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Publicado na Revista “Resenha da Bolsa”

Fevereiro de 2016, pp.33-38, São Paulo, BMF&BOVESPA


Artigo técnico - http://bit.ly/20IFfr8
Revista - http://bit.ly/1Q92hWy

IRPJ e JCP: diferenciais brasileiros


José Roberto Afonso
Melina Rocha Lukic

Há tempo se discute limitar a possibilidade de as empresas


brasileiras usarem os Juros sobre o Capital Próprio (JCP) como uma forma
de distribuir lucros e pagar menos impostos. Até que recente medida
provisória limitou parcialmente tal prática. Seria esta uma “jabuticaba”
tributária do Brasil? Não se comenta, porém, que o sistema de tributação
da renda das pessoas jurídicas também é algo incomum. Ainda que muito
se fale sobre a questão, o JCP foi pouco estudado, desde a sua concepção,
que atende a preceitos teóricos e a debates internacionais; até o seu efetivo
uso, já que não seria tão difundido como se pensa e tendo em vista que
gera receita pública no caso de ser distribuído a acionistas pessoas
jurídicas, fato negligenciado e que tende a gerar análises equivocadas.
Neste contexto, este artigo procura traçar um diagnóstico abrangente
sobre tal regime especial, resgatando reflexões teóricas e evidências
empíricas, com o objetivo de contribuir com novos subsídios técnicos
destinados para quem debate e decide sobre tal matéria tributária.

 Economista, doutor pela Unicamp e mestre pela UFRJ, pesquisador do Ibre/FGV e professor do
mestrado do IDP.
 Professora e pesquisadora em direito tributário da FGV Direito-Rio, doutora pela Université

Sorbonne Nouvelle – Paris 3.


Como de praxe, as opiniões aqui expressas são exclusivamente dos autores. Estes agradecem
comentários de Isaias Coelho, Eduardo Guardia, Amaury Bier e Gabriel Leal e apoio na pesquisa
por Alexandre Rossi, Luciana Oliveira e Juliana Damasceno.

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O sistema de tributação da renda no Brasil pode ser considerado
como um modelo “semidual”, em que diferentes alíquotas nominais do
imposto se aplicam a diferentes tipos de renda. Aplica-se para a pessoa
física a tabela progressiva para rendimentos como salários e aluguéis, com
alíquotas variando de 0% a 27,5%. Já sobre rendimentos como juros,
aplicações financeiras e ganho de capital, incluindo o JCP, são aplicadas
alíquotas proporcionais e diferenciadas (sendo 15% a mais comum). Para
evitar a dupla tributação da renda e promover a integração do Imposto de
Renda incidente sobre Pessoas Físicas (IRPF) e Pessoas Jurídicas (IRPJ),
fora a Contribuição Sobre o Lucro Líquido (CSLL), foi adotada em 1995
a isenção incidente sobre os dividendos distribuídos. E ainda, para
equiparar e incentivar o investimento pela empresa com capital próprio
em relação à tomada de empréstimo, a mesma lei criou o regime do JCP,
uma forma especial de distribuir parte do resultado aos seus acionistas que
é deduzida da apuração do IRPJ, mas, ao contrário dos dividendos, sofre
retenção de Imposto de Renda de 15% na fonte.
Antes de tudo, importa atentar que o Brasil tributa o lucro com uma
alíquota (de 34% no caso das empresas, maior ainda no caso de
instituições financeiras) muito superior à do resto do mundo – 24% na
média mundial, 22% na dos europeus e 27% na dos latino-americanos.
Esta comparação internacional costuma ser omitida quando se critica o
tratamento dos resultados distribuídos pelas empresas, mas, em particular,
foi fundamental para criação e ainda o é para justificar a aplicação do JCP.
Em termos conceituais, aquela peculiaridade (exagerado IRPJ/CSLL) está
embrionariamente vinculada a outra excentricidade (regime especial de
distribuição de resultados).
Por coerência e justiça, alterar ou mesmo extinguir o JCP deve
passar pela concomitante e simultânea redução (radical) do IRPJ. É
injusto ou inadequado, em razão do sistema dual aqui adotado, comparar
a forma como o Brasil aplica o IRPF sobre renda de capital em relação
aos outros países e ignorar como ambos aplicam o IRPJ no caso daquelas
rendas oriundas de lucro.

