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Rodrigues e Pereira, 2016

Perspective

Perspectivas

Farmácia Clínica em Ambiente Hospitalar:


Perspectivas e Estratégias para Implementação
João Paulo Vilela Rodrigues*1, Leonardo Régis Leira Pereira1

1- Departamento de Ciências Farmacêuticas, Centro de Pesquisa em Assistência Farmacêutica e


Farmácia Clínica (CPAFF), Faculdade de Ciências Farmacêuticas de Ribeirão Preto,
Universidade de São Paulo (FCFRP/USP), São Paulo, Brasil.
*Autor Correspondente: jpvilela@fcfrp.usp.br

Desde o advento da Farmácia Clínica da Unidade de Neurologia, onde o


(FC) em hospitais dos EUA na segunda metade farmacêutico realiza o acompanhamento de
do século passado, a inserção do farmacêutico pacientes hospitalizados e oferece suporte à
na equipe de saúde tem se caracterizado como equipe multidisciplinar e a atividades de ensino
um processo mais efetivo em países da Europa, e pesquisa. Durante os três primeiros anos
América do Norte e na Austrália1. A presença deste trabalho, foram acompanhados 409
de farmacêuticos clínicos favorece o uso pacientes e realizadas 664 intervenções
racional de medicamentos, reduz tempo de farmacoterapêuticas (516 junto à equipe de
internação e custos e impacta positivamente na saúde e 148 orientações de alta). Do total de
qualidade de vida dos pacientes e nos índices intervenções realizadas junto à equipe,
de mortalidade após a alta hospitalar2,3. Em particularmente aos médicos, 428 (83%) foram
contrapartida, nos países em desenvolvimento, aceitas. A intervenção mais realizada foi
que possuem um sistema de saúde em fase de introdução de medicamento para condições
estruturação, há uma inquestionável lacuna de não tratadas. O CPAFF/FCFRP/USP está
conhecimento e de ações associados à FC4. No conduzindo ainda um estudo
Brasil, os farmacêuticos, de modo geral, farmacoeconômico com a finalidade de
privilegiam atividades relacionadas à evidenciar o impacto financeiro da FC para a
tecnologia de gestão em detrimento das instituição e para o sistema de saúde.
atividades clínicas5. Após os resultados promissores
Com o intuito de contribuir para a alcançados na Neurologia, a FC foi instituída e
modificação deste panorama, em janeiro de é uma realidade em outros setores do hospital
2012, o Centro de Pesquisas em Assistência como na Unidade de Tratamento de Doenças
Farmacêutica e Farmácia Clínica da Faculdade Infecciosas e no Centro de Terapia Intensiva
de Ciências Farmacêuticas de Ribeirão Preto pediátrico. A figura 1 sugere uma sequência de
da Universidade de São Paulo oito etapas a serem realizadas previamente à
(CPAFF/FCFRP/USP) implementou, por meio implementação da FC em âmbito hospitalar
de uma parceria com o Hospital das Clínicas que podem nortear este mesmo processo em
da Faculdade de Medicina da mesma outros níveis de atenção à saúde.
universidade, um serviço de FC na enfermaria

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Figura 1 – Fluxograma de ações para implementação da FC em um hospital.

Na primeira etapa, recomenda-se que grande número de pacientes até que o serviço
sejam apresentados ao gestor do hospital dados de FC se consolide. Por isso, além da definição
da literatura que indiquem impactos clínico e de um local, critérios de seleção de pacientes
financeiro favoráveis. Dificilmente haverá em devem ser estabelecidos. Posteriormente,
hospitais brasileiros, principalmente nos sugere-se que sejam buscadas informações
públicos, um ambiente adequado e pessoal baseadas em evidências científicas sobre
capacitado para que se implemente a FC em fisiopatologia e tratamento farmacológico, bem
diversos setores de diferentes especialidades como sobre indicadores clínicos das doenças
médicas. mais comumente observadas no setor.
Assim, o segundo passo é a definição Apresentada a proposta, a equipe cria
de um local para início das atividades. Setores expectativas quanto ao suporte do
que valorizem a equipe multiprofissional e/ou farmacêutico. Uma rotina quanto à carga
que apresentem um perfil de pacientes horária de trabalho deve ser definida e
internados que utilizam um grande número de cumprida. Após, é imprescindível estabelecer
fármacos devem ser priorizados. Considerando atividades específicas e ferramentas de
esta última questão, centros de terapia trabalho. Será realizada reconciliação
intensiva devem ser sempre considerados. A medicamentosa somente com os pacientes
terceira etapa seria a apresentação da proposta selecionados para acompanhamento? Qual
à equipe de saúde. Neste momento, os base de dados será utilizada para buscar
objetivos da FC e as atribuições do informações referentes aos fármacos? O
farmacêutico clínico devem ficar claros aos farmacêutico registrará suas intervenções em
demais profissionais. prontuário médico? Haverá fichas específicas
Pelas limitações já citadas, é também da FC? Estas são úteis para a padronização de
tecnicamente difícil realizar o condutas e podem ser adaptadas de métodos de
acompanhamento farmacoterapêutico de um acompanhamento farmacoterapêutico que

