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Integração Africana: da Organização

da Unidade Africana à União Africana


Alfa Oumar Diallo *

L´Afrique a dépassé le stade où incriminer le


passé pour ses problèmes. C´est à nous qu´il
incombe de réparer ce passé, avec le soutien
de ceux qui acceptent de participer avec nous à
un renouveau continental. Nous avons une nou-
velle génération de dirigeants conscients que
nous devons assumer la responsabilité de notre
propre destinée, que nous nous élèverons seu-
lement par nos propres efforts menés en parte-
nariat avec ceux qui nous souhaitent le succés.
Nelson Mandela.

Resumo

Desde Kwamé N´Krumah a unidade da África era um Em Syrte na Líbia, no dia 9 de setembro, os chefes
grande desejo. A Organização da Unidade Africana de Estados e de governos da África, sob a iniciativa
(OUA) servia aos olhares de alguns na pobreza moral de Mouhammar El Kadhafi, resolveram criar a União
e material do continente. Destaca-se, que dentro da Africana (UA). Assim, em 11 de julho de 2000, em
OUA, alguns fundadores militavam em favor da ins- Lomé (Togo), os Estados Africanos adotaram o Ato
tituição dos Estados Unidos da África enquanto que Constitutivo da União Africana. A assinatura desse
outros pregavam, ao contrário, pela fragmentação ato foi tomada sem dificuldades, mas este não foi o
dos Estados-Nações sob uma forma organizacional. caso para a sua ratificação, feita com muitas reser-
Os Estados Unidos da África certamente seriam li- vas. Nesse espírito, no dia 25 de maio de 2001, a
mitados à exploração contínua deste continente, mas União Africana foi criada política e juridicamente,
muitos não tinham esse entendimento. Felizmente, marcando assim uma nova era para a África. Era pre-
alguns chefes de Estados africanos conscientizaram- ciso adaptar à África na nova ordem mundial.
se dessa situação e como uma pandemia, esta toma- Palavras-chave: Organização da Unidade Africana.
da de consciência está se estendendo pouco a pouco. União Africana. Pan-Africanismo. Direitos Fundamentais.

*
Doutor em Direito pela UFRGS, Coordenador do Curso de Relações Internacionais do Unilasalle em Canoas/RS e advogado em Porto Alegre/
RS. alfa@unilasalle.edu.br ou alfadiallo@via-rs.net