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Dados estes princípios gerais, vale aprofundar o conhecimento do
JCP, até como requisito para se discutir mais adequadamente sua eventual
revisão. De início, é uma falácia que seria esta uma invenção brasileira
complemente descolada de reflexões teóricas e do antigo e profundo
debate internacional sobre a tributação da renda.
Trata-se de uma figura amplamente debatida e denominada
internacionalmente por Allowances for Corporate Equity (ACE). A
concepção teórica da proposta remonta a meados dos anos 1980 e sua
implementação foi detalhada no início dos anos 1990. Em seguida,
diversas proposições de reforma contemplaram o ACE, em especial na
Europa. Além do Brasil, o sistema do ACE foi implementado na Croácia,
Itália, Áustria, Portugal e mais recentemente na Bélgica. Em essência,
surgiu em razão do fato comum de os juros dos empréstimos tomados
serem dedutíveis da base do IRPJ, enquanto os dividendos geralmente não
o são. O tratamento diferenciado no tratamento dos rendimentos do capital
próprio e da dívida junto a terceiros era vista, obviamente, como uma
discriminação contra o financiamento por capital próprio.

Experiência Brasileira
O regime do JCP no Brasil foi criado pela Lei nº 9.249/95. O
cálculo do montante a ser assim distribuído é fruto da aplicação da
variação pro rata dia da Taxa de Juros de Longo Prazo (TJLP) sobre as
contas do patrimônio líquido. Mas o que é passível de dedução como
despesa operacional foi limitado a 50% do lucro líquido do período de
apuração a que corresponder o pagamento ou crédito dos juros ou a 50%
dos saldos de lucros acumulados e reservas de lucros de períodos
anteriores, o que for maior.
Não se deve esquecer o contexto em que foi feita a última reforma
do IRPJ, que incluiu a criação do JCP. A estabilização de preços acabara
de ser alcançada com o Plano Real e, com o fim da indexação generalizada
da economia, se fazia necessário também suspender os seus resquícios da
legislação tributária. Tal reforma extinguiu a correção monetária dos

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balanços e a inovação do JCP vinha para compensar os efeitos da inflação
remanescente. Outras mudanças foram a ampliação da base tributável
através da vedação de dedutibilidade de certas despesas e a isenção na
distribuição de dividendos. Procurava-se um aumento dos investimentos
e uma maior capitalização das empresas, para buscar maior produtividade
e assim impulsionar um crescimento sustentável.
As lições da teoria e dos outros países eram que a introdução do
instituto reduziria a base tributável do IR em face da possibilidade das
próprias deduções. Para que não houvese uma diminuição da arrecadação
e um desequilíbrio das contas públicas com a diminuição da base
tributável, a adoção deste regime deveria ser acompanhada de uma
medida compensatória, como o aumento da alíquota do IRPJ. O Brasil
optou por promover tal compensação não via alíquota e sim com um
alargamento da base tributável. Assim, a mesma lei de 1995 (9.249) que
criou o JCP também restringiu as possibilidades de dedutibilidade de
certas despesas do IRPJ. Dois anos depois, outra lei (9.532) também
limitou benefícios fiscais como os relativos aos investimentos em fundos
regionais, programas de apoio a trabalhadores (alimentação e transporte)
e ainda revogou isenções de entidades educacionais, de assistência social,
saúde e esportes.
A estratégia funcionou, tanto que depois da criação do JCP foi
espetacular o desempenho da arrecadação de IRPJ/CSLL: dobrou de
2,15% do PIB em 1995 para 4,14% em 2008, quando foi responsável por
cerca de 16% do aumento da carga global no país. Cabe ressaltar que, após
a crise financeira global, a carga daqueles tributos caiu mais do que a
global, refletindo a desaceleração da economia e a derrocada dos lucros
(não houve afrouxamento na incidência).
Especificamente sobre o JCP e tomando a informação mais
atualizada, chama-se a atenção que o seu IR na fonte arrecada R$ 9,2
bilhões (nos últimos doze meses até julho de 2015). Mesmo na recessão,
a arrecadação do JCP-fonte cresce (6,9% ante igual período de 2013) na
contramão do IRPJ/CSLL, que desabam (8% e 18%, respectivamente), e
do total da receita federal (3%). É possível suspeitar que, mesmo lucrando

