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O que é segurança pública?

Segundo a nossa Constituição, segurança pública é assunto de responsabilidade dos governos federal e estaduais.
O Ministério da Justiça é o órgão máximo responsável pela elaboração e implantação de estratégias de combate à
violência e à criminalidade. Responde a esse ministério, por exemplo, a Polícia Federal, que investiga crimes nacio-
nais, como o tráfico de drogas, a corrupção e o contrabando. Aos estados e ao Distrito Federal cabe a execução das
ações de segurança, no comando das Polícias Militar (repressão e prevenção) e Civil (investigação). As prefeituras
não têm, pela Constituição, responsabilidade pela segurança pública, mas algumas cidades instituíram a Guarda
Civil Municipal para auxiliar as demais polícias na manutenção da ordem pública.

Frota da Guarda Civil Metropolitana de São Paulo

Algumas razões que ajudam a explicar a crise no Brasil


Limbo jurídico

Hoje, existe um vácuo jurídico acerca do tema segurança pública, avalia Renato Sérgio de Lima, diretor-presidente
do Fórum Brasileiro de Segurança Pública.
Segundo Renato, "nossa Constituição não diz o que é segurança pública, nenhuma lei diz que segurança
pública é proteger a população ou investigar criminoso, só diz por quem a segurança vai ser exercida"; ele ainda
completa dizendo que "segurança é um conceito que ganha significado no dia a dia da prática policial. Se olhar-
mos para a história das instituições policiais hoje, muitas estão reguladas por outro conceito de segurança, que é
a manutenção de um modelo de ordem pública, de uma situação em que o Brasil tem um inimigo interno. A lógica
é que o tráfico é o inimigo a ser combatido e deixamos de lado uma série de problemas ligados à preservação da
vida", explica.

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como um contraventor, vai para a universidade do cri-
me e, muitas vezes, sai como um bandido. Não é pelo
encarceramento que se causa melhoria da segurança.
O problema da guerra entre as facções também
ajuda no aumento da violência. Como sabemos, existem
várias facções dentro das prisões, facções violentas que
dominam o sistema carcerário. Estamos de crises em crises

O sistema judiciário é muito lento, dificultando a aplicação das leis e


que podemos chamar de anunciadas e para cada período
aumentando o sentimento de impunidade. desses o governo cria um plano que nunca se concretiza.

Ou seja, o conceito mais adequado à segurança Reformas que não saem do papel
pública seria prevenção, investigação e punição de res-
ponsáveis por atos de violência e criminalidade e admi- Este é um grande problema apontado por vários especia-
nistração de conflitos para garantir direitos básicos da listas em segurança pública.
população para que ela possa exercer outros direitos da O plano nacional de segurança pública de hoje é
cidadania, como sair de casa, ir ao médico e trabalhar.
muito semelhante ao de 2002, então temos uma série de
reformas que se discutem, mas não foram concretizadas
Sistema penitenciário
até hoje, ou seja, ainda estamos discutindo as mesmas
As rebeliões ocorridas em várias unidades prisionais do coisas, como a reforma do código penal, desmilitarização
Brasil nas primeiras semanas de 2017, que provocaram da polícia, mais recursos para políticas públicas entre ou-
mais de 130 mortes, evidenciaram a precariedade do tras ideias.
sistema penitenciário (já trabalhado em aulas anterio- Uma explicação para esse problema está ligada
res). diretamente a uma desconexão de instituições que com-
Atualmente, o Brasil possui a quarta maior po- põem o sistema de segurança pública.
pulação carcerária do mundo, com 654 mil detentos e Como não há uma clareza sobre o que é seguran-
apenas 371 mil vagas, de acordo com o Ministério da ça pública, quem dá sentido a isso são as instituições, em
Justiça. De 2000 para cá, a população carcerária mais especial a polícia, mas também tribunais, delegacias, Mi-
que dobrou de tamanho. nistério Público. Cada uma faz um pedaço em uma pro-
funda desconexão tanto administrativa quanto republi-
cana, envolvendo judiciário com executivo e defensoria.

