gaceta de
Madrid, nº 15, 15 de enero de 1907, pp. 165-167. El Gobierno estaba en manos de los liberales, bajo la presi-
dencia de Antonio Aguilar Correa, marqués de la Vega Armijo, a cargo del Ministerio de Instrucción Pública
se encontraba Amalio Gimeno. En su constitución fueron nombrados vocales Santiago Ramón y Cajal, José
Echegaray, Marcelino Menéndez y Pelayo, Joaquín Costa (que renunció al poco tiempo por razones de salud,
siendo sustituido por Amalio Gimeno, al abandonar el Gobierno), Joaquín Sorolla, Gumersindo de Azcárate,
Luis Simarro, Ignacio Bolívar, Ramón Menéndez Pidal, José Rodríguez Carracido, Leonardo Torres Quevedo,
Julián Calleja, José Casares Gil, Adolfo Álvarez Buylla, Julián Ribera Tarragó, José Marvá, Alejandro San Mar-
tín, José Fernández Jiménez, Vicente Santamaría de Paredes, Eduardo Vincenti y Victoriano Fernández Ascarza,
secretario José Castillejo Duarte.
95
ESPAÇOS E ACTORES DA CIÊNCIA EM PORTUGAL (XVIII-XX)
8 CASTILLEJO, David (compilador), Los intelectuales reformadores de España. El epistolario de José Castillejo. Un
puente hacia Europa, 1896-1909, I, Castalia, Madrid, 1997, p. 17.
9 J.A.E.I.C., Memoria correspondiente a los años 1907, tomo 1, Madrid, 1908, p. 19.
10 LAPORTA SAN MIGUEL, Francisco J.; SOLANA, Javier; RUIZ MIGUEL, Alfonso; ZAPATERO,
Virgilio, La Junta para Ampliación de Estudios e Investigaciones Cientíicas (1907-1936), vol. 4, trabajo inédito
inanciado por la Fundación Juan March, Madrid, 1980, p. 3.
11 FORMENTÍN IBÁÑEZ, Justo y VILLEGAS SANZ, María José, Relaciones culturales entre España y América:
la Junta para Ampliación de Estudios (1907-1936), Colección Mapfre 1492, Madrid, 1992, p. 20.
12 RAMÓN y CAJAL, Santiago, Los tónicos de la voluntad. Reglas y consejos sobre investigación cientíica, Gadir,
Madrid, 2005, pp. 236-237.
96
CIENCIA Y MODERNIDAD: LA JUNTA PARA AMPLIACIÓN DE ESTUDIOS Y SUS PROTAGONISTAS
13 CASTILLEJO, David (compilador), Los intelectuales reformadores de España. El epistolario de José Castillejo. Un
puente hacia Europa, 1896-1909, I, Castalia, Madrid, 1997.
97
ESPAÇOS E ACTORES DA CIÊNCIA EM PORTUGAL (XVIII-XX)
14 LAPORTA, Francisco, “La Junta para Ampliación de Estudios: primeras fatigas” en BILE, nº 14, 1992, pp. 39-
51.
98
CIENCIA Y MODERNIDAD: LA JUNTA PARA AMPLIACIÓN DE ESTUDIOS Y SUS PROTAGONISTAS
15 J.A.E.I.C., Memoria correspondiente a los años 1907, tomo 1, Madrid, 1908, pp. 4-5.
99
ESPAÇOS E ACTORES DA CIÊNCIA EM PORTUGAL (XVIII-XX)
16 J.A.E.I.C., Memoria correspondiente a los años 1907, tomo 1, Madrid, 1908, p. 13.
17 LÓPEZ SÁNCHEZ, José María, Heterodoxos españoles. El Centro de Estudios Históricos, 1910-1936, Marcial
Pons. CSIC, Madrid, 2006.
18 OTERO CARVAJAL, Luis Enrique y LÓPEZ SÁNCHEZ, José María, La lucha por la modernidad. Las cien-
cias naturales y la Junta para Ampliación de Estudios, Residencia de Estudiantes. CSIC, Madrid, 2012.
100
CIENCIA Y MODERNIDAD: LA JUNTA PARA AMPLIACIÓN DE ESTUDIOS Y SUS PROTAGONISTAS
19 LÓPEZ SÁNCHEZ, José María, Las ciencias sociales en la Edad de Plata española. El Centro de Estudios Histó-
ricos, 1910-1936, Tesis doctoral, Facultad de Geografía e Historia de la Universidad Complutense de Madrid,
Madrid, 2004.
101
ESPAÇOS E ACTORES DA CIÊNCIA EM PORTUGAL (XVIII-XX)
102
CIENCIA Y MODERNIDAD: LA JUNTA PARA AMPLIACIÓN DE ESTUDIOS Y SUS PROTAGONISTAS
20 LÓPEZ SÁNCHEZ, José María, Heterodoxos españoles. El Centro de Estudios Históricos, 1910-1936, Marcial
Pons. CSIC, Madrid, 2006.
103
ESPAÇOS E ACTORES DA CIÊNCIA EM PORTUGAL (XVIII-XX)
Las pensiones facilitaron los contactos con el extranjero. Tras la Primera Guerra
Mundial, los viajes de físicos y químicos como Enrique Moles, Miguel Ángel Ca-
talán, Arturo Duperier y Julio Palacios permitieron estrechar los lazos ya iniciados
y crear dentro de España un grupo pequeño, pero muy activo, de físicos y químicos
que constituyeron las iguras egregias de dichas disciplinas en el país. En el La-
boratorio de Investigaciones Físicas trabajaron cinco grupos principales agrupados
en torno a Blas Cabrera (que dirigió dos, el de Física y el de Magneto-química),
Enrique Moles (Químico-física), Julio Guzmán (Electroquímica y Electroanálisis)
y Ángel del Campo (Espectroscopia). En aquel laboratorio también trabajaría Mi-
guel Ángel Catalán, a quien se debe la aportación más signiicativa de la historia de
la física española a la disciplina en general: el descubrimiento de los multipletes, que
contribuyó de manera decisiva al desarrollo de la teoría cuántica y la astrofísica. El
éxito de Catalán sirvió para que Cabrera pudiese justiicar ante la JAE la fortaleza
de su Laboratorio y de hecho la Junta terminó por lograr la colaboración de la Fun-
dación Rockefeller para que solucionase las carencias económicas del Laboratorio
y aportase el dinero suiciente como para transformarlo en el Instituto Nacional de
Física y Química en 1932.
Otra de las ramas cientíicas que experimento considerable desarrollo durante
el primer tercio del siglo XX y de la mano de la Junta para Ampliación de estudios
fue la Matemática. En este terreno, el nombre indiscutible es el de Julio Rey Pastor.
El primer contacto de Rey Pastor con la JAE fue, como no, a través de una pen-
sión, hasta que en 1915 se creó el Laboratorio y Seminario Matemático, al frente
del cual iguró naturalmente Rey Pastor y por el que pasaron los más importantes
matemáticos españoles de aquellos años. Pronto colaboró con la Sociedad Matemá-
tica Española en la publicación de la Revista Matemática Hispano-Americana, que
sustituyó en 1919 a la Revista de la Sociedad Matemática Española. No obstante, Rey
Pastor dejaría esta institución para aincarse en Argentina en 1920, donde había
sido invitado a dar cursos en la cátedra que tenía la Institución Cultura Española y
donde pronto conseguiría un contrato de profesor en la Universidad de Buenos Ai-
res. La relación de Rey Pastor con la JAE y su Laboratorio y Seminario Matemático
se iría diluyendo, muy a pesar de la Junta, por la negativa continuada de Rey Pastor
a asumir las responsabilidades de la escuela matemática en España y por su nueva
vida al otro lado del Atlántico.
En ciencias naturales la igura más destacada fue la de Ignacio Bolívar, director
del Museo de Ciencias Naturales. Él inyectó un impulso considerable a la biolo-
gía española a través del Museo de Ciencias Naturales, que en colaboración con
la JAE, impulsó un amplio programa de reformas y de trabajos de investigación.
104
CIENCIA Y MODERNIDAD: LA JUNTA PARA AMPLIACIÓN DE ESTUDIOS Y SUS PROTAGONISTAS
105
ESPAÇOS E ACTORES DA CIÊNCIA EM PORTUGAL (XVIII-XX)
21 BARONA, Josep L., “Los laboratorios de la Junta para Ampliación de Estudios e Investigaciones Cientíicas
( JAE) y la Residencia de Estudiantes (1912-1939)” en Asclepio, Año LIX, nº 2, 2007, pp. 87-114.
22 OTERO CARVAJAL, Luis Enrique y LÓPEZ SÁNCHEZ, José María, La lucha por la modernidad. Las
ciencias naturales y la Junta para Ampliación de Estudios, Residencia de Estudiantes. CSIC, Madrid, 2012 y PUIG
SAMPER, Miguel Ángel (coord.), Tiempos de investigación. JAE-CSIC, cien años de ciencia en España, CSIC,
Madrid, 2007.
106
CIENCIA Y MODERNIDAD: LA JUNTA PARA AMPLIACIÓN DE ESTUDIOS Y SUS PROTAGONISTAS
107
ESPAÇOS E ACTORES DA CIÊNCIA EM PORTUGAL (XVIII-XX)
23 OTERO CARVAJAL, Luis Enrique y LÓPEZ SÁNCHEZ, José María, La lucha por la modernidad. Las cien-
cias naturales y la Junta para Ampliación de Estudios, Residencia de Estudiantes. CSIC, Madrid, 2012.
24 OTERO CARVAJAL, Luis Enrique (dir.), La destrucción de la ciencia en España. Depuración universitaria en el
franquismo, Editorial Complutense, Madrid, 2006.
25 CLARET MIRANDA, Jaume, El atroz desmoche. La destrucción de la Universidad española por el franquismo,
1936-1945, Crítica, Barcelona, 2006.
108
CIENCIA Y MODERNIDAD: LA JUNTA PARA AMPLIACIÓN DE ESTUDIOS Y SUS PROTAGONISTAS
109
Instituto Nacional de Investigação Industrial:
a investigação científica aplicada
ao desenvolvimento industrial
Ana Carina Azevedo
Instituto de História Contemporânea – FCSH/UNL
O Instituto Nacional de Investigação Industrial - INII - não foi até hoje alvo de
um estudo sistemático. Exceptuando a investigação feita pela Professora Doutora
Maria Fernanda Rollo quanto ao processo que levou à sua criação, as suas reais re-
percussões no sector industrial português não são ainda completamente conhecidas.
No entanto, é notória a sua importância enquanto agente de ciência e inovação para
o sector secundário português no período posterior à Segunda Guerra Mundial.
Criado em 1959, o INII nasceria de uma longa demanda pela formação de um
Centro Nacional de Produtividade que os técnicos responsáveis pela execução do
Plano Marshall desejavam, mas o Estado português pretendia evitar. De facto, o
início da década de 1950 foi marcado pelas tentativas norte-americanas de in-
trodução do conceito de produtividade, bem como das técnicas necessárias à sua
melhoria, nos sectores produtivos nacionais. A missão da ECA - Economic Coope-
ration Administration, justiicava esta necessidade airmando a indispensabilidade
de reforçar o melhoramento das técnicas agrícolas e dos métodos de produção
industrial, de forma a aumentar a produção e diminuir os custos, permitindo assim
reduzir os preços ao nível do consumidor, bem como a dependência de impor-
tações.1 Para que estes objectivos fossem cumpridos, era considerada essencial a
criação do Centro Português de Produtividade, à imagem dos que vinham a ser
formados nos restantes países participantes no Programa de Recuperação Europeu.
Entre 1950 e 1959, a problemática da criação de um Centro de Produtividade
em Portugal é, variadas vezes, colocada sobre a mesa pelos técnicos do Plano Mar-
shall, sendo sempre contornada pelo governo português, mesmo quando, em 1951,
1 Maria Fernanda Rollo, Portugal e a reconstrução económica do pós-guerra. O Plano Marshall e a economia portuguesa
dos anos 50, Ministério dos Negócios Estrangeiros, Colecção Biblioteca Diplomática, Série D- 13, Lisboa, 2007,
p.437.
111
ESPAÇOS E ACTORES DA CIÊNCIA EM PORTUGAL (XVIII-XX)
esta questão adquire uma outra visibilidade pela sua integração num ambicioso
Programa de Produtividade concebido pela ECA. Este programa necessitava, de
facto, segundo a missão da ECA, do enquadramento de um organismo que tivesse
como objectivo assumir a promoção do programa de produtividade que havia sido
estabelecido. O Estado português, por seu lado, tinha claras objecções à criação
deste centro, objecções essas que se prendiam sobretudo com o facto de ao Gover-
no ser apenas concedido o papel de simples membro do Conselho de Produtivida-
de e do projecto ser organizado em torno das Associações Industriais, não se arti-
culando com a organização corporativa. Mas outros motivos existiriam para esta
rejeição. Por um lado, os problemas que se colocavam à autorização do trabalho de
estrangeiros em território nacional e os conlitos com a legislação nacional quanto
às relações de trabalho. Por outro, o Estado procurava salvar a organização cor-
porativa e a sua doutrina, apresentando reservas quanto à forma de representação
dos trabalhadores e criticava o papel que as Associações Industriais e Comerciais
tinham no projecto. Assim, apesar do processo conducente à criação do Centro de
Produtividade ter dado grandes passos até 1952, continuaria a faltar a aprovação
do Governo, mais receoso das consequências da sua formação - principalmente
ao nível do perigo de ingerência externa - do que certo em apostar nos resultados
positivos que o mesmo poderia trazer à economia nacional. Tal como podemos
veriicar em muitas das decisões tomadas neste período, a manutenção do regime
era colocada acima de qualquer outro objectivo, sendo certo que este projecto não
se adequava facilmente ao peril do Estado Novo.
Porém, alguns dos objectivos do Centro Nacional de Produtividade seriam
cumpridos pela criação do Instituto Nacional de Investigação Industrial (INII).
O INII seria instituído pela lei n.º 2089 de 8 de Junho de 1957 da Secretaria
de Estado da Indústria e criado e regulamentado como instituição pública pelo
decreto-lei n.º 42 120, de 23 de Janeiro de 1959, com o objectivo de promover, au-
xiliar, coordenar e aperfeiçoar o desenvolvimento industrial do País, constituindo-
se como um importante instrumento da opção pela industrialização expressa no II
Plano de Fomento, que contrariaria o caminho seguido nos anos 30 e 40. Nas pa-
lavras do seu primeiro director, Eng.º Magalhães Ramalho: “O Instituto é, de facto,
a última tentativa para que o povo português actualize a sua maneira de trabalhar
e de dirigir o trabalho. É a última tentativa no sentido de permitir à indústria na-
cional a supressão do atraso que regista em relação ao que se passa lá fora. E esse
atraso consubstancia-se, em especial, nos métodos de trabalho e no aproveitamento
112
A CASA DE SAÚDE DO TELHAL NA HISTÓRIA DA PSICOCIRURGIA: IDEIAS, ESPAÇOS, PRÁTICAS E PROTAGONISTAS
integral das indústrias”.2 De facto, como podemos, também, veriicar pela análise
da lei n.º 2089, o INII apresentou, desde o seu início, o objectivo de se constituir
como um agente de inovação no sector secundário português, devendo “promover,
auxiliar e coordenar a investigação e assistência que interess[ass]em ao aperfeiçoa-
mento e desenvolvimento industriais do País”. Para tal deveria, como airma a base
II da mesma lei “assegurar, de um modo geral, a coordenação e o aproveitamento
dos meios, estudos e investigações de interesse para o progresso das indústrias;
[…] acompanhar a evolução e os progressos cientíicos e técnicos das diversas in-
dústrias portuguesas e estrangeiras e os seus processos de expansão económica;
[…] reunir e preparar, para fácil consulta e divulgação, os estudos, relatórios, textos
de patentes, informações e referências, nacionais ou estrangeiras, que possam ser
úteis ao aperfeiçoamento das actividades industriais já existentes ou à instalação
de novas indústrias no País; […] fazer estudos, ensaios e investigações cientíicas
ou técnicas de utilidade para a indústria, bem como promover ou auxiliar activi-
dades semelhantes de outras entidades nacionais, públicas ou privadas; […] criar,
manter ou dirigir museus tecnológicos, laboratórios, instalações de ensaio, estações
experimentais, fábricas-escolas ou centros de estudo ou de investigação de especial
interesse para o aperfeiçoamento ou desenvolvimento industrial, bem como pro-
mover ou auxiliar a criação e manutenção de instalações e actividades semelhan-
tes por outras entidades nacionais, públicas ou privadas; […] prestar assistência
cientíica e técnica aos industriais ou outras entidades públicas ou privadas que a
solicitarem; […] facultar […] a utilização dos seus laboratórios e serviços a cien-
tistas, técnicos, professores e alunos de escolas superiores e proissionais ou outras
entidades idóneas interessadas em estudos e pesquisas relacionados com a indús-
tria; […] promover […] a especialização, no País ou no estrangeiro, de cientistas,
técnicos ou pessoas de qualquer natureza, para a formação e aperfeiçoamento de
dirigentes, técnicos ou operários indispensáveis ao progresso da indústria nacional
ou aos serviços de assistência cientíica e técnica dependentes do próprio instituto;
[…] manter intercâmbio de estudos, pesquisas e informações com Universidades,
escolas técnicas, institutos de investigação, centros de estudo, laboratórios e ou-
tras entidades, públicas ou privadas, nacionais ou estrangeiras, que desempenhem
actividades de interesse para o progresso das indústrias; […] promover, por meio
de cursos, conferências, congressos, demonstrações, exposições, documentários ci-
2 Diário da Manhã, 14 de Dezembro de 1959. Carlos Gonçalves, “A construção social dos quadros nos anos 60:
algumas perspectivas de análise”, Sociologia: Revista da Faculdade de Letras, Série 1, Volume 01, Faculdade de
Letras, Porto, 1991, p.107.
113
ESPAÇOS E ACTORES DA CIÊNCIA EM PORTUGAL (XVIII-XX)
3 Lei n.º 2089 - Promulga as bases para a criação, no Ministério da Economia, do Instituto Nacional de Investiga-
ção Industrial. Diário do Governo, I Série, n.º 133, 8 de Junho de 1957, pp.595-596.
114
A CASA DE SAÚDE DO TELHAL NA HISTÓRIA DA PSICOCIRURGIA: IDEIAS, ESPAÇOS, PRÁTICAS E PROTAGONISTAS
4 Decreto-Lei n.º 42120 - Cria, na Secretaria de Estado da Indústria, o Instituto Nacional de Investigação Indus-
trial, com sede em Lisboa e com a inalidade, competência e organização estabelecidas na Lei n.º 2089. Diário do
Governo, I Série, n.º 19, 23 de Janeiro de 1959, p.69.
115
ESPAÇOS E ACTORES DA CIÊNCIA EM PORTUGAL (XVIII-XX)
5 Quadro de pessoal do Instituto Nacional de Investigação Industrial (anexo ao decreto-lei n.º 42 120). Diário do
Governo, I Série, n.º 19, 23 de Janeiro de 1959, p.70.
6 Lei n.º 2094 - Promulga as bases da organização do Plano de Fomento da metrópole e das províncias ultrama-
rinas para o período compreendido entre 1 de Janeiro de 1959 e 31 de Dezembro de 1964. Diário do Governo, I
Série, n.º 256, 25 de Novembro de 1958, p.1320.
7 José Torres Campos, “Instituto Nacional de Investigação Industrial (INII)”, Dicionário de História do Estado
Novo, direcção de Fernando Rosas e J. M. Brandão de Brito, volume I, Círculo de Leitores, Lisboa, 1996, p.485.
116
A CASA DE SAÚDE DO TELHAL NA HISTÓRIA DA PSICOCIRURGIA: IDEIAS, ESPAÇOS, PRÁTICAS E PROTAGONISTAS
8 Maria Fernanda Rollo, Portugal e a reconstrução económica do pós-guerra. O Plano Marshall e a economia portuguesa
dos anos 50, Ministério dos Negócios Estrangeiros, Colecção Biblioteca Diplomática, Série D- 13, Lisboa, 2007,
p.494.
9 Carlos Gonçalves, “A construção social dos quadros nos anos 60: algumas perspectivas de análise”, Sociologia:
Revista da Faculdade de Letras, Série 1, Volume 01, Faculdade de Letras, Porto, 1991, p.125.
117
ESPAÇOS E ACTORES DA CIÊNCIA EM PORTUGAL (XVIII-XX)
118
A CASA DE SAÚDE DO TELHAL NA HISTÓRIA DA PSICOCIRURGIA: IDEIAS, ESPAÇOS, PRÁTICAS E PROTAGONISTAS
12 “Uma interessante iniciativa do INII”, Indústria Portuguesa, Revista da Associação Industrial Portuguesa, Ano
XXXII, n.º 382, Dezembro de 1959, p.459.
13 Carlos Gonçalves, “A construção social dos quadros nos anos 60: algumas perspectivas de análise”, Sociologia:
Revista da Faculdade de Letras, Série 1, Volume 01, Faculdade de Letras, Porto, 1991, p.140.
119
ESPAÇOS E ACTORES DA CIÊNCIA EM PORTUGAL (XVIII-XX)
14 Santos Loureiro, “A programação como instrumento de gestão da empresa”, Indústria Portuguesa, Revista da
Associação Industrial Portuguesa, Ano XXXV, n.º 410, Abril de 1962, p.31; José de Melo Torres Campos, “Sig-
niicado e utilidade de um serviço de planeamento e controle de produção numa empresa industrial”, Indústria
Portuguesa, Revista da Associação Industrial Portuguesa, Ano XXVIII, n.º 444, Fevereiro de 1965, pp.87-91.
15 António Malta, “As relações humanas e as políticas de produtividade”, Indústria Portuguesa, Revista da Associa-
ção Industrial Portuguesa, Ano XXVIII, n.º 445, Março de 1965, pp.157-159.
16 H. Silva Serra, “COPRAI. Comissão de Produtividade da AIP. Unidades itinerantes – um exemplo concreto de
assistência técnica à indústria”, Indústria Portuguesa, Revista da Associação Industrial Portuguesa, Ano XL, n.º
470, Abril de 1967, pp.190-192.
120
A CASA DE SAÚDE DO TELHAL NA HISTÓRIA DA PSICOCIRURGIA: IDEIAS, ESPAÇOS, PRÁTICAS E PROTAGONISTAS
zação e gestão comercial e administrativa, fornecendo pistas para que cada empresa
pudesse fazer o diagnóstico da sua situação e escolher o caminho mais adequado para
melhorar a sua prestação económica.17 Quanto aos estudos realizados pelos técnicos
do INII, estes versavam tanto sobre diagnósticos gerais ou sectoriais da situação da
indústria como sobre as potencialidades de novas técnicas para o seu desenvolvimen-
to. A produtividade do trabalho e da mão-de-obra foi, talvez, a temática que mais
interessou ao INII, sendo alvo de vários estudos diagnósticos ao longo da década de
1960. Quer no que diz respeito à produtividade da população activa portuguesa, quer
no que concerne à produtividade de sectores industriais especíicos, como é o caso
dos têxteis, os técnicos do INII dedicaram-se ao acompanhamento constante deste
fenómeno procurando compreender as causas dos resultados obtidos e as formas de
os melhorar.18 Ainda no que diz respeito à produtividade do trabalho, o INII apostou
na difusão das novas técnicas de organização criando a série intitulada Técnicas de
Produtividade, na qual era divulgada a metodologia de base para o estudo dos tempos
e métodos de trabalho, bem como dos movimentos mais indicados para a execução
de cada tarefa ou debatida a problemática da adaptação dos trabalhadores rurais aos
métodos do trabalho industrial, uma realidade importante em contexto de êxodo
rural como o que se vivia nos anos 60.19
O auxílio à indústria passava ainda por acções mais concretas como a divulgação
de informação técnica especializada necessária para um melhor desempenho de cada
ramo industrial, que compreendia não só a difusão de métodos de organização espe-
cíicos, mas também de novas técnicas de manuseamento e aplicação de materiais já
conhecidos ou a apresentação de novos materiais cuja utilização era mais rentável.20
17 António Malta, Estruturas e organização de empresas, Instituto Nacional de Investigação Industrial, Lisboa, 1960;
Formação e aperfeiçoamento em administração de empresas, (trad.) F. Magalhães de Sousa e J. Pinto dos San-
tos, Lisboa, Instituto Nacional de Investigação Industrial - Serviço de Produtividade, 1960; A. Pereira Magro,
Organização e gestão comercial das empresas industriais: produtividade, Instituto Nacional de Investigação Indus-
trial, Lisboa, 1965; Organização do trabalho administrativo no sector público, Instituto Nacional de Investigação
Industrial, Lisboa, 1965 e Mário Cardoso dos Santos, Reorganização Interna de Empresas Industriais: Metodologia
de Diagnóstico, Ministério da Economia. Secretaria de Estado da Industria. Instituto Nacional de Investigação
Industrial, Serviço de Produtividade, Lisboa, 1967.
18 Produtividade da Mão-de-obra na Indústria Têxtil de Fiação de Algodão, Instituto Nacional de Investigação
Industrial, Lisboa, 1968; Luís Pereira Júnior, Produtividade da mão-de-obra na indústria têxtil de iação de algodão,
estudos de produtividade n.º 3, Instituto Nacional de Investigação Industrial, Lisboa, 1965; José de Melo Torres
Campos, A produtividade da população activa do continente português de 1950 a 1960, Instituto Nacional de Inves-
tigação Industrial, Lisboa, 1964.
19 Artur Cabral Sampaio, Medidas Directas de Produtividade na Indústria de Calçado Mecânico, Instituto Nacional
de Investigação Industrial, Lisboa, 1969; Mário Cardoso dos Santos, Jorge Guerra e José Silva, Evolução da
produtividade do trabalho, do emprego e da remuneração em quinze sectores da indústria transformadora (1953-1965),
Instituto Nacional de Investigação Industrial, Lisboa, 1969; Mário Cardoso dos Santos, Evolução da Produtivi-
dade do Trabalho, Instituto Nacional de Investigação Industrial, Lisboa, 1969; Fernando José da Costa (coord.),
Medidas de produtividade na indústria da borracha: secção de preparação de pastas, Instituto Nacional de Investiga-
ção Industrial, Lisboa, 1964.
20 M. Elisabete Almeida Padinha, Processos de aplicação de tintas, 1.ª edição, Instituto Nacional de Investigação
Industrial, Lisboa, 1977; Estudo das possibilidades de desenvolvimento das indústrias alimentares portuguesas: trans-
121
ESPAÇOS E ACTORES DA CIÊNCIA EM PORTUGAL (XVIII-XX)
É notório que a divulgação destes estudos deva ter contribuído para o interesse
de alguns industriais num auxílio mais próximo por parte do INII. De facto, o
Instituto realizou uma série de análises, ensaios e estudos às empresas que o solici-
taram que, de certa forma, preenchiam uma lacuna sentida a nível nacional e que,
por norma, era colmatada com o recurso a técnicos estrangeiros, cuja entrada em
Portugal seguiu um processo de diminuição ao longo dos anos 60.21 Por último, é
importante referir o apoio que o INII prestou à indústria colonial, num processo
que se acentua e alarga no inal da mesma década. A parceria com a Associa-
ção Industrial de Moçambique leva o INII a desenvolver vários estudos tendentes
ao desenvolvimento industrial na então província ultramarina, numa conjuntura
de Guerra Colonial que é importante não esquecer. Na realidade, várias foram as
parcerias desenvolvidas ao longo do tempo com vários organismos. Além da CO-
PRAI, do CEGOC e da Associação Industrial de Moçambique, anteriormente re-
feridos, também o LNEC - Laboratório Nacional de Engenharia Civil, ou alguns
grémios de industriais operaram em parceria com o Instituto que, mais do que mo-
nopolizar, articulou as contribuições conjuntas dos restantes, prestando-lhes apoio
e desenvolvendo iniciativas e, principalmente, investigações que, de outra forma,
não se encontravam à sua disposição.
É possível, assim, airmar que o INII se constituiu como um espaço de in-
vestigação cientíica dedicado à indústria. Porém, quanto às consequências reais
dos seus esforços, estas parecem ter icado aquém do esperado por motivos que,
muitas vezes, escapam ao próprio Instituto. Por um lado, segundo é defendido
pelo estudo de Carlos Gonçalves, apenas um conjunto limitado de grandes em-
presas industriais e de serviços levou a cabo mudanças concretas nos seus modos
de organização e gestão, decerto inluenciadas pelas acções de formação do INII,
mas também como resposta às transformações económicas da época e aos desaios
por elas lançados. As próprias acções de formação seriam somente frequentadas
por quadros de grandes e médias empresas situadas nas zonas de Lisboa e Porto
e detentores de graus universitários.22 Também a investigação aplicada e a assis-
tência técnica à indústria foram limitadas, tímidas e lentas. Por outro lado, como
também refere Torres Campos23, não existia um ambiente envolvente adequado ao
formação de frutas e legumes, Instituto Nacional de Investigação Industrial. Grupo de laboratórios de Química e
Biologia, Lisboa, 1966.
21 Instituto Nacional de investigação Industrial, Tabela de preços de análises, ensaios e estudos, Ministério da Econo-
mia. Imprensa Nacional, Lisboa, 1970.
22 Carlos Gonçalves, “A construção social dos quadros nos anos 60: algumas perspectivas de análise”, Sociologia:
Revista da Faculdade de Letras, Série 1, Volume 01, Faculdade de Letras, Porto, 1991, p.151.
23 José Torres Campos, “Instituto Nacional de Investigação Industrial (INII)”, Dicionário de História do Estado
Novo, direcção de Fernando Rosas e J. M. Brandão de Brito, volume I, Círculo de Leitores, 1996, p.485.
122
A CASA DE SAÚDE DO TELHAL NA HISTÓRIA DA PSICOCIRURGIA: IDEIAS, ESPAÇOS, PRÁTICAS E PROTAGONISTAS
FONTES
Decreto-Lei n.º 42120 - Cria, na Secretaria de Estado da Indústria, o Instituto Nacional de Investigação
Industrial, com sede em Lisboa e com a inalidade, competência e organização estabelecidas na Lei n.º
2089. Diário do Governo, I Série, n.º 19, 23 de Janeiro de 1959, pp.69-70.
Lei n.º 2094 - Promulga as bases da organização do Plano de Fomento da metrópole e das províncias
ultramarinas para o período compreendido entre 1 de Janeiro de 1959 e 31 de Dezembro de 1964. Diário
do Governo, I Série, n.º 256, 25 de Novembro de 1958, pp.1319-1322.
BIBLIOGRAFIA
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Lisboa, 1966.
Formação e aperfeiçoamento em administração de empresas, (trad.) F. Magalhães de Sousa e J. Pinto dos
Santos, Instituto Nacional de Investigação Industrial - Serviço de Produtividade, Lisboa, 1960.
123
ESPAÇOS E ACTORES DA CIÊNCIA EM PORTUGAL (XVIII-XX)
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Portuguesa, Ano XL, n.º 470, Abril de 1967, pp.190-192.
“Uma interessante iniciativa do INII”, Indústria Portuguesa, Revista da Associação Industrial Portuguesa,
Ano XXXII, n.º 382, Dezembro de 1959, p.459.
Agradecimento
À Fundação para a Ciência e Tecnologia, sem o apoio da qual esta investigação
não teria sido possível.
124
A Junta Nacional de Investigação
Científica e Tecnológica (JNICT, 1967-1974).
Numa ‘esquina da história’... 1
Tiago Brandão2
Instituto de História Contemporânea – FCSH/UNL
“O dia de hoje parece revelar-se (a nós Ocidentais) como o render da guarda entre
o homem clássico, oriundo da Grécia e de Roma, e um novo homem, nascido
à sombra de fábricas e de laboratórios, gigantescos e automatizados.No dia de
hoje parece-nos poder airmar-se que amanhã a economia política dará o passo à
política económica...” 3
Leite Pinto, Uma esquina da história, 1962
1 Este artigo decorre de um ‘paper’ intitulado exactamente «A Junta Nacional de Investigação Cientíica e
Tecnológica ( JNICT), 1967-1974. Numa “esquina da história”...», apresentado no dia 24 de Fevereiro de 2012
num Encontro Internacional organizado pelo HetSci | Grupo de Estudos sobre História e Ciência, intitulado
“Espaços e Actores da Ciência em Portugal (XVIII-XX)”, realizado na Faculdade de Ciências Sociais e Humanas
da Universidade Nova de Lisboa (FCSH-UNL), nos dias 24 e 25 de Fevereiro de 2012. Este artigo, como o
‘paper’ então apresentado, fez parte de um trajecto que conduziu à elaboração de uma Tese de Doutoramento
sobre a história da organização da Ciência e da política cientíica em Portugal, tendo como eixo gravitacional uma
monograia sobre a JNICT. O principal objectivo na altura era elaborar simultaneamente uma síntese descritiva e
testar um conjunto de problemáticas que se consideraram centrais para estruturar a investigação e a redacção inal.
2 Doutor e investigador integrado do Instituto de História Contemporânea da Faculdade de Ciências Sociais e
Humanas da Universidade Nova de Lisboa (IHC, FCSH-UNL). Tem vindo a estudar a história da organização
da ciência em Portugal, diversas instituições cientíicas, trabalhando sobre a temática da construção e deinição
da política cientíica em Portugal. Formado em História, depois de um Mestrado em História Contemporânea,
desenvolveu tese de Doutoramento intitulada A Junta Nacional de Investigação Cientíica e Tecnológica (1967-
1974). Organização da Ciência e política cientíica em Portugal. Encontra-se presentemente a desenvolver projecto
de pós-doutoramento intitulado A Junta Nacional de Investigação Cientíica e Tecnológica (1974-1997). Política
Cientíica em Democracia.
3 Francisco de Paula Leite Pinto, Uma esquina da história, Conferência realizada no Círculo Almeida Garrett, do
Porto no dia 23 de Novembro de 1962, p. 35 e 36.
4 Sem nos alargarmos demasiado, importa sem dúvida também acautelar a conservação do património documental
125
ESPAÇOS E ACTORES DA CIÊNCIA EM PORTUGAL (XVIII-XX)
tão necessário ao estudos das instituições portuguesas, nomeadamente no âmbito do desenvolvimento cientíico
português. Veja-se a criação do Arquivo de Ciência e Tecnologia, inaugurado em Dezembro de 2011 – http://
newsletter.fct.pt/h/n0/arquivo-ciencia-tecnologia. Para melhor conhecer este Arquivo veja-se o seguinte artigo:
Maria Fernanda Rollo; Paula Meireles; Madalena Ribeiro & Tiago Brandão, «História e Memória da Ciência
e da Tecnologia em Portugal. O Arquivo de Ciência e Tecnologia da Fundação para a Ciência e a Tecnologia»,
Boletim do Arquivo da Universidade de Évora, XXV, 2012, pp. 233-261.
5 Atendemos, especialmente, à ideia de que a chamada “aproximação político-institucional” pode reforçar tanto o
conhecimento sobre o desenvolvimento cientíico português, como iluminar aspectos do processo político inter-
no do Estado português, capítulo importante das políticas públicas nacionais, mormente da política cientíica e
da economia política, nomeadamente no que se refere ao campo das políticas públicas e à compreensão do papel
do Estado e dos seus agentes.
6 Com efeito, tivemos oportunidade no âmbito de uma breve comunicação no I Encontro Nacional de História da
Ciência, realizado em 21 e 22 de Julho de 2009, propor pela primeira vez «A “aproximação político-institucional”
no quadro da história da ciência», na sessão sobre “Vias e Prioridades de Investigação”, decorrida a 22 de Julho
de 2009; o mesmo se fez no Brasil, na comunicação intitulada «Instituições e políticas cientíicas no século XX
português. Uma aproximação político-institucional à história da ciência» no âmbito do 2.º Congresso Luso-
Brasileiro de História das Ciências e das Técnicas e Epistemologia realizado na Universidade Federal do Rio
de Janeiro, Centro de Ciências da Matemática e da Natureza CCMN – Ilha do Fundão, Rio de Janeiro, Brasil,
entre 27 e 29 de Outubro de 2009; a adaptação da proposta foi feita para o quadro genérico da história contem-
porânea, mais recentemente, com a exposição intitulada «Uma aproximação “político-institucional” no quadro
da história contemporânea», no âmbito da Conferência “As Ciências Sociais – Novas Abordagens”, realizada no
Instituto de Ciências Sociais em 1 e 2 de Fevereiro de 2011.
7 Para seguir com maior pormenor onde se situa a “aproximação político-institucional” no âmbito da história da
ciência, compreender o processo de alargamento das temáticas historiográicas relativamente à ciência, nomea-
damente no sentido de se passar a valorizar os contextos cultural e político-social da ciência, e os vários embates
epistemológicos em causa, veja-se Tiago Brandão, A Junta Nacional de Investigação Cientíica e Tecnológica (1967-
1974). Organização da Ciência e política cientíica em Portugal, Dissertação de Mestrado realizada sob a orientação
cientíica da Prof.ª Doutora Maria Fernanda Rollo, IHC, FCSH-UNL, Lisboa, 2008, pp. 7-19.
126
A JUNTA NACIONAL DE INVESTIGAÇÃO CIENTÍFICA E TECNOLÓGICA (JNICT, 1967-1974).
NUMA ‘ESQUINA DA HISTÓRIA’...
meio de tantas instituições criadas, há uma que importará sempre destacar: a Junta
Nacional de Investigação Cientíica e Tecnológica ( JNICT) – Decreto-Lei n.º
47 791, 11 de Julho de 1967. Criada, portanto, num período particular do Estado
Novo, num período em que o regime ensaiaria um último fôlego de adaptação às
circunstâncias económicas e políticas do mundo contemporâneo, tendo vivido a
JNICT numa constante tensão entre surdos interesses (durante um período de
transição silenciosa – falhada, no inal de contas), tenha-se particularmente pre-
sente que a JNICT foi criada numa encruzilhada – em 1967 –, numa encruzilhada8
simultaneamente doméstica, do regime português do Estado Novo, e geopolítica,
da Big Science e da Guerra Fria.
Este organismo foi criado com a incumbência de ‘planear, coordenar e fomen-
tar’ o esforço de investigação, tanto cientíica como tecnológica em todo o ‘espaço
português’ e sempre tendo presente a ‘máxima produtividade’ – preocupações com a
‘coordenação’ e a ‘duplicação’ dos esforços inanceiros. No seguimento das recomen-
dações de organismos internacionais – a ideia estava em marcha, mas as recomen-
dações e a experiência adquirida no plano da colaboração internacional veio reforçar
a legitimidade política da ideia –, a criação da JNICT veio assim assinalar, sem dú-
vida, uma nova fase no processo de ‘emergência’ ou construção da política cientíica
em Portugal, um processo longo e sinuoso já então com algumas décadas de história.
A JNICT emergiu assim, no seio do que modernamente chamamos como “siste-
ma nacional de ciência e tecnologia”, com uma missão bem deinida e, claramente,
distinta da dos restantes organismos e instituições de ciência existentes. A JNICT
foi, sem dúvida, antes de mais, um corpo encarregue da coordenação horizontal, ex-
plicitamente reconhecida, articulando os mundos da investigação cientíica e in-
clusive com outros sectores da vida nacional. À JNICT cumpria, nesse sentido,
orquestrar ou inluenciar um conjunto de instituições, entidades ou personalidades
no desempenho de diferentes funções tendo em vista o interesse nacional. Para
esse im, contava a JNICT, inicialmente, apenas com o poder de inluência do seu
primeiro presidente, o Prof. Eng.º Francisco de Paula Leite Pinto9, que dispunha
8 Vasco Rato, «Marcelismo» in Dicionário de História de Portugal – Suplemento 8, coord. por António Barreto &
Maria Filomena Mónica, 1999, pp. 421-427.
9 Francisco de Paula Leite Pinto (1902-2000) – Pelo seu pensamento e acção, deve ser visto como uma igura
central na promoção de uma política cientíica em Portugal. Possuía vários diplomas universitários, nomeada-
mente a licenciatura em Matemática, o curso de engenheiro-geógrafo (Faculdade de Ciências de Lisboa) e o
curso da Escola Normal Superior de Lisboa. Enquanto bolseiro da Junta de Educação Nacional no início dos
anos trinta (1929-1934), em Paris, tirou ainda um diploma superior de Astronomia (Faculdade de Ciências de
Paris) e formou-se como Ingénieur des Ponts e Chaussées pela famosa Escola de Paris. Durante esse período foi
primeiro leitor de português da Sorbonne, entre 1931 e 1933. Em 1934 foi convidado para secretário-geral da
Junta de Educação Nacional, substituindo o entretanto falecido Luís R. Simões Raposo. Em 1936 assumiu a
mesma função no Instituto para a Alta Cultura (IAC). Ficará associado à Direcção do IAC, para além das suas
127
ESPAÇOS E ACTORES DA CIÊNCIA EM PORTUGAL (XVIII-XX)
funções como secretário-geral, adquirindo sucessivamente inluência nos circuitos da administração pública do
Estado Novo. Foi o primeiro presidente da Comissão de Estudos de Energia Nuclear do IAC (1954), de que já
fora impulsionador antes da oicialização e legalização da dita comissão. Entre 1955 e 1961 assumiu a pasta da
Educação Nacional, sendo considerado que exerceu uma acção reformista. Em 1962, ocupou o cargo de presi-
dente da Junta de Energia Nuclear de que fora promotor e vice-presidente. Exerceu mandatos de governador na
Agência Internacional de Energia Atómica, foi Reitor da Universidade Técnica (1963-1966) e também admi-
nistrador com o pelouro da Ciência na Fundação Calouste Gulbenkian (1967-1969). Devido à sua acção acabou
por ser criada, na Presidência do Conselho, em Julho de 1967, a Junta Nacional de Investigação Cientíica e
Tecnológica ( JNICT), organismo que se propunha coordenar a investigação cientíica nacional. Foi nomeado
primeiro presidente desta Junta coordenadora, abandonando a presidência da Junta de Energia Nuclear e depois
a Fundação Gulbenkian. Depois de 25 de Abril de 1974 retira-se para França e para o Brasil.
10 Aprova a Lei Orgânica da Fundação para a Ciência e Tecnologia, Decreto-Lei n.º 188/97, Ministério da Ciência
e da Tecnologia, Diário da República, I-A Série, n.º 172/97, 28 de Julho de 1997. Manuel V Heitor. & Hugo
Horta, «Engenharia e desenvolvimento cientíico: o atraso estrutural português explicado no contexto histórico»
in Momentos de Inovação e Engenharia em Portugal no século XX, coord. por Manuel Heitor, José Maria Brandão de
Brito & Maria Fernanda Rollo Dom Quixote, Lisboa, 2004, pp. 1-51.2004, p. 19.
11 Beatriz Ruivo, «As Instituições de Investigação e a Políticas Cientíicas em Portugal» in Ciência em Portugal,
coord. de José Mariano Gago, 1991, p. 44; Maria Eduarda Gonçalves, «Mitos e realidades da política cientíica
portuguesa», Revista Crítica de Ciências Sociais, N.º 46, Outubro, 1996, p. 49 e s.; Idem, «Ciência II - A constru-
ção da política cientíica em Portugal 1967-1997» in Portugal nas artes, nas letras e nas ideias. 45-95, Centro
Nacional de Cultura, 1998, p. 248; Manuel V. Heitor & Hugo Horta, «Engenharia e desenvolvimento cientíico:
o atraso estrutural português explicado no contexto histórico» in Momentos de Inovação e Engenharia em
Portugal no século XX, coord. por Manuel Heitor, José Maria Brandão de Brito & Maria Fernanda Rollo, Dom
Quixote, Lisboa, 2004, p. 10; João Caraça, Do Saber ao Fazer: Porquê Organizar a Ciência, Colecção “Trajectos
Portugueses”, Gradiva, Lisboa, 1993, p. 130 e s.; Idem, «Ciência e investigação em Portugal no século XX» in
Panorama da Cultura Portuguesa no Século XX, Vol. 1 – As Ciências e as Problemáticas Sociais, coord. por Fernando
Peres, 2002, p. 219.
128
A JUNTA NACIONAL DE INVESTIGAÇÃO CIENTÍFICA E TECNOLÓGICA (JNICT, 1967-1974).
NUMA ‘ESQUINA DA HISTÓRIA’...
129
ESPAÇOS E ACTORES DA CIÊNCIA EM PORTUGAL (XVIII-XX)
12 Este incremento recente da história das instituições cientíicas no âmbito da história da ciência mereceu,
inclusive, um projecto inanciado pela FCT: POCTI/HC/0077/2009, A Investigação cientíica em Portugal no
período entre as duas guerras mundiais e a JEN (he Scientiic Research in Portugal between two world wars and the
organization of a National Board of Education (SIRNEdu)). O próprio Instituto Camões, descendente da Junta
de Educação Nacional, interessou-se há uns anos pela sua própria história, promovendo um projecto de inves-
tigação, que arrancou em 2008 sob a coordenação da Prof. Doutora Maria Fernanda Rollo, nos termos de um
protocolo assinado entre o IHC e o IC. Projecto que teve recentemente desfecho com a publicação da obra de
Rollo, Maria Fernanda; Queiroz, Maria Inês; Brandão, Tiago & Salgueiro, Ângela, Ciência, Cultura e Língua em
Portugal no Século XX. Da Junta de Educação Nacional ao Instituto Camões, Instituto Camões, Imprensa Nacional-
Casa da Moeda, Lisboa, 2012.
13 João Maurício Fernandes Salgueiro (1934-) – Economista. É tido como um dos chamados “tecnocratas” que
Marcelo Caetano incluiu no Governo. Licenciou-se em Economia pela ISCEF e especializou-se em planeamen-
to económico pelo Instituto de Haia, nos Países Baixos. Começou a sua carreira no Banco de Fomento Nacional
(1953-1963). Entre 1961 e 1969 assumiu os lugares de assistente e regente das cadeiras de Teoria Económica e
Desenvolvimento Económico no ISCEF. A partir de 1965 acumulou também as funções de director do Depar-
tamento Central de Planeamento e de secretário técnico da Presidência do Conselho, até ao ano de 1969. Foi
Subsecretário de Estado do Planeamento (Março de 1969 e Agosto de 1971). Em Janeiro/ Fevereiro de 1972
passou a presidir à JNICT, onde se manteve até Agosto/ Setembro de 1974. Enquanto Presidente da JNICT,
recorreu particularmente a técnicas de planeamento económico na programação da investigação e desenvolvi-
mento tecnológico (I&D), levada a cabo com os trabalhos preparatórios do IV Plano de Fomento. Participou
activamente na criação da SEDES (Sociedade de Estudos para o Desenvolvimento Económico e Social – 25
130
A JUNTA NACIONAL DE INVESTIGAÇÃO CIENTÍFICA E TECNOLÓGICA (JNICT, 1967-1974).
NUMA ‘ESQUINA DA HISTÓRIA’...
Figura I: Organograma – Modelo de tutela plural (até aos inais dos anos 60)
131
ESPAÇOS E ACTORES DA CIÊNCIA EM PORTUGAL (XVIII-XX)
Figura II: Organograma – Tentativa de centralização (de inais dos anos 60 até 1974)
132
A JUNTA NACIONAL DE INVESTIGAÇÃO CIENTÍFICA E TECNOLÓGICA (JNICT, 1967-1974).
NUMA ‘ESQUINA DA HISTÓRIA’...
TABELA I: PROCESSO DE INSTALAÇÃO DA JNICT E PRINCIPAIS MARCOS DA SUA EXISTÊNCIA ATÉ 1974
de Fevereiro de 1970). Em Agosto de 1974 tornar-se-ia vice-governador do Banco de Portugal (até Março de
1975). Foi presidente do Instituto de Investimento Estrangeiro (1981) e do Banco de Fomento e Exterior (1983
e 1992). Foi ainda professor convidado da Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Católica
(1985-1986) e da Faculdade de Economia da Universidade Nova de Lisboa (1986-2003). Fora também deputa-
do à Assembleia da República (1983-1985), tendo nesse mandato sido presidente da Comissão Parlamentar de
Economia e Finanças. Foi também vice-presidente do Conselho Económico e Social e presidente da Associação
de Bancos Portugueses. Mantém docência na Faculdade de Economia da UNL.
