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INTERCULTURALIDADE E DIREITO
INDÍGENA À EDUCAÇÃO - A
POLÍTICA PÚBLICA DE FORMAÇÃO
INTERCULTURAL DE PROFESSORES
INDÍGENAS NO BRASIL
Vanessa Corsetti Gonçalves Teixeira1
Eliana dos Santos Costa Lana2

Resumo
Neste artigo temos como objetivo discutir a
interculturalidade proposta na política pública de
formação intercultural de professores indígenas no Brasil.
Na primeira parte, analisamos os princípios consagrados
no sistema internacional dos direitos indígenas,
destacando a importância, para a consolidação do direito
indígena à educação: (I) da participação nas decisões;
(II) do respeito aos conhecimentos tradicionais e suas
modalidades de transmissão e (III) da autonomia das
populações indígenas no que respeita a seus objetivos
socioculturais e com relação a suas futuras gerações.
Na segunda parte, trazendo dados ociais e entrevistas
com professores indígenas formados pelo programa de
educação intercultural da USP, analisamos o estado atual
desta dimensão do processo de consolidação do direito
dos povos indígenas à educação no Brasil. Concluímos
que, apesar de os conteúdos especícos da legislação serem
adequados aos deveres assumidos no plano internacional,
não atendem atualmente aos elementos necessários
para tornarem efetivos os direitos dos povos indígenas

1
Doutoranda em Filosoa do Direito pela Universidade de São Paulo.
vanessacgteixeira@yahoo.com.br
2
Docente da Universidade Braz Cubas, Mogi das Cruzes, São Paulo.
elianaslana@hotmail.com
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Vanessa Corsetti
Gonçalves Teixeira,
brasileiros no que respeita a uma das funções essenciais
Eliana dos Santos da educação denida na CF-1988: a formação cidadã e a
Costa Lana
participação no espaço público interétnico.
Palavras-chave: formação de professores indígenas,
inclusão, interculturalidade.

INTRODUÇÃO

A interculturalidade pode ser entendida, em sentido


amplo, como uma proposta de consolidação democrática
nos Estados onde convivem diversas culturas (MONROE,
2009). Superando o paradigma multiculturalista anglo-
saxão como projeto ético universal para a convivência entre
as culturas e o tratamento ético da diversidade cultural, os
princípios da proposta intercultural vêm-se desenvolvendo
dentro de uma lógica bastante ampla. Existem noções de
caráter mais classicatório que se limitam a descrever a
dinâmica da diversidade cultural nos contextos nacionais
especícos; existem concepções estritamente metodológicas
da interculturalidade, entendida, por exemplo, como didática,
ou mais amplamente, pedagogia; e ainda, uma proposta
teórica que argumenta a favor da reconstrução dos direitos
humanos universais como projeto ético emancipador sob o
paradigma intercultural (SANTOS, 2006). É neste universo
tão diverso de posições teóricas que se estão construindo as
propostas interculturais para o tratamento da diversidade
cultural.
Há que se reconhecer, contudo, que entre a diversidade
de propostas teóricas e os paradigmas consagrados no sistema
internacional de promoção e proteção dos direitos humanos
– o mais próximo, na atualidade, a um tratamento universal
das questões ético-jurídicas – existe um descompasso
considerável.
Dessa forma, se é certo que se deniu, tão cedo como
a própria aprovação da Carta das Nações Unidas, que a
Educ. foco,
Juiz de Fora, convivência pacíca e harmoniosa entre as diferentes culturas
v. 17, n. 1, p. 119-150,
mar. / jun. 2012
120 era um objetivo fundamental da comunidade de Estados; e
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que a diversidade cultural contém um valor intrínseco, não Interculturalidade


