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Desenvolvimento 2 - Religião e “eles são feios”

De “Nunca tinha visto corpos tão perfeitos quanto o deles.”(FADLAN, Ibn.


877-960. p.69) para “Eles são as mais imundas criaturas de Deus.”(FADLAN, Ibn.
877-960. p.70) foram alguns parágrafos que separam a interpretação de Ibn Fadlan
sobre os Rus de elogios a difamações. Não que fosse algo especial aos Rus, como
vemos no decorrer de seus relatos subindo o Volga. Ibn Fadlan julga de acordo com
seus costumes e crença nas atitudes e modos de vida de diversos povos e tribos.
Porém, voltando aos Rus, podemos perceber por meio do relato de Ibn
Fadlan não só uma forma de funeral diferente da cultura islâmica que Fadlan vivia,
mas podemos perceber que a própria estrutura social e posição - em que nela o Rus
ocupa - determina a forma como que seu funeral será feito.
Doentes eram tratados de forma desumana, onde só recebiam pouca comida
e água, e se por sorte sobrevivessem, voltavam normalmente para a sociedade.
Porém, quando se morria, poderiam acontecer duas coisas: ou eram queimados ou
deixados para os cães e pássaros se alimentarem - essa última garantida somente
aos escravos -.
Ibn Fadlan desenvolve muitas linhas de seu texto garantidas para a questão
da morte, por provável curiosidade do mesmo no assunto. Sua curiosidade pode ter
se dado por justificável diferença da forma de se tratar a morte em sua cultura e
religião, onde, como exemplificado pela fala relatada de um Rus para com um dos
muçulmanos:

“Vocês árabes são tolos [...] Vocês colocam as pessoas a quem mais amam
e respeitam na terra, onde as minhocas e os vermes as comem. Nós as
queimamos com fogo em um instante, assim elas entram no paraíso na
mesma hora”. (FADLAN, Ibn. 877-960, p.77)

Podemos então analisar uma complexa forma de se lidar com os mortos da


perspectiva de Ibn Fadlan. Como se lê em Neil Price (2008) a forma dos ritos
fúnebres Vikings são complexos e envolvem uma vasta diversidade de cerimônias,
atos sexuais e assasinatos em nome de mortes honrosas. Como é retratado por
Fadlan ao presenciar a morte de um nobre Rus, onde desde sua morte até a sua
queimação levaram se mais de 10 dias.
Mas é interessante notar que esses rituais não se dão por uma obrigação
religiosa como conhecemos por conta da forma como a religiões como o
Cristianismo, Budismo e Islamismo se dão como “religiões transnacionais
doutrinais”, pois a forma como se aplica a religião e a forma de agir na sociedade
viking se dava pela própria cultura e expressão popular, se dando como “religião não
doutrinal de comunidade”(HULTGAR. 2008).
Aos pobres - sem escravos ou mercadorias - era construído um barco e
ateado fogo. Já aos ricos - com posses - se era também colocado em um barco,
porém agora com a diferença de que se pegava o seu dinheiro e dividido em três
partes, uma para a família do defunto poder sobreviver e tocar a vida, uma para
fazer as roupas de sua morte (pois não se era queimado com as mesmas roupas
com a qual se morria) e outra para o vinho que a escrava do rico beberia e após, se
mataria e queimaria junto ao seu proprietário. Mas, algo em comum se analisa
nessas duas mortes: o barco.

Uma reconstrução do túmulo-barco de Oseberg como a construção original, com a esquerda do


barco parcialmente descoberto e acessível. (Desenho: Morten Myklebust, depois Gansum 2004.
tradução livre, encontrado em PRICE, Niel. 2008)

A exata natureza do significado vem sendo sujeito de debates,


focando principalmente no barco como meio de transporte para uma
simbólica jornada [...] os barcos geralmente contêm marcas deliberadas da
etnia, religião e poder, além de também apontar a pista de uma notável
mescla cultural.(PRICE. 2008, p. 265. tradução livre)

Como abordado por Neil Price (2008), a forma com que se dá o barco na
cultura fúnebre viking não tem uma exata resposta ou forma de se entender em seu
todo. Além de se ter diversas variações de acordo com a localização, não sendo
algo intrínseco da religião Viking - justamente por não ser uma “religião não
doutrinal” - com variações como câmaras de cremação.
Além de haver, claras ligações com a mitologia nórdica relacionadas a deuses
como Balder, Odin, Thor, Freyr e Freyja, sendo a sua principal provável associação
com o primeiro citado. Pois, após sua morte pelo deus Loki, aconteceu-se de o
mesmo ser colocado em seu barco junto de seus pertences. Nanna - esposa de
Balder - decidiu, com o consentimento de Odin, morrer junto de seu amado. Odin
presenteou o defunto com um anel de ouro especial e o cavalo de Balder, todo
decorado, foi sacrificado junto de seu dono. Então o barco foi incendiado.
Interessante de se notar que a figura do barco não necessariamente deveria
ser queimada, como mostrado por Gerds (2006, p.154) com a construção de barcos
de pedra - como um túmulo - onde a prática poderia ser vista de modo comum em
locais como a Dinamarca e na Suécia.

Barco de Pedra em Gunnarve - Suiça (Foto de: Dan Karlsson) disponível em:
https://www.azotelibrary.com/en/image/huge-ship-with-gunnarve/35477
Algo a ser citado que também acontecia, é o roubo dos “túmulos”. Como
escrito por Ibn Miskawaih (MIKKELSEN, Egil. 2008, p. 545) “Os muçulmanos depois
que os Rus saíssem, estavam olhando dentro dos túmulos e pegavam as espadas
que estavam em alta demanda na época, pois eram brilhantes e de ótima
qualidade”.

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