Espaço Jurídico, Unoesc, v. 6, n. 1, p. 7-20, jan./jun. 2005 7


1 INTRODUÇÃO gionais perseguem os mesmos objetivos e, notadamen-
te, a coordenação dos programas e políticas para favo-
A perspectiva de integração da África não é recer o crescimento econômico e o desenvolvimento.
nova e se inscreve no movimento da globalização, Na sua inclinação continental, o pan-fricanis-
iniciado há quase um século. De fato, durante as mo concretizou-se pela criação da Organização da
três últimas décadas do século XX, as tentativas de Unidade Africana (OUA) em 1963, em Addis Abeba,
cooperação multilateral numa base regional se mul- capital do “berço da humanidade”, que é a Etiópia.
tiplicaram no mundo inteiro. É nesse sentido que o A Organização interafricana de cooperação tem sua
movimento iniciado em 1957 na Europa pela assina- origem na luta anticolonial, a Organização pan-afri-
tura do Tratado de Roma organizou as relações eco- cana não prevê estratégia específica própria para as-
nômicas entre seis Estados europeus relativamente segurar o desenvolvimento econômico do continente
ao carvão e ao aço. africano.
Para os países em desenvolvimento, a integra- No fim do século XX, na hora do liberalismo
ção regional não é um fim em si, mas um capítulo de econômico em escala mundial, os males que afetam
uma estratégia mais ampla para promover um cres- o continente africano estão intactos: pobreza, depen-
cimento eqüitativo. Uma integração regional com dência econômica, endividamento, fraca produtivi-
êxito permitiria melhorar a concorrência, reduzir os dade, doenças, repressões políticas, conflitos, etc. É
custos das transações, permitir economias em escala, nesse contexto que o Tratado da União Africana foi
atrair os investimentos diretos estrangeiros e facili- adotado em 12 de julho de 2000, em Lomé (Togo).
tar as políticas de coordenação macroeconômicas.1 Ele constitui uma transformação do direito interna-
(UNION EUROPEENNE, 2006). cional africano, à medida que prevê, num período
A compreensão da identidade e do regiona- transitório de um ano no máximo, a supressão da
lismo africanos não é uma tarefa fácil. A África é OUA e a instituição da União Africana.
um continente fragmentado em inúmeras etnias que Todavia, no estado atual das coisas, a questão
ainda não encontraram a paz social, com os maiores essencial que se apresenta e que guiará nosso estu-
índices de pobreza e subdesenvolvimento do planeta. do é a seguinte: as disposições do Tratado da União
A construção da solidariedade econômica e militar, Africana permitirão realizar o sonho pan-africano?
tem sido um processo lento e cheio de percalços, mas Porque o Tratado da União Africana consagrou o
constante. Qualquer busca de entendimento a respei- “acordado” da ideologia pan-africanista, é preciso
to do regionalismo na África deve começar pelo le- estudar a significação desse movimento e sua evolu-
gado deixado pelo colonialismo e pela luta pelo for- ção através das diferentes tentativas de concretização
talecimento de uma efetiva soberania interna. Isso do ideal pan-africano, a fim de compreender o que o
implicará conhecer como aconteceram o surgimento Tratado da União Africana pode trazer para a obra
do movimento pan-africano e o atual estado das ini- do pan-africanismo? O Tratado da União Africana
ciativas regionais. preenche as carências da OUA?
De fato, na África, a criação das comunidades
regionais é largamente anterior às políticas públicas 2 A ÁFRICA PRÉ-COLONIAL
internacionais. As integrações resultam de uma
ideologia centenária, própria dos africanos: o pan- A África, durante seu período pré-colonial era
africanismo, movimento que visa agrupar o conjunto composta de cidades independentes e principados,
dos povos africanos numa única nação. reinos e impérios, sendo suas relações baseadas na
As integrações africanas em nível regional e soberania, independência e cooperação. Apesar de
sub-regional, criadas nos anos sessenta, multiplica- não ser cultural e politicamente homogênea, havia
ram-se a partir de 1970. Fundadas, geralmente, pela uma série de características comuns que, ainda hoje,
proximidade geográfica e pela comunidade lingüísti- diferenciam-se de forma destacada dos padrões oci-
ca dos países que as compõem, essas integrações re- dentais2 (ELIAS, 1998).