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menos, mas com expectativas de piora no cenário, as empresas optaram
por distribuir JCP, ou ainda que, diante dos rumores sobre a eventual
extinção do JCP, foram estimuladas a acionar ao máximo tal mecanismo.
Outro aspecto-chave e desconhecido sobre a arrecadação do JCP diz
respeito à sua composição por destinatário: R$ 5 bilhões foram recolhidos
por residentes no Brasil e R$ 4,3 bilhões por destinatários no exterior,
tendo decrescido 4,4% e crescido 24,1%, respectivamente, no mesmo
período antes examinado. Além da já citada piora da confiança em relação
aos negócios e à continuidade do JCP, é possível que haja um estímulo ao
maior uso do mecanismo por estrangeiros, tendo em vista que por vezes
não precisam submeter tais valores à tributação do lucro lá fora e ainda
abatem o que foi retido no Brasil, ao contrário dos acionistas PJ brasileiros
sobre os quais recai o IRPJ local.
Outra questão crucial sobre a receita tributária e o JCP envolve a
renúncia. Esta é calculada pela Receita Federal, seguindo metodologia
internacional, que trata como uma forma especial de gasto público.
Chama a atenção que neste cálculo o JCP não é tratado como benefício,
incentivo ou desoneração. Trata-se de um regime especial ou peculiar de
tributação dos lucros distribuídos e, como tal, tributado na fonte e que
gera receitas. Como não há uma vantagem para alguns contribuintes e que
não está disponível para outros, o JCP não é oficialmente enquadrado no
conceito de gasto tributário. Revogar ou o reduzir em nada reduzirá a
renúncia do país – e mesmo o impacto em elevar a arrecadação tende a
ser limitado, ao contrário do que se costuma pensar, porque pouco se
conhece sobre sua aplicação.

Aplicação do JCP
Se muito já se falou sobre possíveis vantagens do JCP, pouco se
analisou sobre sua efetiva utilização pelos contribuintes. Omite-se ou
desconhece-se, nas análises sobre JCP, que boa parte dele se transforma
em receita (dos acionistas que sejam PJ) e como tal acaba submetido ao
IRPJ/CSLL, em sua maior parte, no caso daqueles que declaram pelo

