DOIS CASOS DE DIFICULDADES NA LEITURA E ESCRITA
BETTI KATZENSTEIN
Apresentaram-se durante um
mês de trabalho, em diagnóstico e
orientação psicopedagógica, dois
casos de crianças com dificuldades
na leitura e escrita.
Resumem-se as queixas da se-
guinte forma:
Caso 1
- João de 9 anos é um menino
inteligente, pela opinião dos pais
e da professôra. Sabe fazer bem
suas contas, repete tudo, mas não
há meio de aprender a ler e es-
crever. Aprende, antes, um livro
de cor, do início ao fim, em vez de
ler uma só linha de uma das tais
revistinhas, pelas quais as outras
crianças gastam todo o seu di-
nheiro.
Caso 2
- Um fato semelhante se dá
com Luiza, menina de 13 anos; ela
é considerada boazinha, esforçada,
desenha e copia bem, mas seus di-
tados são sempre cheios de erros e
todos incumbidos de sua educação
e instrução são unânimes na opi-
nião de que não se trata de má
vontade da menina pelo estudo.
Como se vê, foram estas as difi-
culdades das crianças, sem que al-
guém as culpasse de má vontade
ou de "burros", como é feito em
geral.
É pouco conhecido que casos
como êstes são freqüentes em to-
dos os países e precisam de estu-
dos especiais.
Assim, estudos feitos, desde o
início do século, em muitos países
do mundo, entre 08 quais se acham
a Inglaterra, a Suécia, a Suíça, a
Alemanha, os Estados Unidos, a
Dinamarca, revelam que se trata
de um fenômeno universal: Em
todos êstes países encontraram-se
crianças com dificuldades na
aprendizagem da leitura, da escri-
ta, ou de ambos, variando as per-
centagens da mesmas, conforme
os aspectos pelos quais o problema
foi estudado e conforme os pesqui-
sadores, entre 2 % a 15 %. As
percentagens são mais elevadas
nos países de língua inglêsa, em
virtude da pouca relação entre a
pronúncia e a escrita de uma pa-
lavra.
Estas deficiências são conheci-
das na leitura científica com as
expressões mais diversas, como:
alexia, agrafia, legastenia, "read-
ing and spelling difficulties", "Le-
se - und Rechtschreibeschwae-
che" ou "wordblindness" (dificul-
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dades de leitura e ortografia, "ce-
gueira da palavra").
As duas crianças em questão
foram submetidas a um estudo
psicológico com os seguintes pas-
sos:
1) Examinar o estado geral de
saúde da criança, sua visão, sua
audição, sua motricidade, e seu
sistema nervoso (exames por mé-
dico clínico e por especialista).
2) Manter uma entrevista com
um responsável da família, quan-
to ao desenvolvimento da criança,
sua personalidade, suas atitudes, a
existência de casos semelhantes na
família, - uma vez que se sabe
que a "cegueira da palavra" pode
ser hereditária.
3) Conhecer a personalidade
da criança, através de observa-
ções, desenhos e provas de perso-
nalidade.
4) Determinar seu nível men-
tal por meio de testes psicológicos.
5) Analisar cuidadosamente a
espécie de seus erros e de suas di-
ficuldades, seja na leitura, na es-
crita, ou em ambos êstes campos,
devendo-se diferençar nesta análi-
se entre trechos copiados, escrita
livre ou ditados, letras, números,
palavras e frases.
6) Submeter a criança a uma
série de provas especiais para um
exame especial de legastenia (difi-
culdade de leitura) e de deficiên-
cia de ortografia, como por exem-
plo as provas propostas por Maria
Linder, na Revue de Psychiatrie
Infantile, 1951, e por Kirchhoff,
na Revista "Psychologische Pra-
xis", ed. Basel, 1954.
Somente após todos êstes pas-
sos, poderá ser elaborado um diag-
nóstico e estabelecido um progra-
ma de orientação psicopedagógica
para remediar as dificuldades e
socorrer as crianças, que muitas
vêzes - em virtude de suas difi-
culdades - fogem de qualquer es-
fôrço mental, em vista de expe-
riências dolorosas ou sentem-se
desajustadas no meio de outras
crianças.
Em geral, uma assistência indi-
vidual, oferecida nesta base, leva
ao êxito. entretanto, em vários
países, classes especiais, cujo tem-
po de freqüência varia de criança
para criança, estão sendo introdu-
zidas nas escolas públicas.
Resumindo o resultado do estu-
do de João e Luiza, dizem o se-
guinte:
João é um menino sempre ro-
deado de muitos amigos para jo-
gar bola. Tem só um irmão maior,
mais velho que êle e muito inteli-
gente - nem vale a pena compe-
tir com êste. Cheio de entusias-
mo, João se preparou para o 1.0
ano escolar, mas qual não foi sua
decepção quando saiu o primeiro
boletim: aritmética - nota boa,
mas português - bem baixa. Os
pais não se zangaram. Esperaram
um ano. João passou raspando.
repetiu o 2.0 ano, mas não melho-
rou. Então os pais foram pro-
curar orientação psicológica, a
conselho da professôra. O psicólo-
go constatou: inteligência acima
do normal. fantasia viva, mas, o
menino queria ficar pequeno,
igual Peter Pano Para que cres-
cer? Para que aprender a ler e
escrever?