e direito indígena
se preocupou com a denição jurídica de “cultura”, o que à educação - A
política pública
gera uma multiplicidade de acepções que se podem notar de formação
intercultural
nos diversos textos normativos e mecanismos de proteção de professores
indígenas no Brasil
internacionais.3 Por outro lado, se as agências especializadas
da Organização reconhecem o valor e a necessidade do
diálogo intercultural, carecem ainda dos critérios para a sua
utilização como método de decisão de conitos e formulação
de leis. Além disso, no campo especíco dos direitos dos
povos indígenas, ao mesmo tempo que se consagra o direito
à autodeterminação e gestão do próprio futuro aos povos
indígenas, os textos internacionais não denem parâmetros
participativos para além do mecanismo da consulta, o que
em última instância, implica na reprodução da hegemonia
monocultural: ou se aceita ou se recusa, mas não se participa
da formulação da pergunta fundamental sobre a qual se faz a
consulta.
Nesse sentido, a discussão da interculturalidade nos
direitos humanos – sistema dentro do qual se localizam os
direitos dos povos indígenas – é, ainda, um debate aberto.
Neste trabalho analisamos, sob a ótica da
interculturalidade, uma política pública cujo fundamento
é a necessidade de uma educação diferenciada, direcionada
aos nacionais indígenas, como parte do projeto estatal de
formação para a cidadania. Dessa maneira, a formação
intercultural dos professores indígenas será entendida aqui
como uma das estratégias utilizadas pelo governo brasileiro
para a consolidação de direitos e valores de cidadania e de um
espaço interétnico democrático através da educação formal

3
Para oferecer três exemplos de clara diferença estão: a noção de
interculturalidade e diversidade das expressões culturais (UNESCO); a noção
de cultura que subjaz aos princípios da Declaração das Nações Unidas sobre
os Povos Indígenas, onde a ideia de cultura está intrinsecamente relacionada
à da autoidenticação étnica; e a noção de proteção dos sistemas culturais de
conhecimento tradicional, que se está desenvolvendo no grupo de trabalho Educ. foco,
Juiz de Fora,
responsável pela temática na Organização Internacional da Propriedade v. 17, n. 1, p. 119-150,
Intelectual. 121 mar. / jun. 2012
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Vanessa Corsetti
Gonçalves Teixeira, obrigatória diferenciada (ver TEIXEIRA, 2010, y LANA,
Eliana dos Santos
Costa Lana
2009).4

1. DIREITO DOS POVOS INDÍGENAS À EDUCAÇÃO E


INTERCULTURALIDADE

No processo de armação do direito dos povos indígenas


à educação, consagrou-se a ideia de que essa educação não deve
ser a mesma oferecida pelo Estado aos demais nacionais, mas
que deve respeitar a condição de diferença cultural e linguística
e as formas tradicionais de conhecimento, além de procurar
oferecer igualdade de condições de acesso e qualidade do
serviço público com relação aos demais nacionais do Estado.
A isso se chamou educação diferenciada e, paulatinamente,
armou-se que deveria ser intercultural, apesar de que não se
dene o que se quer dizer com o termo no texto normativo
internacional obrigatório mais relevante sobre a matéria: o
Convênio 169 da OIT, que se discute no seguinte ponto.

.. O C   OIT   D  P


I  E D

O Convênio 169 da OIT, aprovado em 19895, em seu


órgão plenário e raticado posteriormente pela grande maioria
4
Vale dizer algumas palavras iniciais sobre o direito indígena à educação no Brasil.
Quando se refere a esse direito, está-se discutindo essencialmente o dever do Estado
de oferecer, incentivar ou nanciar a educação formal (escolar) para os nacionais
indígenas. Especialmente está-se discutindo o dever de oferecer educação gratuita
diferenciada nos primeiros oito anos de formação, e de oferecer programas de
formação de quadros docentes e administrativos para os nacionais indígenas, como
resultado do dever assumido no Convênio 169 da OIT. A literatura especializada
acrescenta, ademais, o dever de levar em conta a especicidade cultural dos povos
indígenas nos momentos de formular e aplicar a política pública. Como se vê em:
MARÉS (1998); GRUPIONI (2006); PACHECO (1987), entre outros.
5
O Convênio 169, dos mais relevantes instrumentos internacionais para o
tratamento da questão indígena, pode ser consultado na íntegra em diversos
Educ. foco, endereços na rede internet. No sitio ocial da OIT, o documento pode
Juiz de Fora,
v. 17, n. 1, p. 119-150, ser encontrado em PDF: http://www.oit.org.br/sites/default/les/topic/
mar. / jun. 2012
122 international_labour_standards/pub/convencao%20169_2011_292.pdf
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dos Estados Latino-Americanos, estabelece um rol de princípios Interculturalidade