14 Beatriz Ruivo fala em quatro períodos, «um a partir de 1969, quando a JNICT se tornou operacional, a 1971; de
1972 a 1974; de 1978 a 1985, e de 1986 a 1989.». Assinala que «esta periodizagem é reconhecida por estudiosos da
temática da política cientíica em Portugal.» Beatriz Ruivo, op. cit., 1998, p. 208; Arquivo Histórico da Fundação
para a Ciência e a Tecnologia, Relatório JNICT, JNICT: 21 anos de actividade, JNICT, “Série documentos de
trabalho”, Lisboa, 1988, Biblioteca Cota B05, 7631, p. 4.
15 Tiago Moreira, «Pinto, Francisco de Paula Leite» in Dicionário de Educadores Portugueses, dir. por António
Nóvoa, Edições Asa, Porto, 2003, pp. 1099-1104.
133
ESPAÇOS E ACTORES DA CIÊNCIA EM PORTUGAL (XVIII-XX)
16 Tiago Brandão, «Portugal e o Programa de Ciência da OTAN (1958-1974). Episódios de história da ‘política
cientíica nacional’», Relações Internacionais, Setembro, n.º 35, 2012, pp. 81-101.
17 Vide organogramas.
18 Arquivo da Presidência do Conselho de Ministros, Junta Nacional de Investigação Cientíica e Tecnológica, PT/
SGPCM/AOS/778/07, Relatório da Junta nacional de Investigação Cientíica e Tecnológica intitulado Política
Portuguesa de Informação Cientíica e Técnica. Contribuição para o estabelecimento da Rede Nacional, datado de
134
A JUNTA NACIONAL DE INVESTIGAÇÃO CIENTÍFICA E TECNOLÓGICA (JNICT, 1967-1974).
NUMA ‘ESQUINA DA HISTÓRIA’...
Março de 1970, p 3.
19 Arquivo Histórico da Fundação para a Ciência e a Tecnologia, Relatório JNICT, JNICT: 21 anos de actividade;
JNICT: “Série documentos de trabalho”, Lisboa, Biblioteca Cota B05, 7631, 1988, pp. 2-3.
20 Arquivo da Presidência do Conselho de Ministros, Junta Nacional de Investigação Cientíica e Tecnológica, PT/
SGPCM/AOS/G-370/3, Nota sobre a instalação da Junta Nacional de Investigação Cientíica e Tecnológica,
com dupla datação de 7 e 9 de Fevereiro de 1970, assinada por Francisco de Paula Leite Pinto, seu Presidente,
em que se relata algumas etapas da instalação da JNICT, bem como alguns aspectos do seu funcionamento.
21 Arquivo da Presidência do Conselho de Ministros, Junta Nacional de Investigação Cientíica e Tecnológica, PT/
SGPCM/AOS/G-367/06, Ofício n.º 2412, pelo Presidente da Junta Nacional de Investigação Cientíica e
Tecnológica, Francisco de Paula Leite Pinto, ao Subsecretário de Estado do Planeamento Económico, João
Salgueiro, datado de 17 de Junho de 1970.
22 Francisco de Paula Leite Pinto, Uma esquina da história, Conferência realizada no Círculo Almeida Garrett, do
Porto no dia 23 de Novembro de 1962, p. 40.
135
ESPAÇOS E ACTORES DA CIÊNCIA EM PORTUGAL (XVIII-XX)
23 Arquivo da Presidência do Conselho de Ministros, Junta Nacional de Investigação Cientíica e Tecnológica, PT/
SGPCM/AOS/361/8, Ofício n.º 457, pelo Presidente da Junta Nacional de Investigação Cientíica e Tecnoló-
gica, Prof. Eng.º Francisco de Paula Leite Pinto, ao Presidente do Conselho, Marcelo Caetano, datado de 20 de
Fevereiro de 1970.
136
A JUNTA NACIONAL DE INVESTIGAÇÃO CIENTÍFICA E TECNOLÓGICA (JNICT, 1967-1974).
NUMA ‘ESQUINA DA HISTÓRIA’...
137
ESPAÇOS E ACTORES DA CIÊNCIA EM PORTUGAL (XVIII-XX)
TABELA III: DESPESA NACIONAL BRUTA EM I&D POR SECTORES DE EXECUÇÃO (1964, 1967 E 1971)
(*)
ajustado ao âmbito de 1964 e 1967 (exclui as ciências sociais e humanas e as empresas dos sectores “comércio”,
“armazenagem” e “serviços”
Fonte: Recursos em Ciência e Tecnologia Inventário 1971, JNICT, 1973, p. 18 e s..
138
A JUNTA NACIONAL DE INVESTIGAÇÃO CIENTÍFICA E TECNOLÓGICA (JNICT, 1967-1974).
NUMA ‘ESQUINA DA HISTÓRIA’...
* 1970 ** 1972
Fonte: Arquivo da Presidência do Conselho de Ministros, Boletim Investigação & Desenvolvimento, Boletim
Informativo da Junta Nacional de Investigação Cientíica e Tecnológica, Ano II, n.º 19, Março, 1974, cota PT/
SGPCM/AOS/GE-826/10.
Para que se possa ter uma noção conveniente destes indicadores, é preciso ter
presente que, nos Estados Unidos, já nos anos 1920 se registava um valor que equi-
valia a 0,1% ou 0,2% do respectivo Produto Interno Bruto (PIB), 0,5% do PIB em
1945, valor que passaria para cerca de 3% nos anos 6027, em pleno apogeu da Big
Science. A OCDE vinha defendendo uma meta de 1% já desde os anos 60, valor
deinido como fronteira para os países desenvolvidos e que até há bem pouco tem-
po era um grande objectivo de política cientíica em Portugal; entretanto, porém, a
Comissão Europeia em 2002 adoptou a meta dos 3%. Portugal atingiu 1,02% do
PIB apenas em 2006 – em 1986 ainda andava nos 0,36% do PIB e, em 1997, estava
nos 0,59... Os Estados Unidos, por seu lado, desde os anos 80 que estabilizaram
nos 2,5 / 2,7% – passadas portanto as euforias tecnológicas da Guerra Fria...28
27 Caraça, João, «Ciência e investigação em Portugal no século XX» in Panorama da Cultura Portuguesa no Século
XX, Vol. 1 – As Ciências e as Problemáticas Sociais, coord. por Fernando Peres, Edições Afrontamento & Fundação
Serralves, Porto, 2002, p. 217.
28 OECD Factbook 2010: Economic, Environmental and Social Statistics, OECD, 2010 & Main Science and Technology
indicators, 1982-1988, n.º 2, OCDE, 1988.
139
ESPAÇOS E ACTORES DA CIÊNCIA EM PORTUGAL (XVIII-XX)
TABELA VI: DESPESA NACIONAL BRUTA PARA A I&D (DNBID) EM COMPARAÇÃO COM O PNB NOS PAÍSES MEMBROS
DA OCDE
Origem: Inquérito Internacional sobre os recursos consagrados a I&D em 1967 nos países membros da OCDE
Fonte: Instituto Nacional de Estatística, Inquérito sobre os Meios Nacionais de Investigação e Desenvolvimento,
Editado por Maria Helena Caramona, Colecção “Estudos 43”, [s. d.].
140
A JUNTA NACIONAL DE INVESTIGAÇÃO CIENTÍFICA E TECNOLÓGICA (JNICT, 1967-1974).
NUMA ‘ESQUINA DA HISTÓRIA’...
Conforme disse João Caraça, numa frase com alcance interessante, nomeadamente
quanto ao propósito que na origem legitimara a criação da JNICT, “a ciência e
a investigação portuguesas continuavam funcionalmente isoladas da comunidade
nacional”29...
Apesar das força dos números, porém, importa dizê-lo que nem tudo se resume
a números, muito menos no plano da medição e avaliação das políticas cientíicas;
e num estudo de natureza histórica, cuja compreensão tem de se basear noutras
variáveis, é já tempo de irmos mais além na compreensão das questões da política
cientíica...
29 João Caraça, «Ciência e investigação em Portugal no século XX» in Panorama da Cultura Portuguesa no Século
XX, Vol. 1 – As Ciências e as Problemáticas Sociais, coord. por Fernando Peres, Edições Afrontamento & Fundação
Serralves, Porto, 2002, p. 219.
141
ESPAÇOS E ACTORES DA CIÊNCIA EM PORTUGAL (XVIII-XX)
parecer. Foram aliás evidente dois estilos, nesta curta descrição sobre as primeiras
iniciativas da JNICT: por um lado, um estilo em que se aliava cultura cientíica e
cultura histórica na formulação de uma política de alcance e visão estratégica, e
tendencialmente integrando-se a outros sectores das políticas públicas, enquadra-
das ora na questão genérica do desenvolvimento, ora na questão política da inde-
pendência e viabilidade do Estado-Nação, e sobretudo assente na compreensão
das dinâmicas qualitativas da sociedade; por outro lado, um outro estilo, ou – se
preferirem – uma outra linha dentro do mesmo processo de construção da políti-
ca cientíica, de estilo tecnocrático, anónimo, assente na produção de indicadores
quantitativos, instrumentalizados num discurso hermético e opaco (eg os inúmeros
relatórios sincréticos – confusos, contraditórios... – produzidos neste sector da ad-
ministração pública), tendencialmente isolando-se dos interesses sociais em geral
(em nome da suposta neutralidade e imparcialidade), o que apontava já, numa
perspectiva histórica, para os modelos de decisão política contemporâneos, funda-
mentalmente legitimados em grelhas de natureza quantitativa.
Nos nossos dias, a política cientíica continua, pelo menos no plano das políticas
explícitas, a ser colocada no centro do modelo de desenvolvimento dos países oci-
dentais. O paradigma democrático de política cientíica, sob pressão de justiicar os
fundos do contribuinte, aparenta mesmo ter tido essa repercussão viciosa de acabar
por reduzir as possibilidades de decisão política contemporâneos, legitimando-os
fundamentalmente em grelhas de natureza quantitativa, perdendo-se vista das di-
mensões históricas e políticas (ie as problemáticas estruturantes, de natureza quali-
tativas) da política cientíica. No entanto, e se há coisa que a história mostra, é que
a política cientíica não se resume a problemas de inanciamento; existiram (e exis-
tem) aspectos qualitativos, à margem das preocupações quantitativas, precedendo
mesmo, num plano estratégico, a alocação dos meios inanceiros. O pensamento
estratégico em política cientíica é absolutamente central, precedendo e / ou acom-
panhando a formulação e implementação de mecanismos.
São diversas as inalidades da política cientíica: desde logo, o apoio à comuni-
dade de pesquisadores e o fortalecimento da infraestrutura cientíica. Mas igual-
mente, num tom mais moderno e iminentemente tecnocrata, partindo de uma óp-
tica de política cientíica que no contexto de criação da JNICT (anos 60) já vinha
sendo difundido pelos organismos internacionais, a inalidade da política cientíica
tornar-se-ia deinitivamente associada ao desenvolvimento e ao progresso tanto
económico e como social. Esta formulação de síntese colocava então, em termos
da problemática central da política cientíica, e que no fundo foi o pressuposto
da criação de um organismo da natureza da JNICT, esta ideia de que a política
142
A JUNTA NACIONAL DE INVESTIGAÇÃO CIENTÍFICA E TECNOLÓGICA (JNICT, 1967-1974).
NUMA ‘ESQUINA DA HISTÓRIA’...
30 Contemporaneamente, é claro, já não se fala tanto em tecido industrial mas antes em tecido empresarial, pois
uma empresa tanto pode operar no sector primário, secundário ou mesmo terciário. Não é isto porém ingénuo
e relaciona-se evidente com a ‘evolução’ da economia contemporânea de sociedades industriais para sociedades
pós-industriais, sobretudo nas regiões mais desenvolvidas, resultando inclusive (embora não só) de um fenóme-
nos de desindustrialização que acompanhou o presente momento da globalização – e afectando em particular as
periferias europeias.
31 António da Silveira (1904-1985) - Formado em Engenharia Química pelo IST, em 1929, foi aí professor. Entre
1949 e 1956 permaneceu na Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa, continuando a dedicar-se à
investigação cientíica, tendo dirigido também o Seminário de Teorias Física e Física Nuclear. Foi presidente do
Conselho Superior do Instituto de Alta Cultura entre 1964 e 1967, altura em que passou a ocupar a presidência
do Instituto de Física e Matemática.
32 António da Silveira, «Comentários Imperfeitos com elementos para uma história dos Estabelecimentos Cientíi-
cos em Portugal», Separata das Memórias da Academia das Ciências de Lisboa, Classe de Ciência, Tomo XXVI,
Lisboa, 1984/85, p. 149.
33 António da Silveira, «Comentários Imperfeitos com elementos para uma história dos Estabelecimentos Cientíi-
cos em Portugal», Separata das Memórias da Academia das Ciências de Lisboa, Classe de Ciência, Tomo XXVI,
Lisboa, 1984/85, p. 167.
34 António da Silveira, «Comentários Imperfeitos com elementos para uma história dos Estabelecimentos Cientíi-
cos em Portugal», Separata das Memórias da Academia das Ciências de Lisboa, Classe de Ciência, Tomo XXVI,
Lisboa, 1984/85, p. 176.
143
ESPAÇOS E ACTORES DA CIÊNCIA EM PORTUGAL (XVIII-XX)
35 Transcrição de uma carta de António da Silveira a Veiga Simão, datada de Setembro de 1973. António da
Silveira, «Comentários Imperfeitos com elementos para uma história dos Estabelecimentos Cientíicos em
Portugal», Separata das Memórias da Academia das Ciências de Lisboa, Classe de Ciência, Tomo XXVI, Lisboa,
1984/85, p. 201.
144
A JUNTA NACIONAL DE INVESTIGAÇÃO CIENTÍFICA E TECNOLÓGICA (JNICT, 1967-1974).
NUMA ‘ESQUINA DA HISTÓRIA’...
36 Rosas, Fernando, «Estado Novo, Universidade e depuração política do corpo docente» in Maio de 1968 trinta
anos depois. Os movimentos estudantis em Portugal, coord. por Maria Cândida Proença, Edições Colibri, Instituto
de História Contemporânea da FCSH da Universidade Nova de Lisboa, Lisboa, 1999, p. 80.
37 José Manuel Rolo, «Política cientíica e técnica, especialização tecnológica e inovação: fundamentos e linhas de
acção», Análise Social, vol. XV, 58, 1979, pp. 262.
145
ESPAÇOS E ACTORES DA CIÊNCIA EM PORTUGAL (XVIII-XX)
38 Arquivo da Presidência do Conselho de Ministros, Junta Nacional de Investigação Cientíica e Tecnológica, PT/
SGPCM/AOS/361/8, Ofício n.º 743, pelo Presidente da Junta Nacional de Investigação Cientíica e Tecnoló-
gica, Prof. Eng.º Francisco de Paula Leite Pinto, ao Subsecretário de Estado do Planeamento Económico, João
Salgueiro, datado de 4 de Abril de 1970.
39 Arquivo da Presidência do Conselho de Ministros, Junta Nacional de Investigação Cientíica e Tecnológica, PT/
SGPCM/AOS/361/8, Ofício n.º 743, pelo Presidente da Junta Nacional de Investigação Cientíica e Tecnoló-
gica, Prof. Eng.º Francisco de Paula Leite Pinto, ao Subsecretário de Estado do Planeamento Económico, João
Salgueiro, datado de 4 de Abril de 1970.
40 No seio do Conselho Geral da JNICT, o Eng.º Manuel Rocha também refere-se a um certo desinteresse dos in-
dustriais, em geral, argumentando mesmo que, dada a “carência de dotações atribuídas aos órgãos de investigação
do sector público” e a necessidade de “intensiicação dos estudos” com interesse para as indústrias, seria lógico
apostar num maior apoio da comparticipação dos industriais. Arquivo da Presidência do Conselho de Ministros,
Junta Nacional de Investigação Cientíica e Tecnológica, PT/SGPCM/AOS/G-370/10, Junta Nacional de Inves-
tigação Cientíica e Tecnológica, Conselho Geral, Reunião do dia 8 de Abril de 1968, difusão restrita, Acta n.º 1 (Texto
deinitivo), Exemplar n.º 16, p. 20 e s..
41 José Pedro Martins Barata, «Cultura, ciência e técnica» in Momentos de Inovação e da Engenharia em Portugal no
século XX, coord. por José Maria Brandão de Brito, Manuel Heitor & Maria Fernanda Rollo, 2004, pp. 35-39.
146
A JUNTA NACIONAL DE INVESTIGAÇÃO CIENTÍFICA E TECNOLÓGICA (JNICT, 1967-1974).
NUMA ‘ESQUINA DA HISTÓRIA’...
poucas vezes eram suicientes para deitar por terra ou diicultar algumas iniciativas
que ciclicamente os poderes públicos e / ou algumas vontades mais energéticas
tentaram conduzir. O resultado é uma série de atitudes e ressentimentos42 que,
inclusive segundo recomendação desta JNICT, podiam ser ultrapassados por via
da implantação dos modernos princípios de gestão, nomeadamente por via de uma to-
mada de decisões participada e alargada, diluindo-se assim os preconceitos a partir
de uma prática de diálogo e de colaboração.43
Em suma, pessoalmente, parece-nos evidente que o emaranhado destes con-
tornos qualitativos, verdadeiramente estruturantes, só poderá ser verdadeiramente
entendido e até solucionado numa perspectiva de interacções e interdependências
– entre os vértices do triângulo44 de actores que compõem a formulação e imple-
mentação da política cientíica – governo, comunidade cientíica e sector empresa-
rial) –, de estudo empírico e contínuo das realidades, presentes como passadas, no
que no restrito plano da acção só um entendimento político e uma abordagem in-
tegrada que não deixe de contemplar a história das instituições e política cientíica.
42 «Aos olhos dos investigadores da universidade os directores da investigação privada são muitas vezes tidos como “cien-
tiicamente incompetentes” e “autoritários”. Os últimos classiicam os primeiros de “arrogantes”.» Arquivo Histórico da
Fundação para a Ciência e a Tecnologia, Relatório JNICT, Incentivos e Orientações à Investigação nas Empresas.
Trabalhos Preparatórios do IV Plano de Fomento, JNICT, [s. d.], Biblioteca Cota C00 JNI, 9946, p. p. 14.
43 Idem, p. 14.
44 Jorge Sabato & Natálio Botana, «La ciencia y la tecnología en el desarrollo futuro de América Latina», Revista
de la Integración, n.º 3, 1968, pp. 1-11.
147
148
Escolas médicas e tuberculose:
um olhar sobre as dissertações médicas
de tisiologia em Portugal (Sécs. XIX-XX)
Ismael Cerqueira Vieira
Centro de Investigação Transdisciplinar Cultura, Espaço e Memória (CITCEM)/FLUP
INTRODUÇÃO
A PRODUÇÃO ACADÉMICA SOBRE TUBERCULOSE EM PORTUGAL
149
ESPAÇOS E ACTORES DA CIÊNCIA EM PORTUGAL (XVIII-XX)
1 REGULAMENTO para as escholas medico-cirurgicas de Lisboa e Porto. Lisboa, Imprensa Nacional, [1836?],
p. 20.
2 MASCARENHAS, Abilio Pinto, Algumas palavras sobre Tuberculose, Dissertação Inaugural. Lisboa, Typ. Lisboa,
1874, p. 20.
150
ESCOLAS MÉDICAS E TUBERCULOSE:
UM OLHAR SOBRE AS DISSERTAÇÕES MÉDICAS DE TISIOLOGIA EM PORTUGAL (SÉCS. XIX-XX)
3 Ricardo Jorge criticou severamente estes trabalhos por considerá-los plágio e de má qualidade dizendo: “Des-
venturadamente para nós a grande massa das dissertações reduz-se a papel estragado no prelo e que não pode
senão a baixa serventia. São coisas indignas de ler-se, que desdouram não só o neóito como o estabelecimento
de que o deixa habilitar à posição médica. O júbilo de contar mais uma tese de merecimento não é muito vulgar
para a escola do Porto. […] O ideal do fazedor da tese reduz-se a engendrar uma mayonnaise esfarrapada dos
ripanços que pode haver à mão; a audácia e o menosprezo chegam a tal ponto de traduzir barbaramente qual-
quer dissertação francesa, a ver se logram, como tantas vezes conseguem, presidente e júri. Destas infandas farsas
podia eu oferecer picarescos exemplos”. Cf. LIMA, J. A. Pires de, “Catálogo das heses Defendidas na Escola
Médico-Cirurgica do Porto desde 6 d`Outubro de 1827 até ao im de Julho de 1908” in Annuario da Escola
Médico-Cirúrgica do Porto (1907-1908). Porto, Typ. Industrial Portugueza, 1908, p. 184 e JORGE, Ricardo, A
Escola Médico-Cirúrgica do Porto in ALVES, Jorge Fernandes (coord.), O Signo de Hipócrates. O Ensino Médico
no Porto segundo Ricardo Jorge em 1885. [s.l.], Sociedade Portuguesa de Gastrenterologia, 2003, pp. 112-114.
4 Não se confunda aqui título proissional com o grau académico de Doutor. Cf. REGULAMENTO da Facul-
dade de Medicina do Porto in Legislação Vigente III (1928 a Março de 1931). Porto, Faculdade de Medicina do
Porto, 1931, p. 11, Art. 42.º e § único.
5 Cf. Art.º 44 do REGULAMENTO da Faculdade …, p. 11.
151
ESPAÇOS E ACTORES DA CIÊNCIA EM PORTUGAL (XVIII-XX)
6 O facto de este tipo de dissertação não ser obrigatória para terminar um curso fazia com que fosse menor o seu
número. Primeiro os requerentes apresentavam a candidatura a provas de doutoramento e entregavam uma tese,
que só depois de avaliada era ou não admitida para efeito de provas públicas, o que desde logo limitava o número
de candidatos. Depois existia a questão monetária que também era limitadora pois os candidatos tinham de entre-
gar cem cópias impressas da tese para serem distribuídas pelos professores, pelas bibliotecas do país e faculdades
nacionais e estrangeiras com as quais existiam permuta de publicações, o que exigia capacidade inanceira dos
candidatados. Cf. REGULAMENTO da Faculdade …, pp. 12-13, Art. 48.º.
152
ESCOLAS MÉDICAS E TUBERCULOSE:
UM OLHAR SOBRE AS DISSERTAÇÕES MÉDICAS DE TISIOLOGIA EM PORTUGAL (SÉCS. XIX-XX)
GRÁFICO 1 - DISTRIBUIÇÃO EM NÚMEROS ABSOLUTOS DA TIPOLOGIA DE TESES POR ESCOLA MÉDICA (1857-1968)
Licenciatura 17 17 27 61 222
Doutoramento 30 17 19 66 240
Concurso 7 3 2 12 44
Agregação 0 1 0 1 4
153
ESPAÇOS E ACTORES DA CIÊNCIA EM PORTUGAL (XVIII-XX)
7 A primeira de que há registo é do Porto, uma tese manuscrita de 1857 versando sobre a anatomopatologia e
diagnóstico dos tumores brancos, designação comum para as tuberculose articular, e a de Lisboa, de 1870, falava
igualmente sobre a anatomia patológica e tratamento dos tumores brancos. Cf. PINTO, Albino Ribeiro, Algumas
considerações sobre tumores brancos, Dissertação Inaugural. Porto, [s.n.], 1857 e TRIGO, António Manuel, Nos tumo-
res brancos não se deve empregar medicação exclusiva, Dissertação Inaugural. Lisboa, Typographia Lisbonense, 1870.
8 CARVALHO, A. V. Campos de, Tuberculose e gestação, Dissertação de Licenciatura. Coimbra, Typ. França
Amado, 1896.
154
ESCOLAS MÉDICAS E TUBERCULOSE:
UM OLHAR SOBRE AS DISSERTAÇÕES MÉDICAS DE TISIOLOGIA EM PORTUGAL (SÉCS. XIX-XX)
155
ESPAÇOS E ACTORES DA CIÊNCIA EM PORTUGAL (XVIII-XX)
teses de medicina existentes, que é de 3185 teses9 sendo que destas só 48 versam
sobre tuberculose, o que representa 1,5% da produção total.
Podemos avançar com algumas hipóteses explicativas para o destaque do Porto.
É crível que as más condição sanitária da cidade, a formação dum escol de repu-
tados higienistas e a inluência de vários tisiologistas que trabalharam na escola
médica do Porto tenha contribuído para que este tema se tenha salientado. Em
matéria de higiene pública, o Porto cedo se destacou pelos numerosos problemas
sanitários e sociais. Foram vários os autores que nos inais de Oitocentos se preocu-
param com a mortalidade da «Invicta», onde se destacam a apresentação de várias
teses à Escola Médico-cirúrgica, bem como a monumental obra de Ricardo Jorge
«Demograia e Hygiene na cidade do Porto: Clima, População, Mortalidade». Nes-
ta obra, o eminente higienista apontava o Porto, juntamente com Ruão, Bucareste
e Moscovo, como uma das cidades europeias com maior taxa bruta de mortalidade
na ordem dos 30%010, com maior incidência no Inverno, devido às doenças respi-
ratórias e pneumonias, e Verão devido às doenças contagiosas, gastrointestinais e
diarreias. Analisando a distribuição de óbitos anuais em função da idade é sobretu-
do no primeiro ano de vida que se registam mais óbitos quando comparados com
cada um dos intervalos etários11. Esta elevada mortalidade icavam-se a dever em
parte às débeis estruturas de saneamento e habitação mas igualmente às práticas,
usos e costumes da população citadina, como frisou Ricardo Jorge:
“Há aqui os vícios da má educação e da ignorância; há as mais revoltantes práti-
cas de trato de creanças n’uma trucidação perenne; há as habitações lôbregas e a
insalubérrimas onde se amesendra mais d’um terço da população; há o desbaste
das moléstias iniciosas pela licença do contágio; há emim uma rede de incapa-
císsimos esgotos, rastilhando o solo e a água d’immundicie.
[…] O Porto precisa sahir d’este poço de insalubridade, há mais de dez annos,
deinido e denunciado; vai n’isso o seu interesse e o seu brio.
Quem diria que a morte nos dizima bem mais do que na capital? E tanta gente
no Porto nutre ainda a beata crença da superioridade saudável do nosso torrão,
em relação á empestada Lisboa! Pois tal não há; e, descontada no cotejo das
taxas brutas a inluencia da composição sexuo-etaria, ainda sobra diferença
contra nós. Ora entre as varias inluencias que podem occasionar este resultado,
não terá temeridade contar entre ellas a superioridade da canalisação da capital,
9 Cf. FARIA, Isabel (coord.), Catálogo das teses de licenciatura e doutoramento existentes na biblioteca central da Facul-
dade de Medicina da Universidade de Coimbra. Coimbra, BCFMC, 1991.
10 Cf. JORGE, Ricardo – Demograia e Hygiene …, p. 313.
11 Vide JORGE, Ricardo, Demograia e Hygiene da cidade do Porto. Clima, População, Mortalidade. Porto, Repartição
de Saúde Hygiene da Câmara do Porto, 1899, p. 348, tabela LXIX.
156
ESCOLAS MÉDICAS E TUBERCULOSE:
UM OLHAR SOBRE AS DISSERTAÇÕES MÉDICAS DE TISIOLOGIA EM PORTUGAL (SÉCS. XIX-XX)
157
ESPAÇOS E ACTORES DA CIÊNCIA EM PORTUGAL (XVIII-XX)
16 Para o caso brasileiro Dilene Raimundo do Nascimento considera que a falta de iniciativas e de estudos sobre a
tuberculose no Brasil nos inícios do século passado prendiam-se por vezes com questões de conceituação cien-
tíica, digamos de relevância cientíica e social, porque as instituições de poder tinham uma preocupação maior
com as epidemias do que com as doenças constantes e consideradas incuráveis. Cf. NASCIMENTO, Dilene
Raimundo do, As Pestes do século XX: tuberculose e Aids no Brasil, uma história comparada. Rio de Janeiro, Editora
Fiocruz, 2005, p. 22.
17 Cf. ROSA, Fernando Baeta Bissaya Barreto, Uma Obra Social realizada em Coimbra. Coimbra, Coimbra Editora,
1970, pp. 8-10.
158
ESCOLAS MÉDICAS E TUBERCULOSE:
UM OLHAR SOBRE AS DISSERTAÇÕES MÉDICAS DE TISIOLOGIA EM PORTUGAL (SÉCS. XIX-XX)
159
ESPAÇOS E ACTORES DA CIÊNCIA EM PORTUGAL (XVIII-XX)
18 Cf. DECRETO n.º 12697/1926. D. do G. 259 (17-11-1926) pp.1083-1087 in Colecção oicial de legislação portugue-
sa: segundo semestre. Lisboa, Imprensa Nacional, 1931 e DECRETO n.º 18310/1930. D. do G. 107 (10-05-1930)
pp. 656-666 in Colecção oicial de legislação portuguesa: primeiro semestre. Lisboa, Imprensa Nacional, 1937.
19 Veja-se DECRETO n.º 19337/1931. D. do G. 35 (19-01-1931) pp. 208-217 in Colecção oicial de legislação por-
160
ESCOLAS MÉDICAS E TUBERCULOSE:
UM OLHAR SOBRE AS DISSERTAÇÕES MÉDICAS DE TISIOLOGIA EM PORTUGAL (SÉCS. XIX-XX)
tuguesa: primeiro semestre. Lisboa, Imprensa Nacional, 1939; DECRETO n.º 19678/1931. D. do G. 101 (01-05-
1931) pp. 551-572 in Colecção oicial de legislação portuguesa: primeiro semestre. Lisboa: Imprensa Nacional, 1939 e
DECRETO n.º 19691/1931. D. do G. 103 (18-03-1931) pp. 578-600 in Colecção oicial de legislação portuguesa:
primeiro semestre. Lisboa, Imprensa Nacional, 1939.
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ESPAÇOS E ACTORES DA CIÊNCIA EM PORTUGAL (XVIII-XX)
20 Cf. CORREIA, Fernando da Silva, Portugal Sanitário: subsídios para o seu estudo. Lisboa, Ministério do Interior/
Direcção Geral de Saúde Pública, 1938, p. 264.
21 Seguimos aqui a proposta de categorização de Laurence Bardin. Vide BARDIN, Laurence, Análise de Conteúdo.
Lisboa, Edições 70, 1979.
162
ESCOLAS MÉDICAS E TUBERCULOSE:
UM OLHAR SOBRE AS DISSERTAÇÕES MÉDICAS DE TISIOLOGIA EM PORTUGAL (SÉCS. XIX-XX)
Não descartamos a hipótese de nos faltar algum título, que por falta de organização
de algumas bibliotecas não pudemos ter acesso. É de referir que a única biblioteca
com todas as suas teses catalogadas e disponíveis é a da Faculdade de Medicina do
Porto. A Biblioteca das Ciências da Saúde em Coimbra disponibilizou-nos um ca-
tálogo já desactualizado onde por vezes as cotas não correspondem aos títulos. Na
Biblioteca da Faculdade de Medicina de Lisboa, à data da nossa recolha, encontra-
va-se ainda num processo de reorganização e catalogação das obras antigas (entre
as quais teses de medicina) pelo que tivemos de recorrer ao catálogo manual de
ichas já desactualizado. Fizemos uso não só das dissertações cujo título se reporta-
va directamente à tuberculose, mas também a algumas em número muito reduzido
mas que discutiam no seu interior algum assunto relacionado com a tuberculose.
A categorização das teses passou pela arrumação temática dos documentos dis-
tribuídos por seis categorias, três das quais com subdivisões:
Generalidades
Patologia
Anatomia patológica
Patologia clínica
Diagnóstico e técnicas de diagnóstico
Tratamento
Tratamento medicamentoso/farmacêutico
Tratamento cirúrgico
Tratamento higieno-dietético/sanatorial
Higiene, saúde pública e assistência
Especialidades
Tuberculose genital
Tuberculose osteoarticular
Tuberculose renal
Outras formas
163
ESPAÇOS E ACTORES DA CIÊNCIA EM PORTUGAL (XVIII-XX)
164
ESCOLAS MÉDICAS E TUBERCULOSE:
UM OLHAR SOBRE AS DISSERTAÇÕES MÉDICAS DE TISIOLOGIA EM PORTUGAL (SÉCS. XIX-XX)
Medicamentoso/farmacêutico
Higieno-dietético/Sanatorial
Anatomia patológica
TB osteoarticular
Patologia clínica
Outras formas
Generalidades
TB genital
Cirúrgico
TB renal
Inaugural 10 10 13 8 5 16 21 2 15 6 9
Licenciatura 6 2 3 10 2 8 0 5 8 4 4 10
Doutoramento 11 8 6 12 2 3 4 7 1 2 2 9
Concurso 0 0 3 1 0 0 0 2 0 3 0 1
Agregação 0 0 0 0 0 0 0 1 0 0 0 0
Subtotal 37 20 22 36 12 16 20 36 11 24 12 29
Total 37 42 36 48 36 76
165
ESPAÇOS E ACTORES DA CIÊNCIA EM PORTUGAL (XVIII-XX)
166
ESCOLAS MÉDICAS E TUBERCULOSE:
UM OLHAR SOBRE AS DISSERTAÇÕES MÉDICAS DE TISIOLOGIA EM PORTUGAL (SÉCS. XIX-XX)
CONCLUSÕES
167
ESPAÇOS E ACTORES DA CIÊNCIA EM PORTUGAL (XVIII-XX)
168
O internacionalismo científico
no âmbito das origens da INVOTAN
Paulo Vicente
Instituto de História Contemporânea – FCSH/UNL
INTRODUÇÃO
1 Entre os historiadores envolvidos no estudo da Guerra Fria, devemos de destacar John Lewis Gaddis, David
Reynolds, Odd Westad ou Michael Hogan. O primeiro, sobretudo, é um dos autores da tentativa revitalizadora
de escrita de uma Nova História da Guerra Fria. Já o segundo, autor de One World Divisible: A Global History
since 1945 (New York, 2000), tem explicado as tendências do desenvolvimento cientíico e tecnológico no segun-
do pós-guerra.
2 WESTAD, Odd Arne,, Reviewing the Cold War: Approaches, Interpretations, heory (London, 2000).
3 WESTAD, Odd Arne, «BERNATH LECTURE he New International History of the ColdWar: hree
(Possible) Paradigms», Diplomatic History 24, n 4 (2000): pp.551–565.
169
ma “Tecnologia”4 que abrange as problemáticas das Ciências Puras e Aplicadas.
Relativamente a este paradigma, o estudo do desenvolvimento das Ciências
Puras e Aplicadas no contexto do Internacionalismo Cientíico providenciado
pela Guerra Fria tem vindo a ter expressões historiográicas de enorme relevância
em autores como John Krige5 e contribuições de outros de áreas mais especíicas
como por exemplo Bruno Strasser6, cuja especialidade de História da Medicina
cruza tal temática.
Já em Portugal, existem algumas obras pioneiras que contribuem para a per-
cepção da complexidade da temática da cooperação e internacionalismo cientíi-
cos na inluência do próprio percurso histórico do Estado Novo7. À semelhança
dos apelos de Odd Westad a uma narrativa histórica, também José Telo8 e Ma-
riano Gago9 o izeram no campo nacional, todavia as expressões historiográicas
nacionais neste domínio ainda são algo tímidas – embora crescentes.
Partindo do próprio título proposto, interessa desde já ter em conta a deinição
da INVOTAN para a podermos inserir na mais vasta conjuntura do internaciona-
lismo cientíico. Trata-se de uma comissão oiciosa de coordenação cientíica com
representações interministeriais10, designadamente associada à OTAN11. A sua
camulagem nos radares dos historiadores deve-se sobretudo ao caracter oicioso
da sua criação que remonta ao verão de 1959 quando Pedro Teotónio Pereira a
constitui por simples despacho a 4 de Agosto12, icando desde logo a funcionar na
4 Ibid., pp.556–561. Por Tecnologia, entender todos os processos que levam à sua concepção, incluindo as proble-
máticas das Ciências Puras e Aplicadas
5 KRIGE, John, American hegemony and the postwar reconstruction of science in Europe (Cambridge: MIT Press,
2006). A obra de Krige é vasta e sobretudo concentrada no internacionalismo cientíico no âmbito da Guerra
Fria, da NATO e da NASA.
6 No especíico caso de Bruno Strasser, os seus estudos da História da Medicina têm contribuído para a temática
do Internacionalismo Cientíico do segundo pós-Guerra.
7 Especial destaque para a Dissertação de Doutoramento de Maria Fernanda Rollo, Portugal e a Reconstrução
Económica do Pós-Guerra. O Plano Marshall e a economia portuguesa dos anos 50 (Lisboa: Instituto Diplomático,
2007). como uma aproximação pioneira para uma narrativa centrada na cooperação internacional que, apesar de
centrada no domínio da cooperação económica, realça a importância de tímida visibilidade de outras iniciativas
de cooperação civil, no âmbito das ciências.
8 TELO, António José, «Portugal e a OTAN: 1949/61 e 1961/76», em Portugal e os 50 Anos da Aliança Atlântica,
1949-1999 (Lisboa: Ministério da Defesa, 1999), 71–102.
9 GAGO, José Mariano et al., «A Ciência e a Defesa em Portugal - Elementos para uma Agenda de Estudos Fu-
turos», em Nova História Militar de Portugal, vol V (Lisboa: Círculo de Leitores, 2004), 481–533. O ex-ministro
da Ciência e Tecnologia José Mariano Gago aborda num dos últimos capítulos do volume a oiciosa Comissão
INVOTAN, mencionando igualmente a necessidade de se elaborar um estudo mais amplo da mesma.
10 Participam representantes dos Ministros que tenham interesse nos assuntos abordados pela Comissão. Inicial-
mente contou-se com os representantes dos Ministros da Presidência ( José Frederico Ulrich), da Defesa (Carlos
da Silva Freire), da Economia (Magalhães Ramalho), da Educação (Carlos Alves Martins), das Finanças ( José
Joaquim Jesus), da Saúde e Assistência (Soeiro de Brito) e ainda com um funcionário da Inspecção Superior da
Mobilização Civil com funções de Secretaria (Baptista Cunha e Sá).
11 Inicialmente proposta pela NATO que intensiicou as insistências para a criação de um organismo como a INVO-
TAN para dialogar com o recém criado Comité Cientíico da NATO que viriam a ser ouvidas pelo então Ministro
da Defesa, Júlio Botelho Moniz. ADN, SGDN, cx. 6089, Informação nº351/59. Lisboa, 17 de Agosto de 1959
12 Tal foi possível pela Lei nº 2084 de 16 de Agosto de 1956, sobretudo pela Base IX que refere que “serão dele-
170
Secretaria-Geral da Presidência do Conselho13.
Interessa ressalvar que a INVOTAN (Agosto de 1959) está intimamente li-
gada ao SCOM da NATO (Março de 1958) pelo que a criação de ambas é um
resultado das forças conjunturais que se sentiram ao longo da década de 1950,
que conferiram atrasos e avanços no campo da internacionalização da cooperação
cientíica, num momento em que a NATO e os EUA desempenharam o papel de
Deus Ex Machina para todas estas iniciativas.
A importância que os EUA conferiram à cooperação cientíica intensiica-
se sobretudo nos inais dos anos de 194014. Há, todavia, preocupações no uso
do termo “cooperação” quando uma das partes é uma potência assimetricamen-
te superior relativamente a países europeus como Portugal. O termo “relações
cientíicas” parece ser mais justo quando há o risco das mesmas resultarem antes
numa “transferência” ou “difusão” de conhecimento cientíico por imposição de
um modelo – neste caso, o norte-americano – ao invés da “cooperação”. Não se
estranha que os EUA consigam operar uma lógica de imperialismo que abandona
o modelo de “domínio sobre os outros” em prole de uma organização consentida
de outros através de uma liderança tecno-cientíica e intelectual15. Reconhecendo
o deicit cientíico e tecnológico dos aliados, os EUA puderam jogar com o seu
poder cientíico e tecnológico, quer através da sua partilha, quer da sua negação16
contribuindo para a construção de uma hegemonia consensual – e não coerciva17.
A situação e os discursos em torno do internacionalismo e cooperação cientí-
ica entre aliados estarão em constante mutabilidade. De facto, a própria bipola-
ridade da Guerra Fria vir-se-á a acentuar neste contexto num confronto entre a
171
ciência “comunista e controlada” do bloco da URSS e uma ciência de uma relativa
laissez-faire com mais autonomia e uma cooperação menos restritiva18.
Este período inicial da Guerra Fria é, por um lado, marcado por uma dualidade
de perspectivas nas relações internacionais entre os conservadores e os emergentes
tecnocráticos com importantes vultos da comunidade cientíica norte-americana
a envolverem-se nesta luta, adoptando um pragmatismo real nas relações inter-
nacionais, insistindo que o isolacionismo cientíico e tecnológico defendido pelos
conservadores seria a médio/longo prazo prejudicial para a competitividade dos
EUA. Por outro lado, é caracterizado pela novidade da bomba Nuclear e das an-
siedades que esta conferiu nas relações internacionais, representativo da impor-
tância dos avanços cientíicos que só podem ser tão notáveis quanto as capacida-
des técnicas do capital humano de cada potência. É neste contexto que começa
a surgir a própria noção de «política cientíica»19 e um despertar do interesse das
Nações para a mesma – nos duplos aspectos de política para a ciência e ciência
para a política - havendo então, um “reconhecimento institucional através de or-
ganismos, mecanismos, procedimentos e um corpo burocrático e político”20. A
década de 1950 revela-se uma época chave para este despertar devido sobretudo
ao push dos EUA e de várias organizações internacionais contemporâneas21.
Vários países vão aproveitar estas novidades e oportunidades conjunturais de
Science push22 que criaram o SCOM. No caso português, tirando as tímidas experi-
ências do IAC, não existia uma política cientíica coesa. Todavia, é o jogo de forças
conjunturais de tremenda pressão exercida pelos EUA e a NATO que fará com
que até países como Portugal se venham a envolver em matérias como a política
cientíica e a construção de uma força de capital humano no Bloco Ocidental,
culminando na criação da INVOTAN e numa primeira tentativa séria de estabe-
18 MANZIONE, Joseph, «“Amusing and Amazing and Practical and Military”: he Legacy of Scientiic Interna-
tionalism in American Foreign Policy, 1945-1963», Diplomatic History 24, n 1 (2000): p.52.
19 O termo terá sido utilizado pela primeira vez em 1945 no Reino Unido, a respeito do Comité sobre a Política
Cientíica Futura, apesar de “uma política especíica relativa à organização da ciência a nível nacional e a atribuição
de recursos para a investigação não estava ainda muito difundida” RUIVO, Beatriz, As Políticas de Ciência e Tecnolo-
gia e o Sistema de Investigação (Lisboa: Casa da Moeda, 1998), p.63. Sublinhe-se igualmente a deinição de «política
cientíica internacional» de Galey que considera ser «uma política para a ciência pura ou aplicada, aceite internacio-
nalmente por notáveis que se tenham distinguido na área e que participem em congressos cientíicos ou associações
internacionais». GALEY, Margaret, «Trends and dimensions in international science policy and organisation», em
Science and technology policy, ed HABERER, Joseph (Lexington Ma.: Lexington Books, 1977), 109–127.
20 RUIVO, Beatriz, As Políticas de Ciência e Tecnologia e o Sistema de Investigação, p.64.
21 É através destas organizações que são montadas redes de contactos a nível internacional que de um modo geral,
difundem experiências, resultados e conhecimentos a níveis técnicos, logísticos e burocráticos. Contribuem desta
maneira para introduzir países nos conceitos e importância das políticas de C&T e nos processos de I&D surgin-
do uma «política cientíica internacional». Neste caso, o Plano Marshall e os diversos programas do seu Programa
de Assistência Técnica serviram como ponto de partida para esta tendência no alvorecer da década de 1950.
22 Autores como Blume (1983) defendem o conceito de “oportunidades” que está relacionado com a importância
do science push para os avanços cientíicos e tecnológicos inserindo-se de igual forma no conceito de “ciência
como uma oportunidade estatégica”.
172
lecimento de uma “política cientíica” nacional. Estas forças conjunturais podem
ser notadas nos seguintes momentos: a criação da AGARD (1952), a Conferência
de Genebra (1955), a Criação do Comité dos Três Sábios (1956), o lançamento
do Sputnik (1957) e a criação do SCOM na NATO (1958).
A década de 1950 é desde logo marcada pela novidade NATO como produto
da nova conjuntura Guerra Fria e das ansiedades do segundo pós-guerra. Dentro
desta novidade, devemos de destacar – ainda antes do “relatório dos Três Sábios”
– o protagonismo de heodore van Kármàn23 na constituição da AGARD24 para
percebermos as eventuais origens do SCOM. De facto, o mesmo escrevia:
«hen one day in April 1949, I read in the paper of the birth of NATO. Here
was a small and simply administered group of nations bound together by the
needs of defense. For my purpose it looked ideal. Why not use NATO as a pilot
plant to test ou the feasibility of scientiic cooperation? I had concluded back in
Volkenrode in 1945 that progress in technology was so swift that only a pool
of nations could properly utlize scientiic advances for mutual protection. With
such an efort, it seemd to me, the international character of science could grow.
After that, my ideas began to irm up. Why not set up for NATO a scientiic
advisory board similar to the Scientiic Advisory Board of the US Air Force?
Such a board could ensure the NATO countries that they would always have
the best technology at their command».25
Kármàn tinha plena percepção das vantagens desta novidade pelo que viria a
estabelecer os contactos necessários entre as autoridades civis e militares norte-
americanas com o propósito de concretizar o seu projecto de criação de um grupo
consultivo para a cooperação cientíica vendo a NATO como – segundo as suas pró-
prias palavras – um ‘pilot plan’ ou um embrião para o estabelecimento da AGARD
(efectivamente estabelecido em 1952) ou/e de um Scientiic Advisory Board.
23 Nasceu a 11 de Maio de 1881 e faleceu a 7 de Maio de 1963. Filho do professor Maurice von Kármán e Helene
Kármán. Naturalizou-se nos EUA em 1936. Graduou-se em 1902 na Royal Technical Universirty em Budapeste
e doutorou-se na Universidade de Göttingen em 1908, na Alemanha. Fez carreira como investigador de enge-
nharia na Ganz and Company (Alemanha) entre 1903 e 1906. Deu aulas na Royal Technical University (1903-
1906) e na Universidade de Göttingen (1909-1912). Foi Director da “he Aachen Aeronautical Institute”, na
Alemanha entre 1912-1929, oicial da Austro-Hungarian Air Corps entre 1914-1918, consultor da Junkers
Airplane Works (1912-1928) e da Luftschifbau Zeppelin (1924-1928) na Alemanha. ver a partir da p.16
24 Advisory Group for Aerospace Research and Development
25 BLIEK, Jan van der, AGARD. he History. 1952-1997 (Essex: SPS Communications, 1999), 2–1.
173
Foi no mês de Maio de 1945 numa sessão de ‘brain-storming’ com Hugh Dry-
den, Donald Putt, George Schairer e Frank Wattendorf em Volkenrode que se
conceptualizou a ideia – prematura, porém – de um tal grupo consultor e de estí-
mulo de investigação cientíica para um grupo de Nações de interesse semelhan-
te, sem noção que tal oportunidade surgiria mais tarde com a NATO26. Sequen-
cialmente, realiza-se uma reunião no verão de 1950 na Europa com o propósito
de estudar o estado das ciências aeronáuticas nas nações. Kármàn conclui numa
carta ao Major General Donald Putt, então Deputy Chief of Staf for Research and
Development da US Air Force que tal mobilização cientíica para propósitos de
melhoria do potencial militar é ainda muito rudimentar na maioria dos países
e que tal esforço só é viável com uma colaboração próxima entre os mesmos,
recomendando igualmente que se convide directores de estabelecimentos de pes-
quisa aeronáutica para uma conferência nos EUA27 que viria a realizar-se em
Fevereiro de 195128. Se esta conferência foi de particular importância por resultar
na proposta de criação de um grupo consultivo para pesquisa e desenvolvimento
Aeronáutica dentro da ‘framework’ da NATO – proposta aceite e materializada a
24 de Janeiro de 1952 com o estabelecimento da AGARD – a sua importância
revela-se substancialmente mais curiosa por propor, quatro anos antes do Co-
mité dos Três Sábios, o estabelecimento de um Scientiic Advisory Board – ou um
Comité Cientíico - dentro da NATO para assuntos cientíicos mais diversos.