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estão disponíveis na literatura . A última etapa onde a gestão está estruturada o que permite o
é o início do serviço propriamente dito. Uma avanço em direção à clínica. Apesar do déficit
estratégia adicional, que pode ser colocada em de formação dos farmacêuticos que estão no
prática antes de se iniciar a FC, é a visita a mercado de trabalho, há uma demanda por
instituições onde o serviço está implementado. farmacêuticos clínicos no país que precisa ser
Além da conhecida estrutura atendida.
desfavorável dos hospitais no Brasil, há outros
obstáculos à FC como, por exemplo, a
formação acadêmica. Durante muitos anos, o Referências
farmacêutico brasileiro foi preparado para
trabalhar na indústria ou em laboratórios de 1. Martín-Calero MJ, Machuca M, Murillo
análises clínicas. Alguns destes, absorvidos MD, Cansino J, Gastelurrutia MA, Faus
pelos hospitais, apresentam receio relacionado MJ. Structural Process and
à sua inserção à equipe de saúde e se sentem Implementation Programs of
confortáveis realizando atividades gerenciais. Pharmaceutical Care in Different
Martín-Calero et al.1 ressaltam a importância Countries. Curr Pharm Des.
da formação para a atuação na área clínica e 2004;10:3969-85.
destacam que as habilidades de comunicação,
necessárias para o contato com pacientes e 2. Kaboli PJ, Hoth AB, McClimon BJ,
demais profissionais, devem ser desenvolvidas Schnipper JL. Clinical Pharmacists and
durante a graduação. Mudanças nas diretrizes Inpatient Medical Care. A Systematic
curriculares dos cursos de Farmácia das Review. Arch Intern Med. 2006; 166:955-
universidades brasileiras são imprescindíveis 64.
para que sejam formados farmacêuticos
preparados para atuarem com excelência 3. Gillespie U, Alassaad A, Henrohn D,
também na clínica. Outra barreira é a falta de Garmo H, Hammarlund-Udenaes M, Toss
cultura no país relacionada à FC que se H, Kettis-Lindblad A, Melhus H, Mörlin
manifesta por meio da resistência dos médicos C. A Comprehensive Pharmacist
ao serviço. Intervention to Reduce Morbidity in
Apesar das dificuldades, algumas Patients 80 Years or Older. A
situações tornam o momento propício para a Randomized Controlled Trial. Arch Intern
FC. Órgãos importantes de acreditação de Med. 2009;169(9):894-900.
serviços de saúde como a Joint Commission
International consideram em sua avaliação 4. Khalili H, Farsaei S, Rezaee H, Dashti-
atividades relacionadas à FC, como o Khavidaki S. Role of clinical pharmacists’
monitoramento do uso do medicamento em interventions in detection and prevention
hospitais e a orientação na alta hospitalar6. O of medication errors in a medical ward.
Ministério da Saúde brasileiro publicou, em Int J Clin Pharm. 2011; 33:281-84.
2014, documentos que abordam a atuação
clínica do farmacêutico e incentivam o cuidado 5. Brasil. Ministério da Saúde. Secretaria de
farmacêutico na atenção básica5,7. Ciência, Tecnologia e Insumos
A própria evolução histórica da Estratégicos. Departamento de Assistência
profissão sugere que este é o momento para o Farmacêutica e Insumos Estratégicos.
farmacêutico assumir o seu papel como Cuidado Farmacêutico na Atenção Básica
profissional da saúde. Se existe um grande (Caderno 1). Serviços Farmacêuticos na
número de municípios e estabelecimentos no Atenção Básica. Brasília: Ministério da
Brasil onde não há profissionais que garantam Saúde. 2014. 108p.
o simples acesso ao medicamento, há outros

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6. Tavakoli N, Abbasi S. External
Evaluation of Four Hospitals According
to Patient-centred Care Standards. Acta
Inform Med. 2013 Sep; 21(3):176-79.

7. Brasil. Ministério da Saúde. Secretaria de


Ciência, Tecnologia e Insumos
Estratégicos. Departamento de Assistência
Farmacêutica e Insumos Estratégicos.
Cuidado Farmacêutico na Atenção Básica
(Caderno 2). Capacitação para
Implantação dos Serviços de Clínica
Farmacêutica. Brasília: Ministério da
Saúde. 2014. 308p.

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