Nesse quadro de baixíssima eficácia institucional


Hoje, temos uma lotação de 161% nos presídios brasileiros.
(polícia, tribunais, delegacias e Ministério Público), que
O grande problema é que o Brasil encarcera afeta a resolução do que poderíamos pensar como se-
muito e encarcera mal. O País adotou uma política de gurança pública, ninguém se sente dono do problema,
guerra às drogas, qualquer um que é pego com drogas fica um jogo político de empurra com uma baixíssima
é preso (isso ocorreu desde a criação da Lei de Drogas, governança da vida pública e, consequentemente, da
em 2006). Se o menino entra um no sistema prisional Segurança Pública.

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Falta de investigação

O estudo "Diagnóstico da Investigação de Homicídios no Brasil", realizado pelo Conselho Nacional do Ministério
Público (CNMP) e divulgado em 2012, apontou que a média nacional de resolução de homicídios é de apenas 5%.
No Reino Unido, esse número é de 93%.
Nós não temos pesquisas, não temos polícia técnica judiciária e sofremos com um deficit impressionante de
investigação e ocorrência. As polícias não prestam contas, quando são investigados é pelo próprio departamento,
e por último têm dificuldade de construir uma relação de confiança com a população.

Prédio da corregedoria da Polícia Civil do Estado de São Paulo.

Segundo pensamentos de vários sociólogos, “a ineficiência da polícia em termos de investigação está ligada
a outro fator que explica a crise de segurança pública, que é a falta de recursos”.

Recursos

Segundo o Anuário Brasileiro de Segurança Pública de 2016, o Brasil gasta 1,5% do PIB em segurança pública, um
pouco menos dos gastos da França na área (1,7% do PIB). Um problema é o escasso recurso e o outro problema é
a forma como esse valor é repassado.

Os mecanismos de finanças precisam ser revisados. Atualmente, esse dinheiro é repassado por convênios,
mas o custo do repasse é caro porque passa por impasses burocráticos. A segurança precisa de dinheiro constante
e planejamento, o comandante precisa saber quanto dinheiro vai receber a cada ano para pensar em um plano de
trabalho. Isso não acontece hoje, explica especialistas.

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O caso do Espírito Santo Os "toques de recolher" se tornaram diários na
região de Vitória, capital do Espírito Santo, quando poli-
Neste último mês de fevereiro, várias cidades no Estado ciais militares iniciaram uma greve que não tinha prazo
do Espírito Santo, incluindo a capital Vitória, viraram pal- para terminar. "Quem descumprir a ordem e for para a
co de um alto número de assassinatos, furtos, tiroteios e rua vai morrer", disse uma moradora que recebeu esse
arrastões, com mais de 120 mortes e centenas de feridos. recado e pediu para não ser identificada.
A paralisação começou com um protesto de mu-
lheres e familiares de policiais militares que se posicio-
naram em frente dos batalhões para impedir a saída das
viaturas. As principais reivindicações eram a respeito do
reajuste salarial (faz 7 anos que esses policiais não re-
cebem aumento) e melhoria das condições de trabalho. Mensagem repassada via WhatsApp

O que aconteceu no Espírito Santo deixa claro


vários dos problemas da Segurança Pública no Brasil.
O primeiro aspecto a se destacar são as condi-
ções problemáticas em que se encontram inúmeras de
nossas polícias (independente do Estado que se encon-
tram). Salários baixos, falta de condições mínimas de
trabalho e jornadas extenuantes são regras na grande
maioria das forças policiais brasileiras. No caso específi-
Manifestantes cobrando melhorias na segurança pública no co das PM, muitos dos praças sofrem ainda com o abu-
Rio Grande do Sul.
so constante de seus superiores respaldados por códi-
A crise da segurança pública no Espírito Santo gos de disciplina internos completamente anacrônicos.
acontece pouco depois das rebeliões que terminaram
em massacres nos presídios nas regiões Norte e Nordes-
te e após ameaças de greve e paralisações de polícias
em outras Unidades Federativas. Alguns especialistas
estão denominando esta crise de “uma mesma crise
da arquitetura institucional que organiza a segurança
pública brasileira", ou seja, a crise que o Espírito Santo Delegacia de Belmonte – Eunápolis-BA
está passando é também uma crise do Brasil.
Diante disso, é fundamental melhorar as diferen-
Para evidenciar a crise de segurança no Brasil, o
tes dimensões das condições de trabalho dos policiais,
IPEA (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada) con-
para que esta situação do Espírito Santo não se repita
tabiliza que a cada ano, cerca de 60 mil pessoas são
em outros estados.
assassinadas no Brasil, o que equivale a uma taxa de
O segundo aspecto importante é a clara depen-
29 homicídios por 100 mil habitantes, números excep-
dência que os estados brasileiros possuem das PM. Após
cionalmente altos para um país que não está em guerra. a redemocratização, as PM brasileiras foram extrema-
A greve de policiais militares no Espírito Santo mente fortalecidas e as Polícias Civis enfraquecidas. A
causou um verdadeiro caos social com assaltos, troca de consequência disso é que as PM são a principal fiadora
tiros e saques em vários pontos das cidades e do pró- da “ordem social”. Tal fato ficou mais do que evidente
prio estado. As cenas das tropas do exército entrando durante os debates da reforma da previdência, quando o
em Vitória sob aplausos da população mostram o alívio deputado major Olímpio, um membro da PMESP, profe-
de uma cidade praticamente sitiada pelo crime e com riu discurso ameaçador no plenário da Câmara afirman-
“toque de recolher”. do que “As Polícias Militares têm dado sustentação; aqui