e direito indígena
que exclui para os Estados signatários a possibilidade de ignorar à educação - A
política pública
a diferença cultural ou depreciá-la objetivando sua supressão. de formação
intercultural
É com a aprovação do Convênio e a consequente proibição de professores
indígenas no Brasil
da formulação de políticas integracionistas que se consagram
diversos deveres de prestação positiva do Estado com relação
ao respeito à cultura e modos de vida indígenas. O Convênio
coloca, entre suas considerações iniciais, as quais motivam a
revisão do Convênio precedente sobre a matéria6, que:

“(..) a evolução do direito internacional desde 1957 e as


mudanças sobrevindas na situação dos povos indígenas
e tribais em todas as regiões do mundo fazem com que
seja aconselhável adotar novas normas internacionais
nesse assunto, a m de se eliminar a orientação para a
assimilação das normas anteriores (...) e reconhecendo
as aspirações desses povos a assumir o controle de
suas próprias instituições e formas de vida e seu
desenvolvimento econômico, e manter e fortalecer suas
identidades, línguas e religiões, dentro do âmbito dos
Estados onde moram

Com relação às políticas para a educação, especialmente


o parágrafo 2 do artigo 7°, dispõe:

“A melhoria das condições de vida e de trabalho e do


nível de saúde e educação dos povos interessados, com a
sua participação e cooperação, deverá ser prioritária nos
planos de desenvolvimento econômico global das regiões
onde eles moram. Os projetos especiais de desenvolvimento
para essas regiões também deverão ser elaborados de forma
a promoverem essa melhoria.”

Já em sua parte especíca, em seu artigo 27, o Convênio


relaciona os dois elementos centrais do direito indígena à
educação: os objetivos da educação diferenciada e a formação
de professores:
Educ. foco,
Juiz de Fora,
v. 17, n. 1, p. 119-150,
6
O 107, de 1957, que tratava da questão indígena. 123 mar. / jun. 2012
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Vanessa Corsetti
Gonçalves Teixeira,
“A autoridade competente deverá assegurar a formação
Eliana dos Santos de membros destes povos e a sua participação na
Costa Lana
formulação e execução de programas de educação, com
vistas a transferir progressivamente para esses povos
a responsabilidade de realização desses programas,
quando for adequado.”.

Podemos dizer, em linhas gerais, que o texto do Convênio


trabalha uma relação fundamental entre as questões do ensino
referentes à proteção da língua materna, conhecimentos
tradicionais e suas formas de transmissão e a livre-determinação
dos objetivos para o desenvolvimento dos povos interessados e
o que aqui denominamos educação diferenciada.7
Ademais, identica-se no texto que a educação indígena
deverá também atender aos ns de: (I) passar conhecimentos
da língua nacional e informar sobre os direitos e obrigações
da sociedade nacional como um todo e (II) em contrapartida,
informar a população nacional não-indígena sobre as culturas
indígenas de modo a eliminar os preconceitos.
Nesse sentido, pode-se armar que os Estados que
fazem parte do Convênio 169, aceitando-o como obrigatório,
subscrevem, com relação à educação, o dever de formular
política pública especíca nesse campo, em cooperação com os
povos interessados;

I. tendo em conta os seguintes princípios: (a) atenção a


suas necessidades particulares, (b) consideração de sua
história, conhecimentos e técnicas, sistemas de valores
e todas as demais aspirações sociais, econômicas e
culturais, e (c) garantir a formação de membros desses
povos e sua participação na formulação e execução de
programas de educação e
II. atendendo aos objetivos de: 1. transferir progressivamente
para esses povos a responsabilidade de realizar esses
programas; 2. reconhecer o direito desses povos a criar
suas próprias instituições e meios de educação; 3. ensino
Educ. foco,
Juiz de Fora,
v. 17, n. 1, p. 119-150,
7
O termo é utilizado pela literatura especializada para se referir à Educação
mar. / jun. 2012
124 Intercultural Bilíngue.
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das crianças, incentivo ao uso, preservação e recuperação Interculturalidade


e direito indígena
da língua materna do povo indígena; 4. ministrar à educação - A
política pública
conhecimentos gerais e aptidões que permitam participar de formação
intercultural
plenamente e em condições de igualdade na vida de sua de professores
indígenas no Brasil
própria comunidade e na vida da comunidade nacional e
5. fazer conhecer os direitos e obrigações especialmente no
que se refere ao trabalho e às possibilidades econômicas,
às questões de educação e saúde, aos serviços sociais e aos
direitos que derivam do Convênio.