Os cadernos, cheios de erros, re-
velaram, na análise, renetic<io do
mesmo tipo de erros, omissão de
vogais, no meio da palavra e omis-
são da letra final. As provas es-
peciais mostraram que reieita a
leitura, troca letra e inverte nú-
meros de mais de um akarismo.
Assim, encontraram-se erros co-
mo: comr, em vez de comer; rat,
 OOIS CASOS DE DIFICULDADES NA LEITURA E ESCRITA
em vez de rato; Alce, em vez de
Alice; escreve 71, em vez de 17;
93, em vez de 39.
Muito mais grave era o caso de
Luiza, já de 13 anos.
Menina de boa inteligência, com
muito boa vontade e espírito de
cooperação, ela sabia ler, mas, es-
crevendo - tudo saía errado.
Logo se percebeu que lhe faltava
a "imagem da palavra", não con-
seguia separar uma sílaba da ou-
tra, escrevendo: "ossovinha" por
"o sovina"; "de vido" em vez de
"devido", "em quanto" em vez de
"enquanto". Trocava letras ao es-
crever: "recalma" em vez de "re-
clama", "garegados" em vez de
"carregados", "avrite" em lugar
de "alvitre", "desginados" em vez
de "designados" e assim por dian-
te. Palavras mais complicadas
saíam completamente truncadas e
ilegíveis: p. ex. "longeceo" por
"enlouqueceu", "aterradamente"
por "alternadamente", "aversiro"
por "adversário", "armilação" por
"admiração", "escaçado" por "es-
carranchado", etc.
Soube-se que sua mãe teve as
mesmas dificuldades, mas não
quer que a filha saiba disto - tem
vergonha para seu próprio caso,
embora apresente ao mesmo tem-
po compreensão para as dificulda-
des da filha.
Luiza deve ser considerada co-
mo um caso de acentuada "ceguei-
ra da palavra" ("wordblindness").
Mas tanto ela como João podiam
ser ajudados com um programa de
reeducação na leitura e escrita,
por meio de métodos especiais, que
integram igualmente vasto pro-
grama de jogos e atividades re-
creativas apropriadas, levando-se
em consideracão também eventuais
mudancas no' ambiente ou outras
sugestões de ordem educacional
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que completam esta reeducação,
para que João e Luiza, que são
crianças inteligentes, possam apro-
veitar o ensino escolar como eles
o podem e querem e como os pais
o esperam.
SUMMARY
Two cases 01 problems in rmding
and wl·iting
The present article is a descrip-
tion of two cases of problems in
reading and writing.
The Authoress notes that we
find such kind of difficulties in
every country, and that they have
been carefully studied, chiefly in
what concerns the educational
problem.
She observes that both cases
carne from homes which apparent-
ly had an attitude of understand-
ing towards the difficulties of the
children.
The examinations included: a
careful health examination, inter-
viewing of the parents, personali-
ty tests, intelligence tests, analysis
of the nature of the errors and
difficulties in reading and writ-
ing, and other special examina-
tions.
The results of the examinations
can be summarized as follows:
Case 1 - João - 9 years old
boy, intelligence ratíng above the
average, good imagination, absen-
ce of motivation as concerning
reading and writing. The boy did
not like the idea of growing up.
He rejected reading and had ma-
ny errors in spelling.
Case 2 - Luiza - 13 years· old
girl, average in intelligence, co-
opera tive. She was able to read,
but had the same difficulties in
spelling that her mother had years
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before. The diagnostic was word-
blindness. A plan of re-education,
specially in raeding and writing
was suggested, as well as a change
of environment.
RESUMÉ
Deux cas problemes de lecture et
d'écriture
Cet article est une description
de deux cas problemes pour la
Iecture et l'écriture.
L'auteur remarque que de telles
difficultés se trouvent dans chaque
pays et qu'elles ont été soigneuse-
ment étudiées, spécialement par
Ies éducateurs.
L'auteur observe que les 2 cas
étudiés proviennent de foyers ou
il existe une attitude de compré-
hension envers les difficultés des
enfants. Les examens realisés
furent les suivants: examen minu-
tieux de santé, entrevue avec les
parents, tests de personnalité,
tests d'intelligence, analyse des
erreurs et des difficultés de lec-
ture et d'écriture et Rutres exa-
mens spécifiques.
Les résultats obtenus peuvent
se résumer de la suivante façon:
Cas 1 - Jean - 9 ans, intelli-
gence au-dessus de la moyenne,
bonne imagination, absence de mo-
tivation pour la lecture et l'écritu-
re. Le garçon n'aimait pas l'idée
de grandir. Il repoussait la lecture
et avait d'innombrables erreurs
gramaticales.
Cas 2 - Louise - 13 ans, in-
telligence normal e, coopérative.
Elle était capable de lire, mais
avait les mêmes difficultés que sa
mere pour épéler. Le diagnostique
fut de cessité pour les mots. Un
plan de réeducation fut elaboré,
spécialement pour lire et écrire,
ainsi qu'un changement d'am-
biance.