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lucro real, com base nas alíquotas mais altas. Na última consolidação de
declarações do IRPJ divulgada pela RFB (2012), foi informada uma
despesa total com JCP de R$ 29,4 bilhões, mas uma receita com os
mesmos de R$ 14,7 bilhões, ou seja, o efeito líquido foi de R$ 14,7
bilhões, o equivalente a 6,2% do lucro operacional ou apenas 0,3% da
receita líquida tributada de todos os contribuintes. A abertura setorial
revela impressionante concentração no acesso ao benefício. Considerados
apenas aqueles com despesa líquida (pagaram mais JCP do que
receberam), do total de R$ 15,7 bilhões, 11,7% foi oriundo da fabricação
de bebidas, 11,4% por eletricidade e gás, 10,2% por fabricação de
veículos, 7,2% pelo comércio atacadista, 6,2% por metalurgia, 5,1% pelo
comércio varejista, 4,9% pela fabricação de alimentos e 4,3% pela
fabricação de produtos químicos. Portanto, alguns ramos da indústria de
transformação, o comércio e uma das utilidades são os que mais pagam
JCP. Já do outro lado, dos que recebem, a concentração é ainda maior:
83% da receita foi declarada por instituições financeiras (que chegaram a
receber R$ 12,3 bilhões, mais do que pagaram em JCP, R$ 11,5 bilhões;
logo, por princípio, a receita líquida positiva com tais juros tende a
aumentar o seu recolhimento de tributos (e justamente neste setor em que
o lucro está sujeito há uma alíquota muito mais elevada de CSLL, hoje
em 20%).
Uma análise mais recente e específica para grandes contribuintes
pode ser focada nas companhias abertas, que reúnem os maiores
contribuintes do país1. A partir de dados extraídos da Economatica, foi
possível investigar 334 empresas listadas na Bolsa de Valores. A primeira
surpresa é que o uso do JCP não é tão generalizado. Apenas um terço, ou
110 das empresas listadas, distribuiu JCP em 2014.
Não gerar lucros em um exercício restringe o JCP, porém ainda se
permite distribuir lucros acumulados ou da reserva de lucros. Das 219
empresas listadas em bolsa e que apresentaram lucro em 2013, apenas 108
distribuíram tais juros em 2014. Exatamente a metade dos contribuintes
1
Ainda que, em alguns casos, como das montadoras automobilísticas e de muitas filiais de
multinacionais, as empresas sejam companhias fechadas.

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com lucro deixou de pagar JCP, mesmo que pudessem porque tinham
gerado lucro. Ainda que tomadas só as empresas com maiores lucros
(acima de R$ 100 milhões) em 2013, apenas 70 das 113 distribuiriam JCP
em 2014. Mesmo podendo, cerca de 40% das empresas mais lucrativas do
país não usaram o recurso especial.
O patrimônio líquido (PL) é outro parâmetro que baliza a
distribuição do JCP e o senso comum seria o de que, no caso das maiores
empresas do país, por tal critério nenhuma deixaria de aproveitar a
oportunidade de distribuir lucros com menor imposto. Consideradas
somente empresas com PL acima de R$ 1 bilhão em 2014, verificou-se
que apenas 68 das 151 empresas distribuíram JCP. Mais uma surpresa foi
que apenas 45% das maiores empresas aplicam tal regime.
A baixa adesão ao JCP mesmo entre as maiores empresas nacionais
pode ter a ver com a propensão à distribuição de lucros. Todas as empresas
que distribuíram dividendos em 2014 igualmente pagaram JCP. Mas
somente 83 das 110 empresas que pagaram JCP em 2014 também
distribuíram dividendos.
O mesmo grupo de empresas investigadas pode ser visto pela ótica
setorial. Das que distribuem JCP, os setores financeiros e de materiais
básicos são os que mais os pagaram em relação à distribuição total – caso
de 73% de suas empresas. Em seguida, se destacam o de
telecomunicações, utilidade pública e construção e transporte (entre 40%
e 50% da distribuição total).
Esta breve leitura do uso do JCP pelas companhias abertas suscita
algumas reflexões conceituais. Na decisão para a distribuição, o
determinante óbvio é que tenha sido gerado lucro no período – não teria
como deduzir o JCP da base tributável pelo IRPJ se esta base for zero ou
negativa. A empresa pode optar por outros caminhos para reduzir a carga
tributária – por exemplo, a dedução de ágio do lucro apurado e a
compensação de prejuízos fiscais acumulados de anos anteriores.
A composição acionária pode ser uma variável decisiva para o uso
do JCP. A vantagem tributária de dedução do JCP pela empresa que o