Não se pode olvidar que, entre os princípios gerais


do Convênio, garante-se ao sujeito de direito indígena
(o povo indígena) o direito de gerir seu próprio futuro,
determinando que os governos estabeleçam ações coordenadas
de desenvolvimento regional e global em acordo com os
povos interessados. Destaca-se, nalmente, a importância de
se tornarem disponíveis recursos por parte do Estado e de se
formularem programas de educação especícos com o m de
se combater o preconceito contra os povos indígenas.8
Assim, podemos identicar que a importância da
formação de professores indígenas e da oferta de um programa
especíco de formação de professores para cada povo diz
respeito tanto ao fundamento do direito à educação diferenciada
nos termos do Convênio 169, que é o de gerir o próprio futuro,
como aos princípios de participação e ao objetivo de transferir
aos povos interessados a responsabilidade pela realização dos
programas de educação.
Dessa forma, entende-se que a ideia de interculturalidade
deve ser mais profundamente desenvolvida no âmbito interno
dos Estados, na formulação e aplicação da política pública
sobre a que versa o dever internacional assumido pelos Estados.

8
Um exemplo de política que atende a esse objetivo, no caso brasileiro, foi a
aprovação e entrada em vigência da lei que determina a modicação dos
conteúdos dos livros didáticos das disciplinas de história e geograa dos ensinos
médio e fundamental da educação não-diferenciada. Lei 11.645/2008, 10 de
março de 2008, que modica a lei 10.639, de 9 de janeiro de 2003, obrigando a Educ. foco,
Juiz de Fora,
inclusão da História e Cultura Afro-brasileira e Indígena no currículo ocial das v. 17, n. 1, p. 119-150,
redes de ensino pública e privada. 125 mar. / jun. 2012
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Vanessa Corsetti
Gonçalves Teixeira, . . D  P I  E 
Eliana dos Santos
Costa Lana B

Em artigo publicado no ano de 2010 pela UPN,


TEIXEIRA discute a proposta brasileira do tratamento da
interculturalidade, a qual, conclui, está baseada em alguns
objetivos fundamentais que dirigem o direito à educação
para todos os cidadãos brasileiros, e outros que dão sentido
especíco à educação dirigida aos povos indígenas. Nesse
sentido, o direito dos povos indígenas à educação expressa a
busca pelo equilíbrio entre a igualdade de condições com os
demais cidadãos brasileiros e o direito à diferença.
O sentido desse direito à igualdade está essencialmente
relacionado à ampliação do acesso à educação de qualidade.
De outro lado, o direito à diferença encontra seu norte
na formulação de uma política especíca que permita a
reprodução cultural, ao mesmo tempo que prepara os alunos
dessa escola diferenciada para conviver em um espaço público
interétnico.
Não obstante, como nota a co-autora deste texto em seu
outro trabalho (LANA, 2009), a respeito deste espaço público
interétnico não se diz nada mais que a necessidade de fortalecer
a educação sobre os direitos humanos. Porém, o último plano
nacional sobre educação em direitos humanos não dene
objetivos mais detalhados que: o estímulo da relação democrática
entre escola e comunidade; a luta contra a discriminação e a
tolerância; o apoio às políticas dirigidas às populações indígenas;
a garantia de formação inicial e continuada sobre os direitos
humanos para os professores de ensino infantil e a melhora
das condições de trabalho dos professores indígenas. Ademais,
diversas questões especícas como a leitura do Estatuto da
Criança e do Adolescente9 estão expressas no plano.
Não foram encontrados, contudo, estudos sobre
como as legislações especícas de direitos humanos (idosos,
Educ. foco,
Juiz de Fora,
v. 17, n. 1, p. 119-150,
mar. / jun. 2012
126 9
Lei especíca sobre os direitos da criança e do adolescente.
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crianças e mulheres, por exemplo) estão sendo discutidas Interculturalidade