Apesar de recusada e menosprezada numa conjuntura de avanço do conservado-
rismo norte-americano que se concentrava no complexo militar-industrial, no-
tável em medidas como o Mutual Defence Assistance Control Act e mais tarde no
abandono da própria ERP em 195229, parece verossímil suspeitar que as linhas
de pensamento que formulam um comité ou painel do calibre do SCOM não se
encaixavam nos moldes estratégicos assumidos então pelas autoridades norte-
americanas – seria necessário esperar pelos ventos conjunturais proporcionados
26 Ibid., 1–2. No dito “brain-storming” o grupo discutiu a criação de um grupo consultivo cientíico, um grupo para
estímulo de investigação cientíica, projectos de cooperação cientíica com ins militares, a criação de um centro
internacional de pesquisa aeronáutica e a criação de sociedades internacionais de aeronáutica. Entre outras ideias
pensadas, destaque para as que se viriam a materializar mais tarde na European Oice of Air Research, na Mutual
Weapons Development Programme, no Training Centre for Experimental Aerodynamics (eventual Instituto Von
Kármàn) e nas sociedades internacionais de aeronáutica he International Council of the Aeronautical Sciences e
International Academy of Aeronautics.
27 Ibid., 2–1.
28 Contou-se com a participação do Canada, Dinamarca, França, Itália, Países Baixos, Reino Unido e Estados
Unidos da América, 7 das 12 nações da NATO
29 MCGLADE, Jaqueline, «From business reform programme to production drive. he transformationsof US
technical assistance to Western Europe», em he Marshall Plan and the Transfer of US Management Models, ed
KIPPING, Mathias e BJARMER, Ove (London: Routledge editions, 1998), p.28. Também Maria Fernanda
Rollo acusa a existência da facção conservadora americana que defendia esforços ainda mais sentidos numa
politica de defesa e rearmamento nas relações internacionais e que inluenciou o destino da ERP. op.cit., p.148
174
pelo evento Sputnik para que estas linhas viessem a ser compatíveis com os novos
moldes, reformulados abruptamente.
Na sua essência, a importância da AGARD para a História da cooperação
tecno-cientíica dentro da NATO está patente num dos seus principais objecti-
vos: reunir as mais importantes personalidades da ciência aeronáutica dos países
NATO com o propósito de “maximizar” o fomento de investigação e emprego de
cientistas para a Defesa comum da NATO, fomentando actividades de I&D que
estimulassem inovação tecnológica e intercâmbio de conhecimento30.
O primeiro encontro do AGARD entre 19 e 21 de Maio de 1952 já teve uma
maior participação de representantes de países da Aliança, participando oicial-
mente 11 dos 12 países aliados estando apenas Portugal de fora31. Esta curiosa
ausência de Portugal é notada e mais tarde insistida para ser colmatada pelo pró-
prio Kármàn num encontro com o Chefe de Estado Maior da Força Aérea, Costa
Macedo em Abril de 1958.32 Apesar desta insistência oicial, Portugal não esteve
completamente desligado deste fenómeno internacional pois até então, os contac-
tos entre o Estado Maior da Força Aérea português e o AGARD eram realizados
por um tenente-coronel e engenheiro, José Ferreira do Nascimento a título oicio-
so. Com a insistência de Kármàn “para que Portugal se faça representar no Comi-
té do AGARD, onde estão representados todos os países NATO à excepção de
Portugal, Islândia e Luxemburgo”33, numa conjuntura de contestação internacional
do regime, Portugal vai nomear como representante o Brigadeiro da Força Aérea
Bernardo Tiago de Mira Delgado.
30 BURIGANA, David, «he European Search for Aeronautical Technologies and Technological Survival by Co-
operation in the 1960s-1970s... with or without the Americans? Steps, ways, and Hypothesis in International
History», Humana.Mente. Journal of Philosophical Studies 16 (2011): p.104.
31 BLIEK, Jan van der, AGARD. he History. 1952-1997, 3–1.
32 ADN/SGDN, cx.6068, Ofício nº. 172. De 26.5.58 do E.M.F.A “Representante Português no AGARD”
33 Idem
175
CONGRESSO DE GENEBRA OU O PRIMEIRO CONTACTO CIENTÍFICO
ENTRE OS BLOCOS
Ainda nos inais de 1940, os EUA distribuem radioisótopos34 pelas Nações ami-
gas numa política de conquista de “corações e mentes” 35, imediatamente antes de
um famoso discurso de Eisenhower de Dezembro de 1953 onde anuncia a medida
Atoms for Peace onde, apelando a um consenso com a União Soviética36. O propósito
deinido no discurso era simples: uma cooperação entre os EUA e a União Sovi-
ética com a inalidade de aperfeiçoar o uso nuclear para ins pacíicos. Enquanto
eram desviadas as atenções do aperfeiçoamento do armamento nucleares, os EUA
desaiavam directamente os soviéticos para um confronto de propaganda pacíica
promovendo uma intensiicação da corrida a inovações e desenvolvimentos tecno-
cientíicos37.
Para todos os efeitos, mesmo que escondendo uma segunda Agenda, o pro-
grama Atoms for Peace contribuiu para encontros cientíicos relevantes como o
de Genebra em Agosto de 1955, revelando-se uma oportunidade única para que
“centenas de cientistas, engenheiros, técnicos fossem expostos e aprendessem so-
bre reactores nucleares e possíveis aplicações em campos não-militares”38, havendo
contactos entre cientistas americanos e europeus com a elite cientíica e nuclear
russa, tratando-se de uma oportunidade única para se percepcionar minimamente
os imensos avanços neste campo da URSS que, por motivos óbvios, permaneciam
constantemente nas sombras do segredo. Tal se provou possível considerando o
facto dos participantes russos na dita Conferência serem cientistas - e não solda-
34 Do termo “isótopos” que refere dois elementos que têm as mesmas propriedades químicas mas pesos atómicos
diferentes. Os radioisótopos destinguem-se por emitirem radiações. São obtidos por transmutação da matéria
dos átomos quando submetida a uma intensa radiação no seio dos reactores nucleares ou através do uso de acele-
radores de partículas. Usados para ins medicinais mas também com aplicações na agricultura, pecuária, indústria
e engenharia civil. O LNEC, por exemplo, elaborou um estudo do movimento dos aluviões nas costas marítimas
e nas fozes dos rios, utilizando areias marcadas com radioisótopos mas também outros estudos referindo-se à
apreciação de materiais de revestimento usados na construção de laboratórios de radioisótopos. Já o estudo dos
radioisótopos para ins medicinais foi elaborado no Centro de Estudos Egas Moniz. A política de conquista de
“corações e mentes”foi uma estratégia de promoção de uma imagem benevolente e legitimadora da liderança
americana na Aliança, que servia o propósito de conirmar que o poder dominador da tecnologia Atómica
americana poderia ser utilizado para o bem da Sociedade, combatendo as críticas dos partidos comunistas e o
“possível alastramento” do comunismo pela Europa. A distribuição desta tecnologia teve enormes complicações
burocráticas quando distribuída para nações europeias havendo um controlo e iscalização apertada no seu uso,
com receio que a partir dos mesmos, fosse possível desenvolver tecnologia nuclear para ins bélicos.
35 KRIGE, John, «Atoms for Peace, Scientiic Internationalism, and Scientiic Intelligence», Osiris, 2006, p.2.
36 É de referir que faziam apenas 10 meses desde a morte de Stalin e pouco mais de 5 desde o inal da Guerra da
Coreia, pelo que os EUA decidiram abrir novos diálogos com a Rússia, partindo do pressuposto que esta já não
seria tão implacável como previamente sob a liderança de Estaline, sobretudo pelo facto desta ter concordado
num encontro dos 4 Poderes (EUA, URSS, Reino Unido e França) sem as pré-condições de desarmamento dos
EUA
37 KRIGE, John, «Atoms for Peace, Scientiic Internationalism, and Scientiic Intelligence», p.5.
38 Ibid., p.7.
176
dos ou políticos - bastante entusiasmados com as interacções com os seus colegas
internacionais39.
O ex-ministro das Obras Públicas, José Frederico do Casal Ribeiro Ulrich lem-
brava que depois da Conferência de Genebra, “tudo mudou radicalmente” prolife-
rando “por esse Mundo de Cristo um sem im de «acordos bilaterais» e de associa-
ções internacionais, todas à compita a ver qual promove mais colaboração entre os
povos, a nomeação de mais comissões de estudo, o estabelecimento de mais normas
e regras universais”.40 Todavia, esta espiral de mudanças – que nem Portugal con-
seguiu icar alheio – já se vinha a veriicar com maior intensidade a partir do Plano
Marshall e do bilateralismo com os EUA, pelo que é de notar o exemplo da criação
da Junta de Energia Nuclear41 após poucos meses do discurso Atoms for Peace.
A JEN veio a ser fundamental para a prospecção de minérios radiactivos no
Continente e nas Colónias, na construção do Laboratório de Física e Engenharia
Nucleares, do Laboratório Nacional de Engenharia Civil e no Centro de Estudos
Egas Moniz, com o objectivo de estudar a tecnologia importada dos radioisótopos42.
Assim, o Presidente da Junta de Energia Nuclear vê-se – não obstante da agenda
política sui generis do Estado Novo – envolvido no forum cientíico internacional
pelo que a sua passagem na Presidência JEN da e toda a sua relação com a proble-
mática da Energia Nuclear é transversal à história da própria iniciativa «Átomos
para a Paz», com uma estreita e inseparável relação. Por esta mesma razão, será a
autoridade contemporânea nacional no assunto, mantendo-se actualizado com as
suas participações nos palcos cientíicos internacionais, usando os conhecimentos
e a informação adquiridos para proferir conferências sobre o assunto, assim como
mantendo correspondência oicial e particular com o próprio Oliveira Salazar, dan-
do-lhe conta não apenas da conjuntura, mas oferecendo inclusivamente opiniões
39 STRASSER, Bruno J., Les Sciences de la Vie a l’Age Atomique: Identités, pratiques, et alliances dans la construction
de la biologie moléculaire á Genève (1945-1970), Dissertação de Doutoramento da Universidade de Geneva, 2002,
cap. 1, n.92
40 ULRICH, José Frederico, «A Energia Nuclear em Portugal», Separata da Técnica. Revista de Engenharia dos
Alunos do I.S.T., 1958, p.3.
41 A importância da Junta de Energia Nuclear, para além da sua íntima relação conjuntural internacional, prende-
se sobretudo com a consciencialização da necessidade de preparar pessoal técnico especializado em escolas
nacionais ou, na maioria dos casos, estrangeiras. Seguindo inclusivamente as linhas gerais de pensamento
cooperativo previamente iniciadas no âmbito do Plano Marshall e da USTA&P, a JEN serviu para desenvolver
as relações de Portugal com o forum internacional no sector nuclear - e inevitavelmente, cientíico. Serviu sobre-
tudo para estabelecer contactos e acordos – bilaterais ou mais vastos como as convenções da Agência Europeia
de Energia Atómica, no seio da Organização Europeia de Cooperação Económica ou da própria Agência Inter-
nacional de Energia Atómica – o principal motor para o despertar de interesse dos assuntos nucleares para ins
não-militares – mas de igual forma com a Sociedade Europeia de Energia Atómica, de carácter mais cientíico
do que oicial.
42 Laboratório de Física e Engenharia Nucleares (Lisboa: Presidência do Conselho. Junta de Energia Nuclear, 1961).
177
sobre os assuntos e o estado da questão.43 e 44
Ulrich relembra o passado ainda próximo do início da medida «Átomos para
a Paz» de Dezembro de 1953. A mesma deu origem à Agência Internacional de
Energia Atómica e levou, a Abril de 1954, o Presidente da Comissão Americana
da Energia Atómica, o Almirante Strauss45 a anunciar uma reunião de cientistas e
técnicos num “congresso cientíico monstro” com o propósito de se comunicarem
os avanços nas “aplicações pacíicas da energia atómica” que veio a ser programada
por uma Comissão de cientistas dos “cinco grandes atómicos”46 mais os iniciados
na questão Índia e Brasil, da Assemblea Geral da O.N.U.47 Esta seria a célebre
primeira Conferência de Genebra de Agosto de 1955 que se revelou uma opor-
tunidade única para que “centenas de cientistas, engenheiros e técnicos fossem
expostos e aprendessem sobre reactores nucleares e possíveis aplicações em campos
não-militares”48. Surpreendentemente, veriicou-se entre os cientistas uma enorme
abertura e franqueza, inclusive dos próprios cientistas russos. Não apenas a co-
munidade cientíica mas também as próprias autoridades políticas e militares da
Aliança esperavam encontrar na Conferência homens sigilosos dos seus trabalhos.
Tal surpresa deveu-se por terem encontrado no Congresso cientistas dispostos a
trocarem as informações e conhecimentos adquiridos nas suas investigações, com
um grande entusiasmo cientíico, ao invés de militares49.
O próprio Frederico Ulrich, que só assistiu apenas uma semana à Conferên-
cia – voltando com mais um técnico para Portugal no dia 14 de Agosto50 – notou
que “se gerou em torno da ideia da Conferência um tal ambiente de franqueza e
aberto espírito de cooperação que foram “desclassiicadas” muitas questões até en-
tão secretas” icando inclusive com a impressão que os americanos teriam acabado
por apresentar todos os seus projectos51. Esta semana foi, todavia, o suiciente para
Ulrich notar que muitas descobertas tidas como secretas, tinham sido conseguidas
simultaneamente em diversos países, concluindo-se em consenso, que a ediicação
de uma ponte que coordenasse “esforços de investigação cientíica, de maneira a
evitar duplicações” seria útil e económico” pelo que, no quadro geral, qualquer país
178
– grande ou pequeno – pode “investigar e descobrir”52. Ficou aberta mais uma
janela para a consciencialização da importância da coordenação cientíica como
mecanismo contributivo para a estabilidade económica.
A Conferência foi desde logo um passo importante na política mundial da ener-
gia nuclear – ao dissipar algumas sombras do secretismo – mas também na percep-
ção da problemática da duplicação de esforços. Foi, igualmente, o primeiro passo
tanto para a internacionalização da ciência como para a percepção da necessidade
de se realizarem esforços que coordenassem as investigações cientíicas, com o pro-
pósito de duplamente reduzir os seus custos e aumentar a sua eicácia em resulta-
dos e novidades.53 Se por um lado a Conferência de Genebra inaugura a segunda
metade da década de 1950, um período de acalmação das ansiedades atómicas após
o auge da Guerra da Coreia, por outro lado contribui para a consciencialização da
qualidade do capital humano cientíico e tecnológico da rival URSS.
179
De lembrar que no contexto do estabelecimento de contactos diplomáticos en-
tre os EUA e a URSS no âmbito dos diálogos iniciados na conferência de Genebra,
resultou num intercâmbio de visitas cientíicas - cientistas russos visitam o Labora-
tório Nacional de Brookhaven em 1955, enquanto cientistas americanos visitam o
Laboratório de Energia Atómica da URSS, alguns meses depois – havendo dupla-
mente os objectivos de troca de conhecimento cientíico assim como de aquisição
de informação estratégica54.
Desta forma, oiciais da administração Eisenhower continuaram a usar o inter-
nacionalismo cientíico para promoverem a agenda da Guerra Fria e, para evita-
rem uma crise internacional relativamente a futuros satélites de reconhecimento
a sobrevoarem o espaço aéreo soviético, os EUA estabeleceram parâmetros legais
no âmbito do International Geophysical Year55. Nelson Rockefeller, entre outros
conselheiros de Eisenhower, eram da opinião que tal ambiente de cooperação
cientíica seria ideal para que os aspectos militares americanos e de aquisição de
inteligência fossem mais resistentes a possíveis críticas externas e internas56.
Foi a 4 de Outubro de 1957 que o pequeno satélite soviético de 80 kgs desig-
nado de Sputnik I foi lançado para o espaço. Seguiu-se o lançamento do Sputnik
II a Novembro de 1957, que celebrou o 40º aniversário da Revolução de Outubro,
com uma dimensão já bastante superior, pesando 500 kgs e colocado em órbita a
uma altitude duas vezes superior à do seu predecessor. Ambos lançamentos são
coincidentes com o contexto do International Geophysical Year inserindo-se dentro
dos moldes dos diálogos de cooperação cientíica que tinham vindo a ser estabele-
cidos desde meados da década. A própria administração Eisenhower não se revelou
particularmente preocupada com o lançamento do primeiro Sputnik com o próprio
National Security Council a relatar ao presidente, ainda a 10 de Outubro de 1957,
que o satélite soviético terá já sobrevoado praticamente cada nação do planeta e
que não houve qualquer protesto57.
54VMANZIONE, Joseph, «“Amusing and Amazing and Practical and Military”: he Legacy of Scientiic Interna-
tionalism in American Foreign Policy, 1945-1963», p.50.
55 Projecto internacional de cooperação cientíica organizado pelo International Council of Scientiic Unions e apoia-
do ao todo por 66 nações. O projecto teve inicio a 31 de Julho de 1957 e terminou apenas a 31 de Dezembro
de 1958 e teve como objectivo a aquisição de informação sobre fenómenos que vinham a ocorrer na atmosfera
durante o período de maior actividade solar. Este projecto foi inicialmente proposto por cientistas americanos e
apoiado inanceiramente pelos EUA. Portugal participa pelo SMN (Serviço Meteorológico Nacional), após um
trabalho de modernização e centralização dos vários serviços meteorológicos em Portugal por Manuel Rocha
(futuro representante do Ministério das Comunicações na INVOTAN).
56 MANZIONE, Joseph, «“Amusing and Amazing and Practical and Military”: he Legacy of Scientiic Interna-
tionalism in American Foreign Policy, 1945-1963», p.50.
57 Ibid.
180
Todavia, as ondas de choque do lançamento do pequeno satélite izeram-se
sentir sobretudo no Congresso, nos media e no público americano em geral que,
infundadamente, concluíram que os EUA tinham sido ultrapassados cientiica e
tecnologicamente – dois paradigmas que se estabeleceram como fundamentais na
segurança nacional58. Foram vítimas da ignorância extrapolada pela propaganda
sobre a incompatibilidade entre o comunismo e a ciência e que tais conquistas se
deveram a resultados de espionagem59. De facto, a opinião pública como a militar
– e sobretudo de cariz mais conservador – viviam no preconceito que os Russos
seriam um “povo atrasado que dependia sobretudo nos poucos cientistas alemães
capturados para obterem as suas poucas conquistas cientíicas” (pelo que não ha-
via nada que suscitasse preocupação pois a maioria do elenco cientíico alemão
encontrava-se ou em território da Aliança ou até mesmo em território Norte-
Americano60).
O ano de 1958 viu tais ilusões serem estilhaçadas, criando um sentimento de
invulnerabilidade entre os norte-americanos, reminiscente de Pearl Harbour como
lembrava Edward Teller61. De lembrar que tal invulnerabilidade assentava-se na ló-
gica que o lançamento do Sputnik implicava que a URSS tinha de facto tecnologia
capaz de bombardear atomicamente os EUA com mísseis de longo alcance causan-
do ansiosas reacções exempliicadas com a airmação do Senador Johnson Lyndon:
«Our survival is at stake (…) soon [the soviets will] be dropping bombs on us
from space like kids dropping rocks onto cars from freeway overpasses».62
Se por um lado houve quem tivesse sido apanhado desprevenido pelo evento,
aqueles que tiveram a oportunidade de “espreitar” para além da “cortina de ferro”
durante a conferência de Genebra perceberam que, mais tarde ou mais cedo, uma
“surpresa” destas seria inevitável. Lewis Strauss, por exemplo, quando regressado da
dita conferência em 1955, destacou desde logo que tudo o que aprendeu relativa-
mente ao capital humano soviético foi suiciente para quebrar todas as noções dos
Norte-americanos relativamente à sua imaginação e capacidade”63.
58 Ibid. Entre os críticos, incluem-se vozes de alguns cientistas como Vannevar Bush (um dos principais orga-
nizadores do Projecto Manhattan) que acusa a administração Eisenhower de ser complacente nos esforços de
promoção de ciência nacional e internacional pelo que deveria de canalizar ainda mais fundos para pesquisa,
educação, cooperação cientíica entre os EUA e os seus aliados – medidas que a seu entendimento, fortalecem
a segurança nacional. Já o “pai da bomba de hidrogéneo” Edward Teller é o primeiro a sugerir a ideia de enviar
homens para a Lua como resposta
59 O próprio Edward Teller estava convencido que os avanços anteriormente registados no campo das bombas
nucleares pela URSS se deveram a intelligence leaks de Klaus Fuch.
60 KRIGE, John, American hegemony and the postwar reconstruction of science in Europe, p.192.
61 GREENE, Benjamin P, Eisenhower, Science Advice, and the Nuclear Test-ban Debate, 1945-1963 (Stanford Uni-
versity Press, 2007), p.137.
62 NORRIS, Pat, Spies in the Sky: Surveillance Satellites in War and Peace (Springer, 2008), p.4.
63 KRIGE, John, American hegemony and the postwar reconstruction of science in Europe, p.196.
181
Não obstante da importância que a administração Eisenhower conferiu inicial-
mente aos Sputniks, esta viu-se obrigada a responder com medidas como a criação
de novas agências cientíicas como a célebre National Aeronautics and Space Ad-
ministration (NASA) e legislações de apoio à pesquisa e à educação como Defen-
se Education bill. Consequentemente, muitos cientistas vão adquirindo prestígio
como vozes políticas de grande inluência, ascendendo a poderosas posições polí-
ticas como por exemplo na President’s Scientiic Advisory Committee64“ servindo a
máxima de “catching up with the Russians”65
64 No elenco deste comité consultivo, é possível destacar nomes célebres como I.I. Rabi, Jerome Wiesner, George
Kistiakowski ou James R. Killian
65 MARIA, Michelangelo De, «he inception of the European space efort: Edoardo Amaldi and the Euroluna
dream», Cinquant’anni di Física al CERN: un laboratorio per l’Europa (2004): p.2.
66 «NATO - Report of the Committee of hree on Non-Military Cooperation in NATO», NATO, Dezembro
1956, http://www.nato.int/cps/en/natolive/oicial_texts_17481.htm. [consultado em Janeiro de 2011] O Comi-
té dos Três pode também ser inserido no contexto da entrada da República Federal da Alemanha em Maio de
1955 e na resposta de Khrushchev no estabelecimento do Pacto de Varsóvia (e a inclusão da Alemanha do Leste
no mesmo) que levou o North Atlantic Council a tomar medidas para avaliar efectivamente a natureza da ameaça
comunista.
67 McNamara era, entre muitos outros cold warriors defensores da ideia que, mesmo em caso de agressão, o uso do
poderio nuclear deveria ser calculado conservadoramente para “daniicar o agressor ao ponto da sua sociedade
deixar de ser viável nos termos do século XX”
182
litares” ou “paramilitares” limitando-se ao exercício de “conlito sem catástrofe”68.
O panorama de então já não igurava uma separação entre a segurança civil e a
militar mas antes uma intrínseca relação entre as duas na qual a negligência de
uma prejudicaria seriamente a outra69.
Outro aspecto importante a promover no seio da NATO era o sentimento de
pertença e comunidade entre países com enormes semelhanças culturais com o
propósito de fortalecer a aliança para além do propósito comum da Defesa70. Tal
exercício esteve presente nos primeiros anos de actividade da ERP e no pensa-
mento ideológico de Kármán, havendo algum esforço na sua promoção.
No relatório conclui-se que o desenvolvimento cientíico e tecnológico é essen-
cial para este processo promovendo duplamente a “segurança civil” e o “sentimen-
to de pertença” ao contribuir-se para um desenvolvimento útil para a vida civil dos
países NATO mais desfavorecidos. De lembrar que, entre as “semelhanças cultu-
rais” observáveis nos aliados do «Velho Continente» encontra-se um passado de
instituição de Universidades e produção de conhecimento cientíico, ilosóico e
intelectual que contribuíam para uma desconiança de uma entidade militar como
a NATO – liderada ela própria por uma das maiores potências militares mundiais
- alimentada pelas vozes dos partidos comunistas dentro dos ditos países. Era de
facto necessário trabalhar a NATO para proporcionar maior coniança aos seus
aliados e, desta forma, manter a coesão essencial para a sua defesa. Para contribuir
para o desenvolvimento cientíico e tecnológico e, à luz do documento compara-
tivo do poderio do capital cientíico entre a URSS e a NATO, o relatório conclui
que existe uma “necessidade urgente” em melhorar a qualidade e a quantidade de
“cientistas, engenheiros e técnicos nos países NATO”71
É sobretudo nesta conjuntura e enquadramento estratégico, geopolítico e ideo-
lógico de “alcançar os russos” que devemos inserir outra consequência de enorme
relevo da “euforia Sputnik”: a criação do Comité Cientíico da NATO.
183
De facto, a questão de “alcançar os russos” prende-se essencialmente no aper-
feiçoamento do capital humano dentro da Aliança. Tais medidas já haviam tido
expressão no contexto do clima ideológico proporcionado pela Conferência de
Genebra porém, foi sem dúvida o lançamento dos Sputniks para o espaço que ele-
vou a sua prioridade. É adoptado um novo discurso estratégico ao perceberem que
a Ciência entre os Aliados precisava de ser ainda mais sistemática e consciente
dos seus objectivos que nos países comunistas pelo que as relações entre a ciência
e a sociedade são demasiado importantes para serem deixadas ao acaso como nos
sistemas laissez-faire72, pelo que para este enquadramento político e diplomático
dos Estados Unidos na segunda metade da década de 1950, a posição do capital
humano era clara:
“he economic and utilitary strength of industrialized actions depends to-day
on their scientiic and technical capacity. he force of this generalisation has
been demonstrated by events in NATO countries during the post-war years. It
has also been dramatically underlined by the over increasing technical achieve-
ments of the USSR and by the knowledge that she is devoting relatively greater
resources to scientiic and technical education”73
No âmbito destas certezas, os dados foram apresentados ao Comité dos Três
pelo consultor Robert Major, após elaborado trabalho do Manpower Committee da
OEEC74 de acumulação de dados, referentes à formação de cientistas em território
norte-americano, europeu e soviético que concluí que os últimos estavam a treinar
muito mais cientistas que os europeus, desequilibrando a média da NATO e arris-
cando o próprio equilíbrio bipolar75. Tais dados levam o senador Henry Jackson76 a
elaborar o conhecido Jackson Report ou Trained Manpower for Freedom77.
72 KRIGE, John, American hegemony and the postwar reconstruction of science in Europe, p.196.
73 ADN/SGDN, cx. 6068 “Further Action by NATO in the ield of scientiic and technical co-operation report
29th April 1957”, part I. General Statement. he Problem, p.2
74 Organization for European Economic Cooperation
75 KRIGE, John, American hegemony and the postwar reconstruction of science in Europe, p.199. O documento citado
por Krige é “Recruitment and Training of Scientists, Engineers and Technicians in NATO Countries and the
Soviet Union,” Report by Robert Major, Consultant to the Committee of hree, NATO, Document C-, (56)
128, November 1.
76 Colaboraram na task force para além de individualidades dos EUA (Senador Kuchel, os Deputados Corbett e
Smith e o Senador Jackson), personalidades políticas e cientíicas internacionais da Bélgica (P. de Smet, Arthur
Gilson), do Canadá (Dr. R.P Vivian), da Dinamarca (Willy Helsing, Adolf Sorensen), da França (Armengaud,
Deixanne, Longchambon, Viatte), Alemanha (Dr. George Kleising, Graf Adelmann), da Grécia (Panos Yekas),
da Itália (Giacomini), do Luxemburgo (Eugene Schaus), dos Países Baixos (C.L. Patijn), da Noruega (Bernt
Ingveldsön, Sverre Rostoft), da Túrquia (N. Inanc) e do Reino Unido (Richard Fort, Martin Madden e Charles
Pannell).
77 «Trained Manpower for Freedom. Report by the Committee on the Provision of Scientiic and Technical
Personnel in the NATO Countries», NATO, Novembro 1957, http://www.nato.int/history/doc/3-Fifty-years-
of-Science-Programme/RDC%2857%29408-E.pdf. [consultado em Janeiro de 2011]
184
Por coincidência, o Jackson Report é submetido à NATO um mês após o lan-
çamento do primeiro Sputnik, aproveitando a euforia que entretanto se instalara e
contribuindo para a sua intensiicação. O próprio relatório referia que a NATO se
encontrava numa “genuína crise” no âmbito da existência de uma quantidade in-
suiciente de capital humano cientíico dentro da aliança78. Instalava-se entretanto,
o paradigma de associação da qualidade da ciência e tecnologia – e o seu capital
cientíico – ao próprio progresso da civilização – no âmbito da estabilidade econó-
mica, segurança civil e manutenção da paz79, expandindo a retórica de “conquista
de corações e mentes” às “regiões subdesenvolvidas”80.
De lembrar que tal avaliação da suposta insuiciência do capital humano na
Aliança só pode ser inserida num contexto comparativo ao mesmo capital da
União Soviética, seguindo a mesma retórica na avaliação da quantidade e qualida-
de de misséis no arsenal americano. Se este segundo caso é amplamente reconheci-
do como uma extrapolação da realidade pelos “patriotas emocionalmente guiados”
do Pentagono, como os veio a chamar McNamara81, já a primeira realidade – a da
excepcional qualidade e quantidade do capital humano soviético – é de um modo
geral reconhecido nos episódios da Conferência de Genebra e do Sputnik.
É neste enquadramento problemático que Jackson recomenda que a NATO
inancie um programa que resulte em 500 doutoramentos anuais nos sectores eco-
nómicos e militares, entre outras medidas de dinamização do ensino das ciências82
e que promova uma expansão da cooperação cientíica internacional no âmbito
quer no treino de cientistas, quer em subvenções de investigação cientíica de im-
portância internacional83.
78 Ibid., 3.
79 MILLER, Clark A., «“An Efective Instrument of Peace”: Scientiic Cooperation as an Instrument of U.S.
Foreign Policy, 1938-1950», Osiris, n 21 (2006): pps. 137 e 148.
80 KRIGE, John, American hegemony and the postwar reconstruction of science in Europe, p.202. Considerar os países
subdesenvolvido aqueles de passado colonial, no qual a URSS estava um passo à frente, correndo-se o efectivo
risco que a mesma ultrapasse a NATO na conquista dos seus “corações e mentes” e comprometendo o próprio
equilíbrio bipolar da Guerra Fria.
81 COLEMAN, David, «Camelot’s Nuclear Conscience.», Bulletin of the Atomic Scientists, Junho 2006, p.5. Na
transcrição da conversa entre McNamara e Kennedy, o primeiro admite que no Pentágono se criou um mito
do potencial missílistico soviético “com alguns zeros a mais”, mito este, que sem dúvida alimentou o próprio
complexo militar-industrial durante a administração de Eisenhower, que só se apercebeu do engano no inal do
seu mandato. Perante esta airmação de McNamara, Kennedy entre alguns risos ironiza-o, lembrando-lhe que
o próprio McNamara estava entre o grupo de homens que deiniu como “emotionally guided but nonetheless
patriotic individuals in the Pentagon”.
82 «Trained Manpower for Freedom. Report by the Committee on the Provision of Scientiic and Technical
Personnel in the NATO Countries», pp.6-8.
83 Ibid., pp. 10–11.
185
Simultaneamente, concluía-se o relatório da task force da NAC liderado por Ko-
epli84 a Novembro de 195785. Este relatório vai ao encontro das recomendações de
Jackson relativamente à necessidade de se treinar pessoal cientíico, considerando
inclusive uma especial atenção ao imenso potencial mal aproveitado da popula-
ção feminina86. Para além desta adicional recomendação relativamente ao capital
humano, a task force de Koepli vai ainda mais além que a task force de Jackson ao
recomendar a criação de um comité cientíico pela NATO com um consultor “de
alto calibre e prestígio cientíicos” que supervisione diariamente as implementações
das recomendações do dito comité, sendo este o relatório que mais directamente se
associa à criação do SCOM da NATO. Tal como o relatório de Jackson, o relatório
de Koepli usufruiu da coincidente conjuntura da euforia Sputnik. Tal conjuntura
intensiicou o carácter de urgência dos trabalhos desta task force e contribuiu para
que o seu relatório fosse, a título excepcional, apresentado numa Reunião de Che-
fes de Estado –ela própria realizada também a título excepcional - do Conselho da
NATO entre 16 e 17 de Dezembro de 195787 que aprovou com total unanimidade
todas as suas recomendações88. As recomendações de Von Kármàn foram ouvidas,
após quase oito anos.
84 Entre outras personalidades na task force, destacamos R. Gass da OEEC, o Professor Willems da Bélgica, o Dr.
Mallock do Canadá, o Professor Longchambon de França, o Professor Longchambon da Alemanha, o Professor
Giordani da Itália e Sir Solly Zuckerman de Inglaterra.
85 ADN/SGDN, cx. 6089 “Further Action by NATO in the ield of Scientiic and Technical Co-operation. Report
to the Council by the Task Force. (Submitted to the NATO Council, November 1957
86 Encontrar pps. O relatório refere que a URSS inclue no seu arsenal de capital humano cientíico quase 50% de
cientistas mulheres em formação ao nível de Bacharelato.
87 Como referido, esta reunião foi realizada a título excepcional após o choque do lançamento dos Sputniks. Justi-
icava assim, o próprio Eisenhower «We are here to re-dedicate ourselves to the task of dispelling the shadows
that are being cast upon the free world. We are here to take store of our assets—in men, in minds, in materials.
We are here to ind the ways and means to apply our undoubted strengths to the building of an ample and safer
home for mankind here on earth. his is a time for greatness.” Todas as condições estavam estabelecidas para
que o Comité Cientíico fosse inalmente constítuido.
88 Andreas Rannestad (comp.), ed, NATO and SCIENCE. An Account of the Activities of the NATO Science Commit-
tee 1958-1972 (Brussels: Nato-Scientiic Afairs Division, 1973), p.15.
89 Ibid., p.17.
186
tabelecido um parâmetro de coniança entre as nações e os seus cientistas, todas as
descobertas realizadas numa parte da Aliança, serão partilhadas com as restantes
Nações da mesma maneira que se estabelecesse o sentido da coordenação cientí-
ica – para evitar a sobreposição de esforços. Não obstante, o SCOM é tido como
uma frente de resistência para a manutenção da pesquisa cientíica pura “guiada
pela ingenuidade e curiosidade individual”90. De facto, o propósito do SCOM no
quadro geral da estratégia da NATO parece ser fundamentalmente relativo à pro-
moção de coesão interna, aumentando a eiciência da Ciência Ocidental através
do estímulo da cooperação entre cientistas de países da NATO e usar o prestígio
e universalidade da ciência como meio de fortalecer e vigorizar os laços entre os
membros da Aliança91.
A criação do SCOM foi de facto, da primeira iniciativa séria de separação da ver-
tente civil da militar a ser feita em prole da Ciência básica e desclassiicada. Muitos
cientistas como por exemplo Amaldi92, consideravam que a ciência pura promovia
uma maior atracção de cooperação tanto dentro como fora das Nações, libertando
a investigação de obrigações para com os “mestres militares”. A médio ou longo
prazo, tal libertação da inluência directa do sector militar acabaria por o enaltecer93
e 94
. A criação do SCOM é, portanto, mais uma medida para legitimar o papel da
NATO e dos EUA como líder do Bloco Ocidental, contribuindo para a coniança
do sector civil, conquistando sobretudo a comunidade cientíica europeia que não
estaria disposta a aceitar inanciamento para projectos relacionados com a Defesa.
A primeira reunião do Comité realizou-se entre 26 e 28 de Março de 195895 e
teve a representação de todos os 14 membros designados96. Estes membros repre-
90 Ibid.
91 KRIGE, John, American hegemony and the postwar reconstruction of science in Europe, p.207.
92 Edoardo Amaldi da Universidade “La Sapienza” de Roma.. Foi um importante Físico italiano e um dos princi-
pais promotores da participação da Europa na Corrida ao Espaço.
93 John Krige e Arturo Russo, A History of the European Space Agency: he Story of ESRO and ELDO, 1958 - 1973 /
by J. Krige and A. Russo (ESA Publ. Div., 2000), p.15.
94 No âmbito da cooperação cientíica internacional, havia uma consciencialização dos meandros e desconiança
que organizações com ligações militares podiam causar. Nem a própria cooperação cientíica para a corrida
para o Espaço se conseguiu livrar. Áquando das projecções de Amaldi para aquilo que viria a ser a Euroluna,
o professor Rabi chegou a aconselhar usar o Comité Cientíico da NATO para avaliar o projecto ao nível dos
governos europeus – papel semelhante desempenhado pela UNESCO relativamente ao CERN. Amaldi recusou
relembrando que era “absolutamente essencial” que tal fosse feito por uma (futura) organização sem qualquer
ligação militar.
95 ADN/SGDN, cx. 6068 “Report on the First Meeting of the NATO Science Committee”, 3 de Abril de 1958
96 Contou-se com a participação do presidente do Comité, o Professor N. Ramsay, o Secretário-Geral da NATO
Paul-Henri Spaak assim como as representações dos EUA, pelo professor I.I. Rabi; do Canadá - Dr. E.W.R
Steacie; Inglaterra – Sir Solly Zuckerman; Itália - Professor F. Giordani; Grécia - Professor K.D. Alexopoulos;
Noruega - Professor S. Rosseland; Luxemburgo - Professor A. Willems; Países Baixos – Professor G.J Sizoo;
República Federal da Alemanha – Professor A. Rucker; Bélgica - Professor P. Bourgeois; França – Professor
A.L. Danjon; Dinamarca – Professor R.B. Rehberg; Túrquia – Dr. C. Erginsoy; e, por último, contou-se também
com a participação de Portugal através da igura do Professor Engenheiro Agrónomo Ruy Mayer.
187
sentavam os seus governos e foram escolhidos sobretudo pelo seu passado cientí-
ico97 (a representação de Portugal foi feita pelo Professor Doutor Ruy Mayer, en-
genheiro agrónomo Ruy Mayer98). As preocupações nesta primeira reunião caíram
sobretudo no âmbito da urgência da promoção e melhoraria do capital humano
técnico-cientíico, na já referida conjuntura do despertar abrupto causado pelos
Sputniks. O SCOM procedeu desde logo a incentivar que o Conselho da NATO
estimulasse os governos a tomarem efectivas e urgentes medidas para melhorar o
ensino da Ciência, o treino de investigadores e técnicos e que se aumente a quan-
tidade e qualidade de estabelecimentos de pesquisa no campo da Ciência pura.
É neste contexto que o SCOM considera o estabelecimento de um programa de
bolsas de regime meritocrático e a constituição de um Summer Study Institute99, que
Isidor Rabi considerava um acréscimo à da “dignidade da NATO”100.
Inserindo-se na problemática da “dignidade da NATO”, a última e mais crucial
temática debatida relacionou-se com a investigação cientíica para a Defesa. Numa
breve conclusão, concordou-se que a investigação para a Defesa não deveria de
ser totalmente descartada pelo que a melhor maneira do Comité funcionar neste
campo seria conferir ao Presidente do Comité total responsabilidade sobre que
assuntos relacionados com a Defesa poderiam vir a ser considerados pelo SCOM.
Todavia, o Presidente deveria consultar os demais delegados nacionais do SCOM
com o propósito de se decidir, em caso de aprovação, que instituições dentro ou
fora da NATO consultar101.
A questão da Investigação para a Defesa é sem dúvida uma das problemáticas
mais espinhosas na história do SCOM, tanto por razões históricas e ilosóicas
mas sobretudo nos meandros da raison d’être do próprio Comité. Trata-se de, uma
vez mais, de uma medição de forças de agendas conjunturais, uma batalha que o
SCOM sempre travou na sua essência – uma batalha pela alma da NATO que
sobreviveu a todas as décadas da Guerra Fria. Se por um lado as preocupações
levantadas pelo Sputnik recaíam no aspecto da Defesa, devemos lembrar que desde
a segunda metade da década de 1950 que as preocupações recaíram sobretudo na
97 Tendo em conta que todas estas representações foram feitas por civis, nenhum membro teve acesso a docu-
mentação NATO classiicada de cariz estratégico-militar ou a informação conidencial de Segurança (Security
Clearance).
98 Ruy Mayer adoeceria e acabaria por falecer em Setembro 1959 vindo a ser substituído por Carlos Alves Martins
e mais tarde por Frederico Ulrich.
99 ADN/SGDN, cx. 6068 “Report on the First Meeting of the NATO Science Committee”, 3 de Abril de 1958,
p.2
100 KRIGE, John, American hegemony and the postwar reconstruction of science in Europe, p.207.
101 ADN/SGDN, cx. 6068 “Report on the First Meeting of the NATO Science Committee”, 3 de Abril de 1958,
pp.2-3
188
questão do ensino102. todavia, será a delegação francesa liderada por André Dan-
jon, director do Observatório de Paris a sugerir em 1958 que, tendo em conta a
integração do SCOM na NATO, se devesse privilegiar investigação cientíica em
campos importantes para a Defesa do Bloco Ocidental, sugerindo um inancia-
mento inicial da NATO para uma fundação de cooperação e investigação tecno-
cientíica militar no seio da NATO e separada do SCOM para fazer frente aos
(supostos) avanços da URSS no mesmo campo103. Se por um lado, tal centralização
tinha resistências desde logo nos fundamentos da criação do SCOM (concentrado
no sector civil dentro da NATO), também será preciso ter em conta as agendas
e ambições próprias das diferentes nações europeias como França e Inglaterra –
também potências militares históricas – não havendo assim, qualquer interesse do
governo britânico em entregar controlo das suas pesquisas prioritárias da Defesa
ao Comité Cientíico.104
CONSIDERAÇÕES FINAIS
189
critérios militares e para os civis. Há uma clara noção que a manutenção do equi-
librio de forças e do jogo de “conlito sem catástrofe” assenta-se na necessidade de
equipar convenientemente a Aliança não apenas com armamento, mas com boas
e sustentáveis estruturas económicas e de treino de capital humano de qualidade.
Para este im cria-se na NATO um Comité Cientíico em 1958 que, ao atrair para
a discussão dos seus assuntos países como Portugal através da sua INVOTAN,
lança a Aliança e os seus membros nas iniciativas de criação ou aperfeiçoamento
das suas «políticas cientíicas» à luz dos critérios das acrescidas exigências da com-
petitividade internacional na conjuntura da Guerra Fria.
190
ESPAÇOS E ACTORES:
PROTAGONISTAS DA CIÊNCIA
A ciência e a criação de um «homem novo»
português. O pensamento de Barahona Fernandes
e a influência das teorias eugénicas alemãs
Cláudia Ninhos
Instituto de História Contemporânea – FCSH/UNL
O DEBATE EUGÉNICO
1 apud MELO, Helena Pereira de, Manual de biodireito, Coimbra, Almedina, 2008, pp.24-25.
193
ESPAÇOS E ACTORES DA CIÊNCIA EM PORTUGAL (XVIII-XX)
194
A CIÊNCIA E A CRIAÇÃO DE UM «HOMEM NOVO» PORTUGUÊS.
O PENSAMENTO DE BARAHONA FERNANDES E A INFLUÊNCIA DAS TEORIAS EUGÉNICAS ALEMÃS
garem ao poder. No entanto, é a partir de 1933 que, de braço dado com a política
racista alemã, surge um projecto de aperfeiçoamento racial, que procurará “limpar”
e “reforçar” a nação, enquanto entidade biológica. Este programa passará, numa
primeira fase, pela esterilização forçada, pelo o aborto eugénico, e, posteriormente,
pela eutanásia.
3 Sobre o assunto vide o artigo precursor de PIMENTEL, Irene Flunser, «O aperfeiçoamento da raça. A eugenia
na primeira metade do século XX», História, n 3, Nova série, Junho de 1998, pp. 18-27; o capítulo «O Euge-
nismo e o Direito» de MELO, Helena Pereira de, Manual de biodireito, Coimbra, Almedina, 2008, pp.15-91; e
o volume 3 da dissertação de LOFF, Manuel, As duas ditaduras ibéricas na Nova Ordem Eurofascista (1936-
1945): autodeinição, mundivisão e Holocausto no Salazarismo e no Franquismo, Dissertação de doutoramento em
História e Civilizaçao, 3.º Volume, Instituto Universitário Europeu de Florença, Florença, 2004.
4 CORREIA, Mendes, A Nova Antropologia Criminal, Porto, Faculdade de Ciências da Universidade do Porto,
1931, p. 204.
5 Tratava-se do Arquivo Genealógico. Sobre o assunto Barahona Fernandes escreve: «Na Clínica Psiquiátrica da
Faculdade de Medicina de Lisboa, sob a sábia direcção do Prof. Sobral Cid, organizou-se, após a nossa estadia
de estudo na secção de Genealogia e Demograia no Instituto de Investigação Psiquiátrica de Munique, um
195
ESPAÇOS E ACTORES DA CIÊNCIA EM PORTUGAL (XVIII-XX)
Arquivo Genealógico, que utilizando o vasto material clínico do Manicómio Bombarda, embora não permitindo
uma apreciação estatística inatacável, nos fornece valiosos e interessantes dados sobre a hereditariedade das
três grandes psicoses endógenas (esquizofrenia, psicose maníaco-depressiva e epilepsia) e das psicopatias»
(Fernandes, Barahona, Fernandes, Barahona, «Hereditariedade e Proxilaxia Eugénica das Doenças mentais». In
COMISSãO EXECUTIVA DOS CENTENÁRIOS. COMEMORAÇÕES PORTUGUESAS DE 1940,
Congresso Nacional de Ciências da População. Resumo das Memórias e Comunicações, Porto, Imprensa Portuguesa,
1940, p.16.
6 Barahona Fernandes era também membro desta Sociedade.
7 Ministério da Educação, Portaria n.º 7: 948 de 14/12/1934
196
A CIÊNCIA E A CRIAÇÃO DE UM «HOMEM NOVO» PORTUGUÊS.
O PENSAMENTO DE BARAHONA FERNANDES E A INFLUÊNCIA DAS TEORIAS EUGÉNICAS ALEMÃS
197
ESPAÇOS E ACTORES DA CIÊNCIA EM PORTUGAL (XVIII-XX)
11 Trabalhos do 1.o Congresso de Antropologia Colonial, vol I, Porto, Edições da 1.a Exposição Colonial Portuguesa,
1934, p. 5.
12 Ibid., I:19.
13 Ibid., I:40-63.
14 COMISSãO EXECUTIVA DOS CENTENÁRIOS. COMEMORAÇÕES PORTUGUESAS DE 1940,
Congresso Nacional de Ciências da População. Resumo das Memórias e Comunicações.
15 Ibid., 13-14.
198
A CIÊNCIA E A CRIAÇÃO DE UM «HOMEM NOVO» PORTUGUÊS.
O PENSAMENTO DE BARAHONA FERNANDES E A INFLUÊNCIA DAS TEORIAS EUGÉNICAS ALEMÃS
16 Ibid., 9.
17 Ibid., 11.
18 Ibid., 20.
19 LOUREIRO, João Avelar M. de, “Natalidade, Mortalidade e selecção da Raça”, in Actas do Congresso Nacional de
Ciências da População, Porto, Imprensa Portuguesa, 1940, pp.4-5
20 José Ayres de Azevedo, enquanto bolseiro do Instituto para a Alta Cultura estudou na Universidade de Frank-
furt e em Berlim, no Kaiser Wilhelm Institut, onde desenvolveu algumas investigações na área da eugenia, junto
de cientistas que auxiliaram a política racial nacional-socialista. Deu também pareceres sobre matérias como a
esterilização de deicientes a pedido de tribunais nazis. Vide CASTANHEIRA, José Pedro, Um cientista portu-
guês no coração da Alemanha nazi, Coimbra: Tenacitas, 2010.
21 AZEVEDO, José Aires de, «A Pureza Bioquímica do Povo Português», in Actas do Congresso Nacional de Ciências
da População, Porto, Imprensa Portuguesa, 1940.