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Essas características podem ser resumidas, respeito pela dignidade humana passou a significar
grosso modo, no conceito de ideal comunitário. Este respeito pelo homem branco, posto que os valores
se distingue do mundo ocidental, em virtude de três dominantes passaram a ser ocidentais; foi, por fim,
pontos cruciais: as pessoas não se vêem como indi- o término da crença nos valores humanos4 (NDAM
víduos, nem se preocupam com seus direitos indivi- NJOYA, 1988, p. 9).
duais, sendo a cidadania atingida em razão do papel O período colonial significou a diminuição,
da pessoa na comunidade, estando todas preocupa- senão a extinção por completo, do exercício dos di-
das com o grupo, com os direitos étnico-culturais; reitos humanos. Não havia respeito nem aos direitos
as decisões políticas são tomadas mediante consenso civis e políticos, tampouco aos econômicos, sociais
comunitário, devendo o chefe consultar os mais ve- e culturais. Não houve, no geral, preocupação por
lhos, que representam o povo – descarta-se a pos- parte dos Estados colonizadores quanto ao desenvol-
sibilidade de “oposição leal”, isto é, os leais fazem vimento econômico de suas colônias – pelo menos
parte do grupo e os oponentes, por definição, não são até o início da Segunda Grande Guerra, quando as
leais; a riqueza é automaticamente redistribuída, não exigências do estado de beligerância forçaram uma
havendo conceito de propriedade privada – o que faz consideração mais racional de seus recursos. Diante
com que o homem rico seja respeitado somente se dessa situação, a reação da diáspora negra não se fará
ele divide seus pertences com seus familiares e par- esperar.
tícipes de seu grupo étnico-social. Nota-se, portanto,
que o senso comunitário tinha como contrapeso dos 3 O PAN-AFRICANISMO E A DESCOLONIZAÇÃO
direitos e privilégios certos deveres que poderiam ou
não se refletir na violação de outros direitos.3 O pan-africanismo, que tem sua origem na
Discutir se esses conceitos são tipicamente escravidão e na discriminação racial contra as po-
africanos ou não, isto é, se são eles encontráveis na pulações de origem africana, materializou-se por
maioria das sociedades tipicamente agrárias, mar- intermédio de duas correntes que se sobrepunham:
cadas pelas relações pré-capitalistas em estruturas o regionalismo e o continentalismo. Ele pode ser de-
não-estatais, não é importante. Essencial, isso sim, é finido como “[...] a ideologia da democracia e dos
dar-se conta de que essas concepções mantiveram-se direitos do homem num quadro federal africano”5
por séculos e que, ainda hoje, influenciam a toma- (KAMPANG, 1993, p. 159), visando assim a “reali-
da de decisão – política ou jurídica – das sociedades zar o governo dos africanos pelos africanos e para os
africanas. Outros fatores de extrema importância em africanos, respeitando as minorias raciais e religiosas
qualquer organização sociopolítica pré-colonial afri- que desejam viver na África com a maioria negra.”6
cana eram a família e a vila, ou tribo. A terra contava (PADMORE, 1961, p. 27). O termo “pan-africanis-
pouco e, por essa razão, para os Estados africanos, as mo” corresponde a um vasto programa como o pan-
fronteiras eram algo móvel, flexível, indefinido. germanismo ou o pan-americanismo7 (DECRAENE,
A dominação e influência estrangeiras – con- 1964, p. 8).8
solidadas por meio da colonização – tiveram impacto A organização política do continente negro
imensurável no continente africano. Um ex-Ministro tem suas origens nas lutas do século XIX pela diás-
da Educação da República dos Camarões e conceitu- pora. É por essa ótica que Burghart Du Bois, funda-
ado jurista, define bem algumas das conseqüências dor da Associação Americana para o Progresso das
do período colonial: a participação do continente na Pessoas de Cor (NAACP), lançou, em seguida, o pri-
vida internacional foi reduzida abruptamente, extin- meiro Congresso Pan-africano em Paris, em 1919.
guindo-se praticamente o desenvolvimento de idéias, Esse Congresso reivindicou a adoção de um “Código
conceitos e princípios políticos; o conceito tradicio- de Proteção Internacional aos Indígenas da África”:
nal de que a vida humana era sagrada foi ridiculari- direito à terra, à educação e ao trabalho livre. Por
zado; o novo sistema social mostrou uma face dife- ocasião do IV Congresso, em Nova York, em 1927,
rente, distante do indivíduo e do espírito familiar; o ele se opôs a Marcus Garvey, que pregava “um re-