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distribui pode desaparecer caso os seus controladores sejam holdings: os
beneficiários PJs teriam que pagar a alíquota cheia do IRPJ de 34%, ainda
que descontados os 15% retidos na fonte. Além disso, o beneficiário e
acionista PJ também está sujeito a recolher as contribuições PIS e Cofins
sobre os valores recebidos de JCP (alíquotas de 3,65% no lucro presumido
e 9,25% no real). Portanto, quando o acionista beneficiário for uma PJ, o
suposto ganho envolvido no JCP pode não compensar se visto como um
todo e, por isso, a empresa pagadora pode ser estimulada a não distribuí-
lo.
Alguns casos particulares podem desestimular a distribuição. Se o
beneficiário for estrangeiro, eventualmente poderia sofrer dupla
tributação – como é o caso da possibilidade de não compensação do
imposto retido no Brasil, conforme o tipo societário, nas empresas
americanas, por exemplo. A distribuição futura pode ainda ser afetada
pela possibilidade de compensação dos resultados obtidos pela PJ no
exterior com os resultados auferidos no Brasil.

Limitação proposta do JCP


Em setembro de 2015, em meio a um novo pacote tributário para
aumentar a arrecadação e o resultado primário, foi editada medida
provisória (MP nº 694) que limitou em 5% o máximo da TJLP aplicada
no cálculo de JCP e que aumentou de 15% para 18% a alíquota do IR
retido na fonte. O Ministério da Fazenda estimou o ganho de receita em
apenas R$ 1,1 bilhão. A exposição de motivos basicamente alega que o
JCP reduz a tributação das maiores empresas que pagam pelo lucro real,
cita uma diferença de tributação em relação aos rendimentos do trabalho,
além de afirmar ser uma renúncia continuada.
Antes de tratar do impacto, menciona-se que a justificação carece de
consistência e coerência. Salvo a falta de precisão da redação,
aparentemente a exposição confundiu a sistemática do regime no que
tange à dedução pela PJ que paga da retenção na fonte em relação aos

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impostos devidos pela PJ que recebe JCP 2. Em outro argumento, sobre a
diferente incidência sobre salários e ganhos de capital, foi omitida a opção
brasileira por uma lógica geral do Imposto de Renda que siga o sistema
dual, em que aquele efeito não é uma distorção, e sim uma característica
da sistemática adotada3. Agora, o maior dos equívocos da exposição é
qualificar o JCP como um benefício fiscal e ainda afirmar que seja
continuado. Ignora, portanto, que se trata de uma sistemática especial de
tributação da renda, que gera efetiva receita de IR na fonte e, o principal,
que a própria RFB e a União, quando oficialmente medem o gasto
tributário no processo orçamentário, nunca enquadraram e mensuraram
tais juros como uma renúncia4.