22 Ibid., 12.
23 Ibid., 15.
199
ESPAÇOS E ACTORES DA CIÊNCIA EM PORTUGAL (XVIII-XX)
para Sul”, devido à “iniltração” das “raças invasoras” (sobretudo a árabe), considera
ser “muito grande a pureza bioquímica da população portuguesa”, elevando-a ao
“mais alto lugar da lista das raças de tipo europeu”. De acordo com as informações
dadas no congresso, as classiicações atribuídas pelos ingleses colocavam “os portu-
gueses na situação de povo mais europeu”.24
Enquanto José Antunes Serra relectiu sobre os “Novos métodos de estudo da
pigmentação e sua importância racial”, relacionando os dados da determinação
quantitativa da pigmentação, que considerava “a base da classiicação das grandes
raças”25, com os estudos da hereditariedade e a interpretação das diferenças raciais,
Mendes Correia apresentou algumas conclusões sobre os “Factores degenerativos
na população portuguesa: seu combate”. Para Mendes Correia, a degenerescência
englobava “todas as manifestações de decadência relativamente ao tipo de espécie,
que se traduzem num processo intensivo hereditário, cujo termo é a incapacidade,
a esterilidade, a morte daquela estirpe”.26 Para a degenerescência e decadência con-
tribuíam, também, os comportamentos sociais e morais da população, que o mé-
dico enumera: “os progressos do jogo de azar, de bars e dancings, da prostituições”
ou até a preferência “por certos espectáculos e por certa literatura têm idêntico
signiicado”.27 Outro factor degenerativo da raça eram os “mestiçamentos”. Em sua
opinião, “a pureza do sangue português metropolitano” constituía “uma condição
essencial da continuidade histórica e moral da Nação”. Era importante, por isso,
adoptar “medidas de revigoramento físico e melhoramento sanitário”, como uma
boa alimentação, o melhoramento da situação económica ou “medidas de higiene
psíquica e de moralização intensa”.28
Na mesmo secção António Fanzeres e Ernesto de Morais relectem sobre os
“Grupos sanguíneos nos portugueses do norte” e Barahona Fernandes sobre a “He-
reditariedade e proilaxia eugénica das doenças mentais”. E, na 3.ª secção, dedicada
à Etnograia, J.A.Pires de Lima, catedrático da Faculdade de Medicina do Porto,
analisa as inluências dos Mouros, Judeus e Negros na Etnograia Portuguesa. Se
situa as origens étnicas do povo português entre os Celtiberos, os Romanos e os
germânicos, considera que os árabes, os Judeus e os Negros como “povos intrusos”.
24 Ibid., 1.
25 SERRA, José Antunes, «Novos métodos de estudo da pigmentação e sua importância racial», in Congresso Nacio-
nal de Ciências da População, Porto, Imprensa Portuguesa, 1940.
26 CORREIA, Mendes, «Factores Degenerativos na População Portuguesa e o seu Combate», in Congresso Nacio-
nal de Ciências da População, Porto, Imprensa Portuguesa, 1940, p.8.
27 Ibid., 12-13.
28 Ibid., 13-14.
200
A CIÊNCIA E A CRIAÇÃO DE UM «HOMEM NOVO» PORTUGUÊS.
O PENSAMENTO DE BARAHONA FERNANDES E A INFLUÊNCIA DAS TEORIAS EUGÉNICAS ALEMÃS
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ESPAÇOS E ACTORES DA CIÊNCIA EM PORTUGAL (XVIII-XX)
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A CIÊNCIA E A CRIAÇÃO DE UM «HOMEM NOVO» PORTUGUÊS.
O PENSAMENTO DE BARAHONA FERNANDES E A INFLUÊNCIA DAS TEORIAS EUGÉNICAS ALEMÃS
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ESPAÇOS E ACTORES DA CIÊNCIA EM PORTUGAL (XVIII-XX)
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A CIÊNCIA E A CRIAÇÃO DE UM «HOMEM NOVO» PORTUGUÊS.
O PENSAMENTO DE BARAHONA FERNANDES E A INFLUÊNCIA DAS TEORIAS EUGÉNICAS ALEMÃS
Prof.Kleist, que, para o bolseiro, “representa uma escola dentro da ciência neuro-
psiquiatrica de tendências muito especiais”. Na sua opinião a psiquiatria era “uma
ciência jovem, e infelizmente, apesar do enorme esforço que para o seu progresso
lhe é tributado, não logrou ainda alcançar um desenvolvimento paralelo ao dos
outros ramos da medicina”. Para além disso, visitou o “Kaiser Wilhelm Institut
für Anthropologie, em Dahlem (Prof. Fischer)42 “onde pude observar a metódica e
organização dos trabalhos ali organizados nas secções de antropometria, Higiene
e Hereditariedade; a actividade principal é actualmente o estudo dos gémeos, que
pela sua grande importância para o estudo da hereditariedade (...) são procurados
nas escolas e hospitais, e sujeitos a exames morfológicos, biológicos, psicológicos”.43
Visita também o Universitäts Institut für Rassenhigiene und Erbbiologie, sob
a direcção do Prof.von Verschuer, “onde já tinha estado várias vezes com um cola-
borador da casa”.44 Em sua opinião, naquela instituição pretendia-se investigar, de
forma sistemática, os casos de doenças hereditárias diagnosticadas e tratadas em
Frankfurt, para elaborarem um arquivo sobre “a patologia heredo-constitutcional
da região”, de forma a aprofundar os conhecimentos sobre a transmissão hereditá-
ria das doenças e, assim, “obter dados rigoroso que justiiquem a execução de novas
medidas eugénicas”, “para completar (…) a atrevida lei da esterilização”.45
Nos vários relatórios que envia para Lisboa, Barahona Fernandes sublinha sem-
pre a importância dos trabalhos sobre biologia hereditária para o aprofundamento
dos seus conhecimentos. Era, no entanto, difícil organizar trabalhos deste género
em Portugal. Por um lado, devido à falta de assistência, só os casos mais graves
eram tratados clinicamente e hospitalizados no manicómio, o que explicava a au-
sência de informações cientíicas sobre as psicoses menos agudas. Por outro lado,
considerava que a investigação da genealogia, ou seja a recolha de informação sobre
todos os membros da uma família no que dizia respeito ao seu comportamento
social, ao carácter e às doenças psíquicas ou físicas, era algo que se restringia, prati-
camente, à Alemanha, estando muito conotado com a organização social existente
naquele país.46
Em 1936, a bolsa de Barahona Fernandes é prorrogada.47 Nesse ano o bolseiro
esteve no Deutsche Forschungsanstalt für Psychiatrie (do Kaiser Wilhelm Institut)
42 SCHMUHL, Hans-Walter, he Kaiser Wilhelm Institute for Anthropology, Human Heredity and Eugenics, 1927-
1945: Crossing Boundaries, Dordrecht, Springer, 2010.
43 AHIC, 1256/18 – Henrique João de Barahona Fernandes, Documento 34
44 Refere-se ao Universitäts-Institut für Erbbiologie und Rassenhygiene.
45 AHIC, 1261/15– Henrique João de Barahona Fernandes, Documento 26
46 AHIC, 1261/15– Henrique João de Barahona Fernandes, Documento 11
47 AHIC, 0486/4 – Henrique João de Barahona Fernandes, documento 9
205
ESPAÇOS E ACTORES DA CIÊNCIA EM PORTUGAL (XVIII-XX)
48 Matthias M. Weber, «Psychiatric Research and Science Policy in Germany. he History of the Deutsche
Forschungsanstalt Für Psychiatrie (German Institute for Psychiatric Research) in Munich from 1917 to 1945»,
History of Psychiatry 11, n 43 ( Janeiro 8, 2000): 235-258.
49 GERSHON, Elliot S., «Ernst Rüdin, a Nazi Psychiatrist and Geneticist», in American Journal of Medical Gene-
tics 74, n.º 4, Dezembro de 1998, pp.457-458; WEBER, Matthias M., «Ernst Rüdin, 1874–1952: A German
Psychiatrist and Geneticist», in American Journal of Medical Genetics, 67, n.º 4, Dezembro de 1998, pp. 323-331.
50 Matthias M. Weber, «Ernst Rüdin, 1874–1952: A German Psychiatrist and Geneticist», American Journal of
Medical Genetics 67, n 4 (Dezembro 6, 1998): 323-331. AHIC, 0486/4 – Henrique João de Barahona Fernandes,
documento 13/2
206
A CIÊNCIA E A CRIAÇÃO DE UM «HOMEM NOVO» PORTUGUÊS.
O PENSAMENTO DE BARAHONA FERNANDES E A INFLUÊNCIA DAS TEORIAS EUGÉNICAS ALEMÃS
51 WEISS, Sheila, «he sword of our science» as a foreign policy weapon: the political function of German genticists in the
international arena during the hird Reich, Berlin, Max-Planck-Gesellschaft zur Förderung der Wissenschaften,
2005.
207
ESPAÇOS E ACTORES DA CIÊNCIA EM PORTUGAL (XVIII-XX)
52 FERNANDES, Barahona, «Hereditariedade e Proxilaxia Eugénica das Doenças mentais», in Congresso Nacional
de Ciências da População, Porto, Imprensa Portuguesa, 1940, p.17.
53 Ibid., 19.
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A CIÊNCIA E A CRIAÇÃO DE UM «HOMEM NOVO» PORTUGUÊS.
O PENSAMENTO DE BARAHONA FERNANDES E A INFLUÊNCIA DAS TEORIAS EUGÉNICAS ALEMÃS
54 FERNANDES, Barahona, O Problema da Eugénica. Sep. de A Medicina Contemporânea, Lisboa, Centro Tipo-
gráico Colonial, 1938, pp. 1-2.
209
ESPAÇOS E ACTORES DA CIÊNCIA EM PORTUGAL (XVIII-XX)
55 Ibid., 22.
56 Ibid., 34.
57 Ibid., 42.
210
Agustín Pascual (1818-1884). El modelo alemán
y la primera enseñanza forestal en España
Ignacio García-Pereda, Inés González-Doncel, Luis Gil
Universidad Politécnica de Madrid
JUSTIFICACIÓN Y ANTECEDENTES
211
ESPAÇOS E ACTORES DA CIÊNCIA EM PORTUGAL (XVIII-XX)
212
AGUSTÍN PASCUAL (1818-1884). EL MODELO ALEMÁN Y LA PRIMERA ENSEÑANZA FORESTAL EN ESPAÑA
MATERIAL Y MÉTODOS
LA TENTACIÓN ALEMANA
213
ESPAÇOS E ACTORES DA CIÊNCIA EM PORTUGAL (XVIII-XX)
masas debería preceder a la reforma política de las instituciones” (Sagra, 1840), lo que,
según él, solo estaba sucediendo en Austria, Prusia, y los pequeños estados de los
príncipes de Alemania.
Desde esos años, la admiración de Pascual por la cultura alemana rozaría el
fanatismo (Olazábal, 1885, 40). Otros miembros de la academia, como Sanz del
Río, compartirían esta profunda pasión, como se puede ver en textos de 1843:
“en nuestra época los más distinguidos ilósofos franceses se han formado en Alemania, y
el Gobierno francés ha llamado a sus universidades profesores alemanes para educar su
juventud. [...] La Inglaterra envía todos los años gran número de sus hijos a recibir la
educación secundaria en los gimnasios de Alemania” (Orden, 2001, 157). Pascual seguía
esa línea de pensamiento, y siempre la mantuvo, como se puede ver en un texto de
1871:“Consagrado a un ramo del saber, para cuyo cultivo es indispensable el conocimiento
de esta lengua y en la inexcusable necesidad de haber tenido que acomodar a las sonoras
expresiones del español el tecnicismo de una ciencia que se dirige a la práctica, y desecha
por tanto las palabras tomadas del griego o del latín, me empeñé en el estudio de ambos
idiomas, aplicando al asunto por caso de honra la debilidad de mis fuerzas. No presumo
de germanista, conozco lo mucho que ignoro, dedico únicamente mis ocios a labrar el ma-
terial germánico de la lexicografía patria” (Pascual, 1871).
En 1842, Eusebio María del Valle, uno de los germanóilos, emprendió la pu-
blicación de una “Revista económica de Madrid.” En ella, Pascual participó con un
artículo sobre “Escuelas de Agricultura”, en donde ya menciona un pedido de ayuda
de la Intendencia de la Casa Real a la Sociedad Económica de Amigos del País, co-
nocida como la Matritense, y la necesidad en España de nuevos cuerpos facultati-
vos “como los ingenieros de montes (Pascual, 1842b).” Que Pascual supiera que la Casa
Real estaba pensando en recurrir a Sajonia para encontrar especialistas de montes
es indicador de las buenas fuentes de información con que contaba. De hecho, fue
en febrero de 1842 que el Intendente de Palacio, Martín de los Heros, comenzó a
moverse activamente en el sentido de buscar profesionales para gestionar los mon-
tes reales, y la Matritense fue uno de los órganos de consulta a los que acudió. Ésta
nombró enseguida una comisión de tres personas donde destacaba el director del
jardín botánico.4 El 12 de abril entró en esta comisión Agustín Pascual.5
Heros consideraba que los recursos con que contaban los montes y jardines reales
eran insuicientes. Él mismo, en su etapa como ministro en 1835, había aprobado
4 ARSEM, Actas Junta de Sección de Agricultura, 16 de marzo y 5 de abril de 1842; ARSEM, 357/1.
5 ARSEM, Actas Junta de Sección de Agricultura, 12 de abril, “el socio que más trabajó en aquel informe fue
comisionado a instruirse en Alemania… lo demuestra con artículos que ha publicado en otros periódicos.”
214
AGUSTÍN PASCUAL (1818-1884). EL MODELO ALEMÁN Y LA PRIMERA ENSEÑANZA FORESTAL EN ESPAÑA
la creación de una Escuela de Aguas y Bosques, que no había ido más allá del pa-
pel de la RO (García-Pereda et. al, 2012, 229). En 1841, ya como Intendente de
la Casa Real, encargó a Ramón de la Sagra, compañero suyo de varias comisiones
gobernativas, para la compra de semillas y plantas aprovechando un viaje de éste por
Europa.6 Según Heros, “el miserable estado en que se encuentra el arbolado, hubiera exci-
tado nuestro celo el deseo de mejorarlo hasta el punto de que compitiera por su frondosidad
como compite por su situación con los mejores jardines y paseos de Europa” (Heros, 1842).
Concretamente sobre la Casa de Campo decía que, “con el in de hacerla con el tiempo
más productiva para SM y de aumentar el combustible y madera de construcción en esta
corte, haciendo desaparecer al mismo tiempo la aridez de aquel terreno, se ha aprobado
un presupuesto de 54.840 reales, para sembrar 500 fanegas, en el cuartel denominado de
Batán, con bellotas de encina de Extremadura, el Pardo y otras partes, de roble del país y
de la costa de Cantabria, de castañas, de almendras, pinos, etc.”. Desde la Intendencia, a
La Sagra “se le encargó el acopiar en ellos con el mismo útil objeto las semillas de árboles de
adorno y construcción, arbustos, plantas y lores desconocidas en nuestro suelo… han llega-
do ya de París por la vía de Marsella y Valencia diez cajones de plantas, árboles y bulbos
perfectamente conservados.” En su memoria, La Sagra, en otro tiempo profesor de
botánica agrícola al tanto de las más innovadoras ideas de la botánica internacional,
comentaba que “si se quería poblar los bosques peninsulares con árboles de construcción, los
viveros de Francia, Bélgica, Holanda y Alemania no podrían suministrar ni los pies ni las
semillas, … pocas especies del norte de Europa se pueden introducir en nuestro suelo meri-
dional” (Sagra, 1841, 3). Por Marsella, envió 2400 plantas, “aclimatadas y viviendo al
aire libre bajo el cielo de la Francia y de la Alemania meridional. Vienen entre ellas pinos,
cedros, enebros, magnolias, sauces y moreras de las variedades elata e intermedia, que se
van preiriendo en Francia para la crianza del gusano de seda”. En viajes posteriores,
llegó a tomar contacto con la escuela forestal de harand.7
Además de plantas que se podían comprar en el extranjero, según el Intenden-
te, se debatía el tema de la formación de los responsables técnicos: “el estado de
atraso en que respecto a los de otros países se encuentran los bosques y jardines de SM,
me convenció de la necesidad de darles una dirección cientíica que aumentase su belleza
y productos, hasta con beneicio de esta capital en que tanto escasean el combustible y la
madera de construcción. Propuse con este motivo que en uno de los Reales Sitios, el más
215
ESPAÇOS E ACTORES DA CIÊNCIA EM PORTUGAL (XVIII-XX)
8 ARSEM Junta extraordinaria de 12 de mayo de 1842, 16 asistentes, entre Guerra, Vallejo, Ballesteros, Casas,
Pascual y Boutelou.
9 El genio de la libertad, 3 de noviembre de 1840, p. 1, Espartero le concede a Campuzano, “ministro plenipotencia-
rio cesante”, el cargo de secretario de las órdenes de Carlos III y de Isabel la Católica.
10 Campuzano se había casado en segundas nupcias, tras un trienio liberal en que posiblemente fue cesado, con
Emma Emmanuela Brochowska, dama de la princesa Teresa de Sajonia e hija de un general de la armada sajona.
Antes de esta boda, en 1820, había nacido su hijo Carlos Campuzano Watkins, quien ya había entrado por aquel
entonces en la escuela de ingenieros de caminos.
11 AGP, AG, 7/10, “Expediente de d Agustín Pascual y don Esteban Boutelou, pensionados para estudiar en la
Academia rural de harand”
216
AGUSTÍN PASCUAL (1818-1884). EL MODELO ALEMÁN Y LA PRIMERA ENSEÑANZA FORESTAL EN ESPAÑA
A inales de verano se toma la decisión en la Casa Real de optar por enviar algún
joven español a formarse a Sajonia. Y el 6 de noviembre de 1842, Campuzano in-
forma de las condiciones de admisión de los alumnos de la Academia de harand,
donde estaba claro que había que tener más de 16 años, “escribir correctamente el
idioma alemán, y expresar bien sus pensamientos: y además contar hasta la regla de tres
por lo menos.” Tales condiciones todavía no se cumplían con uno de los candidatos,
Antonio Campuzano Brochowski, hijo del senador, demasiado joven por haber
nacido en 1827, en la misma Sajonia.12 El 16 de noviembre de 1842 fueron co-
municados los dos seleccionados para ir a harand; se trataba de Agustín Pascual
y Esteban Boutelou, nacidos en 1818 y 1823. Si Pascual era socio de la Academia
Española-Alemana, Esteban Boutelou Soldevilla tenía la ventaja de ser hermano
pequeño del director de los jardines reales. De hecho, antes incluso de la llegada de
Heros a la intendencia, Fernando Boutelou ya había insistido al anterior intenden-
te sobre la necesidad de formar a nuevos jardineros y capataces, “habiendo llegado a
tocar el extremo de no encontrar una persona que pueda desempeñar debidamente la pla-
za de Capataz Principal de los Reales Jardines del Buen Retiro”. Fernando Boutelou
ya sugería la posibilidad de formar “escuelas prácticas de jardinería en algunos de los
Reales Sitios” (Ariza, 1988, 278).
Las peripecias de Pascual y Boutelou fuera de España ya han sido, en parte,
comentadas en otros trabajos.13 Un punto que merecería un poco de atención se-
ría algunos detalles del sistema educativo alemán, sobre todo en lo referente a la
historia natural. Humboldt, gran conocedor de las colonias españolas en América,
había pasado a ser uno de los diseñadores del sistema educativo de Prusia, donde
se había optado por el “bildung,” conocido en Inglaterra como el “self formation.”
El énfasis no se debía dar tanto a los profesores o a los textos, como al individuo,
que debía absorber los materiales ofrecidos a él por el mundo. El Bildung no se
alcanzaría en una reclusión académica, sino en su incorporación en la vida y en la
sociedad. Era necesaria una nueva universidad, como la de Bonn, una comunidad
de aprendizaje bastante particular (Nybom, 2007; Fabre, 2011).
12 AGA, (01)010.005ca19639 top 12/52, expediente (1900), de los huérfanos de Campuzano, Armando José e Inés
Campuzano y González.
13 Bauer, 2003, 246; AGP, Adm, 6.
217
ESPAÇOS E ACTORES DA CIÊNCIA EM PORTUGAL (XVIII-XX)
14 En Villaviciosa vivía uno de los socios de la Matritense, agricultor, que desde año antes hacía negocios con
Joaquín Campuzano, arrendando lagares y bodegas para la fabricación de vino. APM, 30741, escribano Basilio
María de Arauna, 1843, folio 208. Juan González de Valdés, socio de la matritense, había irmado con Pascual,
en junio de 1842, un informe sobre Escuelas de Agricultura. Campuzano también era propietario de viñas en La
Rioja (APM, 30742, febrero de 1845).
15 La Condesa de Chinchón aprovechó la oportunidad de las ventas de los bienes eclesiásticos de la desamortiza-
ción de Mendizábal para aumentar legalmente su patrimonio. Sabemos que en febrero de 1844, cuando Rojas ya
llevaba cuatro años como apoderado de los Condes tras la muerte de José Martínez de San Martín, compraron
una seria de incas en Zamora, Segovia y Cáceres por un valor de casi cuatro millones de reales. APM, 25210,
fol. 39, Testimonio de Poder (a José Martínez de San Martín), Torre Rojas. Escribano Martín Santín y Vázquez,
1844, fol. 34; Aparecen incas de Zamora, (una Hacienda en término de Fuente de Santa Cruz, del cabildo de
curas de Olmedo, 102.100 reales) Segovia y Cáceres (dos partes en la dehesa de Valtrabieso, en el término de la
Oliva, procedente del cabildo y catedral de Plasencia, por 60.100 reales; la dehesa Salgadilla en término de To-
rrejoncillo, del cabildo y catedral de Coria, por 172.000 reales; la dehesa de Santi Spiritus, término de Plasencia,
que perteneció al cabildo de curas de ella, 160.000 reales; 354 en le dehesa de la Burra, en Torrejón, procedente
del cabildo de Plasencia, 70.000 reales; la dehesa Travacuartos en Torrejoncillo, de la Fábrica catedral de Coria,
521.000 reales. Importan todos los remates 3.829.200 reales.
16 Reglamento de la escuela especial de ingenieros de montes y plantíos. Marzo de 1843. Legislación de Montes,
Imprenta Nacional, Madrid, 1859, p. 444.
218
AGUSTÍN PASCUAL (1818-1884). EL MODELO ALEMÁN Y LA PRIMERA ENSEÑANZA FORESTAL EN ESPAÑA
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ESPAÇOS E ACTORES DA CIÊNCIA EM PORTUGAL (XVIII-XX)
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AGUSTÍN PASCUAL (1818-1884). EL MODELO ALEMÁN Y LA PRIMERA ENSEÑANZA FORESTAL EN ESPAÑA
años. Este reglamento estaría en vigor hasta el siguiente, Reglamento para la escuela especial de ingenieros de
montes, 18 de mayo de 1862. Legislación de Montes, tomo segundo, Imprenta Nacional, Madrid, 1866, pp.
107-130. Desde este momento ya no podrían ingresar en el cuerpo de montes los ingenieros formados en otras
escuelas europeas.
28 Revista Forestal, Económica y Agrícola, 1871, p. 26.
29 El Amigo del País, 29 de octubre de 1847, p. 406.
30 Revista Forestal, Económica y Agrícola, 1870, p. 379.
31 El Español, 29 de octubre de 1847, p. 4.
32 En el siguiente año escolar, los exámenes fueron celebrados el 11 de septiembre de 1848, lo que permitiría co-
menzar el curso el 1 de octubre; “se comprendan el álgebra, geometría, secciones cónicas y dibujo lineal, probándose con
certiicaciones competentes el estudio de los elementos de física y química. El examen de álgebra comprenderá la primera
y segunda parte con la teoría general de ecuaciones, el de geometría la parte elemental; la trigonometría rectilínea; la
aplicación del álgebra a la geometría y las secciones cónicas con la extensión que tienen estos tratados en la obra grande de
Vallejo o en la traducida de Lacroix. El examen de dibujo lineal se extenderá hasta delinear las órdenes de arquitectura.”
(El Heraldo, 19 de julio de 1848, 4)
221
ESPAÇOS E ACTORES DA CIÊNCIA EM PORTUGAL (XVIII-XX)
mostrar escaso interés con respecto a las ciencias prácticas, la situación de las escue-
las especiales era por completo diferente. La urgencia y la rentabilidad de las tareas
encargadas a los futuros ingenieros aconsejaron otorgar un trato privilegiado a sus
centros de enseñanza, los cuales gozaron de cierta autonomía dentro del sistema
de enseñanza superior. Si observamos las otras escuelas especiales, como caminos
o minas, podemos ver que sus alumnos salían marcados con cierta impronta. El
ingreso implicaba superar pruebas matemáticas “cuya preparación exigía al menos un
año” (Fornieles, 1989, 33). Pruebas matemáticas que Pascual consideraba esencia-
les, pues el estar “familiarizados con el espíritu matemático” era sinónimo de “ga-
rantía que por riguroso examen se exigía a los que aspiraban a merecer en su día la
plenitud de la conianza pública” (Pascual, 1879, 453). Finalmente, se produciría la
apertura de los estudios de montes discretamente, el domingo 2 de enero de 1848.33
Sin embargo, sobre el proyecto de la nueva escuela, surgieron algunas críticas
en la prensa en las semanas previas al comienzo de las primeras lecciones. Un
periódico satírico, El Tío Camorra, tras los exámenes, comentó que los examina-
dores Peyronnet y Mateo “no servirían de discípulos en otra parte,” que Rojas, era un
“ignorante,” atacando también el hecho de que todos los colegiales tuvieran que
ser internos, acusando “al apoderado de la dueña del castillo… Mon de Villaviciosa…
desde que empezó a sacar 1000 reales a cada estudiante por habitarles la habitación con
cuatro sillas como las del Prado.”34 De hecho, la condición de internado fue eliminada
apenas dos años más tarde (Castel, 1877, 23). La condición del pago de 1000 re-
ales anuales seguiría en vigor en 1854, lo que se puede conocer a través de un acta
notarial, cuando Joaquín Campuzano le irmó una escritura de obligación a uno de
los estudiantes de la escuela, Pablo Preber.35
El 19 de enero 1848, una RO le conirmaba el permiso a Pascual “para que de sus
consejos en la plantiicación de la nueva Escuela especial de Ingenieros de Montes siempre
que este cargo no retrase el del Real Patrimonio.”36 Con esta nueva escuela llegaría
el complemento necesario a las leyes y ordenanzas, “porque sin hombre de oicio no
hay práctica, sin práctica no hay obediencia y sin obediencia no hay ordenanzas posibles
(Pascual, 1847b, 18).” Pascual podría tener así más ingenieros que le ayudasen, “el
ingeniero saca la mayor renta posible y no esquilma el suelo, el empírico no consigue ni
la mitad de la renta y esteriliza el terreno” (Pascual, 1847b, 19). Si bien quien fue
222
AGUSTÍN PASCUAL (1818-1884). EL MODELO ALEMÁN Y LA PRIMERA ENSEÑANZA FORESTAL EN ESPAÑA
37 Pocos eran los lugares donde era posible aprender alemán en Madrid. El naturalista suizo Juan Mieg había dado
lecciones gratuitas de alemán en el ateneo, en la década de 1840. (Reig, 2009, 11).
38 Guía del Estudiante, Imprenta de Martínez, Madrid, 1851, p. 151. Para sus discípulos Mateo recomendaba las
obras de Regnaut, Goulard, Henrionet y Breton (en topografía y geodesia); las de LeRoy, Olivier y Adhemar (en
Descriptiva) y los Anales Franceses en Xylometría.
223
ESPAÇOS E ACTORES DA CIÊNCIA EM PORTUGAL (XVIII-XX)
224
AGUSTÍN PASCUAL (1818-1884). EL MODELO ALEMÁN Y LA PRIMERA ENSEÑANZA FORESTAL EN ESPAÑA
que “divide el turno en periodos y destina a cada uno de ellos la corta, previamente cal-
culada, ora de árboles ora de rodales, fundado en esta determinación no solo el producto
futuro sino también el estado futuro del monte.” Herramientas y métodos útiles para
alcanzar el objetivo de conseguir “rodales uniformes”, hazaña posible únicamente
“estableciendo conversiones e ideando el plan de ordenación”, como se había hecho en
el bosque de harand. Puesta en el “horizonte la doctrina dasonómica”, se habría
obtenido “en cada periodo del turno una nueva clase de edad […] creando la escala
gradual y completa para alcanzar al in la realidad del monte normal” (Pascual, 1869,
613). Pascual había sido profesor de matemáticas y este hecho se haría evidente
en sus tareas como ingeniero. No sólo para dibujar los mapas forestales, que serían
documentos básicos en el que poder basar las posteriores acciones técnicas (Casals,
2008, 362; González, 1992), sino para hacer “muchísimos cálculos para determinar
las existencias y crecimiento” (Pascual 1863, 410), intentando que los resultados
originasen tablas experimentales. El objetivo de sacar mayor renta a los montes se
podía conseguir “por medio de reinamientos en el cálculo de crecimientos” (Pas-
cual, 1856, 270). Determinar la tasa anual de corta era para Pascual núcleo funda-
mental de la ordenación, ijando “con exactitud lo que cada año se debe sacar de un
monte” (Pascual, 1861, 259). Las tablas de producción,39 utilizadas en el momento
de hacer el apeo, se mencionaban ya en el Reglamento de Bosques Reales de 1847:
“Cuando los rodales sean iguales en especie y edad se separarán con arreglo a la calidad
según las tablas de producción.”40 En 1847 no había todavía tablas hechas por los in-
genieros españoles, y la tasación se haría “por ahora, con arreglo a las tablas de pro-
ductos de Enrique Cotta.” Las tablas servían al in y al cabo para medir el volumen
de los rodales a partir de la medida de los troncos de los árboles (Pascual, 1852b).
Para hacer los cálculos con buena deinición, se habían traído desde Alemania
instrumentos como una “plancheta de Lehmann” y un “theodolito de Breithaupt”,
útiles en asignaturas como Topografía (Pascual, 1852, 4). Había a disposición de
los estudiantes una especie de museo forestal donde destacaba la colección de ins-
trumentos dasonómicos comprados en Inglaterra (Deslandes, 1858, 79).
Pero la ingeniería de montes no debía estar sólo hecha de matemáticas y de
trabajo de gabinete; “hay quien mira la dasonomía como ciencia de gabinete, quietud
y entretenimiento y hay quien la mira como lo que es, de mucho trabajo, observaciones
39 Eran tablas que por especie o calidad, daban las existencias por hectárea a diferentes edades del rodal. Apenas
desarrolladas en Europa, en España no se desarrollarían hasta bien entrado el siglo XX.
40 AGP, Expediente AP: Personal 793/42, Reglamento Orgánico de Bosques Reales (irmado por Egaña en
Palacio el 19 de enero de 1847). Este reglamento, redactado por Pascual, fue la primera norma forestal no
coercitiva y de naturaleza técnica. Por primera vez en España unos pocos y privilegiados bosques se comenzaron
a aprovechar con criterios técnicos bajos los principios de conservación y mejora.
225
ESPAÇOS E ACTORES DA CIÊNCIA EM PORTUGAL (XVIII-XX)
penosas y profundo estudio” (Pascual, 1863, 410). El trabajo de campo, las excursio-
nes, tendrían un lugar privilegiado dentro del programa escolar: “los discípulos de
primer y segundo año hacen las operaciones de cultivo y plantaciones en la cercanía de la
Escuela y estudian los métodos de beneicio, la localización y medición de las cortas en los
montes de Villaviciosa, Boadilla y Villafranca. Los de tercer año hacen una excursión
anual a los de San Lorenzo, donde estudian los métodos de aprovechamiento de monte
bajo y medio, tanto en robles como en encinas, y los de cuarto van también anualmente
a los pinares de Valsaín a estudiar los sistemas de ordenación en monte alto y el modo de
ejecutar esta clase de operaciones. Los discípulos de historia natural hacen casi diaria-
mente herborizaciones en las cercanías de la Escuela y una excursión anual a las sierras
vecinas… Los alumnos del segundo año levantan durante el mes de octubre un plano de
reglamento que es el de un monte tanto en su totalidad como en detalle… Los alumnos
de la clase de construcción forestal se ocupan en las prácticas relativas a las fábricas del
ramo, como sequerías, sierras de agua, depósitos de semillas, de leñas, de carbones, etc.;
trazan y construyen pequeñas comunicaciones forestales, calculan los volúmenes de des-
montes y rellenos… se les hace construir a título de experiencia algunas pequeñas obras
de las cuales hemos visto dos en este último año: una es un puente de 120 pies de largo y
otra es una casa para el guarda del campo forestal” (Pascual, 1852). Enseguida se vio el
espíritu práctico que le impregnarían Pascual y Torre Rojas a la escuela, adoptan-
do como lema “Saber es hacer. El que no sabe no hace.”41 La teoría como compañera
y no maestra exclusiva de la enseñanza. Las cátedras al aire libre cuando fuera
posible. Las excursiones eran una “necesidad imprescindible,” ejecutadas en largas
jornadas a pie, que contribuirían para dar a los ingenieros de montes “esa robustez y
agilidad que tanto debe distinguirlos de los demás Cuerpos.” Para Rojas, militar de ca-
rrera, la disciplina, “a la antigua, con Espíritu de Cuerpo a la moderna,” también era
importante, sin dejar, quizás, de dispensar los tratos jerárquicos, de tal manera que
“donde haya Capitán en pie, según dice la Ordenanza Militar, no podrá haber sentando
ningún subalterno”(García, 1948, 43). La parte práctica de la formación era funda-
mental: “Los ejercicios de guardería, de peguería y los demás oicios de los montes todos se
practicaban sobre el terreno haciendo, a pie, las excursiones necesarias bien al Escorial y
a La Granja, ya a Coca en Castilla la Vieja, bien a cualquier otro punto que se juzgaba
conveniente. La jornada penosa del Escorial a La Granja la andaban los alumnos en un
día a instancia y contento de ellos. […] Las prácticas de botánica, de mineralogía y de
41 Torre, 1866, 1 (La copia de este manuscrito, conservado en la biblioteca de la escuela de montes de Madrid, ha
pertenecido anteriormente a los ingenieros de montes Jorge Torner y Luis Velaz de Medrano. Muchas de las
ideas relatadas por Pío García Escudero en 1948 fueron copiadas de un texto de Torner de 1926)
226
AGUSTÍN PASCUAL (1818-1884). EL MODELO ALEMÁN Y LA PRIMERA ENSEÑANZA FORESTAL EN ESPAÑA
Figura 1. Mapa de los alrededores de Madrid, copia de otro realizado durante la invasión napoleónica (detalle).
Cartoteca del Ejército, Madrid, 144. Se aprecia el mal estado de la Casa de Campo, y las masas forestales
cercanas a Villaviciosa de Odón: los montes de Boadilla, Romanillos o Villafranca.
geología se hacían sobre el camino y en puntos designados en las mismas excursiones, ve-
riicándolas directamente a Aranjuez, cuando se trataba de estudiar los árboles y plan-
taciones exóticas que no se encontraban en los montes… La subida al pico de Peñalara,
en las excursiones de mayo de 1850 estando aun cubiertas de nieve aquellas sierras, es un
hecho tan notable, así por las diicultades que ofrece su ejecución, como por el arrojo que
supone en los individuos que la acometen… Las vacaciones de Pascua se empleaban en
examinar los viveros y museos de Madrid, y en las de verano llevaba cada uno trazado
el trabajo que, debía ejecutar en las inmediaciones del pueblo en que iba a disfrutarlas.
Estos trabajos se presentaban en la Escuela, al abrirse en el mes de octubre los cursos…
Los objetos y plantas que se recogían en las excursiones, también se presentaban, donde
se celebraba una especie de certamen público en que, cada individuo daba razón de los
objetos que había recolectado. Estos alardes (que así se llamaban) fueron precisamente los
que más llamaron la atención del General Zarco del Valle, director general de entonces
“ (Torre, 1866, 9). Rojas lamentaba el hecho de no haber conseguido implantar
la disposición sajona en virtud de la cual iban “los alumnos de montes a los distritos
forestales antes de entrar en las clases teóricas porque los hombres de nuestra raza no
conciben que, pueda preceder la práctica a la teoría en ninguna clase de enseñanza. Este
error lamentable, al menos en la carrera del Cuerpo de Montes, priva al Gobierno de co-
nocer anticipadamente las condiciones físicas de los jóvenes que, se dedican a un servicio
tan penoso y a los individuos los priva igualmente de medir sus fuerzas y conocer su vo-
cación para abrazar con conianza la vida trabajosa que les espera.” A pesar de lo cual,
se trató que la parte práctica dominase la enseñanza, “así se veriicaba, por ejemplo,
cuando hallándose invadeable el Guadarrama, en las avenidas del invierno, había que
227
ESPAÇOS E ACTORES DA CIÊNCIA EM PORTUGAL (XVIII-XX)
pasar el río por el puente de Brunete para venir a trabajar en el plano del monte, casi
en frente de Villaviciosa, regresando al pueblo bien entrada la noche.” (Torre, 1866, 6)
Con el pasar de los años, la excursiones se irían alejando de la sierra madrileña,
y aventurándose a puntos más apartados de la península. Estas salidas serían re-
cordadas por antiguos alumnos, como Castel. “Tan solo faltaba un punto de prácticas
para los trabajos de ordenación; y a remediar esto tendieron siempre las excursiones veri-
icadas generalmente en la época de primavera y verano, visitando unas veces los pinares
de la Sierra del Guadarrama; recorriendo otras los hayedos y robledales de Liébana; ya
los abundante pinares de Coca, donde a la vez podía estudiarse la resinación; bien los
magníicos montes de Valsaín y del Espinar, o los que forman la gran masa de las Serra-
nías de Cuenca, y de Segura en la provincia de Jaén.42 En estas excursiones acompañaba
siempre a los alumnos algún profesor, que [...] siempre al llegar al punto convenido hacía
ejercitar a los alumnos en la ijación de rodales, determinación de las clases de edad y de
las existencias, cálculo de la posibilidad y tantos otros problemas como encierra la compleja
cuestión comprendida en la Ordenación de un monte” (Castel, 1877, 38).
La ingeniería de montes, como otras como la agronomía (Pan-Montojo, 2007,
79) habían sido concebidas también como una elite de técnicos iltrados por cri-
terios como la buena presencia física o la forma de expresarse, indicativos de su
correcto origen social. Por eso, “el vestuario de campo que usaban los alumnos, el capote
de monte, el coleto de cuero, las botas hasta medio muslo, las carteras de campaña que
llevaban a la espalda, la bandolera de guardabosques que distinguía a los brigadieres
de los cursos y que será al in la divisa del cuerpo, todo revelaba el espíritu práctico de la
institución [...] Mucho valieron estos hábitos de fuerza a nuestros primeros ingenieros,
pues cuando esperaban ver en los distritos unos niños lojos, endebles, criados en Madrid,
se encontraban con unos jóvenes tan fuertes que no podían seguirles en sus marchas, a pié,
por los montes, ni aun los guardas más robustos y andadores […] La ciencia sin aptitud
física en los trabajos de campo, es una letra muerta que embaraza bastante las operaciones
y que lastima, más de los que se cree, la reputación de las personas que las dirigen” (Torre,
1866, 9). Los alumnos que ingresaron en 1848, debían llegar a Villaviciosa con al-
gunas prendas hechas por su cuenta, pero siguiendo modelos muy deinidos; estaba
la ropa de montes pero también “un pequeño uniforme compuesto de piquesa o casaca
corta de paño verde, con pantalón, corbatín negro, guantes de cabritilla, cuchillo de monte
con tirantes y gorra con escarapela nacional y los signos de la profesión.”43 En 1858 es
42 El profesor Navarro Reverter narró una de esas excursiones a Jaén, en el primer volumen de la revista forestal en
1868 (páginas 342-345, 423-430). El grupo solo llegó a la Sierra después de “interminables jornadas, grandes
fatigas, ardientes calores, importantes aguaceros.”
43 Instrucción para los pretendientes de plazas de alumnos internos y externos en la escuela de ingenieros de montes,
228
AGUSTÍN PASCUAL (1818-1884). EL MODELO ALEMÁN Y LA PRIMERA ENSEÑANZA FORESTAL EN ESPAÑA
Figura 2. Plantación de árboles en la Dehesa de Amaniel, Madrid. La Ilustración Española y Americana. 30 de junio
de 1890. El uso de tiendas de campaña se seguía manteniendo, si bien el arbolado de Madrid estaba dirigido por un
agrónomo, Celedonio Rodrigáñez (1860-1913).
aprobado el uniforme del cuerpo de ingenieros de montes, que incluía “una corbata
blanca o negra, según los casos.”44
Los alumnos de la primera promoción no dejarían de recordar los primeros exá-
menes de julio de 1848, en el Monte de las Huelgas.45 Un examen en el que que-
daron los primeros Madariaga, García Martino, Laguna, Antonio Zecchini y Juan
Antón Villacampa,46 que no habían sido los mismos que habían destacado en el
examen de apertura, meses antes. Así lo recordaba Castel, quien cantaría las mis-
mas canciones años más tarde: “Se levantó al efecto en el lugar indicado una bonita y
apropiada tienda, adornada con el escudo nacional y los emblemas del Cuerpo [...] allí,
bajo las copas de los árboles, se hizo la primera caliicación, que fue expuesta - curioso
detalle - en el tablero de una plancheta [...] Para mantener la jovialidad, avivando a
la vez el deseo y el entusiasmo, se entonaba por los jóvenes alumnos el llamado “Himno
forestal,”47 compuesto por uno de ellos... Dieciocho años más tarde cantábamos, los discí-
pulos de aquellos, el mismo “Himno” al despertar en los pinares de la cordillera de Gua-
darrama” (Castel 1877, 34).
aprobada por RO de 11 de septiembre de 1847. Legislación de Montes, Imprenta Nacional, Madrid, 1859, p. 117.
44 Legislación de Montes, Imprenta Nacional, Madrid, 1859, p. 444.
45 En la prensa madrileña se mencionaban subastas de leñas de los montes de la condesa de Villaviciosa, concreta-
mente del “rancho de las Huelgas”. Diario oicial de avisos de Madrid, 11 de septiembre de 1848.
46 El Heraldo, 26 de julio de 1848, p. 4.
47 “Mirad de los pinos / las copas gigantes / Sabio Cotta, tus hijos de España / invocando tu nombre inmortal / a
su patria los frutos prometen / que tu genio produjo en harandt / Compañeros, sigamos la senda / que la mano
de Cotta trazó / nuestra ciencia dirá nuestros hechos / nuestra fuerza será nuestra unión” (Brown, 1886, 150)
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ESPAÇOS E ACTORES DA CIÊNCIA EM PORTUGAL (XVIII-XX)
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AGUSTÍN PASCUAL (1818-1884). EL MODELO ALEMÁN Y LA PRIMERA ENSEÑANZA FORESTAL EN ESPAÑA
Figura 3 - Plano del Campo Forestal de la Escuela de Montes (Pascual, 1861, 217)
Figura 4 - Plano del Campo Forestal de la Escuela de Montes (Pascual, 1861, 217). Detalle donde se aprecia el
castillo donde se impartían las clases teóricas, el rodal de plátanos (1) y el rodal de arce negundo (2). Se reconoce
la fuente de los caños (30).
Precisamente, ese espíritu tan práctico hizo enseguida evidente que serían nece-
sarios más terrenos donde realizar los ejercicios, cercanos al ediicio de la escuela.
Sobre el viaje de Pascual comenzado en 1842, habría que estudiar con más detalle,
por ejemplo, su paso por el establecimiento agronómico de Grignon, cerca de París,
donde pudo ver por primera vez “un arboreto, clasiicado cientíicamente” (Pascual,
1847a, 365). Pascual se haría con los planos del arboreto de Grignon, del Bois de
Boulogne en París y del arboreto de la escuela de montes de Nancy, que serían
claves en el momento de la concepción del arboreto de la escuela de Villaviciosa de
Odón, el primero con ese nombre en España (Figura 3).
Tomaba contacto así con una herramienta innovadora de instrucción botánica,
con la ventaja de que “viendo agrupados los vegetales por sus ainidades naturales, se
adquiere el espíritu de comparación, se entienden las ideas y se ija la instrucción sólida
y positiva en lugar de vaguedades, que conducen al hombre a discernir sin consciencia”
(Pascual, 1847a, 1). Dividido el arboreto en familias, se tendría “un libro vivo de bo-
tánica, mucho más exacto que todas las descripciones gráicas.” A diferencia de un jardín
botánico clásico, los árboles de diferentes edades permitirían “hacer observaciones
relativas al crecimiento.” Dividiendo el espacio en “rodales de estudio,” era posi-
ble conocer la marcha de la “vegetación en masas” (Figura 4). La determinación
del turno técnico implicaba conocer la ley de los crecimientos de la masa forestal
(González-Doncel & Gil, 2013, 578), ya que su valor coincidía con el momento
231
ESPAÇOS E ACTORES DA CIÊNCIA EM PORTUGAL (XVIII-XX)
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AGUSTÍN PASCUAL (1818-1884). EL MODELO ALEMÁN Y LA PRIMERA ENSEÑANZA FORESTAL EN ESPAÑA
ción del jefe político de la provincia).55 Unas semanas más tarde se irmaron las
escrituras de arrendamiento con la Casa de Chinchón. Como Bernardo de la Torre
representaba a las dos partes, en este caso representó a la escuela y por la Condesa
irmó su administrador de los bienes en la villa, Celestino García. Los dos arrenda-
mientos fueron irmados por 12 años.56 En junio el ministerio aprobó los contratos,
resultando tras la realización de la tasación y del plano un terreno de 52 fanegas,
donde había un total de 5.330 árboles. Según Rojas, hubo que debatir la elección
del título de Campo Forestal: “se le dio el indicado nombre, previo algunos debates
sobre la propiedad de la palabra, porque habiendo de comprender el arboreto y el jardín
de ensayos y otras dependencias semejantes, no se encontró ninguna otra denominación
más comprensiva ni adecuada al destino que iba a dárselo… Siendo el terreno bastan-
te accidentado, hubo que hacer desmontes y rellenos considerables, a cuyas obras no solo
concurrieron personal y materialmente los alumnos, sino también los profesores, y aun
yo mismo participé en ellas, a pesar de mis años y de mis achaques. Todo quedó concluido
durante el verano y en el otoño principiaron las plantaciones y viveros de las especies más
notables” (García, 1948, 48). La Escuela, en los primeros cinco años, mejoró nota-
blemente los terrenos del Campo: “Se cercó con setos vivos, se cursó de caminos y puen-
tes forestales, se regularizó el riego, asegurando las aguas con minas, estanques y caceras, se
alumbraron nuevos manantiales y se distribuyó el terreno, poblando sus cuadros y tramos,
con un vivero, un arboreto y numerosos y variados rodales, construyendo también una
casa para habitación del Guarda y depósito de las herramientas más precisas de campo.”57
Como hemos visto, el vivero estuvo situado primero en la huerta alquilada en 1847,
donde se cultivaban árboles procedentes de los bosques reales o se sembraban se-
millas compradas en los mercados extranjeros. Se traían semillas de los cultivos del
Campo Experimental de Estepas del Real Sitio de Aranjuez (Pascual, 1856, 275).
El arboreto era el espacio donde los alumnos observaban los procesos de me-
jora del suelo, o de plantación de especies españolas o de otras introducidas desde
otros países. La ingeniería de montes española mantuvo desde sus inicios un gran
interés por esta última cuestión. Recordando los esfuerzos de innovación biológica,
este arboreto debió ser uno de los primeros lugares en España donde se plantaron
55 Tres años antes se habían vendido cien álamos del mismo Prado Redondo. Archivo de Protocolos de Madrid,
30742, Escrituras de 1847, Mariano Ramos Fernández, Folio 139, 29 de septiembre de 1847, venta de 100
álamos en el Prado Redondo de los propios, alcalde Manuel Menéndez y Vicente Flores regidor.
56 AGA, 5/16/32/16333, Escritura del arrendamiento.
57 AGA 5/16/32/16333, Carta de Bernardo al Director General de Agricultura, 10 de julio de 1855.
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ESPAÇOS E ACTORES DA CIÊNCIA EM PORTUGAL (XVIII-XX)
especies como los cedros,58 o los eucaliptos.59 Algunos historiadores del jardín ro-
mántico en España ya han señalado un fenómeno propio de estos años, “la moda
de las coníferas”, fomentada en parte “por el concepto sanitario de la vegetación
que prescribía, para la mejora de la higiene pública, la preferencia por las especies
de hoja perenne, por que su función oxigenadora se prolonga durante todo el año.”
(Rodriguez, 2002, 36). No nos parece ese el argumento que hubiera fomentado este
tipo de plantaciones en el arboreto de Villaviciosa, pero sí es cierto que en estos
años se plantaron coníferas extranjeras como los cedros, y nacionales como los
pinsapos. El arboreto estaba en contacto con otros viveros que Pascual y Fernando
Boutelou habían instalado en las Huertas de San Jerónimo de Madrid, donde se
plantaban coníferas compradas en Escocia, como Abies excelsa, Larix europeae,
Pinus sylvestris o Pinus caramaniaca.
