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Reflexões - As Intermitências Da Morte - Material de Apoio CLA 2022
Reflexões - As Intermitências Da Morte - Material de Apoio CLA 2022
DE LEI
E
T
AS INTERMITÊNCIAS DA MORTE
CLUB
UR
de Apoio
José Saramago
A
(A)NORMAL
Por Maria Camila Moura
Edição 2022 /
REFLEXÕES Ciclo da Vida: do vir ao partir.
Neste livro, Saramago, de uma maneira muito sábia, subverte a nossa noção usual de
finitude como algo ruim e traz consequências morais, pragmáticas e catastróficas caso
houvesse uma interrupção da morte. São inúmeros os elementos que poderíamos trabalhar a
partir desse livro: aspectos macrossociais, familiares, a relação com a morte e com sua ausência
e, curiosamente, como a morte lida conosco. Saramago tece várias críticas ao longo do livro,
sempre se utilizando de um tom satírico, irônico, que traz até uma certa leveza ao falar sobre a
morte.
Em relação ao enredo em si, vemos como Saramago tece ferrenhas críticas à nossa
sociedade. Por exemplo, quando vemos a máphia mandando nas decisões governamentais
estamos lidando com deboche puro. Saramago nos coloca de uma maneira muito curiosa como
todas as políticas públicas passam por interesses privados; por oportunismos. Por exemplo,
politicamente, o país era uma monarquia, mas se vê em meio a disputas, com o partido
republicano que quer se aproveitar da situação para se projetar como uma força, enquanto o
rei, até então mantido alheio a toda a situação, é mantido à distância pelo governo. Às vezes
suas críticas são mais veladas, mas tantas outras são escancaradas, como quando ele fala do
pragmatismo político.
Óbvio que a imprensa também é alvo de suas críticas. O narrador vai nos mostrar
tanto como o governo trabalha em seu benefício ocultando informações, utilizando da
publicidade que o favorece e como a imprensa também relata ou oculta informações não
pensando no povo, mas no poder econômico, na questão empresarial.
A Igreja é uma instituição que parece também ter vez junto ao governo. A Igreja surge
não somente por suas questões transcendentais, filosóficas, mas por questões de poder, de
possibilidade de perder seu prestígio. Em um dado momento da reunião em que os líderes
religiosos debatem com os filósofos, os religiosos são postos em dúvida e, no fim das contas,
decidem o que é melhor para Igreja, pouco se importando com a discussão sobre a vontade de
Deus.
Material
DE LEI
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AS INTERMITÊNCIAS DA MORTE
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José Saramago
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(A)NORMAL
Por Maria Camila Moura
Edição 2022 /
REFLEXÕES Ciclo da Vida: do vir ao partir.
É importante perceber também que Saramago refere-se a “deus” e “igreja” sem usar
letras maiúsculas. Ou seja, nos remete a uma certa indiferença e à mesma reflexão sobre a
“morte” com “m” minúsculo; existem outras, tanto a morte como deus são apenas mais um
dentre vários. Além disso, como A Igreja Católica foi e é uma das principais instituições em
Portugal, podemos interpretar a crítica à relação entre igreja e Estado como aludindo ao papel
da Igreja Católica no Estado português.
Esses são alguns pontos de intertextualidade escancarada, direta. Porém, ela aparece
também em relação ao tema principal do texto: a morte. Por exemplo, a morte faz questão de
ser reconhecida como a morte com letra minúscula, afinal, havia outras mortes. Isso é muito
claro na mitologia grega. A morte, entre os gregos antigos, era multifacetada, e cada uma dessas
facetas era representada por uma entidade diferente. Outro ponto de intertextualidade é que,
no livro, a morte anuncia por suas cartas que as pessoas irão morrer, que a pessoa em questão
tem um tempo limitado de vida.
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AS INTERMITÊNCIAS DA MORTE
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José Saramago
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(A)NORMAL
Por Maria Camila Moura
Edição 2022 /
REFLEXÕES Ciclo da Vida: do vir ao partir.
E Ankou — que citamos na aula de contexto — por exemplo, aparece conduzindo uma
carroça, cuja carga são cadáveres e cujo rangido, se ouvido por alguém, significa que aquela
pessoa dispõe de pouco tempo de vida, enquanto aqueles que chegam a ver a carroça saberão
que irão morrer dentro de um ano. Podemos, então, traçar um paralelo com as cartas recebidas,
o anúncio da morte em determinado período de tempo.
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AS INTERMITÊNCIAS DA MORTE
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de Apoio
José Saramago
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(A)NORMAL
Por Maria Camila Moura
Edição 2022 /
REFLEXÕES Ciclo da Vida: do vir ao partir.
O final das Intermitências da Morte nos conduz à seguinte reflexão: escapar da morte,
ao contrário de nos levar a uma vida paradisíaca, pode nos trazer, na melhor das hipóteses, um
tédio extremo, e, na pior, a desumanização. Uma vida infinita levaria à repetição de atividades,
mesmo daquelas atividades que consideramos significativas, como amar ou produzir ciência ou
arte, um número infinito de vezes. A dúvida que se impõe é se essas atividades teriam o mesmo
sentido para nós, ou seriam aprazíveis se fossem repetidas tantas vezes.
Leitura complementar:
Entrevista com Saramago para a RTP, uma rede televisiva de Portugal, que nos dá chaves
interpretativas bem interessantes sobre o final/início da obra.
Fonte: https://ensina.rtp.pt/artigo/jose-saramago-sobre-as-intermitencias-da-morte/