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neste País a, podridão desta política sórdida, de governo das Municipais é um caminho possível nesta direção.
corrupto, e a paga que se vem agora é a traição do go- Mas é fundamental que policiais tenham condições de
verno, nós vamos para o pau, não vamos aceitar isso trabalho devido à natureza singular de sua função social.
nunca”. Coincidentemente ou não, os PM foram excluí-
dos da PEC da reforma da previdência ao mesmo tempo
em que outras forças policiais que possuem a mesma
Relatório da
natureza de trabalho foram mantidas.
Comissão da Verdade
"A Polícia Militar tem uma organização e formação
preparada para a guerra contra um inimigo interno e
não para a proteção. Desse modo, não reconhece na
população pobre uma cidadania titular de direitos fun-
damentais, apenas suspeitos que, no mínimo, devem ser
vigiados e disciplinados, porque assim querem os suces-
sivos governantes, ontem e hoje." Essa é a conclusão
do capítulo sobre a militarização da polícia brasileira,
A força tática é uma das principais agências da Polícia Militar.
presente no relatório final da Comissão da Verdade
"Rubens Paiva".
Alguns defendem que o militarismo presente nas Através de um estudo histórico, que recupera a
forças policiais iria garantir que as PM ficassem sob o formação das forças policiais brasileiras desde o período
controle do estado. Na prática, isso não acontece, como colonial, o relatório sistematiza o modelo escolhido pelo
mostra o caso do Espírito Santo, que mesmo por força Brasil para formar seus policias e sugere uma mudança
de ordem da justiça os policiais não voltaram ao traba- profunda para reformar a Segurança Pública, a fim de
lho. Não são raros os secretários de Segurança Pública acabar com o crescimento recorde de mortes de civis e
que precisam deixar o cargo após tentarem controlar as policiais e com a "improdutividade" das corporações,
PM. O Estado brasileiro precisa diminuir a sua depen- que hoje estão divididas em duas polícias, cada uma
dência das PM para garantir a segurança da população. com suas carreiras.
No Chile, após a redemocratização a Polícia de Investi-
gações foi fortalecida para contrapor o poder dos Cara-
bineiros, a polícia militar do país. Países como Estados
Unidos, Inglaterra, Espanha e Itália possuem inúmeras
polícias, sem que nenhuma delas tenha o poder que as
PM possuem no Brasil.

Intervenção feita por manifestantes no dia do lançamento do relatório da


Comissão da Verdade.

Hoje, existe um debate sobre a necessidade de


reformar a Segurança Pública brasileira e não é exclu-
sividade da Comissão da Verdade. Segundo pesquisa
Polícia Militar do Espírito Santo em greve, 2017. DataFolha de 2014, a segurança já é a segunda maior
preocupação dos brasileiros.
A experiência internacional mostra que não se Atualmente, o Brasil é responsável por um em
pode ter uma polícia com muito mais poder do que as cada dez assassinatos cometidos no mundo. Diariamen-
demais. Diante disso, é urgente que o Brasil discuta o te, 154 pessoas são assassinadas no País. Uma das cau-
lugar que as PM devem ocupar no sistema de segurança sas deste cenário de caos reside, segundo o relatório, na
pública. O fortalecimento das Polícias Civis e das Guar- incapacidade da Polícia Militar de se adaptar ao regime