No hay que olvidar que profesores como Miguel Bosch, en sus visitas a las Ex-
posiciones Universales, no dejaban de admirarse con las posibilidades del género
eucalyptus. Los expositores australianos llegaban a mostrar piezas colosales de 61
metros de longitud, como una que se enseñó en Londres en 1862 (Bosch, 1863,
314). La misma impresión vivirían los siguientes ingenieros españoles que asis-
tieron a estos eventos internacionales como representantes del gobierno español.
Jordana, al pasar por la de Filadelia en 1878, no dejaba de estar impresionado
por el rápido grado de civilización que colonias inglesas como Nueva Zelanda y
Australia habían alcanzado, poseedores de árboles y bosques que ya rivalizaban con
las secuoyas de California ( Jordana, 1878, 7). Los eucaliptos, también conocidos
entonces como los “gomeros de Australia”, pasaron a ser una posibilidad evidente
en la “regeneración forestal” española: era nada más y nada menos que un “árbol
providencial” (Ventalló, 1877, 4). Un fraile español emigrado fue de los primeros
españoles a enviar semillas de eucalipto, a Galicia, en 1846. En uno de sus libros
lo trataba de majestuoso, en ese país “el árbol más útil y ventajoso para el hombre”
(Salvado, 1853, 58). Exposiciones regionales como la de Santander de 1866, sirvie-
ron de palco de las experiencias que personalidades conocidas como Marcelino de
58 Dos árboles singulares clasiicados del municipio de Villaviciosa de Odón, actualmente, son dos cedros del
Himalaya (Cedrus deodara), muy posiblemente plantados durante la vida de la escuela de montes. También
hay un ciprés de Monterrey (Cupressus macrocarpa). El mapa del Campo Forestal de 1861 menciona un rodal
de ciprés. En la voz Cedro, del Diccionario de Agricultura Práctica, Pascual comenta que fue su compañero de
la Casa Real, el jardinero real de origen francés Francisco Viet, el que introdujo el Cedrus deodara en España
(Pascual, 1852a, 184).
59 La fecha de establecimiento deinitivo de los eucaliptos en España con la información existente, se podría situar
en la década de 1850 y en Cataluña. Gracias a la Memoria de la Exposición de la Agricultura Española que se
celebró en Madrid en 1857 tenemos un dato a resaltar. Un propietario rural de San Juan Despí en Barcelona,
Ventura de Vidal, fundador de un establecimiento de Agricultura en 1853, presentó gran cantidad de plantas vivas
procedentes de todos los continentes y, entre ellas, incluía Eucalyptus capitellata Smith.
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AGUSTÍN PASCUAL (1818-1884). EL MODELO ALEMÁN Y LA PRIMERA ENSEÑANZA FORESTAL EN ESPAÑA
Santuola estaban realizando en sus incas, con este “notabilísimo árbol” (Ezquerra
& Gil, 2004, 121). Un ingeniero civil francés, Stanislás Malingre, miembro de la
“Societé Imperiale Zoologique d’acclimatation”, fue otro de los grandes divulgadores
de esta especie en España. Estuvo en la Exposición de París de 1867, y destacó de
Australia “la analogía de las condiciones físicas y climatológicas”60 de sus provincias
meridionales. Este francés residente en España se puso en contacto con el ministro
de Fomento español para que plantara este árbol, aprovechando los dineros de las
cortas de los pueblos que no se habían gastado.61 Pequeños municipios, como Ver-
gara u Horta, ya lo habían empezado a plantar por su cuenta.62 Siguiendo los pasos
de Argelia, ciudades como Madrid o Barcelona ya podían contemplar eucaliptos,
“que balancean en el aire con gracia su elegante y frondoso ramaje.”63 Además, si las
características de esa nueva madera eran prometedoras, la industria farmacéutica
también había fomentado sus plantaciones en Barcelona o en La Mancha,64 por lo
menos desde 1862.
Hubo un momento en que el arrendamiento del Campo Forestal corrió peligro.
En mayo de 1855, con la Ley de Desamortización General de Madoz, comenzaron
a ser desamortizados muchos montes municipales, lo que incluía el propio monte
de la escuela de Villaviciosa, que seguía siendo propiedad del ayuntamiento.65 Ber-
nardino Núñez de Arenas,66 quien fue director en lugar de Rojas durante nueve
meses, sería el autor de un texto arremetiendo contra la venta incontrolada de los
montes municipales (Núñez, 1854), lo que estaba siendo debatido en ese mismo
60 La España, 10 de septiembre de 1867, Estanislao Malingre, en un artículo sobre las maderas que Australia.
61 La Época, 7 de febrero de 1867, p. 2.
62 La Iberia, 9 de mayo de 1866, p. 3, “en Barcelona, a pesar del fabuloso precio al que se paga la semilla, Mr.
Barlan ha empezado el cultivo a grande escala en el criadero situado al lado del ferrocarril de Sarriá, y en de la
torre de la señora viuda Codolá, en el término de Horta, en donde tiene más de cincuenta mil plantones”; La
Correspondencia de España, 7 de abril de 1868, p2, alcalde de Vergara había plantado un Eucaliptus globulus,
“para perpetuar la memoria del convenio y del abrazo de Espartero”.
63 La Época, 26 de febrero de 1868. Fomento estaba repartiendo una gran cantidad de semilla de globulus, que en
parte recibió de Malingre. Antes de 1856 el cultivo en Francia e Inglaterra se había perdido por completo, y el
señor Ramel, desde Melbourne, empezó a remitirlo a Europa desde ese año en gran cantidad… En Argelia ya
había millones de pies, de los plantados desde 1862. En España ya se podían contemplar algunos en Madrid,
Barcelona y Andalucía.
64 La nueva Iberia, 6 de agosto de 1868, p. 4, menciona experiencias de 1865 en la Granja Experimental de Barce-
lona, por el director José Tristany. El artículo menciona otras plantas introducidas desde 1862 en La Mancha, en
Navalpino, en la Dehesa de Santa Catalina, en un jardín que ya contaba con más de 1000 pies para suministrar
una Farmacia en Madrid.
65 El Gobierno pretendía vender la totalidad de los bienes propios y comunes de los pueblos. Un artículo aclaraba
que se exceptuarían los que por causas que allí no se especiican, se considerara inoportuno enajenar (citando ya
a las dehesas boyales).
66 Arenas fue elegido diputado a cortes en seis ocasiones, por las circunscripciones de Ciudad Real (1940), Madrid
(1844) y Toledo (1857-65). Parece ser que gracias a a su inluencia, el trazado de la línea de ferrocarril de Ma-
drid a El Escorial se desvió varios kilómetros respecto al originalmente proyectado (más corto y menos costoso
que el inalmente realizado), evitando que se aproximara a Villaviciosa de Odón. Así, complacía a su familia y a
otros prohombres aincados en esa localidad, que veían temerosos la avalancha de veraneantes de la clase media
que hubiera supuesto la llegada del ferrocarril (Puell, 1997).
235
ESPAÇOS E ACTORES DA CIÊNCIA EM PORTUGAL (XVIII-XX)
momento en las cortes liberales.67 Para evitar la venta del campo forestal, Rojas,
en ese momento senador y nuevamente incorporado a la dirección de la Escuela,
escribió en julio de 1855 al director general de agricultura pidiendo que se suspen-
diera la venta de esos terrenos, proponiendo que el ministerio los comprase. Los
terrenos no llegaron a ser enajenados y el expediente fue anulado en octubre de
1856,68 cuando los moderados regresaron al poder. Los montes exceptuados, que en
un principio se limitaban a terrenos de aprovechamiento común, en julio de 1856
se habían ampliado a dehesa boyales “o terrenos destinados al pasto del ganado de
labor de la población” ( Jiménez, 1996, 207; Linares, 2001, 28; López, 1992).69 Se
debía estudiar la especie principal del monte, lo que permitía la arbitrariedad a la
hora de deinir el comportamiento de los ingenieros encargados de hacer los reco-
nocimientos cientíicos.70 En febrero de 1862 se reactivaron las ventas, en particu-
lar las de las incas de menos de 100 hectáreas, lo que era el caso del arboreto. Un
nuevo catálogo de montes exceptuados se publicaría en 1862. El entonces director
interino de la escuela, Indalecio Mateo, volvió a dirigirse al director de agricultura
proponiendo su adquisición por cuenta del estado, “para las lecciones de Historia
Natural, Selvicultura y Ordenación.”
En el año de 1862 se procedió a la tasación de la inca, con la preparación de un
nuevo plano (que no hemos encontrado), lo que permitió medir y valorar el arbola-
do plantado por los profesores, y comparar esos valores con los de las incas que la
escuela había arrendado en 1850 a la Condesa y al Ayuntamiento. La valorización
de los terrenos resultaba espectacular: “los valores en su primitivo estado para el Prado
Redondo y para los terrenos del Condado eran de 74.423,99 reales y 15.914,23; en ese
momento eran de 317.440,83 y 80.827,92.”71 Si en Prado Redondo apenas se podían
encontrar al principio poco más de 5.000 olmos, el arbolado de 1862 mostraba una
variedad destacable, divididos entre los árboles plantados en los rodales de regadío
(castaños, acacias, robles, plátanos, nogales, avellanos, cedros de Virginia, cedros
67 El texto comienza con una carta de agradecimiento de Indalecio Mateo y Lucas Olazábal, profesores de la
Escuela en ese momento. La obra es de hecho una serie de cartas que Arenas le escribe al ministro de fomento
desde octubre de 1854 a noviembre del mismo año. Arenas aprovecha las cartas para pedir algunas mejoras en la
escuela: dos nuevas cátedras (derecho administrativo y química orgánica); más formación práctica en los distri-
tos; la creación de una Junta Superior Facultativa del Cuerpo. La polémica creada llegaría a provocar la dimisión
de Arenas.
68 AGA 5/16/32/16333, Carta de Rojas al Director General de Agricultura, 10 de julio de 1855, Madrid,
69 En el caso de las dehesas boyales, los pueblos no tenían que presentar los títulos de propiedad; sólo debían de-
mostrar, a través de los recuentos ganaderos, la necesidad de los espacios solicitados. Ahí empezaría el conlicto
con las delegaciones iscales sobre la talla de los espacios necesitados.
70 Según Laguna (1870, 14), la presencia de robles quejigos en los alcornocales de Cádiz había permitido salvar
a éstos de su venta, como había sucedido en el resto de España; “bien puede decirse que este pigmeo salvó del
hacha a aquellos gigantes.”
71 AGA 5/16/32/16333, Oicio de 12 de septiembre de 1862
236
AGUSTÍN PASCUAL (1818-1884). EL MODELO ALEMÁN Y LA PRIMERA ENSEÑANZA FORESTAL EN ESPAÑA
de Méjico, tuyas, etc.), los árboles en los barrancos (chopos lombardos y plátanos),
los árboles del arboreto clasiicados por familias botánicas, los árboles del vivero
(acacias blancas, olmos piramidales, olmos de Canadá, castaños de Indias, chopos
balsamíferos…), los setos vivos (con acacias de púas) y las plantaciones lineales
(con chopos carolinos, chopos berrugosos, sauces…). La tasación incluía algunas
de las obras acometidas por el Estado para la mejora de la enseñanza como la
casa del guarda, cuatro estanques, un invernadero de madera, un puente sobre el
arroyo de San Juan, etc. Todas las plantaciones y obras pasaban a ser propiedad de
los arrendadores, y si el estado quería adquirir el conjunto, debía colocar más de
600.000 reales de vellón.72
Durante los años de formación del Campo Forestal, sabemos por lo menos de
cinco ingenieros de montes (tabla 2), formados en Sajonia, que serían profesores
de la nueva escuela de Villaviciosa de Odón. Después de Agustín Pascual viajarían
también Máximo Laguna (1822-1902), Joaquín María de Madariaga y Ugarte
(1823-1885), Francisco García Martino (1828-1890) y Luis Bengoechea. Laguna
sería el único que dedicaría la mayor parte de su carrera a la enseñanza. Los otros
discípulos de harand se fueron integrando poco a poco en el servicio forestal de
la Casa Real, en el cuerpo de montes del ministerio, o en servicios particulares
para grandes propietarios forestales españoles. La relación de todos los becados en
Alemania es una de las mejores evidencias del valor que se le dio a la formación
alemana. Se les envió incluso formados ya en España (Villaviciosa de Odón) o en
Francia (Nancy), como Antonio María Segovia.
72 La escuela de montes abandonaría Villaviciosa de Odón en 1869, y el campo forestal fue devuelto automáti-
camente a sus legítimos dueños, al ayuntamiento y al condado de Chinchón. Sobre el arbolado de la zona del
condado, tenemos algunos datos de los años siguientes. En 1874, sin los riegos que aseguraba la escuela, la mayor
parte del rodal de fresnos se estaba secando y el administrador del condado en Villaviciosa le proponía al apode-
rado que se cortarse la madera, antes de que la gente del pueblo se la llevase. En cuanto al resto del arbolado, que
“sin gastos de guardería, pueda conservarse el mayor número posible del arbolado de secano que dejó la escuela
de montes en las tierras de la casa, para que sirva de estímulo a la ocupación del ediicio a la vez que producen
alguna renta para ayuda de su entretenimiento y conservación.” Oicio del administrador Celestino García al
apoderado en Madrid 5.12.1874, ARM, 21503.
237
ESPAÇOS E ACTORES DA CIÊNCIA EM PORTUGAL (XVIII-XX)
238
AGUSTÍN PASCUAL (1818-1884). EL MODELO ALEMÁN Y LA PRIMERA ENSEÑANZA FORESTAL EN ESPAÑA
73 En su texto de 1864, el ingeniero de minas menciona que en la provincia de Madrid hay apenas dos observato-
rios meteorológicos: uno en la capital y otro en la escuela de montes de Villaviciosa de Odón.
239
ESPAÇOS E ACTORES DA CIÊNCIA EM PORTUGAL (XVIII-XX)
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Apontamentos para a compreensão
da polémica António Sérgio (1883-1969)
vs. Abel Salazar (1889-1946)
António Mota Aguiar
Instituto de História Contemporânea – FCSH/UNL
243
ESPAÇOS E ACTORES DA CIÊNCIA EM PORTUGAL (XVIII-XX)
guês quando ainda com 2 meses de idade o trazem para Lisboa. Com a idade de
6 anos acompanha o pai para Angola onde este ocupará o lugar de governador do
distrito do Congo.
Com 11 anos ingressa no Real Colégio Militar e, aos 18 anos, entra para a ar-
mada, onde terminou o curso da Escola Naval. Em 1905 parte para Macau, no ano
seguinte está em Newcastle. Em 1907 é promovido a segundo-tenente e colocado
na Estação Naval de Cabo Verde.
António Sérgio não foi afecto à Monarquia, mas tão pouco via na República a
solução dos problemas de Portugal, porém, quando em 1910 se implanta a Repúbli-
ca, dá um giro à sua vida e liga-se às correntes republicanas intelectuais do seu tem-
po, pondo em evidência o seu peril de pedagogo, que manterá até ao im da vida.
Até ao princípio da década de 1930 participará nas principais revistas literárias
de então: Serões, Águia, Seara Nova, e participa no movimento Renascença Portu-
guesa, ao lado de intelectuais do seu tempo, airmando-se “aristocrata” e “socialista”.
Nestes 20 anos seguintes à implantação da República Sérgio viajará muito: vive-
rá no Brasil, visita várias cidades da Europa, faz estadias prolongadas por razões de
saúde na Suíça e em Nice e constrói o seu sistema de análise crítica da História de
Portugal e da Europa. Ligado aos movimentos culturais da capital, fortalece nesses
20 anos os seus principais ideais ilosóicos.
É principalmente neste período que construirá o seu sistema ilosóico-cientíico
e as suas teses económicas, ao qual o seu nome icou associado como cooperativista.
Quando começa a década de 1930 António Sérgio tem 47 anos, sendo seis anos
mais velho que Abel Salazar. Porém, o seu percurso humano, existencial, é comple-
tamente distinto daquele efectuado por Abel Salazar.
Ao contrário de António Sérgio, ilho de monárquicos, o pai de Abel Salazar foi
um homem afecto aos problemas da ‘res-publica’. No ano lectivo de 1881-1882, foi,
por razões proissionais, enviado para o Porto, tendo deixado Abel Salazar e seu ir-
mão Camilo em Guimarães, entregues aos cuidados da avó e da tia. No ano lectivo
de 1899-1900, com dez anos de idade, ingressou no Seminário-liceu de Guimarães
de onde guardou deste tempo amargas e perduráveis recordações, pela obscura e
intransigente educação religiosa ministrada neste estabelecimento.
Provavelmente, a sua infância e adolescência foram inluenciadas por estes anos
de seminário e concorreram para a sua posterior “instabilidade emocional”. Acres-
cente-se ainda uma união conjugal infeliz, que o terá atormentado ao longo da vida.
Ao contrário de Sérgio, que como já dissemos, não fora afecto à Monarquia,
mas que também não via na República a solução milagrosa dos problemas nacio-
nais, e que na correspondência com Raul Proença escreveu várias vezes que “para
244
APONTAMENTOS PARA A COMPREENSÃO DA POLÉMICA
ANTÓNIO SÉRGIO (1883-1969) VS. ABEL SALAZAR (1889-1946)
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ESPAÇOS E ACTORES DA CIÊNCIA EM PORTUGAL (XVIII-XX)
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APONTAMENTOS PARA A COMPREENSÃO DA POLÉMICA
ANTÓNIO SÉRGIO (1883-1969) VS. ABEL SALAZAR (1889-1946)
247
ESPAÇOS E ACTORES DA CIÊNCIA EM PORTUGAL (XVIII-XX)
Tenho vindo a abordar a contenda que António Sérgio e Abel Salazar tiveram
nas páginas de vários jornais e revistas no segundo lustre da década de 1930. Dei
como causa principal para o dito diferendo o descontentamento de Sérgio (já o
tinha tido também Casais Monteiro) pela forma como Salazar tratou a metafísica,
isto é, pelo anúncio da sua falência. Não tivessem havido as críticas à metafísica e,
provavelmente, não teria havido o rastilho para toda a polémica.
Faço a seguinte síntese: tanto Casais Monteiro como Sérgio sentiram-se melin-
drados ou mesmo ofendidos nas suas convicções religiosas pela forma, seca e fria,
como Salazar tratou esta temática.
Abel Salazar era visto com estima no campo republicano e junto de certas cama-
das da juventude. Os seus artigos fortiicavam a sua posição junto destes grupos, o
que certamente Sérgio não via de bons olhos, ele que também procurava simpatias
junto dos “jovens leitores” (Ensaios, vol. II, pp. 10 e seguintes). As investidas dele
contra a metafísica parecem, porém, desproporcionadas no país religioso de então,
feitas como eram através de jornais, muitos da província, de reduzido público. Po-
demos por isso perguntar se seria rentável um ataque tão directo à religiosidade das
pessoas. Daria isso alguns louros políticos ou culturais? Atingiriam esses ataques
algum alvo sensível da ditadura? Penso que não. Abel Salazar caiu na armadilha
que lhe estendeu a ditadura, uma ditadura que não permitia discussões sobre temas
sociais e políticos, mas apenas sobre temas eruditos e especulativos, discussões que
a população na sua totalidade (cerca de 75% eram analfabetos) não compreendia.
Salazar pensou que aquela era a única via para se exteriorizar contra a ditadura: ata-
cou a metafísica, e, por este meio, a Igreja, um dos pilares da ditadura. Pensou bem,
mas fê-lo, a meu ver, mal, de uma forma desajustada, ofendendo os crentes que não
apoiavam a ditadura, como era o caso de Casais Monteiro e Sérgio.
Se Abel Salazar tivesse feito uma divulgação da ilosoia das ciências da Escola
de Viena sem recorrer à falência da metafísica, Sérgio, provavelmente, não teria cri-
ticado o modo, mas a ilosoia das ciências tout court. Isso sim seria uma “trapalha-
da” (uma expressão que ele próprio usa) porque não dispunha de bases cientíicas
para fazer incursões nesse domínio. Nas Cartas de Problemática, em particular na
C1, Sérgio deixa a ideia de que a ilosoia só se pode abordar quando se tem uma
sólida formação cientíica, mas, como veremos à frente, Sérgio não a tem. Por isso,
embora possa não se estar de acordo com a forma pouco elegante empregue por
Abel Salazar ao “ir divulgar ao público o bluf António Sérgio”, compreende-se a
sua irritação ao dar-se conta do fraco saber cientíico do seu adversário. Discordo
dos que dizem que, se Sérgio tivesse nascido num outro país, por exemplo, na In-
glaterra ou na Suíça, teria sido um grande homem. Um grande homem em quê?
248
APONTAMENTOS PARA A COMPREENSÃO DA POLÉMICA
ANTÓNIO SÉRGIO (1883-1969) VS. ABEL SALAZAR (1889-1946)
Foi um homem do seu tempo, com uma obra sincrónica. Passadas essas décadas a
sua obra não tem mais ressonância.
Voltando de novo ao tema principal, foi em torno da divulgação da ciência que
os dois homens elaboraram as suas acusações recíprocas. Resumirei a seguir os
pontos em que há, de uma forma geral, concordância de opiniões entre Sérgio e
Salazar. Pretendo ver se, do diferendo ocorrido, podemos colher algum enriqueci-
mento para os dias que correm.
Sérgio e Salazar estavam de acordo em perguntar como se devia vulgarizar a cul-
tura de modo a fazer dela uma força de transformação efectiva da realidade, quer
individual quer colectiva. Ambos concordavam que a cultura, quando reduzida a uma
soma de conhecimentos, representava muito pouco, como acontecia com certa “gente
culta”, dizia Abel Salazar, sempre pronta a discorrer sobre tudo, com supericialidade
e sobranceria. Como vulgarizar a cultura? O que signiica ser culto, perguntavam?
Signiicava, para Salazar “lograrmos desfazer-nos das limitações de espírito,
para alcançarmos a objectividade e o universal”, em última instância, ser culto sig-
niica a conquista da liberdade. Sobre este ponto - conquista da liberdade - escreve
Bento de Jesus Caraça em Cultura Integral do Indivíduo:
“ (…) A aquisição da cultura signiica uma elevação constante, servida por
um lorescimento do que há de melhor no homem e por um desenvolvimento
sempre crescente de todas as qualidades potenciais, consideradas do quádruplo
ponto de vista físico, intelectual, moral e artístico; signiica, numa palavra, a
«conquista da liberdade».”
Este ideal de cultura, de um homem com sólida formação moral e intelectual,
a par de um desenvolvimento sempre crescente de todas as qualidades potenciais,
era partilhado por Sérgio e Salazar. Ambos defendiam que o mais importante na
formação cultural de um cidadão era a ginástica mental, o espírito crítico e cien-
tíico. Ser culto era ter um método mais que um ideário, era passar da credulidade
ingénua e do dogmatismo espontâneo para o nível mental da disciplina crítica. A
verdadeira cultura era um esforço de auto-direcção intelectual, de relexão e assi-
milação dos assuntos, de justo equilíbrio de raciocínio, de apreensão clara dos con-
ceitos, dos processos e métodos de pensar. Os conhecimentos eram um meio e não
um im, um meio ao serviço da disciplina e do serviço intelectuais, da autocrítica e
da relexão, de um método de pensar e não de uma doutrina.
Dizia Salazar que a verdadeira cultura atira o indivíduo para um mundo onde
tudo lui, para um reino de dúvida e de hipóteses, para a renúncia aos princípios
absolutos e deinitivos, para uma ilosoia relativista e fenomenalista (em contraste
com as metafísicas apriorísticas), embora neste último ponto não tivesse a anuência
249
ESPAÇOS E ACTORES DA CIÊNCIA EM PORTUGAL (XVIII-XX)
de Sérgio. Sérgio, por seu lado, defendia que na vulgarização cultural se deveria
privilegiar a aprendizagem de problemas, de uma maneira de pensar, sendo os co-
nhecimentos um mero pretexto para adestrar ou exercitar essa ginástica mental.
Salazar, sem rejeitar esta ideia, defendia, porém, que ela devia ser precedida por um
certo grau de informação.
Ambos partilhavam a ideia do papel determinante das ideias, especialmente
das ideias cientíicas e ilosóicas, na transformação da realidade político-social, a
importância do debate de ideias para dirimir conlitos.
Para Salazar devia-se vulgarizar as conclusões e os resultados das ciências. Dava
como exemplo uma obra de arte: não é necessário saber como foi criada mas sim
apresentá-la bem de modo que o público se interessasse por ela. A vulgarização
cientíica deveria levar o público a uma maior consciencialização da sua relação
com o cosmos, com a vida e com o próprio.
Estes são os temas, grosso modo, em que havia concordância entre os dois; o
diferendo estava, portanto, no modo como Salazar efectuava a divulgação cultural.
Foi essa a base a toda esta polémica.
Uma nota inal para sublinhar que, para Salazar, a vulgarização cientíica podia
muito bem ser efectuada por um não especialista, sem que isso implicasse defor-
mação e simplismo; foi precisamente o que aconteceu com Sérgio que, não sendo
cientista, polemizou com Salazar sobre temas cientíicos.
O histologista Salazar ocupa na história da ciência portuguesa do século XX
um lugar incontestável. Foi um investigador com provas dadas em trabalhos sobre
a estrutura e evolução do ovário, tendo criado o método de coloração tano-férrico,
que tem o seu nome. Para além de médico e investigador, notabilizou-se ainda
como artista plástico (desenho, pintura e escultura).
A análise sobre Sérgio é mais complexa. Escreveu ele nas Notas de Esclareci-
mento:
“as minhas hipóteses não se formaram em mim pela dócil leitura de qualquer
autor ilosóico (…) desenvolveram-se a partir de uma relexão pessoal sobre a
geometria analítica e sobre a física matemática (…) foram a matemática e a física
matemática que impeliram o meu espírito para o Platão da caverna.”
Com certa ironia António da Silveira observa:
“A matemática e a física matemática dos preparatórios de um ano para a Escola
Naval? Ah!!... mas Sérgio o diz.. A cada um o seu mistério, a cada um o seu
mito, a cada um a sua quimera!” (Recordando António Sérgio, p. 27).
Silveira, referindo-se ainda ao pensamento do seu amigo Sérgio, escreve o se-
guinte:
250
APONTAMENTOS PARA A COMPREENSÃO DA POLÉMICA
ANTÓNIO SÉRGIO (1883-1969) VS. ABEL SALAZAR (1889-1946)
251
Dr. Costa Sacadura (1872-1966) e a sua obra
científica: os seus contributos para a higiene
e construção escolar em Portugal
na transição do século XIX para o séc. XX
Soia Fernandes, Arqt.ª
Faculdade de Arquitectura-UTL / Centro de Investigação em Arquitectura, Urbanismo e Design
“Ab love principium (comecemos por Júpiter), isto é, comecemos pelo princípio”1
INTRODUÇÃO
1 Frase proferida pelo Dr. Costa Sacadura na Conferência de 28 de Janeiro de 1960 no Centro de Estudos de
Higiene escolar Universitária a convite do Doutor Vasco Bruto da Costa (1919-?), onde falar sobre a Higiene
escolar em Portugal e o seu contributo para a mesma. Cf. (SACADURA, 1960)
2 Tese de Doutoramento em Arquitetura, na especialidade de Teoria e História, desenvolvida na Faculdade de
Arquitetura da Universidade Técnica de Lisboa, iniciada sobre a direção da prof.ª Dr.ª Marieta Dá Mesquita, e
com atual orientação cientíica do prof.º Dr. José Manuel Fernandes, que se debruça sobre o estudo da arquitetu-
ra escolar do ensino particular em Lisboa na primeira metade do século XX.
253
ESPAÇOS E ACTORES DA CIÊNCIA EM PORTUGAL (XVIII-XX)
3 Cf. CORREIA, António Carlos, “Sebastião Cabral da Costa Sacadura”, in NÓVOA, António (Dir.), Dicionário
de Educadores Portugueses. Asa, Porto, 2003.
254
DR. COSTA SACADURA (1872-1966) E A SUA OBRA CIENTÍFICA: OS SEUS CONTRIBUTOS PARA A HIGIENE
E CONSTRUÇÃO ESCOLAR EM PORTUGAL NA TRANSIÇÃO DO SÉCULO XIX PARA O SÉC. XX
4 Sobre os seus pais dizia Costa Sacadura: “ A minha costela mais conhecida era a da minha mãe, mas eu não ad-
mirava menos o meu pai. Era um modesto negociante de aldeia, mas era um homem de princípios estabelecidos,
que sabia o que queria.” (MACHADO, 1966:708)
5 “Cabe-me a honra de ter sido eu o primeiro professor universitário que em Portugal, prestou homenagem ao seu
professor de primeiras letras, em sessão solene no edifício das escolas ‘Dr. Costa Sacadura’ em Abrunhosa- Velha,
em 1 de Agosto de 1933, presidida pelo diretor-geral da Instrução Primária, Dr. Paixão […] ” (SACADURA,
1960)
6 Até ao dia da sua morte teve como leal secretária a Sr.ª D. Aurora Cabral da Costa Pais neta do seu estimado
professor da primária.
7 “Assistiu, naturalmente, às desgraças que, por vezes, põem em perigo a vida daqueles homens rudes. Assistiu à
pobreza que qualquer coisa faz alegrar […] deve ter brincado com outros cujo pão minguava, cuja doença não
tinha assistência.” (GAMA, 1966)
255
ESPAÇOS E ACTORES DA CIÊNCIA EM PORTUGAL (XVIII-XX)
estudos que a partir dos catorze anos sustenta parcialmente com as explicações que
começa a dar a outros estudantes8. Termina o curso em 1889, com dezasseis anos e
obtém um prémio de dez mil reis9 por ter sido o melhor estudante.
Decidido a ser médico é com o auxilio de uma tia materna, D. Joaquina Cabral
Sacadura e do seu marido, José Duarte do Amaral, inspetor dos caminhos-de-
ferro, que se instala na casa destes na Travessa do Sacramento10, n.º16-4º andar,
ao Carmo em Lisboa, onde tem ‘cama, mesa e roupa lavada’, durante os dois anos
em que frequenta as cadeiras preparatórias na Escola Politécnica necessárias para
entrar na Escola Médico-Cirúrgica que frequenta até 1898.
Um curso que contou com grandes iguras do panorama cientíico português,
que foram mestres das gerações de médicos formados no im do século XIX, no-
meadamente: Eduardo Mota (1837-1912); Sousa Martins (1843-1897); Cur-
ry Cabral (1844-1920); José António Serrano (1851-1904); Miguel Bombarda
(1859-1910); Silva Amado (1840-1925); e Alfredo da Costa (1859-1910), pro-
fessor da cadeira de Obstetrícia que inluenciou decisivamente a carreira de Costa
Sacadura. Aquando do ‘Acto Grande’, a 20 de Julho de 1898, é aprovado com
louvor, sem sombra de dúvidas sobre a sua ‘inteligência maleável e fecunda’. Não
será de admirar, uma vez que nunca perdeu um ano e viu sempre os seus trabalhos
distinguidos, tendo mesmo começado a exercer cargo de externo da Enfermaria
n.º6, apelidada de Santo Alberto, do Hospital do Desterro, quando frequentava o
4ºano de Medicina, e nomeado interno no ano seguinte por mérito assinalado pelo
Diretor da unidade o seu caríssimo professor Alfredo da Costa. Simultaneamente
é ajuda assídua nas operações e serviços do Hospital de S. Luís ou dos Franceses
no Bairro Alto, a convite do Diretor clinico do mesmo, Dr. Henrique Mouton,
colaboração que se estendeu por 70 anos11.
Após receber a sua carta de médico-cirurgião, o jovem recém-formado, não pos-
suindo ainda a capacidade económica para se manter na capital, vê mais uma vez
a solução na oferta que lhe é feita por um abastado parente de sua mãe, o Conse-
lheiro Francisco de Almeida Cardoso e Albuquerque, que possuía um palacete na
Calçada de Santana, que ter-lhe-á dito:
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DR. COSTA SACADURA (1872-1966) E A SUA OBRA CIENTÍFICA: OS SEUS CONTRIBUTOS PARA A HIGIENE
E CONSTRUÇÃO ESCOLAR EM PORTUGAL NA TRANSIÇÃO DO SÉCULO XIX PARA O SÉC. XX
“E não julgues que te faço grande favor, porque, se tu passas a ter cama e mesa,
também eu passo a ter médico em casa, de dia e de noite, luxo que nem o Rei
pode gozar.” (MACHADO, 1966:713)
Dá-lhe estadia e apresenta-o à alta sociedade, onde com afabilidade conquista
amizades e clientes inluentes
A partir daqui inicia uma carreira de ascensão continua. Em Outubro de 1899
é nomeado Diretor do Hospital de Viseu. Seis meses depois, já em 1900, é aberto
o tão aguardado concurso para o Banco do Hospital de S. José a que concorre.
Sacadura é nomeado como cirurgião, regressando a Lisboa onde assenta raízes
deinitivamente. Dois anos depois tem permissão da direção para criar a primeira
consulta pré-natal em Portugal. No verão de 1904 casa com Elisa de Sousa e
Barros, proveniente do Porto com quem tem duas ilhas. Em 1907 especializa-
se em obstetrícia e ica encarregue da clinica dessa unidade na Escola Cirúrgica
de Lisboa, e só será transferido para o quadro de obstetrícia em 1927. Em 1913,
conjuntamente com o prof.º Augusto Monjardino (1871-1941), o Arq.º Miguel
Ventura Terra (1866-1919), colabora nos estudos de localização e conceção do
que viria a ser a Maternidade Alfredo da Costa12, sendo nomeado seu subdiretor
quando esta abre portas a 31 de Maio de 1932. Até a abertura de tão distinto
edifício, e porque a necessidade assim o ditava, em 1927, instala-se num edifício
já existente na Rua de S. Lázaro, a Maternidade Magalhães Coutinho13, em que
Costa Sacadura assume a direção. Fica responsável pelo serviço clinico de obste-
trícia, onde ira realizar em 1935 cursos de puericultura e enfermagem caseira com
o auxílio de duas médicas e uma enfermeira inglesa. Nesse mesmo ano, apoiado
pela família Bensaúde, estabelece sob a sua direção a ‘maternidade secreta’ Abraão
Bensaúde, no intento de combater o aborto e a morte dos recém-nascidos, sendo
ai a assistência anónima, sem obrigação de dar um nome. Paralelamente às suas
funções nos hospitais públicos foi também médico-chefe no Hospital de S. Luís
e médico da Misericórdia de Lisboa. Dirá um dia a propósito da sua dedicação à
especialidade da obstetrícia:
12 Assim designada em homenagem à igura do médico, que fora diretor da Maternidade de Santa Bárbara inclusa
no Hospital de S. José, tendo sempre lutado pela melhoria das inadequadas condições das instalações e pela
supressão das carências de material indispensável, apelando vezes sem conta às autoridades e ao seu colega,
Enfermeiro-Mor dos Hospitais, o médico Curry Cabral. Morre a 2 de Abril de 1910 sem ver sanados os seus
anseios e o sonho que acalentava de criar uma moderna maternidade em Lisboa. A 15 de Maio do ano em que
faleceu, amigos, colegas e admiradores, entre eles o seu discípulo Costa Sacadura, formaram uma Comissão de
homenagem à sua pessoa no intento de levar avante tal projeto idealizado.
13 Esta maternidade, atualmente conhecida por Hospital Dona Estefânia, foi primeiramente designada Magalhães
Coutinho, em homenagem à memória e trabalho do prestigiado médico-cirurgião e parteiro do século XIX que
viveu entre 1815-1895.
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ESPAÇOS E ACTORES DA CIÊNCIA EM PORTUGAL (XVIII-XX)
“Creio ter patenteado a culminância atingida pela obstetrícia, que deixou de ser
aquela arte apenas cultivada por matronas, para ocupar um lugar proeminente
na medicina e para cujo exercício não basta un peu de savoir et beaucoup de savoir
faire, como se dizia, mas sim muita ciência, e muita consciência.” (CORTE-
SãO, 1966:216)
A sua carreira docente começa cedo, assim que se especializa em 1907 é encarre-
gue da clinica de obstetrícia na antiga Escola Cirúrgica de Lisboa. Com a reforma
do ensino superior14 em 1911levada a cabo pelo Governo Provisório da República,
nesse mesmo ano é indicado para 2º assistente de Obstetrícia e passados três anos
para 1º assistente. Em 1923 torna-se professor livre, em 1930 é nomeado auxiliar
e sete anos depois encarregado da regência do curso. Chega à cátedra aos sessenta
e seis anos, no ano de 1939 na Faculdade de Medicina de Lisboa. Lecionou si-
multaneamente na Escola Proissional de Enfermagem e na Escola Artur Ravara
onde acumulou a função de diretor. Foi também professor e pedagogo na Escola
Francesa e na Escola Normal Primária de Lisboa, onde ministrou as cadeiras de
higiene geral e pedologia. Em 1942, ao celebrar o seu 70º aniversário, é por im-
posição da lei vigente obrigado a abandonar os cargos públicos que ocupava. Em
Maio desse ano, na última lição que deu aos seus alunos na Faculdade retrata o seu
caracter de professor:
“ […] não vinha dar aulas, vinha receber e estudar lições com os meus alunos,
acompanhando com eles, a par e passo, os avanços da Ciência […] (CORTE-
SãO, 1966:216)
Recebe inúmeras e sentidas homenagens em todos os serviços onde trabalhou,
sendo-lhe prestados tributos e descerradas placas comemorativas15 nos locais. Estes
eventos são amplamente divulgados e registados pela imprensa nacional e regional,
assim como por mensagens e reações amistosas de ilustres iguras internacionais.
De destacar as palavras de apreço do Ministro da Bélgica Lichtervelde:
“ […] je connaissais déjà, maints dátails nouveaux qui ne peuvent que me faire
apprècier davantage cet excellent médecin, grand citoyen portugais et homme
de bien dans tout les domains.” (CÉSAR, 1943:87)
14 Com esta reforma são colocadas em pé de igualdade as três Faculdades de Medicina existentes em Portugal,
icando a de Lisboa e a do Porto com igual estatuto que a de Coimbra, que até à data detinha supremacia e direitos
sobre as outras, o que signiicava desfavorecimento dos alunos de medicina não formados nesta.
15 Por iniciativa dos seus alunos foi descerrada uma placa de mármore na sala de curso onde deu a sua última aula,
com a inscrição: “Ao nosso querido Mestre Costa Sacadura, homenagem do seu último curso. 11.5.1942.”. A 16
de Julho foi descerrada outra placa de mármore na sessão solene na Maternidade Alfredo da Costa, designando
como ‘Costa Sacadura’ dai em diante a unidade dos serviços clínicos. Um dia depois na sessão solene realizada na
escola de Enfermagem Artur Ravara é descerrado um busto de bronze em baixo relevo do insigne professor. Por
determinação oicial uma das enfermarias da Maternidade Magalhães Coutinho passa a ter o seu nome.
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DR. COSTA SACADURA (1872-1966) E A SUA OBRA CIENTÍFICA: OS SEUS CONTRIBUTOS PARA A HIGIENE
E CONSTRUÇÃO ESCOLAR EM PORTUGAL NA TRANSIÇÃO DO SÉCULO XIX PARA O SÉC. XX
16 “Uma vez, na sua casa de Lisboa, mostrou-me dois álbuns que guardava religiosamente. Num deles, enorme,
bem ordenados, todos os diplomas e honras que lhe foram dados e digo que levei bastante tempo a folheá-lo.”
(GAMA, 1966:9)
17 Para além das mencionadas no texto de referir a condecoração da Ordem Militar de Cristo, da Sociedade
Portuguesa da Cruz vermelha e da Ordem da instrução Pública, assim como as numerosas distinções vindas de
Espanha, França, Bélgica, Roménia, etc.
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ESPAÇOS E ACTORES DA CIÊNCIA EM PORTUGAL (XVIII-XX)
A sua produção cientíica conta com cerca de 18618 artigos de sua autoria, aos
quais se acrescenta um número signiicativo de títulos escritos em co-autoria.
Pertenceu a várias Sociedades médico-cientiicas e participou em inúmeras con-
ferências e diversos Congressos nacionais e internacionais, onde se ia instruir e
representar Portugal, sendo muitos deles organizados ou presididos por si próprio.
Estes eventos apresentavam-se como oportunidades para trocar conhecimentos,
partilhar realidades e lançar alertas para situações que careciam um olhar atento
e urgente. Muitos dos textos publicados eram preleções que preparava, em tom
coloquial, acessíveis aos ouvintes e leitores, escritos com uma franqueza que não
atendia às idiossincrasias alheias. Não obstante a sua acutilância, era um homem
de trato elegante que não omitindo aquilo que pensava e que achava dever dizer,
fazia-o com a máxima educação e objetividade.
Segundo consta, fora sócio de pelo menos trinta e duas agremiações19 cientí-
icas, portuguesas e estrangeiras, sendo em muitas delas membro honorário. Nos
artigos escritos nas duas primeiras décadas do século XX, entre outras atribuições,
na folha de rosto é sempre feita a referência ao facto de ser membro titular da So-
ciedade Suissa de Hygiene Escolar e membro da Sociedade das Ciências Médicas
de Lisboa. Esta última frequentava desde estudante20, e é precisamente ai que o
seu empenho em congregar e dinamizar a sociedade médica portuguesa mais se
evidenciou, tomando maior enfase quando se torna presidente da mesma em 1923,
sucedendo assim ao Dr. Nicolau Bettencourt (1815-?). Mantém o cargo por dois
mandatos e posteriormente é proclamado sócio benemérito e seguidamente secre-
18 Informação que se baseia na lista descritiva das suas obras inclusa no artigo de Montalvão Machado publicado
no n.º3/4 do Boletim Clinico dos Hospitais Civis de Lisboa de 1966, em que acrescenta que o Dr. Costa Saca-
dura terá escrito em co-autoria 199 artigos.
19 Para além daquelas referidas no texto acrescentem-se mais algumas: Sociedade Médica dos Hospitais Civis
de Lisboa; Sociedade Portuguesa de Cirurgia; Associação Médica Lusitana (Porto); Sociedade Farmacêutica
Lusitana; Instituto de Coimbra; Associação dos Médicos do Centro de Portugal; Associação Portuguesa de
Urologia; Sociedade Portuguesa de Ciências Naturais, etc. Foi também admitido em agremiações de Obstetrícia,
Ginecologia e Medicina Geral de outros países como a Espanha, França, Inglaterra, Bélgica, Suíça e Brasil.
20 Segundo consta para assistir aos duelos cientíicos de Manuel Bento e Sousa Martins (1843-1897), Miguel
Bombarda (1859-1910) e Curry Cabral (1844-1920), Eduardo Mota (1837-1912) e Sabino Coelho, que à
exceção deste último, todos eles foram presidentes da Sociedade.
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DR. COSTA SACADURA (1872-1966) E A SUA OBRA CIENTÍFICA: OS SEUS CONTRIBUTOS PARA A HIGIENE
E CONSTRUÇÃO ESCOLAR EM PORTUGAL NA TRANSIÇÃO DO SÉCULO XIX PARA O SÉC. XX
tário perpétuo. Um trabalho coroado com a Grã Cruz de Santiago, que ao longo
dos anos não foi esquecido, tendo a sua capacidade mobilizadora e de dedicação
às causas, sido lembrado pelo Dr. Lopo de Carvalho (1890-1970) em 1958 nos
seguintes termos:
“ O que o prof. Costa Sacadura fez na Sociedade de Ciências Médicas foi de-
veras notável, Sociedade cientiica havia muito adormecida, conseguiu o nosso
ilustre confrade transformá-la num centro prestigioso de cultura médica nacio-
nal. A Sociedade atravessava então um período de triste declínio […] Sobre a
presidência do Dr. […] tudo mudou: o jornal passou a publicar-se com maior
regularidade; as sessões […] passaram a ser semanais; realizaram-se atos sole-
nes, celebrando centenários de Pasteur, Laennec, Jenner, Lister; izeram con-
ferências na sua sede professores estrangeiros; […] criaram-se, além da secção
de Medicina Legal e de higiene, que já existia, as secções de Pediatria, Otorri-
nolaringologia, Estomatologia, oftalmologia, medicina Castrense e História da
medicina.” (CORTESãO, 1966:218)
Igualmente notável foi a sua presença na Academia das Ciências de Lisboa,
para onde entrou como sócio correspondente em 1907, sendo eleito como efetivo
em 1955, sucedendo na cadeira n.º10 ao prof. Azevedo Neves (1877-1955). Ai fez
muitas comunicações, em que a mais lembrada é aquela que decorreu na sessão
solene de 24 de Maio de 1963 em comemoração do 4.º Centenário da publicação
dos Colóquios dos Simples, de 1563 ocorridos em Goa, obra do médico Garcia da
Orta, evento este realizado por sugestão de Costa Sacadura na sessão da Classe das
Ciências a 20 de Abril de 1961.
Com o seu impulso e entusiasmo concorreu para o aparecimento de várias asso-
ciações e sociedades tais como a Sociedade Médica dos Hospitais Civis de Lisboa,
a Liga Nacional de Educação, a Associação do Enxoval do Recém-Nascido, a So-
ciedade Portuguesa da Alergia e a Sociedade de Hidrologia Médica. Nesta última
foi fundador e presidente, numa altura em que as ciências hidrológicas não eram
alvo de grande estudo. Costa Sacadura embrenha-se na pesquisa dos benefícios que
as águas termais poderiam ter na cura de doenças e na revitalização do organismo
humano. Para tal em 1900 inicia uma série de visitas às estações termais francesas
e suíças, observando as instalações, analisando as condições climatéricas e hidro-
lógicas, experimentando pessoalmente os tratamentos e serviços disponibilizados
e acompanhando casos clínicos que se encontrassem a receber tratamento. Todos
estes e outros conhecimentos os trouxe para Portugal, partilhando-os em confe-
rência e artigos cientíicos, e em ações culturais de divulgação, como exposições, e
instigando à constituição de museus temáticos.
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ESPAÇOS E ACTORES DA CIÊNCIA EM PORTUGAL (XVIII-XX)
21 Para além de ter como im a investigação do desenvolvimento físico e psíquico das crianças, fazendo a veriicação
experimental dos métodos de ensino, tinha também como objetivos estudar os métodos e processos pedagógicos
em uso nos países mais avançado. Pretendiam igualmente chamar à atenção e apelar ao interesse dos poderes
públicos para os estudos e aplicações da pedagogia.
22 A Sociedade contava com cerca de cem membros, entre os quais iguravam: José de Magalhães, Almeida Lima,
Luiz Shwalbach, Cirilo Soares, Reis Santos, Adolfo Sena, Adolfo Lima, António Sérgio, Ferreira Simas, João de
Deus Ramos, João de Barros, Sá Oliveira, entre muitos outros.
23 “ […] trabalhos da autoria de verdadeiras autoridades, entre os quais se destacava Pacheco Miranda, o professor
universitário Alves dos Santos, Alberto Gonçalves, Henrique Mouton, Almeida Dias, Guilherme José Enes, Jorge
Cid, Aurélio da Costa ferreira, Quartin Graça, Sacadura Falcão, Almeida Rocha e outros.” (SACADURA, 1960)
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DR. COSTA SACADURA (1872-1966) E A SUA OBRA CIENTÍFICA: OS SEUS CONTRIBUTOS PARA A HIGIENE
E CONSTRUÇÃO ESCOLAR EM PORTUGAL NA TRANSIÇÃO DO SÉCULO XIX PARA O SÉC. XX
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ESPAÇOS E ACTORES DA CIÊNCIA EM PORTUGAL (XVIII-XX)
No gráico da igura 124, a linha média que se move sobre as barras que represen-
tam a produção cientíica da autoria de Costa Sacadura por décadas, atinge a sua
maior distância na década de 40, contando com 54 obras publicadas.
24 Os gráicos apresentados na igura 1 e 2 foram concebidos com base na lista de publicações da autoria de Costa
Sacadura, elaborada por Montalvão Machado em 1966, que não inclui textos em co-autoria. Não entra nesta
análise gráica os Rapports sur l’Hôpital de St. Louis de Français correspondentes ao período 1916-1934.
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DR. COSTA SACADURA (1872-1966) E A SUA OBRA CIENTÍFICA: OS SEUS CONTRIBUTOS PARA A HIGIENE
E CONSTRUÇÃO ESCOLAR EM PORTUGAL NA TRANSIÇÃO DO SÉCULO XIX PARA O SÉC. XX
Este número perfaz cerca de 29% dos textos assinados apenas por si, correspon-
dendo ao período em que o prof. Dr. cessa as suas funções oiciais passando a dispor
de mais tempo para se dedicar com alto grau de exclusividade à investigação.