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A exposição de motivos alegou: “Quanto à tributação dos juros pelo pagamento, tem-se que as
pessoas jurídicas que apuram o lucro real reduzem o pagamento de seus tributos, eis que os
valores de juros pagos nos termos do referido art. 9º, em vez de serem tributados em até 34%
(trinta e quatro por cento), somando-se IRPJ, adicional de IRPJ e CSLL, caso não houvesse esta
renúncia fiscal, são tributados apenas a 15% (quinze por cento) diretamente na fonte, ex vi do §
2º do art. 9º da Lei nº 9.249, de 1995.” Esse argumento é questionável. Afinal, são dois regimes
de tributação diferentes e que não se confundem. No sistema da PJ que paga o JCP, esta poderá
deduzi-los da base de cálculo do IRPJ/CSLL de acordo com os limites legais, no sistema aplicável
à PJ que os recebe, o IRPJ/CSLL por elas devido são descontados na fonte pela PJ que paga. Neste
último caso, se a PJ apurar o IRPJ/CSLL pelo lucro real, o desconto na fonte será considerado
mera antecipação e o JCP entrará na base de cálculo do IRPJ/CSLL da PJ, sendo normalmente
tributado ao final à alíquota de 34%. Este regime não foi alterado pela MP, logo o JCP somente
não será tributado à alíquota de 34% caso o beneficiário seja PF ou PJ não optante pelo Lucro
Real, caso em que o desconto na fonte será considerado definitivo.
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Assim, a mesma exposição alega: “...outra fonte de desequilíbrio emanada do dispositivo se
refere ao fato de que, se um sócio pessoa física é beneficiário dos JCP, este paga apenas 15%
(quinze por cento) de Imposto sobre a Renda, tributação definitiva, enquanto um trabalhador tem
os seus rendimentos tributados em até 27,5% (vinte e sete inteiros cinco décimos por cento)”.
Deixou de ser registrado que o país opta pelo sistema dual, que se caracteriza justamente pela
aplicação de alíquotas diferenciadas aos dois citados rendimentos, em consonância com a prática
internacional. Assim, alterar a sistemática do JCP sem levar em consideração todo o contexto geral
de tributação do IRPJ/CSLL pode ser uma medida que não leve em consideração o equilíbrio e
consistência.
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A exposição coloca que “destaca-se que já se passaram quase 20 anos de vigência do benefício,
embora hodiernamente a concessão de benefícios fiscais tem sido orientada por períodos certos
de tempo e não perenizada indeterminadamente”. Isso contraria a interpretação e a prática há anos
adotadas pela RFB, que não classifica os JCP como gasto tributário. Tal fato também se justifica
porque se trata mais de um instrumento para equiparar o financiamento por capital próprio ao
financiamento externo, fazendo, portanto, parte do próprio sistema de tributação do IRPJ e CSLL.

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Sobre a limitação da TJLP, é observado que, desde 2006, a TJLP se
manteve até o patamar de 5%, superando-o apenas a partir de 2013 – e
atualmente se encontra em 6,5% ao ano. O corte de um quarto (1,5 em 6,5
pontos) da proporção aplicada para o cálculo do JCP obviamente
provocará uma redução de seu montante. Porém, um efeito maior e à parte
da medida pode ser a redução generalizada e expressiva dos lucros
empresariais – restante a depender dos lucros acumulados para quem
quiser manter a distribuição. Já a limitação da TJLP, paradoxalmente,
reduzirá os ganhos esperados com o incremento (de três pontos) do IR
retido na fonte sobre o montante pago a título de JCP.
Importante atentar mais para os efeitos das duas mudanças. Por
certo, provocam aumento do tributo – no IRPJ, para quem paga JCP; e no
IRRF, para quem os recebe. No primeiro caso, a limitação da TJLP em
5% fará com que o montante do JCP diminua em relação aos patamares
atuais. Assim, a dedução fiscal relativa ao JCP será menor e, por
consequência, o lucro da PJ que distribui será maior, o que representa um
aumento da base de cálculo do IRPJ. Já a maior alíquota do IRRF, tem
um efeito mais direto e claro.
Em ambos os casos, a eficácia destes aumentos dos tributos deve
atender ao princípio da anterioridade tributária, que proíbe a cobrança de
tributos no “mesmo exercício financeiro em que haja sido publicada a lei
que os instituiu ou aumentou” (para o IR não se aplica o princípio da
noventena). É preciso que a medida seja convertida em lei até o último
dia do exercício em que for editada para que tais medidas surtam efeito
no exercício financeiro seguinte, ou seja, em 20165.

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É possível que surjam dúvidas. Tais mudanças já se aplicarão aos lucros apurados em 2015, cujo
respectivo JCP será distribuído em 2016 ou somente aos lucros apurados em 2016, e respectivo
JCP pago em 2017? No que respeita à medida de limitação da TJLP, tal mudança se aplicaria aos
lucros apurados a partir de 1/1/2016, desde que convertida em lei até 31 de dezembro de 2015. Já
sobre a alíquota majorada para 18%, duas interpretações são possíveis. A que mais interessa ao
Fisco é que a alíquota majorada já se aplicaria às distribuições realizadas em 2016, mesmo tendo
por base os lucros gerados em 2015. O argumento seria que o fato gerador do IRRF não é o lucro
gerado pela pessoa jurídica, mas sim o JCP calculado e pago como renda do beneficiário. Já uma