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torno à África”, foi adepto de um “sionismo negro” nação de diversos conflitos interétnicos, a abolição,
e criara uma companhia marítima, a Black Star Line, onde existia, da escravidão doméstica africana, e a
mobilizando mais de três milhões de afro-america- detenção da expansão dos impérios africanos.
nos. Mas, seu sonho soçobrou em meio a escândalos Após a Segunda Guerra Mundial, a situação
financeiros9 (COOK, 1972). política no continente africano mudou consideravel-
Em 1945, durante um V Congresso, em mente, haja vista a aquisição da independência de
Manchester, George Padmore, natural de Trinidad, seus Estados, processo ocorrido sobretudo durante as
conseguiu aprovar um manifesto que proclamava, décadas de 60 e 70. A independência desses Estados
com orgulho: “Resolvemos ser livres [...] Povos oportunizou o estabelecimento de uma organização
colonizados e subjugados do mundo, uni-vos.” Foi regional nos moldes já existentes em outros continen-
sob sua proteção que a tocha do pan-africanismo tes e, como suas análogas, teve papel fundamental no
militante passou à geração dos futuros líderes da desenvolvimento da proteção dos direitos humanos
África independente: Jomo Kenyatta (Quênia), Peter – apesar da diversidade, muitas vezes, de objetivos e
Abrahams (África do Sul), Hailé Sellasié (Etiópia), métodos utilizados.
Namdi Azikiwe (Nigéria), Julius Nyerere (Tanzânia), Os Estados africanos, no período pós-guerra,
Kenneth Kaunda (Zâmbia) e Kwame Nkrumah depararam-se com duas realidades difíceis de serem
(Gana).10 (NKRUMAH, 1994). conciliadas: a mundial, de reconstrução, de reestru-
A partir do VI e VII Congressos pan-africa- turação de esforços com vistas à proteção, nos mais
nos, em Kumasi (1953) e Accra (1958), o desafio diversos aspectos, e a continental, de paulatina liber-
da descolonização e o confronto entre Leste e Oeste tação das metrópoles, que comportava uma constru-
abalariam o cenário político e diplomático, dando ção, uma estruturação completa, iniciada quase do
origem a duas formas de pan-africanismo. Trata-se, nada, tanto política quanto econômica e jurídica (se
em primeiro lugar, de um pan-africanismo “maxi- comparadas com padrões ocidentais). Houve um
malista”, estratégia de recomposição da geopolíti- momento no qual os valores e a realidade ocidentais
ca criada pela Conferência de Berlim (1884-1885). iam de encontro aos africanos.
A Conferência oficializou a balcanização do conti-
nente em um mosaico de zonas de influência euro- 4 A CRIAÇÃO DA ORGANIZAÇÃO DA
péia. O objetivo último era a fundação dos Estados UNIDADE AFRICANA
Unidos da África, que poderiam fazer do negro um
ator no cenário mundial: a unidade econômica, po- As origens da criação de um organismo
lítica e militar da África seria a principal condição unitário no continente remetem aos ideais do pan-
para vencer esse desafio, avaliava o líder Kwame africanismo, que impulsionaram os movimentos de
N´Krumah, de Gana, que lançou a palavra de or- libertação do colonialismo principalmente a partir do
dem “A África deve se unir”. Em janeiro de 1961, pós-guerra. Os primeiros passos de unidade foram
o “grupo de Casablanca” (Gana, Egito, Marrocos, dados com as independências de Gana e Guiné
Tunísia, Etiópia, Líbia, Sudão, Guiné-Conacry, Mali (Conacri), respectivamente em 1957 e 1958. Esses
e o Governo Provisório da República da Argélia) se dois países ensaiaram uma federação que, embora
aliaria à Nkrumah11 (MELONE, 1972). não tenha perdurado, deu lugar a um movimento de
Não obstante, apesar de as potências coloni- unidade com outros países africanos, o que viria a
zadoras não estarem preocupadas em conceder aos resultar, em 1961, no Grupo de Casablanca (1960
cidadãos das terras colonizadas os mesmos direitos é considerado o Ano da África, quando 17 países
facultados aos de seus territórios, e até mesmo le- conquistaram a sua independência).
vando-se em consideração todas as atrocidades co- Nos debates para a criação da futura organiza-
metidas, não se pode negar certos aspectos positivos ção, distinguiram-se dois grupos. Um que era con-
que tiveram lugar durante a época da colonização. siderado progressista e até mesmo radical pela sua
Dentre eles, alguns especialistas mencionam a elimi- aplicação estrita do pan-africanismo sonhado pelo