Talvez curioso será constatar após a visualização do gráico da igura 2, que só o
ano de 1942 conta com dezassete publicações, altura em que se dá o seu jubilamento.
Todos os outros anos têm inferiores taxas de publicação, registando-se uma constan-
te de produção cientíica na década de 10 e 20 na ordem dos 12%, com um aumento
na década de 30 para os 18%. O ano de 1906 é profícuo muito por conta da grande
jornada que lança para chamar a atenção dos seus contemporâneos para as questões
da Higiene escolar25. As duas primeiras décadas do século XX pontuam por serem
períodos muito focadas em escritos sobre a necessidade da sanidade em espaço esco-
lar, aspetos da construção escolar, educação física infantil, ação de proteção à infância
e à gravida, natalidade, assistência social e de puericultura, cuidados e progressos no
campo da obstetrícia, higiene do estudante e da família ou o combate à tuberculose26.
Tendências decorrentes da especialidade e das funções de médico e inspetor escolar
que Costa Sacadura desempenhava em pleno por esses dias, que inevitavelmente
continuarão presentes nas décadas seguintes. A média de publicações por ano varia
muito ao longo da linha temporal, sendo que anualmente tende a ser publicado no
mínimo um artigo e no máximo sete, com exceção dos anos 1942 e 1916.
Naquilo que podemos designar por “anos de aposentadoria”, o seu investimento
na escrita é intenso, continua a escrever sobre os temas que sempre o inquietaram,
porém surgem outros trabalhos de cariz mais histórico e monográico, que incidem
sobre a história das ciências médicas27 e que versam sobre iguras médicas, especiali-
dades médicas, costumes da proissão, centenários, etc.
Os números e a análise da sua obra escrita seriam certamente ainda mais ex-
pressivos com a inclusão dos artigos que escreveu em co-autoria.
25 São disso exemplo os títulos: Des ouvrages d’hygiéne scolaire parus au Portugal, Breves considerações sobre a Higiene
das novas escolas, Atitudes viciosas nas escolas, Questões de higiene escolar, A tuberculose e a escola.
26 São disso exemplo os títulos: A escrita direita e a escrita inclinada – Sua inluência na função respiratória, 1907;
Parecer sobre o anteprojecto do liceu da 1.ª zona escolar de Lisboa, 1907; Puericultura ante-natal, 1910, Questions
d’enseignement au Portugal, 1911; Protecção à primeira infância, 1911; Necessidade da cultura física, 1913; Colecção de
Legislação sobre Higiene Escolar e Ginástica, 1916, Lições de higiene professadas na Escola Normal Primária de Lisboa,
1922; A despopulação em Portugal, 1923; Mobiliário escolar, 1924; A medicina e a Sociologia, 1924; Assistência e pue-
ricultura em Portugal, 1926; A importância social da saúde e o casamento, 1927; Importância das consultas municipais
para grávidas e recém-nascidos, 1928; Aborto criminoso em Portugal, 1929;
27 São disso exemplo os títulos: Exposição de jornais portugueses e brasileiros de medicina e ciências médicas ains, 1944;
A propósito de nomenclaturas em obstetrícia, 1954; Facetas do jornalismo médico português, 1945; Uma obra social que
se impõem. O valor espiritual de um Museu da história da medicina, 1945; No centenário da anestesia pelo éter (1846-
1906), 1947; A Anestesia na antiguidade, 1947; Subsídios para a história da Enfermagem em Portugal, 1950; Para a
história da Hidrologia em Portugal, 1951; A sociedade das Ciências Médicas de Lisboa e os médicos da India Portuguesa,
1954; Sistema de identiicação dos recém-nascidos nas maternidades, 1957; Nobreza e utilidade da Medicina, 1957;
Elogio histórico ao prof. Azevedo Neves, 1958; Trajos oicias e sociais dos médicos, 1958; Achegas para a história da
Higiene Escolar em Portugal, 1960; A propósito do IV Centenário dos Colóquios dos Simples, de Garcia de Orta, 1961.
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ESPAÇOS E ACTORES DA CIÊNCIA EM PORTUGAL (XVIII-XX)
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DR. COSTA SACADURA (1872-1966) E A SUA OBRA CIENTÍFICA: OS SEUS CONTRIBUTOS PARA A HIGIENE
E CONSTRUÇÃO ESCOLAR EM PORTUGAL NA TRANSIÇÃO DO SÉCULO XIX PARA O SÉC. XX
32 “Criei nessa escola um gabinete de Pedologia, com quadros, gravuras, catálogos e instrumentos de antropo-
metria, adquiridos à minha custa nas minhas viagens ao estrangeiro, viagens igualmente à minha custa, sem
subsídio algum. Colaborei intensamente.” (SACADURA, 1960) - Em 1909, o governo envia-o a Bruxelas para
frequentar um curso de Pedologia.
33 A este congresso apresenta os trabalhos sobre A escrita direita e a escrita inclinada. Sua inluência na função respira-
tória e as Bibliotecas escolares e doenças contagiosas.
34 Aproposito diz: “A’ miséria dos edifícios escolares junta-se a pobreza do mobiliário. […] é urgente banir das nos-
sas escolas o banco sem encosto, instrumento de tortura e de deformação das creanças.” (SACADURA, 1906:9)
35 […] é manifesta a má vontade de uma grande parte das famílias e ainda de muitos aluno contra a obrigação da
gimnástica e dos jogos nas escolas, vendo apenas um pretexto para os alunos brincarem, quando as famílias aí os
mandam para de lá saírem uns sábios.” (SACADURA, 1913:8)
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ESPAÇOS E ACTORES DA CIÊNCIA EM PORTUGAL (XVIII-XX)
mento físico e mental o aluno, devendo ser organizados com base na relação do
grau de diiculdade da matéria com a hora do dia. Enfatiza ainda a importância
do ‘livrete sanitário individual’ onde se registe os resultados dos exames médicos
de cada criança, devendo a veriicação ao aluno ser a mais completa possível. Se-
gundo este, o exame médico não pode resumir-se a atestar ou não a capacidade/
condição para a prática da ginástica, deve também fazer a despistagem de proble-
mas visuais e auditivos que tantas vezes são a causa do mau rendimento escolar,
e que uma vez identiicados e devidamente assinalados, podem constituir um
critério de justa distribuição dos alunos pela sala de aula que não o infame favo-
ritismo. Termina o texto com uma visão perspicaz do muito que terá de ser feito e
das condições que terão de ser reunidas, que de resto sumariza a sua luta pessoal:
“Entre nós […] tudo há a fazer. Construção de edifícios, aquisição de mobiliá-
rio e material escolar, organização do ensino da hygiene nas escolas primárias,
secundárias e superiores, organização productiva da inspecção médica […] é
preciso preparar o espirito público para subemetter a medidas de hygiene social
e as famílias para compreenderem a benéica inluência da hygiene escolar, co-
laborando com os professores e com os médicos na educação integral dos seus
ilhos. A lucta é grande, pois que é preciso vencer a inercia de uns, a má vontade
de outros e a ignorância do maior numero.” (SACADURA, 1906:15)
Parte das suas funções passava pela presença em comissões nomeadas pelo go-
verno, que eram encarregues, entre outras missões, de emitir pareceres ou elabo-
rar estudos sobre localização e projetos de liceus, estabelecer os horários e regula-
mentos internos dos estabelecimentos de ensino, proceder à seleção e aquisição de
mobiliários e material escolar adequado, recolher legislação e propor planos para
a sua atualização ou ser júri em concursos. Compostas por ilustres iguras, que
seriam autoridades nos campos para os quais eram chamados a opinar, no campo
da higiene e construção escolar, eram indigitados sobretudo médicos, arquitetos,
engenheiros e pedagogos. Como médico e inspetor escolar, o Dr. Costa Sacadura
esteve presente em inúmeras comissões, com relevância para a sua participação:
em 1902, na revisão do projeto do primeiro Liceu de Lisboa, mais tarde designa-
do Passos Manuel, juntamente com Abel de Andrade e Ricardo Jorge; em 1907,
na avaliação do anteprojeto do edifício para instalar o Liceu Central da 1ª Zona
de Lisboa, conhecido hoje como Liceu Camões, da autoria do arquiteto Ventura
Terra; em 1910, na elaboração de bases da educação física escolar; em 1914, na es-
colha e preparação das bases dos projetos para os edifícios do Liceu de Viseu e do
Liceu Alexandre Herculano no Porto, em conjunto com Oliveira Simões e o Arq.
Ventura Terra; Nesse mesmo ano, reúne com o Arq. Adães Bermudes, João Barros
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DR. COSTA SACADURA (1872-1966) E A SUA OBRA CIENTÍFICA: OS SEUS CONTRIBUTOS PARA A HIGIENE
E CONSTRUÇÃO ESCOLAR EM PORTUGAL NA TRANSIÇÃO DO SÉCULO XIX PARA O SÉC. XX
e Oliveira Simões para aquisição do terreno onde será construída a Escola Normal
de Lisboa; Em 1917, na escolha do mobiliário para as futuras escolas normais de
Lisboa, Porto e Coimbra, em concordância com João de Deus Ramos e o Arq. Raul
Lino; Nesse mesmo ano, conjuntamente com o Arq. Raul Lino, Augusto Vieira da
Silva e Pereira Machado, na escolha do terreno para os edifícios das Faculdades
de Letras e de Direito da Universidade; em 1920 no estabelecimento de normas
técnicas, higiénicas e pedagógicas reguladoras do mobiliário escolar, com a presen-
ça do Arq. da repartição de construções escolares e Adolfo Lima; e em 1921, na
elaboração das bases para a reforma do ensino secundário.
De destacar o trabalho resultante da Comissão encarregue de estabelecer as nor-
mas técnicas, higiénicas e pedagógicas a que devem satisfazer os novos edifícios es-
colares, nomeada pela Portaria de 13 de Julho de 1912, do Ministério do Fomento
(Direcção Geral de Obras Públicas e Minas)36, formada pelo Dr. Costa Sacadura,
pelo Arq. Adães Bermudes e pelo professor Arlindo Varela, vogal do Conselho
Superior de Instrução Pública. Deste labor, que durou aproximadamente dois anos,
e que beneiciou do conhecimento e experiencia da equipa reunida, resultou um
documento extremamente detalhado, orientado pelos mais recentes preceitos higi-
énico, que estabelece com clareza um conjunto de aspetos que passam a regular a
construção e manutenção das novas escolas. Fica conhecido por decreto n.º2:947,
e embora só tenha sido publicado a 20 de Janeiro de 1917, o seu conteúdo era já
amplamente conhecido por ter sido divulgado em algumas publicações periódicas.
Na altura veio colmatar uma lacuna na legislação, e ao longo dos anos manteve-se
como referência.
No ano de 1909 é designado como médico escolar do Liceu Camões onde pos-
sui um gabinete, entretanto com a extinção dos serviços em 1910, e com o restabe-
lecimento dos mesmos em 1911, passa a sê-lo em todos os Liceus de Lisboa. Exer-
ceu o cargo de Inspector-Geral da Sanidade Escolar em 1912 e depois em 1919 até
1929. Foi também diretor da Repartição de Sanidade Escolar. De assinalar ainda as
compilações de legislação que executou sobre a Higiene Escolar e a Ginástica em
1915, e sobre a Construção Escolar em 1919, a im de elaborar propostas/sugestões
nesses âmbitos, bem como o seu papel determinante na Remodelação do Regula-
mento dos Serviços de Sanidade Escolar em 1918.
36 Cf. FERNANDES, Soia, “Os equipamentos escolares n’a Construção Moderna”, in MESQUITA, Marieta Dá
(Coord.), Revistas de Arquitectura: Arquivos(s) da Modernidade. Caleidoscópio/CIAUD, Casal de Cambra, 2011,
pp.334-351.
269
ESPAÇOS E ACTORES DA CIÊNCIA EM PORTUGAL (XVIII-XX)
NOTAS FINAIS
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Fevereiro de 1960.
37 A título de exemplo: “ O maior culpado na morte da grande maioria das crianças é o Estado […] Por que moti-
vo? Por desleixo e por incúria apenas.” (CÉSAR, 1942:104)
270
Mulheres cientistas e os Trópicos:
(in)visibilidades da primeira metade
do novecentos português 1
2
Ana Cristina Martins
IICT – Instituto de Investigação Científica Tropical
1 Trabalho executado no âmbito do projeto FCT HC/0046/2009, MAERUA – Motivações e resultados da 1.ª
Missão Botânica a Moçambique (1942).
2 Investigadora Auxiliar do Instituto de Investigação Cientíica Tropical, no âmbito do programa Compromisso com
a Ciência, onde incrementa projetos na área da História da Ciência, em geral, e da História da Arqueologia, em
particular. É Doutora em História, Mestre em Arte, Património e Restauro e Licenciada em História-variante de
Arqueologia pela Universidade de Lisboa, em cujo Centro de Arqueologia – Uniarq –, é investigadora principal
da linha “History of Archaeology in Portugal. heoretical Issues”. Possui várias publicações na área da História da
evolução do pensamento arqueológico, museológico e patrimonial, a maioria das quais resultante de comunicações
apresentadas em encontros nacionais e internacionais. Lecciona na Universidade Lusófona de Humanidades e
Tecnologias, na qualidade de Professora Auxiliar Convidada, coordenando a Secção de História do Património
e da Ciência, do Grupo História, Memória e Sociedade, do CPES – Centro de Pesquisa e Estudos Sociais, da
Faculdade de Ciências Sociais e Humanas. E-mail: ana.c.martins@netcabo.pt / ana.martins@iict.pt
271
ESPAÇOS E ACTORES DA CIÊNCIA EM PORTUGAL (XVIII-XX)
Estas considerações assomaram em inais de 50, princípios de 60, por mão da so-
ciologia do género, por ocasião da segunda vaga feminista suscitada por ativismos
académicos herdeiros de mobilizações em períodos críticos. Tratou-se, ademais,
de uma oportunidade para alguém, como Jacques Lacan (1901-1981), consolidar
teorias. Para o conhecido psicanalista francês, o universo feminino era suplemen-
tar a toda a existência humana. Enquanto isso, a ilósofa pós-estruturalista norte-
americana Judith Butler (1956-) aprofundava a interpretação do género e da sexu-
alidade enquanto estruturas culturais (Sheield, 2006). Lentamente, os estudos de
género ramiicavam-se por vários saberes, com realce para os humanos e sociais, a
par dos artísticos e performativos, enriquecendo, com os seus olhares divergentes,
uma abordagem desejada totalizante.
Rasgava-se, por conseguinte, caminho à airmação e autonomia dos estudos de
mulheres ancorados nos de género. Multiplicaram-se, doravante, ensaios conse-
quentes da lupa feminista, entrecruzando agendas políticas, sociabilidades e parti-
cularidades próprias do domínio da saúde, da educação e da escolaridade.
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novas gerações que a botânica podia exercer papel relevante, por ser uma oportuni-
dade de transferir para o ar livre parte do ensino conduzido entre paredes. No cam-
po, observavam, ao vivo, matérias ensinadas a partir de compêndios. Mais do que
isso, era uma oportunidade ímpar de momentânea alforria feminina, num sinal de
absoluta modernidade. Entre plantas e trilhos, soltavam a imaginação, conduziam
conversas, percorriam veredas, asseguravam audiências. Por mais restritas que estas
fossem. Em palcos e cenários verdejantes, conseguiam imperar, longe de atavismos
e normativas, tantas vezes contrários a seus quereres mais profundos. Ali, onde bro-
tava a vida em permanência, onde a seiva da lorescência irrompia com toda a força
natural, a mulher desamarrava-se e mergulhava em seus anseios mais recônditos
e vontades menos expressas, como se de um verdadeiro gineceu se tratasse, numa
osmose entre lora e espaço clássico consagrado ao feminino.
Foram várias as mulheres, sobretudo da elite erudita e liberal, que, ainda em
oitocentos, dedicaram parte de seus dias à divulgação da botânica, conquanto
elencada à teologia natural. Especialmente no que mais importava à sua condição
familiar. Por isso, elaboravam ensaios farmacopeicos, ao concorrerem para o bem-
estar de seus lares. Seus ilhos eram educados no mesmo espírito: identiicavam
espécimes (alguns, pela primeira vez), inventariavam - mormente em contextos
coloniais (Norton, 2009, p. 1-9) -, acondicionavam e montavam herbários. Ati-
vidades coadunáveis à tradicional esfera feminina (Harris e MacNamara, 1984, p.
69-72), revigorando-lhes a mente com o sistema linneense (Sheield, 2006, p. 64).
Ademais, esperava-se que jovens mulheres de esmerada educação desenvolvessem
capacidades artísticas, associadas ao sentido estético e à delicadeza que lhes era de-
mandada desde, pelo menos, o século XVIII (Burns, 2003, p. 296-299). Sobretudo,
numa sociedade ainda envolta no paradigma romântico, tão do agrado do vitoria-
nismo, no qual as deambulações por campos, lorestas e cursos de água estimulavam
a busca do divino e do eu, mediante exercícios introspetivos. Mas, além da escrita,
votavam-se à ilustração de suas edições e de seus maridos, nas quais apunham a
sua marca pessoal, quantas vezes ignota, como se fossem técnicos invisíveis. Nestes
casos, a produção imagética ultrapassava as fronteiras botânicas, ingressando ou-
tros domínios cientíicos (Rossiter, 1982, p. 393). Também por isso, eram olhadas,
menos como criadoras e mais como professoras, tradutoras e ilustradoras. Mesmo
quando contribuíam, desse modo, para a airmação e desenvolvimento do conhe-
cimento cientíico (Martin, 2011, p. 12). Mas a regra silenciava-as, remanescendo
o pioneirismo de algumas destas produções nas restritas esferas masculinas. Não
obstante, o seu labor transpôs decénios de sonegação, até que alguém – quase sem-
pre um historiador da ciência – recupere sua autoria e (re)descubra a importância
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fecha nas férias grandes” (IICT/AAdm., Proc. 236/1. Doc. s/n. 04.05.1941). Mais
do que isso, inteiramo-nos, de diiculdades com as quais Ester Pereira de Sousa se
deparou no JC:
o local onde o material botânico está guardado e que é o de trabalho de estudo,
é tão isento de condições para aquele im, dada a natureza especial do mesmo,
que é impossível trabalhar ali em dias chuvosos ou nublados porque:
1.º - Tem deiciência de luz natural para as delicadas observações à “lupa”
2.º - Não tem luz artiicial,
3.º - O lugar de trabalho é uma casa enorme de pavimento térreo cimentado, onde
entra o vento e a chuva, sem meios de aquecimento na presente época de frio.
4.º - Não tem, enim, as condições de conforto exigidas pela natureza do serviço
(Proc. 236/1. Doc. 698. 24.11.1941)
Perante tal situação, descrita, ademais, pelo próprio presidente da JMGIC, su-
geriu-se a sua instalação, no antigo pavilhão da Direção da Exposição do Mundo
Português, assim que este fosse entregue à Direção do JC, como icara decidido en-
tretanto. Reconhecia-se, pois, a justa contratação de Ester Pereira de Sousa, como
assistente-investigadora, para serviço no Centro de Botânica (CB) da JMGIC.
Conirmava-se, ademais, representar uma vantagem considerável para o CB, “quer
pelo alargamento do campo da investigação, ao estudo simultâneo das espécies
comuns às nossas províncias ultramarinas quer pela possibilidade de especialização
em grupos limitados de famílias, método de maior rendimento de trabalho e que se
procura alcançar naquele Centro de investigação cientíica.” (IICT/AAdm., Proc.
236/1. Doc. 85. 09.09.1952). Ainda antes do inal deste decénio, Ester Pereira de
Sousa dava à estampa Contribuições para o conhecimento da lora da Guiné portuguesa
(1949), como produto do labor cumulado e baseado na análise dos herbários do
IBUC, CB, Jardim e Museu Agrícola do Ultramar ( JMAU) e MEAU – Missão
de Estudos Agronómicos do Ultramar. Tal sucedeu cinco anos depois de ser con-
tratada para o quadro de pessoal técnico da Guiné, para continuar, em Lisboa, os
estudos da lora desta província ultramarina, com a mesma designação de cargo
e vencimento, acrescido do correspondente suplemento colonial (= 50%) (IICT/
AAdm., Proc. 236/1. Doc. 76.01.10.1951).
Entrementes, a reorganização da JMGIC, ocorrida entre dezembro de 1945 e
janeiro de 1946, permitiu-lhe trabalhar no CB, já na qualidade de naturalista espe-
cializado (= ciências naturais) ou investigadora, embora ainda como colaboradora
de seu marido e diretor do CB (como referenciada já em 1941 – IICT/AAdm.,
Proc. 236, doc. 426. 05.06.1944). Alguns anos transcorreram e, entre 1953 e 1958,
foi contratada como naturalista da Repartição Técnica dos Serviços Agrícola e
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Florestal da Guiné, para avançar, na metrópole, com o estudo da lora desta Provín-
cia, publicando, na sua sequência, Observações acerca da distribuição e área das espécies
consideradas mais signiicativas da Flora da Guiné Portuguesa (1953). Não, sem antes
declarar, como exigido a qualquer colaborador de funções públicas, “ativo repúdio
do comunismo e de todas as ideias subversivas” (IICT/AAdm., Proc. 236/1. Doc.
s/n. 18.03.1953).
A solidez da investigação concretizada ao longo de duas décadas terá justiicado a
permanência de Ester Pereira de Sousa no CB. Esta terá sido a razão pela qual passou
a ser contratada como sua Investigadora (e não apenas Assistente-Investigadora), de
1953 a 1969, até por se ter “distinguido no estudo taxonómico da lora da Guiné
Portuguesa, inteiramente a seu cargo, publicando regularmente a matéria inédita, e
colaborando oportunamente em tarefas de particular responsabilidade, tais como a
revisão dos textos do Conspectus Florae Angolensis e outras.” (IICT/AAdm., Proc.
326/1. Doc. s/n. 30.01.1958). O trabalho aduzido era complementado por consultas
bibliográicas e viagens a jardins botânicos europeus relevantes no seu ramo, facilita-
das pelo conhecimento que tinha dos idiomas francês, inglês e alemão. Assim adveio
em 1950. Como diretor do CB, F. de Ascenção Mendonça propôs superiormente a
deslocação, sem encargos para o orçamento público, da naturalista da Guiné, Ester
de Sousa Pereira, a herbários londrinos, para concluir trabalhos em mãos (IICT/
AAdm., Proc. 236/1. Doc. 156. 11.09.1950), esclarecendo-se tal necessidade:
Este trabalho de veriicação de legitimidade das espécies por comparação com o
tipo ou espécimes ti[pi]icados por autoridade idónea é necessário e indispensável,
para tornar efetiva e deinitiva a publicação, e só pode ser efetuada em herbários
onde se encontram os respetivos tipos, como se veriica pela publicação do Cons-
pectus Florae Angolensis, e com os trabalhos em curso da lora de Moçambique,
concluídos nos herbários de Londres, do Museu Britânico e de Kew Gardens.
Isto resulta de não possuirmos herbários coloniais tipiicados, visto que tanto
o Herbário da Guiné como o de Moçambique são de criação atual, ab initio. À
medida que formos tipiicando as espécies dos nossos domínios, torna-se indis-
pensável o recurso ao estrangeiro.
Como o trabalho efetuado sobre a lora da Guiné é já volumoso, as deiciências,
incertezas e por ventura os erros, vão-se acumulando e tornam o serviço pro-
gressivamente embaraçoso.
Convindo eliminar estes inconvenientes, e levantar as dúvidas sobre um elevado
número de espécies que no herbário e nas publicações estão precedidas de cf.
(conira) ou seguidas de esp. (espécie?), além de que todas as outras devem ser
conferidas com o tipo ou espécimes tipiicados, e ouvida a naturalista da Guiné,
285
ESPAÇOS E ACTORES DA CIÊNCIA EM PORTUGAL (XVIII-XX)
Ester Pereira de Sousa, que de bom grado se prontiica e, sem encargos para
a fazenda, de ajudas de custo e viagens, ir trabalhar nos herbários do Museu
Britânico de Kew na tipiicação das espécies da Guiné, acompanhando os seus
colegas deste Centro de Botânica que ali vão realizar trabalhos idênticos sobre a
lora de Moçambique, durante um período de três meses até ao im do corrente
ano (IICT/AAdm. Proc. 236/1. Doc. 156. 11.09.1950)
Sete e oito anos depois, regressou aos herbários do Museu Britânico e de Kew.
Desta feita, para, num mês e meio e em três meses e meio, continuar a estudar a
lora da Guiné e inalizar os trabalhos relativos ao Conspectus Florae Angolensis e à
Flora Zambesíaca, principalmente no tocante a certo número de géneros de Papi-
lionoideae (IICT/AAdm., Proc. 236/1. 3.º vol. Doc. 5. 25.03.1974), ultimando-os
com deslocações aos de Espanha, França e Bélgica (IICT/AAdm., Proc. 236/1.
Doc. 131. 08.08.1958). Situação repetida na década seguinte. Viajou, então, e mais
uma vez, até Inglaterra, para estudar nos herbários e bibliotecas especializadas do
Museu Britânico e de Kew, assim como do Departamento de Florestação da Uni-
versidade de Oxford, acrescentando visitas ao Jardim Botânico de Bruxelas e ao
Museu Nacional de História Natural de Paris (IICT/AAdm., Proc. 236/1. Doc.
179. 26.03.1965).
Enquanto isto, Ester Pereira de Sousa contribuía, também, para o desenvolvi-
mento de projetos no JMAU (onde esteve pouco mais de um ano), assim como
de outros elaborados no âmbito da Missão de Estudos Agronómicos do Ultramar
(Sousa, 1969, p 421-429). Missão que ganhava relevância acrescida desde os anos
50, pelo auxílio estimável carreado às economias provinciais mediante o progresso
agrícola. Inicialmente diligenciada pelo engenheiro-agrónomo Hélder José Lains
(1921-1984), a MEAU (1960-1965) brotava das Brigadas de Estudos Agronómi-
cos do Ultramar (1958-1960), ambas pertencentes ao quadro da Junta de Investi-
gações do Ultramar, de acordo, mais ou menos formal, com os Planos de Fomento
(1953-1958 e 1959-1964) da agricultura, energia hidráulica e indústrias de base. A
ligação entre ciência e economia era cada vez mais evidente e assumida.
Ombreando, contudo, em qualidade e quantidade, com a investigação condu-
zida por muitos dos seus pares, a remuneração mensal de Ester Pereira de Sousa
nunca lhe foi cotejada, apesar de pedidos reiterados do próprio diretor do CB, F.
de Ascenção Mendonça, para que fosse equiparada a 1.ª Assistente de Investiga-
ção (Ester Pereira de Sousa Proc. 236/1. Doc. s/n. 30.01.1958). Esta, era apenas
uma face visível do diferencial entre mulheres e homens prevalecente entre nós.
Reconhecia-se, assim, e de novo, indesejável realidade das mulheres da segunda
metade do século XX: a de que a almejada igualdade era, ainal, um embuste. Ape-
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REFLEXÕES FINAIS
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que não os seus, para mais masculinos. Situação tanto mais interessante quando o
encontro pressupunha uma airmação natural de análises desta essência entre nós.
Como se fosse indispensável invocar um nome, como o de A. Quintanilha, para
certiicar algo sustido em investigações válidas, evitando, assim, possíveis diatribes
desferidas por círculos menos expansivos a estes novos olhares cruzados entre nós.
Foi, em todo o caso, uma sessão bastante profícua em participações ativas e passi-
vas, conigurando um primeiro ensaio para posteriores fóruns alargados de debate
especíicos sobre mulheres e ciência em Portugal, o que, em verdade, não voltou a
suceder. Razões? Varias, com certeza, conquanto o desconhecimento da sua rele-
vância não seja a menor. Ou talvez seja.
Na realidade, a intermitência destas ações pode relacionar-se com um afasta-
mento das próprias mulheres deste tipo de encontros, cuja particularidade poderá
ter o efeito contrário ao pretendido, suscitando comentários menos abonatórios e
etiquetando suas participantes de algo que não almejam. Pressuposição que, a ser
real, justiicará a intermitência de eventos especíicos entre nós nesta área. Existem,
é ceto, especializações pós-graduadas em estudos sobre mulheres. Também não é
menos verdade que emergem, no tecido universitário, cursos dedicados a aspetos
concretos das mulheres ao longo da história. Além disso, nada mais. Porquê? Possi-
velmente por não haver carência disso; para evitar guetos; para diluir estes estudos
noutros mais abrangentes. O que fará algum sentido. Mas, antes de se diluírem,
mesclarem ou, melhor, complementarem, torna-se essencial consolidarem-se pe-
rante e na comunidade cientíica portuguesa. Para isso, requer-se muito mais do
que cursos, de curta, média ou longa duração. Para isso, urge desdobrar esforços,
multiplicando projetos na área, abraçando iniciativas destinadas a promover o co-
nhecimento sistemático e profundo da realidade das mulheres em múltiplas áreas,
das quais a cientíica, sendo apenas uma, é assaz complexa, porquanto agregadora de
variadas formas de olhar, desde a ilosóica, até à sociológica, passando pela cultural.
A verdade é que, dois anos antes, a AMONET – Associação Portuguesa de
Mulheres Cientistas concretizara um simpósio internacional temático, intitulado
“Mulheres na ciência”, seguido de “Autonomização das mulheres na ciência” (2009)
e “Mulheres, ciência e globalização” (2011). Todos, acolhidos na FCG. Todos, rele-
tindo também o apoio crescente à comunidade cientíica portuguesa no feminino,
fruto de resultados francamente positivos e de nível internacional, alcançados com
investigações conduzidas por muitos dos seus nomes. Disso mesmo nos dão con-
ta os sucessivos prémios L’Óreal atribuídos, ano após ano, a nomes nacionais em
diferentes ramos das ciências naturais. Curiosamente, aqueles encontros não têm
ecoado o necessário – direi – na comunidade cientíica, mesmo daquela que esta-
289
ESPAÇOS E ACTORES DA CIÊNCIA EM PORTUGAL (XVIII-XX)
ria mais interessada nos assuntos debatidos nestes fóruns. A começar por quem se
consagra à História da Ciência. Com efeito, não deixa de estranhar a ausência, neste
organismo, de especialistas nesta área, quando, em Portugal, já os temos em relativa
abundância e crescimento. Facto que se deverá, mais a uma coincidência, do que a
quaisquer outros aspetos invocáveis numa leitura mais supericial e desatenta.
É, pois, tempo de começar a desbravar, entre nós, um campo de atuação há
muito rasgado além-fronteiras, em especial no mundo anglo-saxónico, o primeiro
a atender a estas questões, porquanto ilhas de um riquíssimo historial sufragista
(= nacionalismo) que em muito alimentou interesses e curiosidades neste sentido.
Há, no entanto, que matizar o discurso, diversiicando, em simultâneo, os assun-
tos estudados. Dever-se-á esbater uma entendível inclinação para aspetos mais
próximos da natureza feminina, desde a sexualidade à maternidade; ultrapassar
o discurso sobre opressões e repressões, contextualizando-o na longue durée dos
factos analisados; transpor a verbalidade centrada na infelicidade das protagonistas,
entrelaçando-a com a história mais totalizante. Mais do que isso, é fundamental
reletir metodologias, que em pouco ou nada divergirão das aplicadas a outros as-
suntos, teorizando processos de (re)descoberta e (re)colocação das protagonistas
extirpadas ao anonimato, olvido ou malquerença. Estamos, por conseguinte, pe-
rante um longo caminho, mas não mais extenso do que qualquer outro trilhado
por historiadores na sua demanda pelo conhecimento e compreensão do passado,
enquadrando a “cultura feminina” na história das representações sociais, culturais
e políticas, germinadas, talhadas e airmadas em malhas que lhe foram adversas,
porquanto estranhas e contrárias.
Cumprir este desiderato, signiica esquadrinhar estantes, armários, escrevani-
nhas, baús, arquivos e bibliotecas, para deles retirar nomes ocultos pela poeira dos
tempos, indiferença e letargo dos homens. Somente assim a história, a história
da cultura e das mentalidades, e a história da ciência e da tecnologia, poderão ser
preenchidas em pleno. Haverá, por isso, que continuar nesta demanda, procurando
recompor redes familiares; formações académicas; atividades e redes proissionais;
outputs cientíicos e legados intelectuais.
Ester Pereira de Sousa é um entre muitos exemplos de quem, irme no seu saber,
experiência e vontade, prosseguiu em demanda da ciência, colaborando com nomes
destacados da botânica - entre os quais, o inglês Arthur Wallis Exell (1901-1993) -,
ao mesmo tempo que revia bibliograia e descobria, mesmo em colaboração, novas
espécies da lora subsaariana. O tempo encarregou-se de a esquecer. É tempo, agora,
de a rememorar, como a tantas outras que permanecem na penumbra do nosso saber.
Lisboa, Primavera de 2012
290
MULHERES CIENTISTAS E OS TRÓPICOS:(IN)VISIBILIDADES DA PRIMEIRA METADE DO NOVECENTOS PORTUGUÊS
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António Oliveira Pinto SJ e as primeiras experiências
com Radioactividade em Portugal
Francisco Malta Romeiras1
Centro Interuniversitário de História das Ciências e da Tecnologia- CIUHCT-UL
293
ESPAÇOS E ACTORES DA CIÊNCIA EM PORTUGAL (XVIII-XX)
próximo “a conhecer e amar a Deus, e a salvar a sua alma.”5 Para adquirir uma boa
formação teológica, doutrinal e prática, era ainda determinado que nas universi-
dades se devia estudar literatura (latina, grega e hebraica) e ciências naturais.6 As
ciências naturais eram importantes, uma vez que “dispõem os espíritos para a teo-
logia, e servem para se ter dela perfeito conhecimento e prática, ao mesmo tempo
que são já por si próprias, um auxílio para o mesmo im.”7 Apesar do núcleo central
da formação ser constituído pelas humanidades, entre as quais se destacavam a
ilosoia e a teologia, as ciências naturais e a matemática ocuparam um lugar com
algum destaque, pelo menos em comparação com as outras ordens religiosas.8
Desde 1553, data da fundação da Academia de Matemática do Colégio Ro-
mano, que os jesuítas, a par das observações astronómicas que realizavam, se pre-
ocupavam com o ensino de matérias cientíicas, entre as quais se destacaram a
matemática e a astronomia, incluindo-as nos currículos pedagógicos dos seus co-
légios. Cristóvão Clávio SJ (1538-1612), que cheiou a Academia de Matemática
do Colégio Romano desde 1581 e que foi um dos mais destacados astrónomos
que participou na reforma do calendário em 1582, promovida pelo Papa Gregório
XIII, foi um defensor activo da inserção da matemática no currículo dos colégios
jesuítas, como acabou por icar estabelecido na Ratio Studiorum em 1599.9 Este
interesse dos jesuítas pela matemática e pela astronomia, que se manifestava desde
meados do século XVI, acabou por levar à criação de observatórios astronómicos
nos seus colégios, nos séculos XVII e XVIII.10 Para além do apoio às tarefas lec-
tivas e de corresponder a um genuíno interesse pelo estudo da natureza, o notável
trabalho astronómico que desenvolveram activamente ao longo destes séculos, terá
representado, também, uma forma prática de mostrar que não existia verdadeira
oposição entre ciência e religião, mas antes um concílio harmonioso. Este empenho
em redor da astronomia nos séculos XVII e XVIII foi ainda renovado nos séculos
294
ANTÓNIO OLIVEIRA PINTO SJ E AS PRIMEIRAS EXPERIÊNCIAS COM RADIOACTIVIDADE EM PORTUGAL
XIX e XX, após a restauração da Companhia de Jesus, como ica bem patente pelo
facto de 31 astrónomos jesuítas terem sido sócios da Royal Astronomical Society de
Londres, fundada em 1820.11
No caso português, o interesse dos jesuítas pela matemática e, pela astronomia
em particular, teve as suas origens no inal do século XVI e deveu-se sobretudo
à Aula da Esfera do Colégio de Santo Antão-o-Novo. Sabe-se, por exemplo, que
para a divulgação das novidades astronómicas de Galileu e para a construção dos
primeiros telescópios em Portugal, a chegada de Giovanni Paolo Lembo SJ (ca.
1570-1618) a Lisboa em 1614 foi essencial. O colégio jesuíta de Lisboa ocupou
um lugar de destaque especial nestas actividades, uma vez que foi a primeira escola
onde os próprios alunos eram instruídos na construção de telescópios.12 Porém, o
momento mais signiicativo na institucionalização da astronomia de observações
em Portugal seria o estabelecimento de dois observatórios na década de vinte do
século XVIII, no colégio de Santo-Antão e no Paço, devido à iniciativa do jesuíta
Giovanni Battista Carbone SJ (1694-1750). Equipados com os melhores instru-
mentos cientíicos e cumprindo um programa de observações rigorosas, estes dois
observatórios marcaram o início da astronomia moderna no nosso país.13
11 IDEM, Ibid., p. 6.
12 LEITãO, Henrique, “Longemira: Os primeiros telescópios em Portugal”, Gazeta de Física, 33, 2010, pp. 17-21.
13 UDÍAS, Augustin, op. cit., p. 64; CARVALHO, Rómulo de, A astronomia em Portugal no século XVIII, Instituto
de Cultura e Língua Portuguesa, Ministério da Educação, Lisboa, 1985; TIRAPICOS, Luís, O telescópio astronó-
mico em Portugal no século XVIII, Tese de Mestrado em História e Filosoia das Ciências, Universidade de Lisboa,
2010.
14 FRANCO, Eduardo Franco & VOGEL, Christine, “Um acontecimento mediático na Europa das Luzes: A
propaganda antijesuítica pombalina em Portugal e na Europa”, Brotéria - Cristianismo e Cultura, 169, 2009, pp.
349-506; FRANCO, José Eduardo, O Mito dos Jesuítas. Em Portugal, Brasil e Oriente. (Séc. XVI a XX), Gradiva,
Lisboa, 2006. Os principais livros contra a Companhia de Jesus publicados durante este período foram: Relação
abreviada (1757), Erros ímpios e sediciosos (1759), Dedução cronológica e analítica (1767-68) e Compêndio Histórico
295
ESPAÇOS E ACTORES DA CIÊNCIA EM PORTUGAL (XVIII-XX)
296
ANTÓNIO OLIVEIRA PINTO SJ E AS PRIMEIRAS EXPERIÊNCIAS COM RADIOACTIVIDADE EM PORTUGAL
O argumento que relaciona os jesuítas com o atraso cientíico foi de tal modo
signiicativo na cultura portuguesa que se tornou e uma premissa universalmente
aceite (com raras excepções) até meados do século XX.19 Esta tese está já hoje
praticamente superada entre os especialistas, no que se refere ao período entre os
séculos XVI e XVIII. Contudo, mantém-se ainda para a história da Companhia
nos séculos XIX e XX: a evidência documental que conirma a ligação entre o
ensino e a prática cientíicos, a partir de meados do século XIX, nos Colégios de
Campolide e de São Fiel, é abundante mas praticamente desconhecida. Embora já
existam alguns estudos preliminares sobre os Colégios dos jesuítas neste período,
as questões relacionadas com a prática e a pedagogia cientíicas só têm sido explo-
radas recentemente.20
297
ESPAÇOS E ACTORES DA CIÊNCIA EM PORTUGAL (XVIII-XX)
1917, p. 553. Os estudos de Filosoia mudaram para o Colégio de S. Fiel em 1893 e aí permaneceram durante 5
anos. Entre 1898 e 1908 o curso de Filosoia foi ministrado novamente em Setúbal.
23 RODRIGUES SJ, Francisco, A Formação Intellectual do Jesuíta. Leis e factos. Livraria Magalhães e Moniz, Porto,
1917, p. 596. Entre os alunos dos Colégios dos Jesuítas, Francisco Rodrigues SJ salienta alguns nomes que se
tinham destacado na História Cultural Portuguesa, referindo-se em primeiro lugar “aos sete Prelados da Igreja
Portuguesa” - D. António de Medeiros, Bispo de Macau, D. Augusto Eduardo Nunes, Arcebispo de Évora, D.
Sebastião Leite de Vasconcelos, Bispo de Beja, D. João Gomes Ferreira e D. José Bento Martins Ribeiro, Bispos
de Cochim, D. António Pereira Ribeiro, Bispo do Funchal e D. Manuel da Costa Damasceno, Bispo de Angra.
Francisco Rodrigues destaca ainda os nomes de portugueses que se distinguiram nas Ciências, Artes ou Letras,
indicando nomes como Egas Moniz, D. João da Câmara, José de Sousa Monteiro e D. Francisco de Sousa Couti-
nho (Redondo), mais conhecido por Chico Redondo. A lista, apesar de não ser exaustiva, refere ainda diplomatas
e distintos oiciais do exército como Francisco e Luís Quintella (Charruada), Luís d’Albuquerque do Amaral
Cardoso, Manuel Ferrão de Castello Branco (Conde da Ponte), D Miguel António de Mello e D. José d’Almeida
Correia de Sá (Marquês de Lavradio) - “que se assignalou na Campanha de Gaza”.
24 ROMEIRAS, Francisco Malta e LEITãO, Henrique, “Jesuítas e Ciência em Portugal. I - António Oliveira
Pinto S.J. e as primeiras experiências com Radioactividade em Portugal”, Brotéria,174, 2012, pp. 9-20; ROMEI-
RAS, Francisco Malta e LEITãO, Henrique, “Jesuítas e Ciência em Portugal. II - Carlos Zimmermann S.J. e
o ensino da Microscopia Vegetal”, Brotéria, 174, 2012, pp. 113-125; ROMEIRAS, Francisco Malta e LEITãO,
Henrique, “Jesuítas e Ciência em Portugal. III - As expedições cientíicas e as observações dos eclipses solares de
1900 e 1905 “, Brotéria, 174, 2012, pp. 227-237.
25 ALMEIDA SJ, Luís Maria de, “O Nosso Collegio.”, O Nosso Collegio, I, 1904-1905, pp. 5 – 44.
298
ANTÓNIO OLIVEIRA PINTO SJ E AS PRIMEIRAS EXPERIÊNCIAS COM RADIOACTIVIDADE EM PORTUGAL
26 GRAINHA, Manuel Borges, História do Colégio de Campolide da Companhia de Jesus, Imprensa da Universidade,
Coimbra, 1913.
27 GOMES, J. Pinharanda, “Nas origens da revista Brotéria (Louriçal do Campo, 1902-1910).” in: Hermínio Rico
SJ & José Eduardo, 2003 p. 195.
28 MARTINS, Ernesto Candeias, “Do Colégio de S.Fiel a Reformatório (séculos XIX-XX). Contributos à
Re(educação) em Portugal”, Anais do VI Congresso Luso-Brasileiro da História da Educação, 2006, p. 829; RE-
FÓIOS, Joaquim Augusto de Sousa, O Collegio de S. Fiel no Louriçal do Campo e o de Nossa Senhora da Conceição
na Covilhã: Apontamentos sobre o Jesuitismo no Districto de Castello-Branco. Coimbra, 1883, p. 69: “Dois contos de
réis, preço da venda, é uma quantia tão pequena, que por si só denuncia quanto se quiz encobrir com a escriptura
de venda, feita a tres padres inglezes.”
29 MONCADA, Luís Cabral de, Memórias ao longo de uma Vida. Editorial Verbo, Lisboa, 1992, p. 24.
299
ESPAÇOS E ACTORES DA CIÊNCIA EM PORTUGAL (XVIII-XX)
30 MONCADA, Luís Cabral de, Memórias ao longo de uma Vida. Editorial Verbo, Lisboa, 1992, pp. 34-35.
31 MONCADA, Luís Cabral de, Memórias ao longo de uma Vida. Editorial Verbo, Lisboa, 1992, pp. 36-37.
32 MONCADA, Luís Cabral de, Memórias ao longo de uma Vida. Editorial Verbo, Lisboa, 1992, p. 35.
300
ANTÓNIO OLIVEIRA PINTO SJ E AS PRIMEIRAS EXPERIÊNCIAS COM RADIOACTIVIDADE EM PORTUGAL
33 MONIZ, António Egas, A nossa casa. Paulino Ferreira Filhos Lda, Lisboa, 1950, p. 254.
34 Luís Maria de Almeida SJ, 1904-1905, p. 16.
35 ZIMMERMANN SJ, Carlos, “Observatorio Metereologico do Collegio de S. Fiel.” Brotéria, I, 1902, pp. 185-
188.
36 Observatorio do Infante D. Luis, Observações dos Postos Meterologicos no anno de 1902, Imprensa Nacional,
Lisboa, 1906.
37 TAVARES SJ, Joaquim da Silva, “O Herbário do Colégio de S. Fiel.”, Brotéria - Série Botânica, 1924, 21, pp. 82-87.
301
ESPAÇOS E ACTORES DA CIÊNCIA EM PORTUGAL (XVIII-XX)
38 Indíces Gerais da Brotéria Cientíica [1902-2002], Brotéria Genética, Braga, 2002; As estatísticas encontram-se
disponíveis no website: http://webpages.fc.ul.pt/~fmromeiras/Broteria_/
39 GRAINHA, Manuel Borges Grainha, História do Colégio de Campolide da Companhia de Jesus, Imprensa da
Universidade, Coimbra, 1913 p. 32.
40 “Visita de Suas Altezas”, O Nosso Collegio, I, 1904-1905, pp. 90-94.
41 Collegio de Maria SS. Immaculada em Campolide, O Ar. Sessão de Chimica Experimental oferecida na conclusão do
mês de Maria do anno jubilar da Immaculada Conceição á Padroeira do Collegio, pelos alumnos da 4.ª classe, Typ. La
Bécarre, Lisboa, 2 de Junho de 1904.
42 “Academia de Maria Sanctissima Immaculada”, O Nosso Collegio, I, 1904-1905, p. 81.
302
ANTÓNIO OLIVEIRA PINTO SJ E AS PRIMEIRAS EXPERIÊNCIAS COM RADIOACTIVIDADE EM PORTUGAL
303
ESPAÇOS E ACTORES DA CIÊNCIA EM PORTUGAL (XVIII-XX)
45 CARVALHO, J. Vaz de, “António da Costa e Oliveira Pinto.” Diccionario Histórico de la Compañia de Jesús,
Universidade Pontiicia Comillas, Institutum Historicum Societatis Iesu, Madrid-Roma, 2001, p. 3141.
46 Oliveira Pinto era membro de Sociedade de Física e Química de Madrid e da Sociedade Astronómica de Fran-
ça, co-fundador e 1º Vice-Secretário da Sociedade Portuguesa de Ciências Naturais.
47 PINTO SJ, António Oliveira Pinto, “Primeiro Congresso internacional de Radiologia e Ionização.” Brotéria, V,
1906. pp. 129-134; “Scientiic Notes and News” Science, Vol. 22, No. 564, 1905, pp. 510-512; “Scientiic Notes
and News” Science, Vol. 21, No. 543, 1905, pp. 837-839.
48 Entre os membros da comissão encontraram-se cientistas como: S.A. Arrhenius (Estocolomo), H. Becquerel
(Paris), L. Boltzmann (Vienna), William Crookes (Londres), P. Curie (Paris), Lord Kelvin (Glasgow), Olivier
Lodge (Birmingham), H. A. Lorentz (Leydsen), J. Munoz del Castillo (Madrid), W. Nernst (Berlim), H. Poin-
caré (Paris), Lord Rayleigh, W. C. Röntgen (Munich), E. Rutherford (Montreal) e J. J. homson (Cambridge).
49 PINTO SJ, António Oliveira, Primeira Contribuição para o Estudo da Radioactividade das aguas mineraes de
Portugal. Typographia Occidental, Porto, 1910.
304
ANTÓNIO OLIVEIRA PINTO SJ E AS PRIMEIRAS EXPERIÊNCIAS COM RADIOACTIVIDADE EM PORTUGAL
50 HULL, G.F., “he International Congress of Radiology and Electricity”, Science, Vol. 30, No. 774, 1909, pp.
586-587.
51 BOLTWOOD, Bertram B., “he International Congress of Radiology and Electricity, Brussels, September 13-
15”, Science, Vol. 32, No. 831, 1910, pp. 788-791.
52 PINTO, António Oliveira, «Première Contribution a l’Étude de la Radioactivité des Eaux Minérales du Portu-
gal.» II Congrès International de Radiologie et d’Electricité, 1911 Bruxelles. Imprimerie Médicale et Scientiique L.
