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Enrique Dussel
A colonialidade do saber: eurocentrismo e ciências sociais. Perspectivas latinoamericanas.
Edgardo Lander (org). Colección Sur Sur, CLACSO, Ciudad Autónoma de
Buenos Aires, Argentina. setembro 2005.
Enrique Dussel*
Enrique Dussel (2005) explica que o conceito de Europa precisa ser melhor discutido por se referir à
mitologia dos fenícios, e por isso, traz uma semântica do Oriente, não estabelecendo uma relação com
a definição da Europa moderna. O Ocidente se formará pelo Império Romano, a Europa latina
medieval e se opõe ao Oriente, por representar o império helenista, formado por Grécia e Ásia. No
Oriente predomina o mundo árabe-mulçumano numa região muito extensa, sendo as Cruzadas os
ataques da Europa latina medieval para se impor no Mediterrâneo Oriental. Para Dussel (2005, p.25),
as inúmeras tentativas frustradas de conquistar o Oriente, tornou a Europa latina uma “cultura
periférica, secundária e isolada pelo mundo turco mulçumano, que dominou politicamente do
Marrocos até o Egito, a Mesopotâmia, o Império Mongol no norte da Índia, e ilhas Filipinas no século
XIII”. Desde o império helênico, o “Mar Vermelho ou Antioquia representa o limite ocidental do
mercado euro-afro-asiático, demarcando a fronteira entre o mundo árabe-mulçumano do Oriente.
Para Charles Taylor1 (apud Dussel, 2005, p.26) existem dois conceitos de Modernidade. Existe aquele
que foi concebido sob a perspectiva do mundo “eurocêntrico, provinciano, regional”, no qual os
processos de modernização representaram a “emancipação” dos fenômenos intra-europeus e
desenvolvimento da Europa. Dessa linha, temos Hegel, Habermas (1988) e Max Weber como teóricos
contemporâneos abarcando noções, tais como, da racionalização, modernidade e desencantamento do
mundo; e Galileu (1616), Bacon (1620) e Descartes (1636) como os precursores do mundo moderno
no século XVII. A subjetividade se apresentou como principio para essa modernidade eurocêntrica,
atribuída a Revolução Francesa, Reforma Protestante, o Iluminismo e outros tantos eventos históricos
nos estados da Europa, acabaram desencadeando os processos para o mundo moderno.
A outra perspectiva remonta a noção de modernidade associada a mudanças na História Mundial e,
dessa forma, estabelece um centro na historia, que começa a ser reconhecido no século XV, com o
descobrimento da América, e se aprofunda e se amplia com a Revolução Industrial no século XVIII.
Desse modo, somente a partir de 1492, com as conquistas do descobrimento da América a riqueza do
1
Taylor, Charles 1989 Sources of the Self. The Making of Modern Identity (Cambridge: Harvard University Press).
Mediterrâneo contribuiu para suplantar o Oriente, onde Portugal e Espanha abrem para o
mercantilismo mundial com a entrada de metais preciosos no comércio europeu, estabelecendo
relações com Inglaterra e Holanda, marcando assim a primeira fase da modernidade. Com base na
descrição de Dussel (2005),
[...] a Europa moderna, desde 1492, usará a conquista da América Latina (já que a
América do Norte só entra no jogo no século XVII) como trampolim para tirar uma
vantagem comparativa determinante com relação a suas antigas culturas antagônicas
(turco-muçulmana, etc.). Sua superioridade será, em grande medida, fruto da
acumulação de riqueza, conhecimentos, experiência, etc., que acumulará desde a
conquista da América Latina (Dussel, 2005, p.28).
[...] a razão moderna é transcendida (mas não como negação da razão enquanto tal, e
sim da razão eurocêntrica, violenta, desenvolvimentista, hegemônica). Trata-se de
uma Trans-Modernidade como projeto mundial de libertação em que a Alteridade, que
era coessencial à Modernidade, igualmente se realize. A .realização. não se efetua na
passagem da potência da Modernidade à atualidade dessa Modernidade européia. A
realização seria agora a passagem transcendente, na qual a Modernidade e sua
Alteridade negada (as vítimas) se co-realizariam por mútua fecundidade criadora. O
projeto transmoderno é uma co-realização do impossível para a Modernidade; ou seja,
é co-realização de solidariedade, que chamamos de analéptica, de: Centro/Periferia,
Mulher/Homem, diversas raças, diversas etnias, diversas classes, Humanidade/Terra,
Cultura Ocidental/Culturas do mundo periférico ex-colonial, etc.; não por pura
negação, mas por incorporação partindo da Alteridade (Dussel, 2005, p. ).
Desse modo, Dussel (2005) propõe o paradigma da “Trans-modernidade” como projeto que incorpora
os aspectos da mundialização da Europa, sendo o processo de colonização a razão emancipadora da
ideia de Modernidade, iniciada a partir de 1492, e cujos fins se coadunam com a proposta de libertação
da Alteridade negada, seja na esfera política, econômica, social e ecológica. Para o autor, quando
contrastados os paradigmas, eurocêntrico da Modernidade, e o da Modernidade/Alteridade ou Trans-
modernidade, se justifica os dados apresentados pela ONU2 no qual mostra que a maior parcela da
riqueza mundial se concentra no centro do sistema-mundo 3, e a periferia continua a padecer da
injustiça estrutural produzida pela modernidade e pelo sistema mundial criado pela Europa Ocidental.
2
UNDP-United Nations Development Programe 1992 Human Development Report 1992 (Nova Iorque: Oxford
University Press).
3
Wallerstein, Immanuel 1974 The Modern World-System (San Diego/Nova Iorque: Academic Press) Tomo I.