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It’s True, It’s True, It’s True, da produção de Billy Barrett é uma peça de teatro

assombrosa que tem muito a dizer sobre o mundo como era e como está. Na sua
essência, é um espetáculo verbatim, com reviravoltas à mistura, o que nos permite abrir
uma janela do mundo de 1612.

O cenário é o julgamento do pintor italiano Agostino Tassi, acusado de violar


Artemisia Gentileschi de 15 anos. A grande maioria das transcriações do tribunal
sobreviveram e Barrett as usou para desenvolver esta peça, demonstrando que, mesmo
depois de 400 anos, a sociedade ainda não mudou muito. O julgamento pode ser de
Tassi, mas quem está realmente no banco de réus é Gentileschi. O testemunho de
Artemisia é constantemente questionado, especialmente quando o tribunal permite que o
réu a interrogue diretamente. Enquanto Tassi tem uma grande reputação artística, pois
trabalha com o Papa, ela não. A sua reputação pessoal é manchada por vários jovens que
afirmaram ter relações sexuais com ela e pelo testemunho da sua amiga e confidente
Donna Tuzia. Inacreditavelmente, a certo momento do seu depoimento, Gentileschi foi
torturada com parafusos a apertarem os seus dedos, para, aparentemente, poder
estabelecer a veracidade da sua afirmação – algo que não aconteceu a Tassi, pois as suas
mãos de pintor podiam ser danificadas. Embora Tassi tenha sido considerado culpado
após a audiência que durou sete meses, o sistema encontrou uma forma de contornar a
situação, e, rapidamente foi libertado. Tudo este julgamento resulta num ultraje e
indignação por parte do espectador, fazendo-o pensar no quanto este processo
assemelha-se aos julgamentos que acontecem nos dias de hoje.

Como é uma peça parcialmente sobre arte, o cenário é feito para parecer um
estúdio com uma moldura de pintura que domina o palco, e ao longo do espetáculo é
recriado dois quadros da autoria de Artemisia Gentileschi, ambas baseadas em histórias
do Antigo Testamento. O primeiro é Susannah and the Elders, que tem sido como uma
alegoria visual do assédio sexual da jovem por parte dos homens. No segundo, Judith
Slaying Holofernes, há uma sensação de vingança (diz-se que o Holofernes é baseado
em Tassi), que irá continuar a ecoar ao longo dos tempos.

Três atrizes fazem múltiplos papéis ao longo da peça, desde das personagens
principais, até aos advogados do processo e as suas várias testemunhas. Aparecem
primeiro em roupas dos advogados, isto é, com vestuário masculino de grandes
dimensões, e continuam a usá-los mesmo interpretando personagens femininas,
mostrando o preconceito masculino do próprio julgamento. Durante uma parte
importante da peça, Ellice Stevens, como Artemisia, é despida praticamente nua para
dar o seu testemunho – uma metáfora visual reveladora do que está a acontecer. Stevens
é uma figura que se destaca ao longo do espetáculo, especialmente durante o seu
monólogo onde repete as palavras “É verdade” dezasseis vezes enquanto olha para o
público, recusando comprometer-se. Como Tassi, Sophie Steer é particularmente
assustadora ao demonstrar a arrogância masculina dominante que orientou os
procedimentos e exala os seus direitos à medida que a sua história muda para se adequar
as suas reivindicações. Kathryn Bond interpreta a maior parte da comédia como Donna
Tuzia, que fez mais do que admite para permitir a angústia de Gentileschi. Há também
uma aparição de Harriet Webb, que ajuda Artemisia a encontrar a vontade de sobreviver.

O guião, escrito por Stevens e Barrett, é acessível e contundente, tendo em conta


os setes meses de transcrições do tribunal que foram estudados, e a música ruidosa,
impetuosa é usado com efeito máximo. A minha única desilusão enquanto espectador,
foi que no final da peça, o espetáculo tornou-se num concerto de rock. Imagino que isso
foi feito para celebrar o espírito indomável de Artemisia Gentileschi e o poder do
feminismo que esta representa, mas pareceu-me um pouco cliché, mas sinto que teria
sido melhor acabar a peça com algo do mundo da pintura. Deixando isto de lado,
recomendo o It’s True, It’s True, It’s True, como um espetáculo de comovente e
impressionante, onde podemos ouvir a voz de Artemisia Gentileschi a rugir ao longo
dos tempos.

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