10 Espaço Jurídico, Unoesc, v. 6, n. 1, p. 7-20, jan./jun. 2005


ex-presidente de Gana, Kwame N’Krumah. Ele de- da Carta da Organização da Unidade Africana. A
fendia a criação dos Estados Unidos da África, por Organização da Unidade Africana que emergiu dessas
cima da soberania dos Estados. Outra corrente, até duas facções é um esforço de conciliação conduzido
majoritária, integrada por países politicamente “mo- pelo Imperador da Etiópia, Hailé Selassié, que persu-
derados”, principalmente ex-colônias francesas, era adiu os presidentes dos 32 países independentes a se
formada pelo Grupo de Monróvia, em maio de 1961, reunirem em Addis Abeba, em 25 e 26 de maio, para
e pregava uma Organização da Unidade Africana re- constituição da Organização.l2 (KIZERBO, 1972).
presentativa de cada Estado soberano. O “grupo de A Organização da Unidade Africana perseguia
Monrovia”, era dominado pelas figuras paternais dos os seguintes objetivos: o combate ao colonialismo; a
presidentes da Costa do Marfim, Félix Houphouet defesa do pan-africanismo; o combate ao apartheid.
Boigny, e do Senegal, Léopold Sédar Senghor, ge- Essa Organização visava incrementar a cooperação
raria a OUA. entre os seus membros, estabelecer a unidade e a
Esse desafio iria chocar-se com duas situa- solidariedade dos Estados africanos, defender a in-
ções de vulnerabilidade que os presidentes Kwame tegridade territorial, a independência e a soberania
N´Krumah (Gana) e Gamal Abdel Nasser (Egito) e seus membros. Atuou na economia, na defesa, na
tinham minimizado ou ignorado. Primeiro, o peso segurança coletiva e na cultura.
das antigas potências coloniais: embora debilitadas A Carta da Organização da Unidade Africana
pela II Guerra Mundial, submetidas à nova lideran- tem sido definida como uma carta de libertação, posto
ça norte-americano-soviética e obrigadas pela ONU que as verdadeiras preocupações dos Estados africa-
a acatar a descolonização, ainda detinham grande nos nela contidas eram relativas à unidade africana,
capacidade de penetração, colocando obstáculos ao à não-interferência nos assuntos internos dos países
processo. Qualquer projeto de unificação do conti- tomados individualmente e à libertação, não só do
nente africano chocava-se frontalmente com seus sistema colonial como também do neocolonial. Essa
interesses vitais (recursos minerais e energéticos, perspectiva fez com que a Carta fosse constantemente
clientelismo e redes comerciais). criticada como sendo nada mais do que uma formula-
Em segundo lugar, Kwame N´Krumah e o gru- ção de direitos dos Chefes de Estado, uma institucio-
po de Casablanca, de forma ingênua, tinham como nalização de um sindicato de presidentes africanos,
certo o apoio esperado do campo progressista (União cuja tarefa principal seria a normalização das relações
Soviética e China Popular), assim como dos Estados de seus membros feudais. Cabe salientar que, antes
Unidos, paladinos da liberdade individual e do di- mesmo da criação da OUA, a questão dos direitos hu-
reito à autodeterminação. Porém, o apoio do campo manos vinha sendo discutida13 (M´BAYE, 1983).
progressista limitou-se a ser quase exclusivamente A partir da Declaração Universal da ONU,
verbal, e o de Washington foi para as potências colo- constata-se a existência de uma nova fase, carac-
niais aliadas, em nome de um princípio de “conten- terizada pela universalidade simultaneamente abs-
ção” que se destinava, antes de tudo, a deter a expan- trata, por meio da positivação, na seara do Direito
são comunista no mundo. Internacional, de direitos fundamentais reconhecidos
A outra corrente já mencionada fundava sua a todos os seres humanos e não apenas aos cidadãos
estratégia no direito inalienável de cada país a ter de determinado Estado14 (M´BAYE, 1983, p. 59). A
uma existência independente. Sua palavra de ordem África não ficará à margem desses direitos que di-
era “as fronteiras herdadas da colonização são into- zem respeito à situação das suas populações.
cáveis” e seu princípio, o do respeito à soberania e a Evento de suma importância na história da
não-ingerência nos assuntos internos dos Estados. Organização da Unidade Africana, e da mesma forma
Foi tendo como pano de fundo esse contexto na da proteção dos direitos humanos, a Conferência de
conturbado, de emancipação e afirmação políticas, Lagos, Nigéria, de 1961, deve ser destacada em espe-
que tomou força, sobretudo por volta de 1958, o mo- cial pelo seu caráter precursor. Dessa Conferência, uma
vimento pan-africano. Este culminou com a adoção das declarações de maior importância é a que afirma:

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[...] b) que, com o objetivo de dar to- dos direitos humanos. Trata-se, sem sombra de dúvi-
tal efeito à Declaração Universal dos das, de um marco nos esforços que vêm sendo feitos,
Direitos do Homem de 1948, esta
Conferência convida os governos afri- tanto em nível global quanto regional, com vistas à
canos a estudarem a possibilidade de promoção e ao respeito dos direitos humanos. Não
se adotar uma Convenção Africana obstante, o sistema africano encontra obstáculos de
de Direitos Humanos, de tal sorte que
ordem histórica, política, estrutural e jurídica que po-
as conclusões dessa Conferência se-
jam salvaguardadas pela criação de dem comprometer sua eficácia.
uma Corte de Jurisdição apropriada, à A freqüência com que as contradições ocor-
qual todas as pessoas sob a jurisdição riam era preocupante. Os líderes africanos usavam o
dos países signatários terão recurso;
(AFRICAN CONFERENCE ON THE slogan “Respeito pela dignidade humana”, para for-
RULE OF LAW, 1961). talecer a luta pela independência, mas o olvidavam
tão logo assumiam o poder. A década de 70 testemu-
Só após duas décadas é que se implementou, nhou violações condenadas por governos de países
apesar de parcialmente, esse dispositivo.15 de distintos continentes como, por exemplo, a expul-
Em maio de 1963, na Conferência dos Chefes são da Uganda, pelo General Idi Amin, de britânicos
de Estado e de Governo Africanos, quando 30 de origem asiática, ou então a expulsão do Gabão,
Estados africanos assinavam a Carta constitutiva da pelo Presidente Omar Bongo, de cidadãos de Benin.
Organização da Unidade Africana, a proposta de uma Apesar da reprovação da comunidade internacional,
Convenção Africana de Direitos Humanos foi nova- a Organização da Unidade Africana não se manifes-
mente discutida. Entretanto, os governantes africanos tou em nenhum desses episódios – o que, natural-
preferiram desviar seus esforços para outros assun- mente, teve como resultado uma gradual neutraliza-
tos, considerados prioritários. Da institucionalização ção de qualquer simpatia que existisse com relação a
da Organização da Unidade Africana até a segunda causas como o anti-racismo e o anticolonialismo –,
metade da década de 70, todas as moções dirigidas a tendo sempre como motivo para esse procedimento o
fim de proteger os direitos humanos ficaram restritas respeito pelo princípio da não-interferência.
a seminários, conferências, simpósios, haja vista os Apesar do extremado sentimento de apego por
princípios da não-interferência e da soberania obsta- parte dos governos africanos com relação à sua so-
culizarem toda e qualquer tentativa de operalização berania – então recém-adquirida –, alguns aconteci-
protetora. O pensamento de vários intelectuais era o mentos, tanto de ordem interna quanto externa, en-
de que, mesmo esses eventos de cunho acadêmico sejaram uma séria reflexão e avaliação do seu papel
não geravam os resultados positivos esperados, tor- – assim como do princípio da não-interferência – no
nando-se pouco provável uma mudança de perspec- contexto político africano. Internamente, teve funda-
tivas – prevalecia, pois, o pessimismo. mental importância a queda, em 1978, de três dita-
Os Estados membros da Organização da duras: a do Imperador Jean Bokassa, da República
Unidade Africana elaboraram, adotaram e ratifica- Centro-Africana; a do Presidente Nguéma Macias,
ram um instrumento regional sobre a promoção e a da Guiné Equatorial; a do General Idi Amin Dada,
proteção dos direitos do homem, assim como integra- da Uganda. Como fator externo deveras importante
ram a Carta Africana dos Direitos do Homem e dos teve-se a “cruzada pelos direitos humanos”, inicia-
Povos, que entrou em vigor em 26 de junho de 1986, da em 1979, pelo então Presidente Jimmy Carter,
chamada também a Carta de Banjul. O preâmbulo da como parte da política externa norte-americana. Os
Carta menciona como fonte absoluta dos direitos do Estados Unidos, assim como diversos países ociden-
homem nos Estados africanos, as “tradições históri- tais, começaram a condicionar seus programas de
cas e valores da civilização africana que devem ins- assistência ao efetivo respeito dos direitos humanos
pirar e caracterizar suas reflexões sobre a concepção nos países beneficiários.
dos direitos do homem e dos povos”. Ela consolidou A Organização da Unidade Africana ratificaria
o terceiro sistema regional de proteção internacional a divisão nascida nos anos 50, quando os idealiza-