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Um último e importante comentário diz respeito ao ganho de receita
esperado com a medida. Surpreendeu que seja tão pouco (R$ 1,1 bilhão)
e até se noticiou a hipótese da RFB subestimar a medida. Porém o que
deveria mais surpreender é o desconhecimento da natureza do JCP,
sobretudo do fato de que ele também gera receita – diretamente, pela
retenção na fonte (ao contrário da distribuição de dividendos), e
indiretamente, porque se transforma em receita do acionista que seja PJ e
sujeita-se novamente ao IRPJ/CSLL. Isto para não mencionar que
obviamente os contribuintes podem reagir às novas regras e mudar sua
política de distribuição de resultados.
Muito antes de editar a MP, o próprio Ministério da Fazenda já
respondera a requerimento parlamentar6 estimando um impacto com a
total extinção do JCP de R$ 5,9 bilhões (baseado muito em cima das
remessas ao exterior) e reconhecendo que isso induziria a distribuição de
lucro por outras formas e, o pior, provocaria desinvestimento – tendo em
vista que, em suas próprias palavras, não terão mais incentivos para

visão pró-contribuinte, seria que a nova alíquota do IRRF somente poderia ser aplicada a partir de
2017, pois teria que ser aplicada sobre os lucros gerados em 2016 em virtude do princípio da
anterioridade – ou seja, tendo em vista que o JCP é calculado sobre os lucros auferidos pela PJ, o
fato gerador do IRRF seria o lucro auferido a partir de janeiro de 2016.
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Segundo a resposta ao Requerimento de Informação Parlamentar nº 274/2015, o Ministério da
Fazenda e a Receita Federal do Brasil afirmam que, no caso de eliminação dos JCP, “haveria, por
um lado, perda de arrecadação do IRRF sobre os rendimentos de JCP recebidos por pessoas
físicas e por pessoas jurídicas que estejam no exterior (...). Por outro lado, haveria ganho de
arrecadação com o fim da dedução dos pagamentos de JCP no IRPJ das Pessoas Jurídicas
situadas no Brasil”. O documento ainda ressalta que “no caso de recebimento do JCP por PJ
situada no país, pode-se considerar o impacto como nulo, por simplificação. Isso decorre do fato
de que, ao pagar o JCP, a empresa controlada abate do IRPJ, ao passo que a empresa
controladora, que recebe o JCP, oferece à tributação de IRPJ”. Portanto, o próprio Ministério da
Fazenda e a Receita Federal admitem que eventuais ganhos com a extinção do JCP só ocorreriam
no caso de pagamento de JCP a acionistas localizados no exterior, a saber: “o impacto, portanto,
decorrente do fim do JCP, seria de um ganho de arrecadação de 19% sobre a base de cálculo que
incide sobre PF e PJ no exterior. Isso decorre da perda de arrecadação de 15% de IRRF e dos
ganhos de 34% de IRPJ/CSLL sobre o JCP (...). Caso se concretize esta hipótese, haverá ganho
de arrecadação de R$ 5,84 bilhões por ano”.

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“manter em seu patrimônio líquido uma parcela de investimento superior
ao seu ótimo de produção” com a finalidade de maximizar o pagamento
do JCP.