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democrático. "A Polícia Militar foi e continua sendo um aparelho bélico do Estado, empregada pelos sucessivos
governantes no controle de seu inimigo interno, ou seja, seu próprio povo, ora conduzindo-o a prisões medievais,
ora produzindo uma matança trágica entre os residentes nas periferias das cidades ou nas favelas", afirma o texto.
Segundo o documento, a concepção militar da polícia é voltada para o controle político e não para a prevenção da
violência e criminalidade.
A avaliação do relatório é reforçada por levantamentos do Fórum Brasileiro de Segurança Pública e da Anis-
tia Internacional. Segundo estas organizações, a polícia brasileira matou, em média, seis pessoas por dia, em 2013.
No ano anterior, 30 mil jovens brasileiros foram mortos, sendo 77% deles, negros.

Levantamentos como o da ONG Conectas revelam que a cultura que prevalece no Brasil é de uma polícia
repressiva e, muitas vezes, impune, é a realidade nacional. De acordo com o Fórum Brasileiro de Segurança Pública,
a tropa mais letal do País é a do Rio de Janeiro, seguida pela de São Paulo, depois Bahia e Pará, estados governa-
dos por partidos políticos diferentes, o que sugere que essa cultura carcerária é compartilhada por diversas forças
políticas independentes das ideologias partidárias.

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Por outro lado, o Brasil também possui o recorde de policiais assassinados no mundo: 490 em 2013, 43 a
mais do que em 2012. Por conta disso, a proposta de desmilitarização policial encontra grande aceitação entre os
policiais de baixa patente. Uma pesquisa da FGV, de 2014, mostra que 73,7% dos policiais apoiam a desmilitari-
zação. Segundo a mesma pesquisa, entre os policiais militares, o índice sobe para 76,1%.

Ao todo, estima-se que os custos ligados à violência, somente em 2013, giraram em torno de 258 bilhões de
reais, sendo que a maior decorreu da perda do capital humano, com mortes e invalidez, representando 114 bilhões
de reais. Os dados mais recentes não foram divulgados devido a sigilo de Estado em algumas Unidades Federais.

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Aprofunde seus conhecimentos
Sugestões de filmes e documentários
§§ Notícias de uma guerra particular (1999) – Direção: Joao Moreira Salles – duração 57 minutos.
§§ Jonas, só mais um (2008) – Direção: Jeferson De – duração 13 minutos.
§§ O dia em que Dorival encarou a guarda (1986) – Direção: Jorge Furtado e Jose Pedro Goulart – du-
ração 14 minutos.
§§ Rapsódia para o homem negro (2015) – Direção: Gabriel Martins – duração 24 minutos.
§§ Cemitério São Luiz (2003) – Direção: Ana Paul – duração 13 minutos.
§§ Verdade ou consequência (2010) – Direção: Movimento do Vídeo Popular – duração 15 minutos.
§§ Armados (2012) – Direção: Rodrigo Mac Niven – duração 60 minutos.
§§ Cortina de fumaça (2011) – Direção: Rodrigo Mac Niven – duração 94 minutos.

Fontes
http://www.bbc.com/portuguese/brasil-38852816

http://www.bbc.com/portuguese/brasil-38909715

http://www.bbc.com/portuguese/brasil-38933455

https://anistia.org.br/relatorio-da-anistia-internacional-destaca-violencia-mundo-e-crise-da-seguranca-publica-brasil/

http://www.univem.edu.br/jornal/materia.php?id=250

http://politica.estadao.com.br/blogs/gestao-politica-e-sociedade/a-crise-da-seguranca-publica-brasileira/

http://www.observatoriodeseguranca.org/seguranca

http://www.scielo.br/pdf/rdgv/v12n1/1808-2432-rdgv-12-1-0049.pdf

http://epoca.globo.com/brasil/noticia/2017/02/greve-dos-policiais-militares-no-espirito-santo-e-no-rio-de-janeiro.html

http://g1.globo.com/sao-paulo/noticia/2016/11/gastos-publicos-com-seguranca-chegam-r-76-bilhoes-em-2015.html

https://professorlfg.jusbrasil.com.br/artigos/121932870/aumenta-gastos-com-seguranca-publica

https://www.cartacapital.com.br/sociedade/seguranca-publica-brasileira-e-
-improdutiva-violenta-e-reproduz-desigualdades-3055.html

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ATUALIDADES
Crise no sistema de segurança
pública no Brasil
Vinicius Gruppo Hilári o

CH
ATUALIDADES

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