Severeyns, pp. 3-8.
305
ESPAÇOS E ACTORES DA CIÊNCIA EM PORTUGAL (XVIII-XX)
obtidos permitiam airmar que as águas minerais analisadas não eram radioactivas.
Para se compreender a novidade e a importância destas actividades é necessário
pô-las em contexto com o que se passava em Portugal no início do século passa-
do. As contribuições de Oliveira Pinto, professor de um colégio pré-universitário,
não icam atrás das actividades dos professores da Universidade de Coimbra. Em
Coimbra terá surgido um interesse sobre os Raios X a partir de 1897, mas tudo
indica que o tema era abordado de forma exclusivamente teórica. João Emílio Ra-
poso de Magalhães (1884-1961), por exemplo, escreveu a sua tese de licenciatura
sobre O Rádio e a Radioactividade, num quadro puramente teórico, por não ter sido
possível adquirir uma fonte radioactiva para o Gabinete de Física da Universidade
de Coimbra em 1906. Ora, como vimos, no ano anterior António Oliveira Pinto
frequentava o 1º Congresso de Radiologia e Ionização, acompanhando directa-
mente as maiores contribuições cientíicas internacionais nesta área. Este interesse
do professor de Campolide converteu-se na primeira comunicação internacional
portuguesa com resultados originais de experiências com radioactividade realizadas
em Portugal, apresentada 4 anos depois, em Bruxelas. Na Universidade de Coim-
bra, o primeiro trabalho experimental sobre radioactividade terá sido realizado em
1915 por Francisco de Sousa Nazareth, após uma breve incursão no laboratório de
Marie Curie no ano anterior.53
As actividades cientíicas de Oliveira Pinto não se destacaram apenas no campo
da radioactividade. Realizou ainda experiências de telegraia sem ios (TSF) em Por-
tugal em 1902, provavelmente no Colégio de Campolide, isto é, apenas um ano após
as primeiras experiências com TSF em Portugal, em 1901.54 Foi um dos fundadores
da Sociedade Portuguesa de Ciências Naturais (SPCN) em 1907 que contou entre os
22 fundadores 7 jesuítas, uma clara indicação do empenho com que, por esses anos,
os membros da Companhia de Jesus acompanhavam as investigações cientíicas em
Portugal.55 A SPCN nasceu de um repto lançado por alguns cientistas portugueses
como Marck Athias (1875-1946) e Celestino da Costa (1884-1956) que desaiava
os naturalistas portugueses a formar uma sociedade para desenvolver a investigação
53 LEONARDO, ANtónio José, MARTINS, Décio & FIOLHAIS, Carlos. “A Física na Universidade de Coim-
bra de 1900 a 1960.” Gazeta de Física, Vol. 34 - N. 2, 2011, pp. 9-15.
54 FONSECA, Moura, As comunicações navais e a TSF na Armada: subsídios para a sua história (1900-1985), Edições
culturais da Marinha, Lisboa, 1988, pp. 77-81.
55 Fundadores da Sociedade Portuguesa de Ciências Naturais: Mattoso dos Santos, Miguel Bombarda, Alfredo
Bensaude, Carlos Bello Moraes, Joaquim da Silva Tavares S.J., Augusto Nobre, Ayres José Kopke Correia Pinto,
Aníbal Bethencourt, Julio Guilherme Bethencourt Ferreira, João Augusto Pereira d’Azevedo Neves, Carlos
França, Manuel Rebimbas S.J., Cândido Azevedo Mendes S.J., Gonçalo Sampaio, José Maximiano Corrêa
de Barros, Carlos Zimmermann S.J., Afonso Luisier S.J., Camillo Torrend S.J., Celestino da Costa, António
Oliveira Pinto S.J. e Marck Athias. Vide: TAVARES SJ, Joaquim da Silva, “A Sociedade Portuguesa de Sciencias
Naturais”, Brotéria - Vulgarização Cientíica, VI, 1907, pp. 127 - 134.
306
ANTÓNIO OLIVEIRA PINTO SJ E AS PRIMEIRAS EXPERIÊNCIAS COM RADIOACTIVIDADE EM PORTUGAL
CONCLUSÃO
Agradecimentos
Gostava de agradecer ao Prof. Henrique Leitão pelos valiosos conselhos, indis-
pensáveis à escrita deste artigo, e ao P. Carlos Vasconcelos SJ pelo acesso ao Ar-
quivo Português da Companhia de Jesus e pelas conversas muito esclarecedoras
sobre os jesuítas portugueses no período estudado.
307
ESPAÇOS E ACTORES DA CIÊNCIA EM PORTUGAL (XVIII-XX)
Figura 1a - Folheto da Sessão Solene de Química Experimental do Colégio de Campolide em 1904. Collegio de
Maria SS. Immaculada em Campolide, O Ar. Sessão de Chimica Experimental oferecida na conclusão do mês
de Maria do anno jubilar da Immaculada Conceição á Padroeira do Collegio, pelos alumnos da 4.ª classe, Typ.
La Bécarre, Lisboa, 2 de Junho de 1904. Arquivo Português da Companhia de Jesus, Lisboa (APSI).
Figura 1b - Folheto da Sessão Solene de Química Experimental do Colégio de Campolide em 1904. Collegio de
Maria SS. Immaculada em Campolide, O Ar. Sessão de Chimica Experimental oferecida na conclusão do mês
de Maria do anno jubilar da Immaculada Conceição á Padroeira do Collegio, pelos alumnos da 4.ª classe, Typ.
La Bécarre, Lisboa, 2 de Junho de 1904. APSI.
308
ANTÓNIO OLIVEIRA PINTO SJ E AS PRIMEIRAS EXPERIÊNCIAS COM RADIOACTIVIDADE EM PORTUGAL
Figura 2 - Postal do Colégio de Campolide, ilustrando o aparelho de projecção de Zeiss, utilizado nas sessões
solenes das academias cientíicas. Collegio de Campolide. XVIII. Gabinete de Physica. Secção de optica.
Apparelho de projecção Zeiss e diferentes accessórios, postal. APSI
309
Figura 5 - Tabela inal que apresenta os valores de radioactividade das águas de Portugal analisadas. Adaptada
de: PINTO SJ., António Oliveira, “Première Contribution a l’Étude de la Radioactivité des Eaux Minérales
du Portugal.” II Congrès International de Radiologie et d’Electricité, Imprimerie Médicale et Scientiique L.
Severeyns, Bruxelles, 1911, p. 8. APSI.
310
Combatendo epidemias:
Bernardino António Gomes, Sousa Martins,
Ricardo Jorge, Câmara Pestana,
Almeida Garrett, Fernando da Silva Correia
Maria Antónia Pires de Almeida
Centro de Investigação e Estudos de Sociologia, ISCTE, IUL
INTRODUÇÃO
311
ESPAÇOS E ACTORES DA CIÊNCIA EM PORTUGAL (XVIII-XX)
cos. E o retrato que se faz da cidade do Porto nesses momentos é, nas palavras
dramáticas de Ricardo Jorge, o de uma “cidade cemiterial”, onde as “ilhas” eram
factor de proliferação de doenças, com especial destaque para a tuberculose1 e
as epidemias tinham especial predileção pelas “classes ínimas, mal alojadas, mal
tratadas e mal mantidas”2.
Destaca-se a quantidade de artigos que estes médicos escreveram para revistas
cientíicas portuguesas e estrangeiras, a participação em conferências internacio-
nais, os estudos e as viagens cientíicas ao estrangeiro, elementos comuns em todos
estes médicos que conirmam a internacionalização da ciência no século XIX. Não
só voltavam do estrangeiro com experiência e materiais novos, mas participavam
nas conferências cientíicas e sanitárias internacionais a nível de igualdade com
os representantes dos outros países. Isto conirma que Portugal, no século XIX e
início do XX, não era um país periférico a nível da ciência, mas antes estava perfei-
tamente integrado nas correntes mais avançadas.
No entanto, têm de se destacar as diferenças entre os centros urbanos de Lis-
boa, Porto e Coimbra, onde se reuniam as melhores condições hospitalares e de
especialistas que existiam na época, e as zonas rurais e do interior em geral onde
as condições médicas e sanitárias eram consideravelmente insuicientes em pessoal
médicos e acesso a recursos. Tal como no presente, o acesso aos melhores cuidados
de saúde era garantido nos hospitais centrais, ao mesmo tempo que os médicos
não queriam ir para a província, onde havia carências escandalosas, preferindo icar
nas grandes cidades, onde as condições eram mais favoráveis para o desenvolvi-
mento das respetivas carreiras e para salários mais altos, o que até deu origem a
um debate interessante nos jornais. Por exemplo em 1855 foi defendido que se
formassem proissionais médicos de nível médio para irem para a província (“um
curso médico-cirúrgico onde se ensinem as disciplinas indispensáveis a formar
bons práticos”), diminuindo o custo da formação (“a arte torna-se cada vez mais
cara, mais aristocrata que popular, que deveria ser”) e incentivando a colocação nas
zonas mais carenciadas. Foi até sugerido que talvez estes cursos médios fossem
mais aconselháveis para as mulheres, que tinham mais apetência para os cuidados
médicos: “e em verdade, em geral lhe achamos mais jeito do que aos homens...”3.
312
COMBATENDO EPIDEMIAS: BERNARDINO ANTÓNIO GOMES, SOUSA MARTINS, RICARDO JORGE, CÂMARA PESTANA,
ALMEIDA GARRETT, FERNANDO DA SILVA CORREIA
4 Luís Reis Torgal, João Lourenço Roque (coords.), “O Liberalismo (1807-1890)”, José Mattoso (dir.), História de
Portugal, Vol. V, Círculo de Leitores, Lisboa, 1993, p. 662.
5 Como se pode ler, por exemplo, na seguinte notícia, retirado da Gazeta Médica de Lisboa, após a sua chegada de
viagem: “O sr. dr. Gomes indicou à comissão as redacções médicas estrangeiras, com as quais entabulou estreitas
relações, a im de facilmente se efectuar a troca dos jornais; mostrou alguns instrumentos de cirurgia, ultima-
mente aperfeiçoados pelo sr. Charrière; um aparelho para injecções inas, as diferentes peças que compõem o
313
QUADRO I - RESUMO BIOGRÁFICO
Nascimento
Médicos Especialidades Cargos desempenhados Principais obras
e morte
Bernardino Lisboa, Cholera morbus, Médico da família real, acompanhou as doenças e Farmacopeia Portuguesa, 1876; fundador e colaborador
António Gomes 22-09-1806/ conferências realizou as autópsias de D. Pedro V e seus irmãos. da Gazeta Médica de Lisboa e do Jornal da Sociedade de
Lisboa, internacionais (onde Presidente da Sociedade das Ciências Médicas Ciências Médicas de Lisboa. Memoria sobre a epidemia
08-04-1877 defendeu a teoria do de Lisboa. da cholera-morbus que grassou na cidade do Porto desde
contágio), epidemiologia 1832 a 1833, 1842. Noticia da doença de que falleceu
e medicina geral, mas sua Magestade El-Rei o Senhor D. Pedro V e das que na
José Tomás de Alhandra, O problema endémico da Membro da Sociedade Farmacêutica Lusitana, da Publicou artigos no Jornal da Sociedade Farmacêutica
Sousa Martins 07-03-1843/ tuberculose. Conferências Sociedade das Ciências Médicas de Lisboa, da Lusitana, Gazeta Médica de Lisboa, Jornal da Sociedade
Alhandra, internacionais. Farmácia. qual foi vice-presidente, presidente da Comissão das Ciências Médicas de Lisboa, Revista Médica
18-08-1897 Medicina geral. Filantropia. de Higiene, sócio fundador da Sociedade de Portuguesa, Revista Ocidental, Revista Contemporânea,
314
Geografia de Lisboa. Professor da Escola Médico- Diario Ilustrado, Ocidente, Enciclopédia Popular e
Cirúrgica de Lisboa. Médico do Hospital de S. Revista de Nevrologia e Psychiatria, entre outras. O
José. Médico honorário da Real Câmara de Suas pneumogástrico preside à tonicidade da fibra muscular do
Majestades e Altezas. coração, dissertação de licenciatura em Medicina, 1866.
A tuberculose pulmonar e o clima de altitude da Serra da
Estrela, 1890.
Ricardo de Porto, Epidemiologia. Higienismo. Professor da Escola Médico-Cirúrgica do Um ensaio sobre o nervosismo: dissertação inaugural
Almeida Jorge 09-05-1858/ Diagnóstico e tratamento Porto. Fundador do Instituto Hidroterápico e apresentada e defendida perante a Escola Medico-
Lisboa, das doenças do sistema Electroterápico e do Laboratório de Microscopia Cirurgica do Porto, 1879. Hygiene social applicada à
29-07-1939 nervoso pela hidroterapia, e Fisiologia do Porto. Médico Municipal do Porto. Nação Portuguesa, 1885. O Gerez thermal: historia,
electricidade e ginástica. Diretor dos Serviços Municipais de Saúde e Higiene hydrologia, medicina, 1888). A epidemia de Lisboa de
Medicina geral. da Cidade do Porto e do Laboratório Municipal 1894, 1895. Demographia e hygiene da cidade do Porto:
Termalismo. Malária. de Bacteriologia. Inspector-Geral dos Serviços clima-população-mortalidade, 1899. A peste bubónica
Gripe. Tifo. Leishmaniose. Sanitários do Reino e lente de Higiene na Escola no Porto, 1899. Seu descobrimento. Primeiros trabalhos.
Vacinas. Conferências Médico-Cirúrgica de Lisboa. Membro do Conselho Epidemiologia. Sobre o estudo e o combate do sezonismo
Internacionais. Superior de Higiene e Saúde. Diretor do Instituto em Portugal, 1903. Também escreveu obras literárias e
Superior de Higiene, mais tarde Instituto Ricardo biografias. Artigos nas revistas Clínica, higiene e hidrologia;
Jorge. Presidente da Sociedade das Ciências Revista Científica; A Medicina Contemporânea; Lisboa
Médicas. Diretor Geral da Saúde. Presidente do Médica, entre outras. Revistas internacionais: ex. Bulletin
Conselho Técnico Superior de Higiene. Mensuel de l’Office International d’Hygiène Publique.
COMBATENDO EPIDEMIAS: BERNARDINO ANTÓNIO GOMES, SOUSA MARTINS, RICARDO JORGE, CÂMARA PESTANA,
Luís da Câmara Funchal, Bacteriologia. Cirurgião do Hospital de S. José. Professor da O microbio do carcinoma, 1889. Contribuição para o
Pestana 28-10-1863/ Epidemiologia. Escola Médico-Cirúrgica de Lisboa. Enviado estudo bacteriológico da epidemia de Lisboa, 1894. O
Lisboa, pelo Ministro do Reino a Paris para aprofundar tratamento da raiva em Portugal pelo methodo Pasteur,
15-11-1899 os estudos de bacteriologia. Estagiou no 1894. A sôrotherapia, 1898. Publicou artigos nas revistas
Instituto Pasteur. Membro da Sociedade das Medicina Contemporânea e Revista de Medicina e
Ciências Médicas de Lisboa. Diretor do Instituto Cirurgia. Diretor da revista Archivos de Medicina.
Bacteriológico de Lisboa, mais tarde Instituto
Câmara Pestana.
do Instituto de Puericultura do Porto. Vogal do 1940. Costumes alimentares dos portugueses, 1940.
Conselho Superior de Higiene, presidente da
Associação dos Médicos do Norte de Portugal
e presidente do Centro Nacional de Estudos
Demográficos.
Fernando da Sabugal, Medicina Sanitária e Médico municipal e delegado de saúde. Inspector Portugal Sanitário (Subsídios para o seu estudo), 1938.
Silva Correia 20-05-1893/ Hidrologia. Higiene. da 3ª Área da Saúde Escolar. Professor e diretor Guia prático das águas minero-medicinais portuguesas,
Lisboa, Medicina social. do Instituto Central de Higiene Dr. Ricardo Jorge. 1922. A medicina e a higiene escolar em Portugal, 1934.
19-12-1966 Professor do Instituto Superior de Serviço Social A educação física e a medicina em Portugal, 1935.
de Lisboa. Publicou artigos nas revistas O Médico e Clínica, Higiene
e Hidrologia.
ESPAÇOS E ACTORES DA CIÊNCIA EM PORTUGAL (XVIII-XX)
Foi um dos médicos que acompanhou a doença do Rei D. Pedro V e dos irmãos,
os Infantes D. Fernando, D. João e D. Augusto, e depois participou nas respetivas
autópsias (ao rei e aos Infantes D. Fernando e D. João), declarando como causa de
morte a febre tifóide, doença muito comum na época, provocada por uma bacté-
ria intestinal da família das salmonelas, habitualmente ingerida em águas ou ali-
mentos contaminados, e assim negando a hipótese de envenenamento, que gerara
controvérsia.
Estudou a fundo as epidemias que assolaram o mundo no seu século e em par-
ticular as que afectaram Portugal desde 1833 com a chegada do cólera-mórbus ao
Porto nos navios de soldados belgas que ajudaram os Liberais na Guerra Civil. A
partir de 1851 as potências europeias começaram a enviar os seus melhores espe-
cialistas a Conferências Sanitárias Internacionais, onde eram discutidas as doenças
e as medidas para as combater6. Bernardino António Gomes representou Portugal
em Constantinopla em 1866, publicando nesse mesmo ano o seu importante rela-
tório sobre as epidemias de cólera e febre-amarela em Portugal7.
Recebeu as seguintes condecorações: Ordem de Santiago e de Torre e espada,
grã-cruz da Ordem de Isabel a Católica e oicial da Legião de Honra de França.
316
COMBATENDO EPIDEMIAS: BERNARDINO ANTÓNIO GOMES, SOUSA MARTINS, RICARDO JORGE, CÂMARA PESTANA,
ALMEIDA GARRETT, FERNANDO DA SILVA CORREIA
317
ESPAÇOS E ACTORES DA CIÊNCIA EM PORTUGAL (XVIII-XX)
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COMBATENDO EPIDEMIAS: BERNARDINO ANTÓNIO GOMES, SOUSA MARTINS, RICARDO JORGE, CÂMARA PESTANA,
ALMEIDA GARRETT, FERNANDO DA SILVA CORREIA
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ESPAÇOS E ACTORES DA CIÊNCIA EM PORTUGAL (XVIII-XX)
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COMBATENDO EPIDEMIAS: BERNARDINO ANTÓNIO GOMES, SOUSA MARTINS, RICARDO JORGE, CÂMARA PESTANA,
ALMEIDA GARRETT, FERNANDO DA SILVA CORREIA
que tinham de cumprir uma quarentena de nove dias8. Sem dúvida, a grande aposta
de Ricardo Jorge foi na prevenção da disseminação da doença, isolando os doentes
e a própria cidade.
De facto, com as medidas radicais postas em prática por Ricardo Jorge logo nos
primeiros dias do surto epidémico, a doença não se espalhou e teve uma mortalida-
de reduzida (326 casos, dos quais 111 óbitos). No entanto, os banhos obrigatórios,
as casas e roupas queimadas quando os médicos e os subdelegados de saúde reali-
zavam visitas domiciliárias, acompanhados pela polícia, e encontrava um doente de
peste, e o isolamento forçados dos doentes e de todos os seus familiares e vizinhos
em hospitais especiais, todas estas acções eram motivo de grande revolta popular,
que provocaram cenas de autêntica guerra civil. Houve apedrejamento das casas
dos médicos, forças de cavalaria e infantaria da guarda municipal em cargas a cava-
lo que punham tudo em debandada... e até bombas explodiram.
Ricardo Jorge recebeu a solidariedade dos médicos do Porto, mas acabou por se
demitir e mudou-se para Lisboa, onde foi nomeado Inspector-Geral dos Serviços
Sanitários do Reino e lente de Higiene na Escola Médico-Cirúrgica de Lisboa,
além de membro do Conselho Superior de Higiene e Saúde. Começou imedia-
tamente a trabalhar na organização geral dos Serviços de Saúde Pública e no Re-
gulamento Geral dos Serviços de Saúde e Beneicência Pública. Por sua causa o
país tinha desde 1901 uma legislação actualizada, burocracia e redes de controlo e
iscalização da higiene e da saúde pública; e dispunha de especialistas competentes
que acompanhavam o debate cientíico. O seu trabalho como docente, investigador
e mentor da nova legislação deu origem a uma profunda reforma na saúde pública
em Portugal, e à criação da Direcção-Geral de Saúde e Beneicência Pública e do
Instituto Central de Higiene, mais tarde Instituto Superior de Higiene, que em
1929 mudou o nome para Instituto Ricardo Jorge.
Entre 1914 e 1915 presidiu à Sociedade das Ciências Médicas. Participou em
conferências internacionais, como a da Comissão Sanitária dos Países Aliados, que
se realizou em Paris em Abril de 1918, e também no ano seguinte, em Março,
apresentou à mesma comissão um relatório sobre a gripe; em Outubro de 1919
apresentou uma comunicação ao Comité Internacional de Higiene Pública sobre o
tifo exantemático no Porto. Em 1929 foi nomeado Presidente do Conselho Técni-
co Superior de Higiene. Nesse mesmo ano viajou até ao Brasil, onde participou, em
colaboração com o Instituto Oswaldo Cruz, no combate à última grande epidemia
321
ESPAÇOS E ACTORES DA CIÊNCIA EM PORTUGAL (XVIII-XX)
9 Jaime Benchimol, “Saúde e Ciências da Vida no Brasil e em Portugal: Balanço e Perspectivas”, conferência
proferida no Congresso Luso-Brasileiro de História das Ciências, Universidade de Coimbra, 26 a 28 de Outubro
de 2011. Na sequência desta viagem de estudo, Ricardo Jorge publicou Brasil! Brasil!: Conferencia na Academia
Brasileira de Letras sobre o Brasilismo em Portugal e alocuções proferidas no Rio e em S. Paulo de 30-6 a 25-7 de 1929,
Fluminense, Lisboa, 1930.
322
COMBATENDO EPIDEMIAS: BERNARDINO ANTÓNIO GOMES, SOUSA MARTINS, RICARDO JORGE, CÂMARA PESTANA,
ALMEIDA GARRETT, FERNANDO DA SILVA CORREIA
10 Federico Montaldo, La peste bubónica en Oporto (Portugal) 1899-1900: hecho epidemiográicos e investigaciones
clínicas recogidos personalmente y anotados por el Doctor F. Montaldo... que asistió en la epidemia, durante tres meses,
como Delegado Médico del Gobierno de España: memoria oicial, Establ. Tip. de Portanet, Madrid, 1900.
323
ESPAÇOS E ACTORES DA CIÊNCIA EM PORTUGAL (XVIII-XX)
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COMBATENDO EPIDEMIAS: BERNARDINO ANTÓNIO GOMES, SOUSA MARTINS, RICARDO JORGE, CÂMARA PESTANA,
ALMEIDA GARRETT, FERNANDO DA SILVA CORREIA
135.000, apesar das estatísticas oiciais apontarem para 59.00011. Muitas das me-
didas sanitárias foram herdadas das medidas postas em prática por Ricardo Jorge
na epidemia de peste bubónica de 1899. No que diz respeito à epidemia de gripe, a
sua transmissão pelo ar tornou desnecessárias as guias sanitárias, mas foram toma-
das medidas preventivas de isolamento dos doentes, fecho das escolas, proibição
de feiras e mercados, assim como foram amplamente divulgadas recomendações
higiénicas, e foram fornecidos serviços médicos e farmacêuticos gratuitos para os
pobres, criando-se toda uma rede de assistência domiciliária a famílias inteiras
atacadas e de transporte para os hospitais.
Em 1927 colaborou com Ricardo Jorge na reforma dos serviços sanitários e
organizou o 2º Congresso Nacional de Medicina. Em 1932 criou o Instituto de
Puericultura do Porto, do qual foi director. Foi ainda vogal do Conselho Superior
de Higiene, presidente da Associação dos Médicos do Norte de Portugal e presi-
dente do Centro Nacional de Estudos Demográicos.
A sua vasta obra soma quase três dezenas de livros e artigos e revela atualidade
a nível das últimas descobertas cientíicas internacionais. Por exemplo, quando em
1918 publicou um artigo sobre “Epidemiologia e proilaxia do tabardilho” (tifo
exantemático), António de Almeida Garrett citou os trabalhos de Henrique da
Rocha Lima, um bacteriologista brasileiro que dois anos antes tinha isolado a bac-
téria causadora da doença. Debruça-se sobre temática variada, incidindo maiori-
tariamente sobre as especialidades médicas da Pediatria, Higiene, Alimentação
e Demograia. Destaca-se ainda a atenção dada às áreas da Epidemiologia, da
Medicina Geral e ainda à Literatura e à cidade do Porto. Foi o fundador e direc-
tor da revista mensal Portugal Médico: arquivos portugueses de medicina, publicada
em Lisboa entre 1915 e 1966. E publicou diversos artigos em revistas cientíicas,
incluindo a revista Clínica, higiene e hidrologia, publicada entre 1935 e 1957, espe-
cializada em higiene e termalismo.
11 José Manuel Sobral, Maria Luísa Lima, Paula Castro e Paulo Silveira e Sousa (orgs.), A Pandemia Esquecida.
Olhares comparados sobre a Pneumónica 1918-1919, Imprensa de Ciências Sociais, Lisboa, 2009, pp. 72-73.
325
ESPAÇOS E ACTORES DA CIÊNCIA EM PORTUGAL (XVIII-XX)
326
COMBATENDO EPIDEMIAS: BERNARDINO ANTÓNIO GOMES, SOUSA MARTINS, RICARDO JORGE, CÂMARA PESTANA,
ALMEIDA GARRETT, FERNANDO DA SILVA CORREIA
CONCLUSÃO
REFERÊNCIAS
Jornais consultados
Diário de Notícias, o mais antigo jornal português ainda em publicação. Fundado em 29 de Dezembro de
1864 em Lisboa.
O Comércio, diário do Porto, publicado entre 2 de Junho de 1854 e 30 de Julho de 2005. Em 1856 mudou
o nome para O Comércio do Porto.
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ESPAÇOS E ACTORES DA CIÊNCIA EM PORTUGAL (XVIII-XX)
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TORGAL, Luís Reis, João Lourenço Roque (coords.), “O Liberalismo (1807-1890)”, José Mattoso
(dir.), História de Portugal, Vol. V, Círculo de Leitores, Lisboa, 1993.
328
PATRIMÓNIO MUSEOLÓGICO
E ARQUIVOS DE CIÊNCIA
O Instituto Industrial do Porto e a Divulgação
da Ciência na Segunda Metade do Séc. Xix
Patrícia Costaa, Helder I. Chaminéb, Pedro M. Callapezc 1
INTRODUÇÃO
1 a Museu do ISEP, Instituto Superior de Engenharia do Porto, Politécnico do Porto, Portugal, pcmc@isep.ipp.
pt; b Instituto Superior de Engenharia do Porto, Labcarga|ISEP e DEG; Centro GeoBioTec|UA, Portugal,
hic@isep.ipp.pt; c Centro de Geofísica; Departamento de Ciências da Terra|Universidade de Coimbra, Portugal,
callapez@dct.uc.pt
2 Cf. Jornal da Associação Industrial Portuense, nº 6, segunda-feira, 1 de Novembro, 1852, pp. 81-94.
3 Cf. Relatório que acompanha o decreto de 30 de Dezembro de 1852. Colecção Oicial da Legislação Portuguesa,
p. 864.
331
ESPAÇOS E ACTORES DA CIÊNCIA EM PORTUGAL (XVIII-XX)
Por natureza o seu ensino estava vocacionado para o aperfeiçoamento dos artíices,
com os cursos de operário habilitado, de oicial forjador, de oicial fundidor, de
oicial serralheiro ajustador ou de oicial torneiro modelador4. Ajustava-se, assim, a
um elenco de alunos oriundos das classes menos favorecidas, destinados a integra-
rem um futuro operariado tecnicamente qualiicado para contribuir na otimização
de novas unidades industriais.
É neste contexto que a escola do Porto surge como estabelecimento de ensino
de grande importância no norte do país, a par da Academia Politécnica do Porto,
que já tinha em meados do século XIX uma longa tradição no que respeitava ao
ensino técnico no nosso país, e onde se lecionava uma formação superior. Em co-
mum estas duas instituições tinham o edifício, atual Reitoria da Universidade do
Porto, alguns docentes e certos recursos materiais.
4 Colecção Oicial da Legislação Portuguesa, Decreto de 30 de Dezembro de 1852, Artigo 9º, p. 867.
5 Livros de registo de toda a receita e despesa da Escola Industrial e Instituto Industrial do Porto, 1859-1902.
(documentos pertencentes ao Arquivo Histórico do ISEP)
332
COMBATENDO EPIDEMIAS: BERNARDINO ANTÓNIO GOMES, SOUSA MARTINS, RICARDO JORGE, CÂMARA PESTANA,
ALMEIDA GARRETT, FERNANDO DA SILVA CORREIA
Fig. 1 – Panorâmica aérea das novas instalações do Instituto Industrial do Porto, sitas na Rua de S. Tomé,
Paranhos, cidade do Porto e inauguradas em 1967 (Fotograia pertencente ao acervo do Museu do ISEP,
nº inv. MPL6142FOT).
Fig. 2 - Laboratório Químico do Instituto Industrial e da Academia Politécnica do Porto (séc. XIX)
(fotograia pertencente ao acervo do museu do ISEP, MPL6157FOT).
Fig. 3 - Gabinete de Física do Instituto Industrial e da Academia Politécnica do Porto (séc. XIX)
(fotograia pertencente ao acervo do museu do ISEP, MPL6151FOT).
333
ESPAÇOS E ACTORES DA CIÊNCIA EM PORTUGAL (XVIII-XX)
Fig. 4 – Etiquetas existentes em diversos objetos do acervo do Museu do ISEP, coleção de mineralogia e
metalurgia, comprados a fornecedores de renome internacional como: Les Fils d´Émile Deyrolle (Paris),
Dr. F. Krantz (Bona), h. Gersdorf (Freiberg) e J. Digeon (Paris).
6 Cf. Colecção Oicial da Legislação Portuguesa, Decreto de 20 de Dezembro de 1864, Artigo 5º, p. 960.
334
COMBATENDO EPIDEMIAS: BERNARDINO ANTÓNIO GOMES, SOUSA MARTINS, RICARDO JORGE, CÂMARA PESTANA,
ALMEIDA GARRETT, FERNANDO DA SILVA CORREIA
Fig. 5 – Alguns exemplares de minerais e rochas das coleções estrangeiras do século XIX existentes nos acervos
do Museu de Mineralogia do Instituto de Engenharia do Porto.
para transportar o seu produto, como por exemplo uma linha de caminho-de-ferro
próximo7, muito útil para garantir a chegada de materiais, equipamento e pessoal
necessário à atividade e exportação da produção8. Na segunda metade do século
XIX foram licenciadas mais de 300 minas, muitas delas a estrangeiros e nalgumas
nem se esboçou a exploração. A atividade mineira em Portugal foi sempre pouco
desenvolvida, sujeita às lutuações dos preços internacionais, dos impostos ou pelas
condições fortuitas da guerra9.
Após a publicação dos novos programas dos cursos professados no Instituto
Industrial do Porto, no ano de 186710, dá-se o arranque deinitivo desta área na es-
cola, através da nomeação do docente para a 7ª cadeira Arte de Minas, Docimasia
e Metalurgia, António Ferreira Girão, lente substituto na Academia Politécnica do
Porto. Este foi substituído provisoriamente pelo Professor Manuel Nepomuceno
até 1881, altura em que o Professor Manuel Rodrigues Miranda Júnior, igualmente
docente da Academia, assumiu a regência da cadeira11.
7 Inquérito Industrial de 1890, Vol. I, Industrias Extrativas: Minas e Pedreiras, Lisboa: Imprensa Nacional, 1891.
8 BRANDãO, José Manuel - Caminho de Ferro Mineiro do Lena: desígnio de progresso industrial e social. In:
Património geológico, arqueológico e mineiro em regiões cársicas: atas do Simpósio Ibero-Americano, Batalha,
29 de Junho a 1 de Julho de 2007. Editores José M. Brandão, Carlos Calado, Fernando Sá Couto. SEDPGYM,
2008, p. 193.
9 GUERRA, Franklin, História da Engenharia em Portugal. 2ª ed. Publindústria: Porto, 2010, pp. 189-190.
10 Cf. Programas dos Cursos Professados no Instituto Industrial do Porto (Decreto de 20 de Dezembro de 1864)
aprovados por Portaria do Ministério das Obras Publicas Commercio e Industria de 15 de Maio de 1867. Porto:
Typograia de António José da Silva Teixeira, 1867.
11 Cf. Livro de termos de pose dos lentes e mais empregados da Escola Industrial do Porto, Porto, 19 de Setembro
de 1853, José de Parada e Silva Leitão, o Diretor.
335
ESPAÇOS E ACTORES DA CIÊNCIA EM PORTUGAL (XVIII-XX)
Fig. 6 - Modelo de forno revérbero para pudlagem, do construtor heodor Gerdorf, pertencente ao acervo
museológico do ISEP (nº inv. MPL573OBJ).
336
COMBATENDO EPIDEMIAS: BERNARDINO ANTÓNIO GOMES, SOUSA MARTINS, RICARDO JORGE, CÂMARA PESTANA,
ALMEIDA GARRETT, FERNANDO DA SILVA CORREIA
Fig. 7 - Nota de encomenda dos modelos para o estudo da metalurgia escrita pelo Professor Manuel Rodrigues
Miranda Júnior em 1880, para instalação do Gabinete anexo à cadeira de Arte de Minas e Metalurgia.
Os números à esquerda correspondiam aos do catálogo do mesmo construtor (documento pertencente ao
arquivo histórico do ISEP).
337
ESPAÇOS E ACTORES DA CIÊNCIA EM PORTUGAL (XVIII-XX)
trutor Gerdorf de Freiberg, fornecedor da Escola de minas daquela cidade (ig. 7),
e que os números (que se encontram à esquerda da igura) correspondiam aos do
catálogo do mesmo construtor.
Como icou acima demonstrado, a seleção das aquisições era da competência
dos docentes responsáveis pelas respetivas cadeiras. Estes consideravam que as ma-
térias deveriam ser lecionadas na presença de modelos de minas e de espécimes que
reproduzissem os principais tipos de depósitos minerais com importância econó-
mica existentes na natureza e sua respetiva paragénese.
Esta atitude denota, na nossa opinião, um conhecimento muito rigoroso dos
métodos de ensino e do material didático que se produzia na Europa, proporcio-
nando aos alunos uma constante atualização dos seus conhecimentos, assim como
um contacto mais direto com as técnicas mais atuais, ao tempo em uso na indústria
e outras atividades económicas com elas relacionadas.
Para este conhecimento tecnológico também terá contribuído a presença da
escola industrial do Porto e dos seus professores nas Exposições Universais que
proliferaram na segunda metade do século XIX14, permitindo que o conhecimento
cientíico desenvolvido nos estados líderes da Revolução Industrial chegasse a pa-
íses mais periféricos da Europa, como era o caso de Portugal, com a aplicação das
novas invenções em áreas como a indústria e a agricultura.
Assim, na tentativa de acompanhar o que de melhor se ia produzindo e inventando
no estrangeiro, principalmente no que dizia respeito às indústrias, a escola industrial
começou a participar nestes certames a partir de 1855. Esta primeira presença foi feita
de forma indireta e na pessoa do seu diretor, José de Parada e Silva Leitão. Este foi
nomeado vogal da Comissão das Províncias do Norte15 para a Exposição Universal de
Paris16, com a inalidade de promover a reunião dos produtos e facilitar a sua remessa
para Lisboa, onde um júri decidiria quais os que seriam enviados para Paris.
A primeira Exposição Universal foi um sucesso, mostrando ao mundo civilizado
numerosas inovações importantes para o desenvolvimento da humanidade. João de
Andrade Corvo, responsável pela elaboração do relatório sobre a secção de agri-
cultura na Exposição Universal de Paris, refere o seguinte no seu relatório sobre o
evento: “Os rápidos e brilhantes progressos da mechanica industrial no nosso sé-
culo tem dado a todas as Indústrias o poder de produzir muito, de produzir barato,
e de executar quer os trabalhos mais delicados, quer aqueles para que se exigem es-
14 Cf. Volumes da correspondência recebida do Instituto Industrial do Porto, Arquivo Histórico do ISEP.
15 Esta comissão compreendia os distritos de Aveiro, Viseu, Guarda, Porto, Vila Real, Braga, Bragança e Viana do
Castelo.
16 Cf. Anexo IV – Regulamento da Exposição Universal de Paris de 1855.
338
COMBATENDO EPIDEMIAS: BERNARDINO ANTÓNIO GOMES, SOUSA MARTINS, RICARDO JORGE, CÂMARA PESTANA,
ALMEIDA GARRETT, FERNANDO DA SILVA CORREIA
Exposições Ano
Exposição Universal de Paris 1855
Exposição Industrial no Porto 1857
Exposição Universal de Londres 1862
Exposição Universal de Viena de Áustria 1873
Exposição Internacional de Filadélfia 1876
Exposição Universal de Paris 1878
Exposição de História Natural no Porto 1881
Exposição Mineira de Madrid 1883
Exposição Industrial de Guimarães 1884
Exposição Industrial de Lisboa 1893
Exposição Insular e Colonial 1894
Certame da República da Costa Rica 1895
Exposição Industrial do Porto 1897
Exposição Universal de Paris 1900
17 CORVO, João de Andrade. Relatório sobre A Exposição Universal de Paris: Agricultura. Lisboa: Imprensa Nacio-
nal, 1857.
18 International Exhibition, 1876 at Philadelphia; Portuguese Special Catalogue; Departments I., II., III., IV.,V.; Mining
and Metallurgy; Manufactures; Education and Science; Fine Arts; Machinery. s/l.: s/ed., 1876, p. 99.
339
ESPAÇOS E ACTORES DA CIÊNCIA EM PORTUGAL (XVIII-XX)
Um outro fator que destacamos respeita aos manuais de ensino e a sua utiliza-
ção. Para além de elaborar o programa, o professor responsável pela cadeira deinia
a bibliograia de referência. Contudo, a tarefa não se revelava fácil, sendo uma das
diiculdades o orçamento disponível para estas aquisições e ao mesmo tempo a
falta de compêndios em português, como seria conveniente, em virtude da maioria
dos alunos não dominar qualquer língua estrangeira, principalmente o francês19.
Apesar de todas estas diiculdades, anualmente eram adquiridos para a bibliote-
ca da escola novos livros de forma a possibilitar aos alunos o acesso às novas teorias
publicadas no estrangeiro, destacando-se mais uma vez a inluência francesa e a
inglesa20.
Muitos destes manuais de referência no estudo da Mineralogia encontram-se
hoje conservados no Fundo Bibliográico Antigo do ISEP em conjunto com acer-
vos mais antigos e de grande interesse histórico. Entre muitos outros exemplos
merecedores de destaque, relevamos a edição original do Traité de Minéralogie de
René-Just Haüy (ig. 8), obra que só por si permite antever a qualidade da biblio-
teca ao tempo existente à disposição de professores e alunos.
As visitas de estudo organizadas pelos docentes também permitiam aos alunos,
principalmente aqueles que frequentavam os cursos especializados, novas perspeti-
vas sobre à utilidade prática dos conhecimentos adquiridos e a aquisição de com-
petências em situações reais.
Um dos exemplos marcantes da aplicação deste tipo de recursos letivos não
formais foi a visita às minas do Lena (Leiria), em 1931 (ig. 9). A exploração dos
carvões da bacia do Lena iniciou-se em 1855, tendo a sua produção ganho alguma
expressão durante a 1ª Guerra Mundial, devido à escassez de carvão estrangeiro21.
A intenção era que o grupo visitasse várias instalações industriais em laboração no
centro do país, principalmente as minas do Lena, a indústria vidreira de Marinha
Grande e a fábrica de cimentos de Maceira-Liz22.
O interesse demonstrado pelas novas invenções e produtos industriais levou à
criação de espaços expositivos que albergassem exemplos de tudo o que se relacio-
nava com a indústria, ou seja os Museus Industriais e Comerciais (Lisboa e Porto)
criados pelo decreto de 24 de Dezembro de 1883, como complemento do ensino
19 Ata da primeira sessão do Conselho Escolar, ano letivo de 1862-1863, 17 de Outubro de 1862.
20 Relatório sobre o Instituto Industrial e Commercial do Porto. Anno lectivo de 1887-1888, Ministério das Obras
Publicas Commercio e Industria. Lisboa: Imprensa Nacional, 1889, p.33.
21 BRANDãO, José Manuel - Caminho de Ferro Mineiro do Lena: desígnio de progresso industrial e social. In:
Património geológico, arqueológico e mineiro em regiões cársicas: atas do Simpósio Ibero-Americano, Batalha,
29 de Junho a 1 de Julho de 2007. Editores José M. Brandão, Carlos Calado, Fernando Sá Couto. SEDPGYM,
2008, p. 194.
22 Cf. Ata do Conselho Escolar de 9 de Junho de 1931.
340
COMBATENDO EPIDEMIAS: BERNARDINO ANTÓNIO GOMES, SOUSA MARTINS, RICARDO JORGE, CÂMARA PESTANA,
ALMEIDA GARRETT, FERNANDO DA SILVA CORREIA
Fig. 8 – Página de rosto do livro de René-Just Háüy, Tomo I, 1801, pertencente ao Fundo Bibliográico Antigo
do Instituto Superior de Engenharia do Porto ( livro nº 973).
Fig. 9 - Grupo de professores e estudantes na entrada para as minas do Lena, em Leiria, durante visita de estudo
realizada de 18 a 20 Junho 1931 (fotograia pertencente ao acervo do Museu do ISEP, nº inv. MPL6270FOT).
341
ESPAÇOS E ACTORES DA CIÊNCIA EM PORTUGAL (XVIII-XX)
professado nas escolas industriais. No primeiro parágrafo do decreto que cria este
museu é evidente a importância que inicialmente lhe foi atribuída: “Considerando
que o progresso incessante da indústria e commercio, os novos inventos e os novos
produtos, os processos modernos continuamente modiicados e a abertura de re-
centes mercados tornam inadiável a creação de museus industriais e commerciais,
que sejam o complemento indispensável dos conhecimentos obtidos nas escolas
especiaes [...]”23
Neste contexto a escola do Porto empenhou-se, durante a segunda metade do
século XIX, através de métodos de ensino compostos por aulas teóricas comple-
mentadas por uma forte componente aplicada, facultar a várias gerações de alunos
uma formação atualizada e ajustada às reais necessidades da indústria e do comér-
cio. Pólo dinâmico de tecnologia e de ciência, sempre soube responder às carên-
cias do país e, principalmente, do Porto, cidade onde proliferava uma burguesia
mercantil que demonstrava as suas preocupações económicas e sempre se associou
ao desenvolvimento do ensino, desde a criação da famigerada Aula Náutica, em
176124. A escola sempre assumiu, deste modo, um papel de relevância, contribuin-
do para o desenvolvimento da cidade portuense e estando os seus dirigentes intei-
ramente empenhados nessa tarefa.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
342
COMBATENDO EPIDEMIAS: BERNARDINO ANTÓNIO GOMES, SOUSA MARTINS, RICARDO JORGE, CÂMARA PESTANA,
ALMEIDA GARRETT, FERNANDO DA SILVA CORREIA
BIBLIOGRAFIA
Legislação
Alvará de 24 de Novembro de 1761.
Colecção Oicial da Legislação Portuguesa, Decreto de 30 de Dezembro de 1852.
Colecção Oicial da Legislação Portuguesa, Relatório que acompanha o decreto de 30 de Dezembro de
1852.
Colecção Oicial da Legislação Portuguesa, Decreto de 20 de Dezembro de 1864.
Colecção Oicial da Legislação Portuguesa, Decreto de 30 de Dezembro de 1869.
Colecção Oicial da Legislação Portuguesa, Decreto de 24 de Dezembro de 1883.
Manuscritos
Livros de registo de receitas e despesas da Escola Industrial e Instituto Industrial do Porto,1859-1902.
Volumes da correspondência recebida do Instituto Industrial do Porto, 1853-1900.
Ata da primeira sessão do Conselho Escolar, ano letivo de 1862-1863, 17 de Outubro de 1862.
Ata do Conselho Escolar de 9 de Junho de 1931.
Livro de correspondência expedida, Carta de 1 de Junho de 1867.
Livro de termos de pose dos lentes e mais empregados da Escola Industrial do Porto, Porto, 19 de
Setembro de 1853, José de Parada e Silva Leitão, o Diretor.
Impressos
CORVO, João de Andrade – Relatório sobre A Exposição Universal de Paris: Agricultura. Lisboa: Imprensa
Nacional, 1857.
Relatório sobre o Instituto Industrial e Commercial do Porto. Anno lectivo de 1887-1888, Ministério
343
ESPAÇOS E ACTORES DA CIÊNCIA EM PORTUGAL (XVIII-XX)
344
Um projecto de musealização para o Real Gabinete
de História Natural da Ajuda (1768-1836)
História, Colecções, Espaços
João Brigolaa e Luís Ceríacob 1
345
ESPAÇOS E ACTORES DA CIÊNCIA EM PORTUGAL (XVIII-XX)
A ser viabilizado esse projecto, além de poder signiicar uma nova valia de atrac-
tividade para o Jardim Botânico e para o denso eixo Belém/Ajuda, acentuaria ali
a atmosfera e a ambiência setecentistas, autenticidade patrimonial singular na in-
vocação do espírito e da matéria do complexo cientíico e museológico joseino e
mariano. Vem a propósito comparar esta iniciativa com a que o madrileno Museo
Nacional de Ciencias Naturales levou a efeito recentemente ao reconstituir simbo-
licamente, nas suas instalações, o Real Gabinete de Historia Natural de Carlos III
(1776). Mas com uma diferença decisiva, que é a de o primitivo espaço, na calle
Alcalá, se encontrar ocupado desde os inícios de novecentos com outra instituição
museológica, a Real Academia de Bellas Artes de San Fernando.
Na Ajuda, o nosso antigo Gabinete ostenta ainda as marcas fortes da sua função
setecentista: porta nobre de acesso pelo Jardim Botânico com bustos alusivos à His-
toria Natural, dois lanços de escada com painéis azulejares, vestígios de policromia
mural, e frontão do portal vestibular com inscrição latina anunciando ao visitante
o theatro da natureza que o aguardava nas duas salas de exibição: “Venite et videte
opera domini. Quae posuit prodigia super terram”4.
Lugares obrigatórios da visita touristica, os estabelecimentos scientiicos do Paço
Real foram objecto de apreciação demorada na pena de inumeráveis viajantes, im-
possível de encontrar noutra qualquer iniciativa museológica do seu tempo. Por
isso, esses testemunhos constituem a mais inestimável fonte documental para nos
guiar no percurso expositivo, na ordenação e colocação dos seus espécimes. E, con-
tudo, ixar a disposição cénica das colecções no espaço exibicional do Real Gabinete
de História Natural da Ajuda - ao longo das suas quase sete décadas de existência
- traduz-se num exercício de improvável rigor histórico. Antes do mais devido a
uma característica intrínseca a esta tipologia museal, que vem a ser a frequente al-
terabilidade quer dos objectos expostos (retirados por razões de deterioração física
ou por esbulho, como sucederá em 1803/045 e 1808) quer das relações sequenciais
O Gabinete de Curiosidades de Domenico Vandelli e a realização de conferências. A exposição reconstituía com rara
felicidade, rigor técnico e apuro estético o mundo das ideias, dos objectos e das realizações cientíicas do empre-
endimento vandelliano da Ajuda, em estreita ligação com a pesquisa naturalista nos trópicos. A obra, produzida
pela Dantes Editora, publica textos de enquadramento de Fernanda de Camargo-Moro, João Carlos Brigola,
Lorelai Kury e José Augusto Pádua. No mesmo ano, esteve patente no Museu Nacional de História Natural
do Rio de Janeiro, na Quinta da Boa Vista (primeiro museu do Brasil colonial, estabelecido por D. João VI em
1818, em edifício da Praça da República até 1892) uma exposição proveniente do Jardim Botânico de Coimbra
(Gabinete transnatural de Domingos Vandelli, Artez, 2008). Uma e outra exposição, temporárias, evidenciaram a
viabilidade museográica de um projecto mais estruturante adaptado à Ajuda.
