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Brasil se prepara para o controle internacional sobre a tributação

O significado do plano Base Erosion and Profit Shifting – BEPS para o sistema
tributário brasileiro

É certo que a concorrência tributária desleal afeta o desenvolvimento econômico


de um país. Essa deslealdade ocorre quando algumas empresas, normalmente
as maiores e mais bem equipadas de recursos financeiros e humanos, reduzem
sua carga tributária, enquanto outras, por não conseguirem fazer o mesmo,
acabam por suportar o peso da tributação. Trata-se do acesso a estrutura de
planejamento tributário.

Os estudos que uma empresa venha a realizar para minimizar os efeitos da


legislação tributária sobre sua atividade e o seu resultado (lucro) não são
perniciosos por si só. Assim como se faz planejamento estratégico, financeiro, de
marketing e de recrutamento e seleção, os tributos devidos pela empresa
também podem ser objeto de planejamento. Há algum tempo, o que se discute é
a aceitabilidade dos planejamentos tributários.

Por planejamento tributário deve se entender o estudo e a reestruturação de


operações e de negócios que, por meios lícitos, venham a proporcionar redução
do impacto dos tributos sobre a empresa. A conclusão dessa medida deverá ser
sempre legal, sob pena de ser caracterizada a sonegação fiscal e não o
planejamento tributário. Mesmo assim, ainda que todo estudo tributário resulte
em uma operação ou reestruturação lícita (de acordo com a lei), argumenta-se
que ele deva ser também aceitável.

A delimitação do aceitável é bastante difícil, cuja linha divisória com o


planejamento tributário abusivo é tênue. Por conta disso, a definição desse
limite tem sido polêmica e, por vezes, ela própria abusiva, restringido
excessivamente as hipóteses de redução da carga tributária das empresas. Com
a intenção de suportar o entendimento contrário ao planejamento tributário,
confusões conceituais e doutrinárias vêm sendo feitas, como nos casos de
evocação da simulação, da dissimulação, do negócio jurídico indireto, do abuso
de forma e da falta de propósito negocial (“business purpose”).

Testem-se as seguintes hipóteses: é aceitável que uma empresa automobilística


transfira sua planta da região do ABC Paulista para o interior do estado com
vistas a reduzir o custo trabalhista, dada a força do sindicato? É aceitável que
uma empresa transfira sua planta do município de São Paulo para Recife porque
seus principais clientes estão em território europeu e, assim, consiga reduzir o
custo de transporte? Então, é lícito que uma empresa distribuidora de produtos
importados transfira sua sede, do estado de São Paulo para Santa Catarina,
objetivando reduzir o ICMS incidente sobre sua operação de revenda?

Para combater a erosão da base tributária e a transferência de lucros, a


Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico – OCDE
elaborou um plano de ação, cujo apelido remete ao seu nome em inglês: “Base
Erosion and Profit Shifting” – BEPS. Não cabe neste espaço discorrer em
detalhes sobre esse plano, mas, em poucas palavras, seu objetivo final é garantir
a segurança tributária nas transações entre os países e a coerência internacional
em matéria de tributação. A iniciativa desse plano foram os ministros das
finanças dos estados que compõem o G20 e tem chegado ao Brasil por meio de
algumas iniciativas legislativas, das quais são destacadas duas.

De acordo com os estudos do BEPS, a dedução dos juros sobre o capital próprio
– JCP da base de cálculo dos tributos sobre o lucro (IRPJ/CSLL) é um incentivo
fiscal nocivo, que afeta a concorrência tributária internacional, em favor das
empresas brasileiras. Sabemos que a legislação brasileira (Lei n° 9.249/1995)
passou a prever essa dedução como forma de compensar a extinção da correção
monetária de balanço. Não se trata, portanto, de um benefício fiscal, mas de um
mecanismo que tenta equilibrar os efeitos inflacionários nas demonstrações
contábeis das empresas.

O entendimento da dedução dos JCP como incentivo decorre da ignorância


quanto aos impactos da inflação. Isso não deve ser atribuído à falta de
conhecimento, e sim à falta de experiência empírica de processo inflacionário.
Afinal, que país da OCDE sofreu com uma inflação com a mesma gravidade da
brasileira em período recente?

O segundo ponto é um pouco mais sútil, por isso, mais perigoso. A Medida
Provisória n° 685, reconhecendo “os benefícios das regras de revelação
obrigatória a administrações tributárias” das operações de planejamento
tributário, apontados pelas conclusões do BEPS, instituiu o que vem sendo
chamado de declaração de planejamento tributário. Por meio dessa declaração,
as empresas deverão informar ao Fisco os atos ou negócios jurídicos praticados
sem razões extratributárias relevantes e quando a forma adotada não for usual,
utilizar-se de negócio jurídico indireto ou contiver cláusula que desnature, ainda
que parcialmente, os efeitos de um contrato típico, ocorridos no ano anterior
(artigo 7° da MP 685).

Em princípio, trata-se de apenas uma nova declaração (obrigação acessória),


com vistas a garantir a transparência na relação entre o Fisco e o contribuinte
pessoa jurídica. Ocorre que a não apresentação dessa declaração sujeita a
empresa ao recolhimento do tributo reduzido acrescido de multa de 150%,
revestindo essa informação de confissão tributária. Por conta disso, embora
respaldada no BEPS, essa exigência é inconstitucional, já que contraria o direito
fundamental ao silêncio, no sentido de que ninguém é obrigado a produzir
provas contra si mesmo.

Se o que o BEPS pretende é a “revelação obrigatória” das transações da empresa


à administração tributária, tal desiderato é alcançado facilmente pela nova
declaração do IRPJ, renomeada para Escrituração Contábil Fiscal – ECF. Essa
escrituração, feita em formato eletrônico, tem um layout que conta com mais de
1.300 páginas de informação sobre a apuração dos tributos da empresa. Some-
se a isso outras declarações eletrônicas, como o e-Social e o Bloco K, que pedem
a divulgação, entre outras coisas, de cargos e salários dos funcionários e de
segredo industrial das empresas (detalhes do processo produtivo).

Diante disso, o que se percebe é que os estudiosos da OCDE responsáveis pelo


BEPS têm muito mais a aprender com a legislação tributária brasileira do que
nos ensinar. No limite, pode acontecer de as autoridades fiscais brasileiras
perderem poderes com a adoção do Plano de Ação para o Combate à Erosão da
Base Tributária e à Transferência de Lucros – BEPS. Em conclusão, não é o
Brasil que deve se preparar para o controle internacional sobre a tributação,
mas são os países da OCDE que devem se preparar para os controles da
fiscalização eletrônica brasileira.

Edison Carlos Fernandes, advogado, professor do Núcleo de Direito Tributário


do Centro de Extensão Universitária – CEU-IICS Escola de Direito e da FGV
Direito SP (GVlaw).

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