Considerações finais
O regime dos juros sobre o capital próprio foi criado no Brasil ao
mesmo tempo que o país aplica sistemática e historicamente uma das
maiores alíquotas agregadas sobre a tributação dos lucros, alta taxa real
de juros e carga tributária global, bem assim uma das menores taxas
nacionais de investimento fixo. É fundamental atentar que tal regime não
está descolado do resto das regras de taxação dos lucros das empresas e
dos rendimentos de capital dos acionistas e sua eventual extinção, e
mesmo mudança, deve necessariamente considerar as condições que
justificaram sua modelagem e promover alterações integradas. É um
grande equívoco tratar esta como uma medida tributária isolada do resto
do contexto tributário, fiscal e econômico.
É importante observar também que o regime do JCP não trouxe
qualquer prejuízo ao desempenho da arrecadação do IRPJ/CSLL que, no
prazo mais largo, ou seja, desde sua adoção, apresentou crescente razão
em relação ao PIB, melhor até do que a carga tributária global da
economia. Tal performance só foi negativa nos últimos anos, mas isso se
explicou claramente por conta da redução forte e contínua do lucro gerado
pelas maiores empresas do país – afinal, não houve qualquer alteração
legislativa relevante neste imposto (que passou quase incólume às
desonerações ditas anticíclicas).
Em termos conceituais, o maior equívoco é pensar o JCP como um
incentivo fiscal longo e mais uma desoneração fiscal, ignorando que não
o é, nem de fato, muito menos de direito, tanto que nunca constou no
demonstrativo de gasto tributário elaborado periodicamente pelo
Ministério da Fazenda e que integra as leis dos orçamentos da União. É
certo que a RFB não cometeria um erro tão crasso em cima de um
mecanismo tão comentado. Por isso é confirmada a tese de que o JCP não

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é exceção, mas faz parte da forma como o Brasil optou por tributar as
rendas. Aliás, o Brasil é um dos poucos países em que se aplica um
sistema dual e no qual a alíquota aplicada sobre as pessoas jurídicas está
muito acima de qualquer das médias (global, das economias emergentes
e das latinas). A eventual alteração e extinção do JCP, por princípio,
deveria ser acompanhada, simultaneamente, da redução desta alíquota.
Não poderia haver momento mais inoportuno para atenuar os efeitos
do JCP e para questionar a sua existência. Se foi criada logo após o Plano
Real para compensar a extinção da correção monetária dos balanços e
atenuar os efeitos da inflação, justamente quando esta voltou a disparar e
os juros reais de mercado atingem as taxas mais exorbitantes dos últimos
anos, se advoga sua alteração, que, por menor que seja, impacta as
posições patrimoniais das empresas, aumenta o custo de oportunidade de
investir com recursos próprios e estimula o endividamento com os juros e
encargos os mais caros possíveis, porém plenamente dedutíveis do
IRPJ/CSLL. A nova cena macroeconômica do país, marcada por uma
recessão profunda e, ao que tudo indica, prolongada, desaconselha a
extinção e até mesmo a redução dos efeitos do JCP. O efeito inegável seria
desestimular a destinação de capital próprio para inversões empresariais
justamente no momento em que a economia enfrenta uma queda drástica
da taxa nacional de investimento e em que o governo foi forçado a reduzir
a concessão de crédito abundante e subsidiado através das instituições
financeiras oficiais. É unânime a opinião de que o país precisa elevar
investimentos fixos como um dos motores para a retomada do
crescimento econômico e, para tal, precisa encontrar um novo padrão de
financiamento que seja menos dependente, direta ou indiretamente, de
recursos fiscais. Esta deve ser a principal razão para desaconselhar
qualquer medida de reversão do JCP, pois não apenas deixaria de
contribuir para a mudança do quadro da economia, como ainda
significaria um sinal para agravar ainda mais a recessão.
Em suma, a alteração do JCP só se explica pela visão imediatista de
se tentar a qualquer custo e de qualquer forma gerar mais receita e
melhorar o resultado fiscal. Porém isso pode ter um custo muito mais alto

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para o médio e longo prazos. Por mais reduzido que seja o ganho esperado
com a medida, é dado um claro e inequívoco sinal contra a capitalização
das empresas e, ainda mais, em um momento de encilhamento geral do
mercado de crédito no país, contra o investimento. Infelizmente, reforça
a tese vista do estrangeiro de que o Brasil gosta tanto de cobrar imposto
que opta por taxar até mesmo o seu crescimento econômico.

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