e direito indígena
com os professores indígenas e é provável que os programas à educação - A
política pública
de formação não se tenham dedicado especicamente à de formação
intercultural
formação nessas temáticas, o que se deduz da ausência de de professores
indígenas no Brasil
referência especíca nos informes ociais (TEIXEIRA,
2010).
Assim, de uma perspectiva principiológica, a
interculturalidade, na concepção consagrada nos textos
ociais brasileiros, remete à ideia de uma convivência
harmoniosa entre as culturas indígenas e a nacional em um
espaço público democrático destinado a receber igualmente
todas essas culturas, onde as políticas de educação devem
servir para preparar as duas partes (alunos diferenciados
por seu pertencimento às culturas indígenas e alunos não
diferenciados, pertencentes aos demais setores sociedade
nacional) para essa convivência harmoniosa. O cerne dessa
proposta, jus-política, está na apropriação dos princípios de
direitos humanos, concretizada no fortalecimento das ações
especícas de educação em direitos humanos. Isso poderia
ser denido como o objetivo fundamental da educação na
proposta político-democrática da interculturalidade.
Sem embargo, existe também uma perspectiva
metodológica da interculturalidade, concretizada nas linhas
gerais e nas políticas especícas dirigidas à educação indígena
que pretendem responder à pergunta, não menos complexa,
mas talvez mais objetiva: como respeitar às culturas indígenas
na educação formal?
O princípio guia para a resposta a esta indagação é a
garantia de que sejam respeitados os conhecimentos indígenas
e suas formas de produção e transmissão, com base nos
compromissos assumidos internacionalmente. Como se dá
a discussão da interculturalidade na educação indígena no
Brasil? No próximo ponto, discutimos os textos normativos e
as linhas fundamentais de debates sobre a questão na literatura
especializada. Educ. foco,
Juiz de Fora,
v. 17, n. 1, p. 119-150,
127 mar. / jun. 2012
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Vanessa Corsetti
Gonçalves Teixeira, 2. LEGISLAÇÃO E EDUCAÇÃO INDÍGENA NO BRASIL
Eliana dos Santos
Costa Lana

Observa-se que no Brasil a legislação dirigida à


educação indígena tornou possível o desenvolvimento de
um projeto de ensino formal diferenciado (escolar) cuja
sistematização dos saberes deve ser culturalmente adequada
às reivindicações desses povos. É dizer onde os professores das
escolas, localizadas dentro das aldeias, e o calendário escolar
sejam adaptados às atividades próprias da comunidade
(GRUPIONI, 2001).
A Constituição brasileira de 1988, em seu artigo 209,
§ 2º reconhece o direito dos povos indígenas a utilizar suas
10

línguas maternas na escola e a escolher os processos próprios


de aprendizagem, ou seja, de preservar suas práticas culturais,
línguas, crenças e tradições. É uma concepção relativamente
recente e que demonstra a ruptura com o paradigma
integracionista vigente até então.
A legislação também colocou os povos e comunidades
como protagonistas da escola indígena, resguardando-lhes o
direito a ter seus próprios membros indicados para tornarem-
se professores a partir de programas especícos de formação e
titulação.
Assim, buscando cumprir com a obrigação assumida
constitucional e internacionalmente, o Estado brasileiro teve
como primeira tarefa a de providenciar um documento cuja
função é denir parâmetros de uma política nacional para a
educação indígena que se pretendia que fosse “diferenciada”
da educação oferecida aos demais nacionais. Este documento,
redigido em 1993 – “Diretrizes para a Política Nacional de
Educação Escolar Indígena” – tem como objetivo principal
orientar a atuação dos responsáveis pela educação indígena
e estabelece princípios de uma prática pedagógica orientada

10
A Constituição brasileira de 1988 em seu artigo 209, §2º dispõe: “O ensino
Educ. foco, fundamental regular será ministrado em língua portuguesa, assegurada às
Juiz de Fora,
v. 17, n. 1, p. 119-150, comunidades indígenas também a utilização de suas línguas maternas e processos
mar. / jun. 2012
128 próprios de aprendizagem”.

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