4 “Vinde, e vede as obras do Senhor, as maravilhas que pôs sobre a terra” (PSALMOS 45:9, Velho Testamento,
Bíblia Sagrada, Tradução do Padre António Pereira de Figueiredo (1842), Lisboa, Deposito das Escripturas
Sagradas, 1924, p. 516).
5 Cfr. “Relações Dos Productos naturaes que por Ordem Regia se remetterão deste Real Museu ao General
Lasnes [sic], Embaixador da Republica Franceza nesta Corte”, (Agosto de 1803 - Maio de 1804), Arquivo
Histórico do Museu Bocage, Geofroy de Saint-Hilaire, Div.- 16 a., n.º 22.
346
UM PROJECTO DE MUSEALIZAÇÃO PARA O REAL GABINETE DE HISTÓRIA NATURAL DA AJUDA (1768-1836).
HISTÓRIA, COLECÇÕES, ESPAÇOS
6 Tant qu’on augmente un cabinet d’histoire naturelle, ont n’y peut maintenir l’ordre qu’en déplaçant continuelle-
ment tout ce qui y est. Par exemple, lorsqu’on veut faire entrer dans une suite une espece qui y manque, si cette
espece appartient au premier genre, il faut que toute le reste de la suite soit déplacé, pour que tout le reste de la
suite soit déplacé, pour que la nouvelle espece soit mise en son lieu Histoire naturelle, générale et particulière avec la
description du cabinet du roi, t. III, Paris, Imprimerie royale, 1749, pp. 1-12, apud D. Diderot, «Cabinet d’Histoire
naturelle», in Encyclopédie ou Dictionnaire raisonné des sciences, des arts et des métiers, 1751, t. II, pp. 489-492.
7 Um viajante português dirá, uns anos antes, do Gabinete madrileno que: “O Gabinete de História Natural de El
Rey tem muita cousa lá mais preciosas que raras, em o mais está muito em principio.” (Carta de Diogo de Melo a
Frei Manuel do Cenáculo (14 de Março de 1778), Biblioteca Pública de Évora, CXXVII/1-7, Carta 1371).
8 Heinrich Freidrich Link, Notas de uma viagem a Portugal e através de França e Espanha, Lisboa, Biblioteca Nacio-
nal, 2005, pp.139-140.
347
ESPAÇOS E ACTORES DA CIÊNCIA EM PORTUGAL (XVIII-XX)
com o que ali fora encontrar em 1811 - “uma vasta desordem de bellas cousas” 9 -,
tenha procurado manter a anterior lógica de exposição.
Entre-se, então, pela porta que lhe dá acesso pelo interior do Jardim Botâni-
co, a oeste do tabuleiro inferior; desça-se por um dos lanços laterais da pequena
escada, passe-se o espaço vestibular e penetre-se no primeiro compartimento do
Gabinete10. Aqui era o local destinado aos objectos do reino mineral. Saint-Hilaire
nos seus relatórios aos colegas professores-administradores tinha-o classiicado de
“salle considérable” mas, como esta não era a sua área de especialização, pouco
acrescentará sobre o acervo exposto11.
O geógrafo-estatista lorentino, Attilio Zuccagni Orlandini12, vê-la-á como
uma sala não muito vasta, com a coniguração de um quadrado regular, cada uma
das quatro paredes dispondo de uma porta. Em cada ângulo do compartimento,
entre uma porta e a seguinte, distribuem-se quatro armários de mogno envidra-
çados - formando um total de dezasseis - contendo toda a colecção. Em verdade,
não preciosa pela quantidade mas riquíssima pelo valor dos objectos, sobretudo de
alguns dos fragmentos nobres das minas de metais.
Por cima dos armários encontram-se aixados às paredes, lateralmente, seis
enormes crocodilos do Brasil (segundo o mesmo, corresponderiam ao “Lacerta
alligator” de Lineu), o maior dos quais ostenta um comprimento não inferior a
dez braços. Também ali se vê um manatim (“Trichechus manatus Lin.” de acordo
com Orlandini) e, sobre a porta de ingresso, uma tartaruga gigante (apelidada pelo
visitante de “Testuggine coriacea”) com quatro braços de comprimento, capturada
na costa de Peniche. Centremos, inalmente, a nossa atenção num grande pedaço
de cobre nativo - um quadrado irregular com a altura de um braço e meio e a lar-
gura de um braço, proveniente da vila de Caxoeira, na prefeitura da Baía - exposto
9 Félix de Avelar Brotero, “Carta a D. Francisco de Lemos. 27 de Fevereiro de 1815”, O Instituto. Revista scientiica
e litteraria, vol. XXXVII, 2.ª série, n.º 6, Dezembro de 1889, pp. 358-359. O próprio Vandelli dirá que: “Nesta
geral separação das produções Naturais, e reposição das que se restituiram, icou o Museu tão desordenado, que
necessita reordenar-se e pôr as etiquetas, que se confundiram ou perderam” (Carta de Domingos Vandelli ao Prín-
cipe Regente D. João (17 de Setembro de 1808), Arquivo Nacional da Torre do Tombo, Ministério do Reino, Maço
279). Vide também Noticia biographica do doutor Felix de Avellar Brotéro, Lisboa, Imprensa Nacional, 1847.
10 Cfr. Manuel Sobral de Campos de Albuquerque de Azevedo Coutinho, O Jardim Botânico da Ajuda. História da
sua evolução. Estado presente do jardim. Projecto de remodelação, (Relatório inal do curso de engenheiro agrónomo
e arquitecto paisagista), Lisboa, Instituto Superior de Agronomia, 1948, pp. 1-73. O exemplar dactilografado
desta tese pode ser consultado na BISA (Biblioteca do Instituto Superior de Agronomia), com a cota 17053.
Não pode deixar-se de mencionar o facto de se tratar da primeira dissertação de licenciatura em arquitectura
paisagista no nosso país. A orientação cientíica foi do Prof. Arquitecto Caldeira Cabral à época responsável pelo
Jardim Botânico da Ajuda cujo material vegetal fora muito devastado por acção do ciclone de 1944.
11 Carta de Geofroy Saint-Hilaire aos professores-administradores do Muséum (Lisboa, 19 de Maio de 1808),
apud E.-T. Hamy, “La mission de Geofroy Saint-Hilaire en Espagne et en Portugal (1808). Histoire et docu-
ments”, Nouvelles Archives du Museum National d’Histoire Naturelle, 4.ª série, t. X, 1908, p. 44.
12 Orlandini viajara por Portugal em 1816. Era sobrinho de um correspondente de Vandelli, o médico e botânico
Attilio Zuccagni, de quem herdou fortuna e nome (Cfr. Carta de Attilio Zuccagni a D. Vandelli (Florença, Feverei-
ro de 1792), AHMB, CE/L -25
348
UM PROJECTO DE MUSEALIZAÇÃO PARA O REAL GABINETE DE HISTÓRIA NATURAL DA AJUDA (1768-1836).
HISTÓRIA, COLECÇÕES, ESPAÇOS
13 Trata-se do famoso cobre nativo a que quase todos os viajantes fazem referência. Encontra-se ainda hoje no
Museu Nacional de História Natural, de Lisboa.
14 “Carta de Geofroy Saint-Hilaire aos professores-administradores do Muséum“ (Lisboa, 19 de Maio de 1808),
apud E.-T. Hamy, La mission de Geofroy Saint-Hilaire en Espagne et en Portugal (1808). Histoire et documents,
1908, p. 44.
15 Letters written during a journey in Spain and a short residence in Portugal, Londres, Longman, 1808, vol. II, pp. 158-
159.
16 Journal of a regimental oicer during the recent campaign in Portugal and Spain under Lord Viscount Wellington, Lon-
dres, J. Johnson, 1810, pp. 10-11.
349
ESPAÇOS E ACTORES DA CIÊNCIA EM PORTUGAL (XVIII-XX)
17 Notes dominicales prises pendant un voyage en Portugal et au Brésil en 1816, 1817 et 1818, 1971, 3 ts.
18 Bibliothèque Saint-Geneviève, Manuscrito n.º 3434.
19 Cfr. Sergio Moravia, Il pensiero degli ‘idéologues’: scienza e ilosoia in Francia (1780-1815), 1974; e Il tramonto dell’
Illuminismo. Filosoia e politica nella società francese (1770-1810), Roma-Bari, Editori Laterza, 1986, pp. 370 e sgs.
20 Desembarcara no Porto em Junho de 1816. Data de 5 de Agosto a note dominicale relativa a Coimbra.
21 Note de 8 de Setembro de 1816.
22 “Mais il appartenait surtout à ce qu’on pourrait appeler le ‘Siècle de Bufon’. Comme tant de ses contemporains, il
se passiona pour les sciences naturelles, et sourtout pour la botanique. (....) Avec un cercle d’amis (....) il herborise
(....) il fréquente les professeurs du Muséum (....) et il acquiert une connaissance approfondie de la classiication
des plantes par Linné et celle des minéraux par Hauy” (Louis Bourdon, “Introduction” a Notes dominicales prises
pendant un voyage en Portugal et au Brésil en 1816, 1817 et 1818, 1971, t. 1, p. XIII).
23 Esta parece ser uma questão de indiscutível actualidade, com a qual se confrontam ainda os nossos museus
naturalistas: Artur Ricardo Jorge, - “Museus de história natural. Relatório apresentado ao I.º congresso nacional
de ciências naturais na sua VIª sessão plenária, em 11 de Junho de 1941”, Arquivos do Museu Bocage, n.º 12, 1941,
pp. 79-112; idem, “A dupla missão - cientíica e cultural - dos museus de história natural, à luz da biologia e da
museologia modernas”, Arquivos do Museu Bocage, n.º 23, 1952, pp. 125-144; Germano F. Sacarrão, Museus de
história natural - signiicado nos domínios da investigação e da cultura, Lisboa, Arquivos do Museu Bocage, 1972;
idem, “Pedagogia da evolução e museus de história natural”, Prelo, n.º 16, Julho/Setembro 1987, pp. 17-37; e
Givanni Pinna, Fondamenti teorici per un museo di storia naturale, Milão, Jaka Book 1997.
350
UM PROJECTO DE MUSEALIZAÇÃO PARA O REAL GABINETE DE HISTÓRIA NATURAL DA AJUDA (1768-1836).
HISTÓRIA, COLECÇÕES, ESPAÇOS
24 Idem, ibidem.
25 A leitura da Gazeta de Lisboa, desde 1715 e durante todo o período joanino, é pródiga em relatos de partos hu-
manos com fetos anómalos (siameses, por exemplo) e de animais monstruosos nascidos um pouco por todo o país.
Algumas vezes chegava-se a ilustrar a notícia com desenhos enviados pelos próprios médicos ou por eruditos
locais. (Gazeta de Lisboa, 1715- 1762; 1778-1807). Sobre estes monstros veja-se ainda Ceríaco et al. 2011.
351
ESPAÇOS E ACTORES DA CIÊNCIA EM PORTUGAL (XVIII-XX)
la nature renverse ses lois pour les produire. Nous ne connessons pas ces lois,
et voilà tout. Après les foetus monstrueux, les veaux à deux têtes, les poulets à
quatre pattes que l’on voit partout, j’ai remarqué des poissons à deux têtes, ce
qui est rare à voir sans être plus étonnant que les autres anomalies naturelles” 26.
O papel que o Gabinete da Ajuda representou na história das ciências da natu-
reza em Portugal foi sendo exaltado, ao longo dos séculos XIX e XX, por diversos
professores e naturalistas que apelaram ao estudo histórico do seu desempenho
cientíico:
“Museu de historia natural de Lisboa, instituto que entre muitos e os mais celebres do
paiz tem uma vida e merece uma biographia, quando mais não fôra, pelas vidas que
n’elle em parte tem sido consumidas com proveito e gloria da nação, desde o inal do
seculo passado”27. “Gabinete do Jardim Botânico da Ajuda, cuja importante e interes-
sante história, e alta inluência civilizadora está ainda por escrever” 28.
Este desígnio memorialista, biográico e historiográico encontra-se hoje, no
essencial, cumprido. Mas a recuperação patrimonial e museológica de espaços e
ambientes, das suas quase sete décadas de vida, permanece um projecto de incerta
realização. E, todavia, da leitura das páginas mais inspiradas escritas por estran-
geiros sobre o nosso património artístico e cientíico seria possível, apoiada pelas
virtualidades inesgotáveis das novas tecnologias, redesenhar os cenários de algumas
das colecções e dos museus da nossa primeira modernidade.
26 Louis-François de Tollenare, Notes dominicales prises pendant un voyage en Portugal et au Brésil en 1816, 1817 et
1818, 1971, t. 1, pp. 184-186. Existem alguns documentos sobre a disposição física dos objectos naturais nas
salas do Museu que, apesar de tardios em relação ao período que estamos a tratar, julgamos relevante divulgar:
«A [segunda] salla do Museu tem sete Armarios de cada lado. Á entrada da porta de cada lado está hum armario
no q. está a direita entrando estão as terras, e á esquerda estaõ sementes (...) e em ambos nas gavetas em baixo
estaõ os Herbarios» (Armario LXV (s/d) [1836], AHMB, Rem. 436); “(....) colecção de mais de 40 madeiras pe-
triicadas; armários de vidraças de grandes dimensões para recolher as produçoens do Reino Vegetal, construídos
dentro das casas; mesa de estanho em que sempre se curtiram as peles dos animaes para se poderem preparar;
pedestal de pedra da massa grande de cobre [nativo do Brasil]” (Livro De Registo das Ordens da Academia respecti-
vas ao Museu Nacional. Desde 6 de Outubro de 1836 em diante, AHMB, Div. - 23).
27 J. Bethencourt Ferreira - “O museu de historia natural de Lisboa”, Revista de Educação e Ensino, 1892, nº 6, pp.
261-272; nº 8, pp. 342-351; nº 9, pp. 420-427; nº 10, pp.476-480; nº 12, pp. 561-564.
28 Balthazar Osório - “Algumas notas inéditas e pouco conhecidas acerca da vida e obra de Félix d’Avelar Brotero”,
Arquivo da Universidade de Lisboa, vol. V, Lisboa, Universidade de Lisboa, 1918.
29 Não constando em qualquer referência dada por visitantes estrangeiras nem em catálogos especíicos de cada
352
UM PROJECTO DE MUSEALIZAÇÃO PARA O REAL GABINETE DE HISTÓRIA NATURAL DA AJUDA (1768-1836).
HISTÓRIA, COLECÇÕES, ESPAÇOS
A primeira sala de exposição era o local destinado aos objectos do reino mineral,
como rochas, minérios e fósseis, existindo, no entanto, algumas peças zoológicas
esteticamente espalhadas. Seria uma sala quadrangular, não muito vasta, onde cada
uma das quatro paredes dispunha de uma porta ao meio. Em cada ângulo do com-
partimento, entre uma porta e a seguinte, distribuíam-se quatro armários de mogno
envidraçados - formando um total de dezasseis - contendo toda a colecção que na
verdade, não era preciosa pela quantidade mas sim pelo valor dos objectos, sobre-
tudo de alguns dos fragmentos nobres das minas de metais. Cada um dos armários
teria diferentes tipos de peças: o primeiro, logo à esquerda de quem entrava na sala,
estava destinado às argilas, ao brecce, ao ocre e areias; o segundo, aos mármores; o
terceiro às estalactites; e o quarto aos feldspatos, gessos e luores. Nos outros quatro
do seguinte canto, o primeiro continha selciose, o segundo as zeólitas, o terceiro
os basaltos, os magnésios e os xistos, e o quarto pedras várias. Seguidamente os
sais, o enxofre e as pirites ocupavam o primeiro armário do terceiro ângulo, e os
outros quatro destinavam-se aos metais que ainda mantinham os nomes de deuses
antigos, de modo que o ouro, prata, estanho, chumbo, cobre e ferro, corresponde-
riam ao nome do Sol, da Lua, Júpiter, Saturno, Vénus, Marte, etc. Finalmente as
concreções e as lavas no ultimo armário, que continha também as “petriicações”
(fósseis) seguindo a classiicação lineana. Algumas das rochas e minérios, tais como
algumas lavas vulcânicas, as estalactites ou os fósseis, encontravam-se montadas
sobre pedestais de madeira e algumas delas tapadas por campânulas de vidro30.
Para além destes armários, existiam ainda duas mesas, dispostas em dois dos lados
da sala onde estava exposta um colecção de cerca de cinquenta amostras de rochas
polidas (“mármores”) de Portugal31. Por cima dos armários encontravam-se aixados
às paredes, lateralmente, seis enormes crocodilos do Brasil (provavelmente exem-
plares de Caiman crocodilus Linnaeus, 1758, um deles ainda conservado no Muséum
National d’Histoire Naturelle de Paris). Também sobre os armários se encontrava
sala, a sua presença é atestada no inventário de Alexandre Rodrigues Ferreira (1794), bem como nos próprios
materiais que ainda hoje existem no Museu Maynense da Academia das Ciências de Lisboa e no Museu da
Ciência da Universidade de Coimbra.
30 In “Inventário Geral e Particular (...)”, Divisão de Manuscritos, I-21, 10/49-8-13, BNRJ.
31 Estas duas mesas puderam ser vistas na antiga sala de Paleontologia da Escola Politécnica, mais conhecida como
Sala do Veado, até ao incêndio de 1978, onde viriam a ser consumidas pelo fogo. Seriam duas mesas tipo “con-
sola”, que permitia que se encostassem à parede, com várias amostras de rochas polidas incrustadas no tampo.
Teriam pernas em forma de “S”, e sobre os dois cantos externos de cada mesa encontravam-se representados
em baixos-relevos de latão, ocupando uma área de, aproximadamente, 5x5 cm, bustos femininos representado as
4 estações, em que numas das mesas estariam o Outono e o Inverno, e na outra a Primavera e o Verão (Liliana
Póvoas, comunicação pessoal). Uma destas mesas pode ser vista numa fotograia da Sala do Veado (anos 40 do
século XX), num dos cantos da sala, encostada a uma porta. Existem no Museu Nacional de Ciencias Naturales de
Madrid alguns exemplares semelhantes.
353
ESPAÇOS E ACTORES DA CIÊNCIA EM PORTUGAL (XVIII-XX)
32 Sobre um exemplar muito semelhante e da mesma origem deste (senão o mesmo!), ainda hoje existente no
Museu de Ciência da Universidade de Coimbra, ver Almaça (1998).
33 Sobre a descrição desta espécie por Vandelli ver Fretey & Bour (1980), e sobre este espécimen em particular, que
ainda existia no Museu de Lisboa, então na Escola Politécnica, no início do século XX, ver Bethencourt Ferreira
(1907, 1911). “Deux autres exemplaires de Tortue marine de l’espèce généralement connue sous le nom de Tortue luth
sont dernièrement parus sur les côtes du Portugal, où elles échouent très rarement. L’exemplaire de cette espèce le plus
ancien du Muséum est un adulte de grandes dimensions, capturé à Peniche, au commencement du siècle dernier (1808?)
et qui aurait été mentionné par Vandelli (Bocage)» Ferreira (1907, pp 83); «Il existe au Museum de Lisbonne, faisant
partie de la collection primitive, formée aux dépens de objets réunis á l’ancien Muséum Royal (d’Ajuda), un exemplaire
de Tortue luth trés ancien, dont nous avons pu faire l’identiication grâce à un manuscrit exrait des Archives du même
établissement,, oú son fondateur, le regretté professeur B. du Bocage a réuni quantité de documents intéressant pour
l’histoire de l’institution et en particulier des Sciences naturelles en Portugal.» Ferreira (1911, pp. 59), onde existe
também o fac-simile de um documento escrito por Vandelli referente ao mesmo exemplar.
34 “Al di sopra degli scafali sono aissi alle pareti lateralmente sei grossossomi cocrodrilli del Brasile, ivi detti volgarmente
jacaré o giaccaré, e da Linneo (Lacerta alligator), il più grande dei quali ha una lunghezza non minore di braccia dieci.
Evvi pure un grosso vitello marino (Trichechus manatus Lin.), e sopra la porta d’ingresso una testuggine coriacea bi
braccia quattro, presa sulla coata di Peniche presso Lisbonna.” in Orlandini (1817); e “La première est toutee consacrée à
la minéralogie, sauf quelques crocodiles et tortues qui tapissent les murs au-dessus des armoires.” in Tollenare (1816).
35 “Most of the articles [...] and are all arranged according to the Linnaen system.” in Neale (1809)
36 “his leads to the second, which is illed with beasts, birds, insects, and ishes, in high preservation, with a beautiful
collection of shells (Soon after, all these things were packed up, to be sent to the Brazils; it being thought that the British
were about to evacuate the country)” in Hawker (1810); “La collection des oiseaux, des poissons et des coquilles est riche
et contient beaucoup de choses nouvelles, qui mériteroint d’être décrites et nom de rester enterrées ici sans aucune utilité.”
in Abildgaard (1895-96); “he collection of butterlies is far the best preserved and most perfect, that I have seen; many
of them very large, and as beautiful as can be conceived; they all came from the Brazils; the birds are also ine.” in Cock-
burn (1815); “a principale richesse des collections de Youda se forme de mammif ères, d’oiseuax et d’insects. [...] Ce que’il
y a surtout de satisfaisant, c’est que tous ces animaux sont d’une conservation parfaite. On m’en a dit la raison. Presque
tous proviennent d’un envoi qui ne remonte pas à plus de deux ans.” in Saint-Hilaire (1808)
354
UM PROJECTO DE MUSEALIZAÇÃO PARA O REAL GABINETE DE HISTÓRIA NATURAL DA AJUDA (1768-1836).
HISTÓRIA, COLECÇÕES, ESPAÇOS
çados37, como na primeira sala, mas também em quatro banquetas38, por cima dos
armários, e, alguns peixes, pendurados no tecto39. A ordem estabelecida seguiria o
sistema lineano no que toca à disposição dos diferentes grupos pelos armários, pelo
que os primeiros três armários da esquerda seriam dedicados aos mamíferos, os qua-
tro seguintes às aves, dois dedicados aos répteis e anfíbios, quatro aos peixes, dois aos
invertebrados e o último às monstruosidades40. A colecção de aves brasileiras seria
uma das mais ricas e imponentes. Estas encontrar-se-iam na sua maioria montadas
sobre pedestais azuis, embelezados com uma linha dourada41. Os ovos e ninhos es-
tavam também expostos nos armários, sendo alguns dos ovos (os de maiores dimen-
sões) colocados em pedestais pintados e colocados sobres os armários42. Os grandes
quadrúpedes africanos, como um hipopótamo43, um rinoceronte, uma zebra44, entre
outros, marcavam também posição de relevo (provavelmente ao centro da sala)45,
chamando desde logo a atenção pela sua imponência, raridade e excelente estado
de preservação, compartilhando o espaço com grandes felinos sul-americanos (com
destaque para uma magníica onça preta, com um tufo branco no peito46), cerví-
37 “Most of the articles are placed in mahogany glazed cases [...]” in Neale (1809)
38 Este número é inferido através da referencia contida no título de um manuscrito, infelizmente desaparecido,
intitulado de “Catalogo de todos os animaes, e mineraes, que se achão arranjados nos trinta e dois armários, e quatro
banquetas do Real Muzeu. Feito em Dezembro de 1810. (In Autos do Inventário ..., ANTT, Ministério do Reino,
Maço 2123, “Academia Real das Ciências. Ofícios. 1837-1843.) dá-nos então conta de que o número de armá-
rios respeitantes aos artigos zoológicos, somados aos 16 já referenciados que continham os espécimes geológicos,
era de número de 32, o que nos deixa com o número inal. Assim sendo, podemos perceber que as duas salas
seriam, em termos de disposição e arrumos, bastante semelhantes.
39 “No tecto da Sala: Squalus Zygaena (...) 1, Squalus Squatina (...) 1, Squalus mirimocellas (...) 1, Raja rhinobatoides
(...)1, Raja sem nº especiico 2” in “Catalogo dos Peixes do Real Museo”, Ms 2441 Biblioteca Central do Muséum.
Estes exemplares, nomeadamente os de Raja seriam iguais aqueles ilustrados no encabulo ilustrado “Riscos De
Alguns Mammaes, Aves, e Vermes do Real Museo de Nossa Senhora d’Ajuda, Ditos de Peixes, e Vermes de Angola, com
o Prospecto da Embocadura do Rio Dande, Ditos de varios Animaes raros de Moçambique, com alguns prospectos, e
Retractos.” AHMB.
40 A inferência desta disposição deve-se à conjugação da informação disponível em documentos do Ms 2441 da
Biblioteca Central do Muséum, onde temos a informação de que as aves ocupariam os armários 4, 5, 6 e 7, e que
os peixes ocupariam os armários 10, 11, 12 e 13, e da lógica lineana que colocava a ordem classiicativa a iniciar-
se na classe dos mamíferos, seguida da das aves, dos anfíbios e répteis, dos peixes e só após isso os invertebrados.
A atribuição do último armário como o dedicado às monstruosidades não é cem por cento iável mas, tendo em
conta que muitos viajantes referiam claramente a existência de um armário dedicado a estes tipo de especímenes,
e visto este conter “monstros” das diversas classes, consideramos que provavelmente seria esta a sua ordenação.
41 “Todas as Aves preparadas. 812. Que todas estão montadas em seus pedestáes de madeira pintada d’azul, com riscos
dourados” in “Inventário Geral e Particular (...)”, Divisão de Manuscritos, I-21, 10/49-8-13, BNRJ.
42 Por exemplo no “Armario 4” existia “na cimalha deste armario - Ovos de avestruz” in “Catalogo das Aves do Real
Museo” Ms 2441 Biblioteca Central do Muséum.
43 “Hippopotamus amphibius (Cavallo-marinho) ...(...)... hú 1” in “Inventário Geral e Particular (...)”, Divisão de
Manuscritos, I-21, 10/49-8-13, BNRJ.
44 “Equus Zêbra ...(...).. huâ 1” in “Inventário Geral e Particular (...)”, Divisão de Manuscritos, I-21, 10/49-8-13,
BNRJ.
45 “he specimens deposited in the Museum are not numerous; but several are very curious, one indeed altogheter unique.
Among the specimens from the animal kingdom, I remarked a ine hippopotamus, a rhinoceros, and some other rare
quadrupeds well preserved. Most of the articles are placed in mahogany glazed cases, and are all arranged according to
the Linnaen system” in Neale (1808).
46 Exemplar representado nas aguarelas da Viagem Philosophica de Alexandre Rodrigues Ferreira (ver AHMB-ARF
Aguarelas), terá feito parte das requisições de Saint-Hilaire. Apesar dos esforços empreendidos por Daget &
Saldanha (1989) e Brucket (2002), não foi possível encontrar o rasto deste exemplar nas colecções parisienses.
Também no “Inventário Geral e Particular (...)” (Divisão de Manuscritos, I-21, 10/49-8-13, BNRJ.) se refere a
355
ESPAÇOS E ACTORES DA CIÊNCIA EM PORTUGAL (XVIII-XX)
deos do Brasil47, um mulão48, uma cabra monstruosa49, outra cabra africana não
descrita50, e também um esqueleto de ema51 assim como um esqueleto humano52.
Dentro dos armários com colecções de mamíferos, reira-se ainda a considerável
colecção de primatas53, a colecção de mamíferos de pequeno e médio porte, quer das
antigas colónias, quer nacionais54, mas também de exemplares de mamíferos mari-
nhos, como os golinhos e manatins55. Alguns esqueletos de mamíferos, bem como
cerca de dez presas de elefante e quatro chifres de rinoceronte, encontravam-se dis-
persos pelo gabinete56. A classe dos répteis e anfíbios seria também representada por
vários exemplares de todo o mundo, avultando as belas peles de serpentes, os sapos
e as rãs disformes e, sobretudo, uma grande colecção de quelónios57 taxidermizados,
os diversos camaleões, os dragões da Índia (género Draco)58, e ainda o hoje extinto
e já então bastante raro, lagarto-gigante-de-cabo-verde (Chioninia coctei Duméril
& Bibron 1839)59. Para além destes, também um considerável número de serpentes
taxidermizadas e em tubos de solução, bem como outros répteis, alguns dos quais
presença de uma “Felis onça” que muito certamente seria o dito exemplar. O mesmo exemplar foi recentemente
encontrado por Luis Ceríaco e Mariana Marques nas colecções do Muséum de Paris, em Setembro de 2011
(ver Ceríaco, in press a). Os restantes felinos seriam certamente aqueles que serviram de base para as ilustrações
presentes nos documentos da Viagem Philosophica de Alexandre Rodrigues Ferreira.
47 “Cervus Corça do Brasil ... húa 1”in “Inventário Geral e Particular (...)”, Divisão de Manuscritos, I-21, 10/49-8-13,
BNRJ.
48 Este mulão encontra-se representado no encabulo ilustrado “Riscos De Alguns Mammaes, Aves, e Vermes do Real
Museo de Nossa Senhora d’Ajuda, Ditos de Peixes, e Vermes de Angola, com o Prospecto da Embocadura do Rio Dande,
Ditos de varios Animaes raros de Moçambique, com alguns prospectos, e Retractos.” AHMB. Pelo seu tamanho, seria
impossível estar acondicionado num armário. Existe também a sua referência no “Inventário Geral e Particular
(...)”, mas também na própria lista de espécimes levados por Saint-Hilaire para Paris (ver Daget & Saldanha
1989). Durante as investigações no Muséum não foi possível a localização deste exemplar.
49 “Capra Hirco (monstruozo) ... húa 1” in “Inventário Geral e Particular (...)”, Divisão de Manuscritos, I-21, 10/49-8-
13, BNRJ.
50 “Capra Hirco Dº de Africa nao descripto ... húa 1”in “Inventário Geral e Particular (...)”, Divisão de Manuscritos,
I-21, 10/49-8-13, BNRJ.
51 “Esqueletos perfeitos de Ema ... hú 1”in “Inventário Geral e Particular (...)”, Divisão de Manuscritos, I-21, 10/49-8-
13, BNRJ.
52 “Esqueleto humano ... hú 1”in “Inventário Geral e Particular (...)”, Divisão de Manuscritos, I-21, 10/49-8-13,
BNRJ.
53 “Todos os primazes , inclusos os Fetos - 62” in “Inventário Geral e Particular (...)”, Divisão de Manuscritos, I-21,
10/49-8-13, BNRJ.
54 Entre eles os “II Brutos”, como os Trichechus, os Bradypus, os Myrmecophaga, os Manis e os Dasypus, mas também
as “III Feras”, como as Phoca, os Canis, Felis, Vivérra, Mustélla, Ursus, Didelphis e Talpa, ou os “IV Glires”, conten-
do os Hystrix, os Lepus, os Mus e os Sciurus, ou os “V Pécora”, com os Cervus e as Capra. In “Inventário Geral e
Particular (...)”, Divisão de Manuscritos, I-21, 10/49-8-13, BNRJ.
55 “Trhichechus Manátus (Peixe Boy) ... 7 (...) Delphinus Delphis (Boto) ... dous 2” in “Inventário Geral e Particular (...)”,
Divisão de Manuscritos, I-21, 10/49-8-13, BNRJ.
56 “Ossada incompleta de Elephante ... hú 1; Dentes do dito naturáes ... dez 10; Dentes do dito monstruozos em forma es-
piral .... hú 1; Cornos de Rhinocerote ... quatro 4; Ditos de Hirco de Angola ... dous 2” in “Inventário Geral e Particular
(...)”, Divisão de Manuscritos, I-21, 10/49-8-13, BNRJ.
57 In “Inventário Geral e Particular (...)”, Divisão de Manuscritos, I-21, 10/49-8-13, BNRJ. Sobre o caso particular
dos quelónios do Gabinete da Ajuda ver Ceríaco & Bour (in press).
58 “Les reptiles ofrent de belles dépouilles de serpents, des crapauds et grenouilles monstrueux, et sourtout plusieurs camélé-
ons dont, à Paris, on n’a que le modèle en cire, plusieurs petits dragons volants.” in Tollenare (1816)
59 Sobre a história dos exemplares de C. coctei do Gabinete da Ajuda, ver Ceríaco (in press b).
356
UM PROJECTO DE MUSEALIZAÇÃO PARA O REAL GABINETE DE HISTÓRIA NATURAL DA AJUDA (1768-1836).
HISTÓRIA, COLECÇÕES, ESPAÇOS
subsistiram até meados do século XX60. Existiam também vários especímenes ic-
tiológicos que se apresentavam conservados dentro de tubos de vidro com solução
alcoólica61, taxidermizados (no caso dos exemplares de maiores dimensões62), ou em
herbário63, sendo este último método de preparação o que reunia um maior núme-
ro de exemplares. Estes últimos estariam guardados dentro de caixas de madeira
pintadas de vermelho64, onde poderiam estar acondicionadas largas dezenas65. Para
além das colecções de vertebrados, a sala exibiria igualmente vários exemplares de
invertebrados. Se a maioria destes exemplares estava em caixotes depositados na sala
de reserva do Gabinete (muitos deles ainda os originais expedidos pelos naturalistas
e colectores), nela existiriam também algumas prateleiras dedicadas a espécimes
invertebrados, nomeadamente insectos, crustáceos e moluscos na forma de conchas.
Vários caranguejos montados e colocados sobre pedestais de madeira pintada de
dourado, bem como estrelas e ouriços-do-mar66, partilhariam o espaço com vários
tabuleiros onde se encontravam colecções de borboletas e insectos67, e outros com
grandes colecções dos mais variados géneros de “zoophytos” e conchas. Estas co-
lecções, a de insectos e a de conchas, seriam das mais impressionantes do Museu,
pelo seu invulgar número de exemplares, bem como pela sua beleza e diversidade68,
e estariam em parte expostas nas quatro banquetas existentes na sala. No chão, por
baixo destas banquetas, existiam ainda vários exemplares de aves69. Num dos armá-
rios haveria também uma colecção de monstros e de abortos, como um cão de sete
patas ou um tubarão de duas cabeças, duas meninas siamesas de lábio leporino, entre
muitos outros, alguns dos quais alvo de alguns estudos publicados na época70.
357
ESPAÇOS E ACTORES DA CIÊNCIA EM PORTUGAL (XVIII-XX)
Devido ao exíguo espaço das duas salas expositivas, era nos armazéns de reserva
que a maior parte da colecção estaria depositada, encontrando-se a maioria dos
animais guardados apenas em pele ou em esqueleto, ou ainda mesmo guardados
em caixas, tal como testemunhava Saint-Hilaire, em 1808, aos seus colegas do
Muséum de Paris71. Para além do espaço das colecções, lugar ainda para um cartó-
rio/livraria, de área reduzida, mas de considerável riqueza em livros e manuscritos.
Uma sala de preparação, com todo o material necessário às operações de taxider-
mia dos espécimes zoológicos, onde se incluíam alguns armários para depósito de
químicos, folhas de landres, frascos para a conservação em álcool, instrumentos,
caixotes para envios, e mesa de preparação, em cobre. Por im, um modesto labora-
tório químico onde se fariam os testes e experiências com o material do Gabinete
e do Jardim.
agreeable objects” in Alexander (1835); “(...) caixa com feto humano monstruoso com duas cabeças; (...) abortos huma-
nos, «em aguardente», um preto e dois brancos; um pinto e um gato com quatro pernas; um cão, em aguardente, com sete
pernas» in «Museo da Universidade de Coimbra, que foi de Domingos Vandelli. Se acha distribuido em tres Casas (s/d)”,
Arquivo Histórico Ultramarino, Reino, Maço 2695 -A. Também em 1781 Alexandre Rodrigues Ferreira dava
conta que: “Outra utilidade q. consigo tras a indagaçaõ dos ninhos he o recolhimento dos partos monstruosos. No Real
Jardim Botanico da Ajuda em Lisboa conserva-se huma gallinha de muntas pernas. Existe no poder de Julio Mattiazzi
hum Caçaõ já grande com duas Cabeças: Outras duas cabeças tem no Gabinete de Coimbra hum Menino” in “Methodo
de Recolher, Preparar, Remeter, e Conservar os Productos Naturais. Segundo o Plano, que tem concebido, e publicado
alguns Naturalistas, para o uzo dos Curiozos que visitaõ os Certoins, e Costas do Mar (1781)” AHMB Res. -17. Re-
lativamente ao cão de sete patas, este terá sido enviado para Coimbra, aquando da transferência da colecção de
Vandelli. Sobre a presença de monstros nas colecções de História Natural portuguesas, ver Ceríaco et al. (2011).
Partilhava também o espaço dedicado aos monstros um exemplar de gémeas siamesas, nascidas em Évora em
1778, apelidadas na sua cidade natal por “Monstro Bicorporeo” e enviadas para a Ajuda. Sobre este exemplar ver
Ceríaco (in press c).
71 «Tous les cofres de ses magazins viennent de m’être ouverts. (...) J’ai vu plusieurs herbiers du Para, du Maragnon, de la
Rivière Noire, etc. Tous sont vierges, on ne s’est pas donné la peine de les ouvrir : ni une plante, ni une idée botanique
n’en sont sorties. Il y a aussi une minérologie très étandue des colonies portugaises. Je vous ai vanté, mês chers collègues,
le Cabinet et je persiste encore plus dans cette opinion, à present que je l’ai examiné plus en détail: mais ce n’est rien,
en quelque sorte, en comparaison des magazins. Des caisses en bon nombre sont pleines dans leurs diférents tiroirs, les
unes d’insectes, les outres d’oiseaux, celles-là d’herbiers, celles-ci de minéraux, de produits chimiques, etc... (...) Toutes les
branches de l’histoire naturelle rendront autant. L’ichtyologie sera peut-être la plus riche ; l’entomologie le sera beaucoup.
Au surplus, il y a dans les magazins des boites qui contiennent 50 à 100 individus d’une seule espèce d’insecte ou d’oiseau.
(...)(«Lettre de Geofroy Saint-Hilaire aux professeurs-administrateurs du Muséum», p. 44-46).
358
UM PROJECTO DE MUSEALIZAÇÃO PARA O REAL GABINETE DE HISTÓRIA NATURAL DA AJUDA (1768-1836).
HISTÓRIA, COLECÇÕES, ESPAÇOS
72 De acordo com o documento Div- 497 do AHMB, “Lista dos animaes cedidos pelo Museu de Lisboa ao Colégio Mi-
litar - Abril de 1880”, este exemplar terá sido enviado do Museu de Lisboa, em 1880 para o Colégio Militar. O
envio de material zoológico do Museu de Lisboa para estabelecimentos de ensino nacionais era prática comum.
Por vezes, como no caso do periquito brasileiro já referido, alguns exemplares da “Colecção Antiga”, ou seja, da
Ajuda, faziam parte desses envios.
73 Durante os meses de Setembro de 2011 e de Fevereiro de 2012, Luis Ceríaco procedeu, no Muséum parisiense, à
localização e identiicação dos exemplares de vertebrados. Na sua maioria encontram-se em boas condições e com
a proveniência bem identiicada como exemplares da Ajuda. Alguns destes espécimes foram já alvo de publicações
posteriores a esta investigação (Ceríaco in press a; Ceríaco & Bour in press), encontrando-se no entanto a ser
preparada uma publicação com a lista total dos exemplares (Ceríaco in prep.)
359
ESPAÇOS E ACTORES DA CIÊNCIA EM PORTUGAL (XVIII-XX)
na. Assim sendo, o regresso destes exemplares a Portugal resultaria na sua privação
para centenas de investigadores de todo o mundo que utilizam estes especímenes,
comparando-os in situ com as longas séries de exemplares semelhantes que se
encontram no Muséum. Por outro lado, em Portugal eles icariam necessariamen-
te relegados para o seu interesse histórico, pois estariam descontextualizados e
afastadas das principais rotas e centros de investigação desta tipologia faunística.
No entanto, pareceria adequado e oportuno preparar uma exposição temporária
desses exemplares na Ajuda, prevendo-se a produção de réplicas para exposição
no novo espaço a musealizar.
A principal questão que se levanta neste projecto é o da natureza da recriação,
conceito que consequentemente implicará a escolha de um entre vários cenários
possíveis, e que terá também ela consequências na seriação dos objectos a serem
expostos ou utilizados, visando a sua fruição e uso pelo público em geral e pela
comunidade cientíica em particular. A concepção de um Museu de História Na-
tural ou, mais apropriadamente, de um Gabinete de História Natural, implica a
existência de uma colecção exposta (aqui simultaneamente colecção de estudo),
enquadrada por um discurso museológico e pedagógico destinado a públicos tão
diversiicados. A criação deste equipamento cultural permitiria a incorporação
a título deinitivo, ou apenas o contrato de depósito temporário, de espécimes
setecentistas e oitocentistas ainda hoje existentes nas diversas instituições que
algum dia beneiciaram do labor cientíico do Gabinete da Ajuda. Seja como for,
defendemos aqui que este projecto museal se revestiria sempre de um carácter
mais histórico, cenográico e pedagógico, do que propriamente de investigação.
Com os dados apresentados, bem como com as actuais técnicas cenográicas e
computacionais, ser-nos-ia possível recriar de forma particularmente iel e de-
talhada o mais importante Gabinete de História Natural português da segunda
metade de setecentos e das primeiras décadas de oitocentos. De inquestionável
interesse para a história da ciência, para a museologia, para a divulgação cientíica,
mas também para o próprio turismo no eixo urbano Belém/Ajuda, este espaço
poderá constituir uma mais-valia para o país e para a ciência nacional, património
cultural único, hoje sob a tutela da Universidade de Lisboa.
360
UM PROJECTO DE MUSEALIZAÇÃO PARA O REAL GABINETE DE HISTÓRIA NATURAL DA AJUDA (1768-1836).
HISTÓRIA, COLECÇÕES, ESPAÇOS
REFERÊNCIAS
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século XVIII. In Livro de Actas do Congresso Luso Brasileiro de História da Ciência. Universidade de
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CERÍACO, Luís & BRIGOLA, João, in press. “Coleccionismo naturalista na Évora do séc. XIX: as
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Seminário Internacional Formas e Representações do Império.
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(Testudinata, Dermochelydae)”. Bolletino di zoologia, nº 47:1-2, pp. 193-205, 1980
361
ESPAÇOS E ACTORES DA CIÊNCIA EM PORTUGAL (XVIII-XX)
Figura 1 - Jardim Botânico e Gabinete na actualidade. (a) Imagem geral de fonte no Jardim;
(b) Espécimen original de Dracaena de Vandelli, alvo de publicação da época; (c) Portão de acesso ao Gabinete;
(d) Perspectiva exterior do Gabinete, na Rua do Jardim Botânico; (e) Frontão vestibular com inscrição latina
referente à Teologia Natural; (f ) Escadas de acesso ao Gabinete. Fotograias por Luis Ceríaco.
362
Figura 2 - Esquema da organização geral da primeira sala do Gabinete. Esquema por Luis Ceríaco.
Figura 3 - Representação artística de uma perspectiva da primeira sala do gabinete, a sala dedicado ao reino
mineral. Ilustração por Gabriel Roque, seguindo instrucções de Luis Ceríaco.
363
Figura 4 - Esquema da organização geral da parte superior da segunda sala do Gabinete. Muitos dos animais
representados são reproduções directas daqueles presentes no AHMB. Esquema por Luis Ceríaco.
Figura 5 - Esquema da organização geral da parte inferior da segunda sala do Gabinete. Muitos dos animais
representados são reproduções directas daqueles presentes no AHMB. Esquema por Luis Ceríaco.
364
Os acervos do Arquivo de Ciência e Tecnologia
Paula Meirelesa e Madalena Ribeirob 1
365
ESPAÇOS E ACTORES DA CIÊNCIA EM PORTUGAL (XVIII-XX)
366
OS ACERVOS DO ARQUIVO DE CIÊNCIA E TECNOLOGIA
* Para os espólios institucionais, as datas correspondem às datas de existência das instituições; no caso do espólio
pessoal, corresponde à data de produção da documentação.
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ESPAÇOS E ACTORES DA CIÊNCIA EM PORTUGAL (XVIII-XX)
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Ciência e Tecnologia. Tal como o nome da entidade sugere, foi a instituição pública
responsável por dirigir, orientar e coordenar as acções de cooperação internacional
no domínio da ciência e da tecnologia. Junto do ICCTI passou, também, a funcio-
nar a Comissão INVOTAN, até então integrada na JNICT.
Uma parte signiicativa do fundo do ICCTI inclui processos de cooperação
bilateral resultantes de protocolos de colaboração e de acordos cientíicos e cul-
turais com outras entidades, nomeadamente congéneres, e processos de coope-
ração multilateral, resultantes da participação ou representação nacional em re-
des e instituições internacionais, nomeadamente, a Organização Europeia para
a Investigação Nuclear (CERN), a Conferência Europeia de Biologia Molecular
(EMBC), o Laboratório Europeu de Biologia Molecular (EMBL), a Organização
Europeia de Biologia Molecular (EMBO), a Agência Espacial Europeia (ESA),
o Observatório Europeu do Sul (ESO), a Infraestrutura Europeia de Radiação de
Sincrotão (ESRF), o Centro Europeu de Informação sobre Ciência e Tecnolo-
gia Marinha (EurOcean), a Organização para a Cooperação e Desenvolvimento
Económico (OCDE) e a Organização das Nações Unidas para a Ciência, Educa-
ção e Cultura (UNESCO).
Após a extinção do ICCTI e transferência das suas atribuições para o Gabinete
de Relações Internacionais da Ciência e do Ensino Superior (GRICES), o arqui-
vo produzido pelo ICCTI, e pela Comissão INVOTAN, passaram para esta nova
instituição. Em 2007, na sequência da extinção do GRICES, e da passagem de
uma parte das suas atribuições para a FCT, assistiu-se à transferência dos arquivos
do ICCTI e da Comissão INVOTAN, e de uma parte do arquivo do GRICES
para a FCT.
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nico nas áreas dos assuntos comunitários e das relações internacionais nos do-
mínios da ciência, da tecnologia e do ensino superior. O GRICES absorveu as
funções quer do Instituto de Cooperação Cientíica e Tecnológica Internacional,
quer do Gabinete dos Assuntos Europeus e Relações Internacionais do Ministé-
rio da Educação, então extintos. Junto do GRICES passou também a funcionar a
Comissão INVOTAN.
A parte do arquivo do GRICES que a Fundação herdou é muito semelhante
à do arquivo do ICCTI: processos de cooperação bilateral resultantes de proto-
colos de colaboração e de acordos cientíicos e culturais com outras entidades,
nomeadamente congéneres, e processos de cooperação multilateral, resultantes
da participação ou representação nacional em redes e instituições internacionais,
acima nomeadas.
A transferência de uma parte do arquivo do GRICES para a Fundação – e,
consequentemente, do arquivo do ICCTI e da Comissão INVOTAN – aconteceu
em 2007, resultado da extinção do GRICES e da distribuição das suas atribuições
pelo Gabinete de Planeamento, Estratégia, Avaliação e Relações Internacionais
e pela FCT.
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O trabalho de organização do Arquivo de Ciência e Tecnologia da FCT tem
proporcionado a (re)descoberta de uma documentação inestimável para o estudo
da temática geral da política e da organização da ciência em Portugal e das diversas
áreas cientíicas e instituições associadas, entre diversas outras dimensões, compro-
vando a importância deste espólio.
Trata-se, conforme descrito, de um conjunto documental único, de grande valor
intrínseco e essencial para o aprofundamento do estudo da atividade cultural e
cientíica portuguesa desde os meados do século XX até à atualidade em múltiplos
domínios.
O facto de se encontrar preservado, organizado e disponível à consulta pública, a
que acresce a possibilidade de integração de espólios pessoais, valorizam ainda mais
a ação e o trabalho promovido pela FCT, contando com a colaboração e o apoio
cientíico do Instituto de História Contemporânea e o acompanhamento técnico
da Direção-Geral do Livro, dos Arquivos e das Bibliotecas.
Reira-se, por im, a adesão do Arquivo da FCT à Rede Portuguesa de Arqui-
vos, partilhando, agora também por essa via, a missão da divulgação do património
arquivístico que a FCT tem à sua guarda, tornando-o acessível a partir de redes de
informação internacionais, como a Europeana ou a Apenet.
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BIBLIOGRAFIA
DIREÇãO-GERAL DE ARQUIVOS – GRUPO DE TRABALHO DE NORMALIZAÇãO DA
DESCRIÇãO EM ARQUIVO (2007) – Orientações para a descrição arquivística. Lisboa: Direção-
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ROLLO, Maria Fernanda, MEIRELES, Paula, RIBEIRO, Madalena, BRANDãO, Tiago (2012) –
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Portugal. O Arquivo de Ciência e Tecnologia da FCT, Ingenium, 12, pp. 106-108.
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