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dores da organização continental se dividiram por resultaram em guerras civis. A sua ação mais impor-
questões ideológicas. Isso explica porque o balanço tante foi exercida na luta contra o apartheid sul-afri-
da OUA é quase negativo em relação aos objetivos cano e os regimes coloniais e de minoria branca na
previstos, sobretudo o Artigo 2º da Carta de funda- África Austral. No campo econômico, a Organização
ção: o reforço da solidariedade entre os Estados e da Unidade Africana teve uma ação muito pouco
da coordenação de suas políticas, que levou ao fra- marcante, embora houvesse tentativas de implemen-
casso do Plano de Lagos (1980) e da Comunidade tação de novos modelos de desenvolvimento.
Econômica Africana (1991)16 (JACKSON, 1996). A OUA não alcançou seus objetivos traçados
O não-pagamento das cotas pela maioria dos em 1963 e, mais tarde, nos anos 90: objetivos po-
Estados-membros tirou da OUA a sua principal fonte líticos, sociais e culturais, de um lado, e objetivos
de financiamento, obrigando-a a mendigar, e a men- econômicos, de outro. Os conflitos civis e étnicos
dicâncias estéreis. A função de tribuna foi o único que destroem ainda alguns países ou regiões, a pau-
trunfo que permitiu à organização a mobilização da perização econômica, a dívida e, com isso, a depen-
comunidade internacional pela erradicação do co- dência manifesta em relação às antigas metrópoles
lonialismo e o apoio aos movimentos de libertação, coloniais, revelaram os limites da organização.
por intermédio das Nações Unidas e do movimento Esses limites estão expressos no conteúdo da
dos países não-alinhados. Carta, assim como na prática dos Estados, desde
Em 1998, a Organização da Unidade Africana 1963. Por organizações continentais africanas, enten-
criou, por um protocolo, a Corte Africana de Direitos de-se a Organização da Unidade Africana criada em
do Homem e dos Povos. Em 9 de setembro de 1999, Addis-Abeba em 1963, de um lado, e a Comunidade
os Chefes de Estado e de Governo da Organização da Econômica Africana instituída pelo Tratado de Abujá
Unidade Africana (OUA) adotaram a Declaração de de 1991, de outro, tornando esta última, parte integral
Syrte (Líbia), pedindo a criação da União Africana da primeira. O objetivo aqui é colocar em evidência
(UA) e, entre outros assuntos, a aceleração do pro- os limites da OUA, a fim de se compreender o que le-
cesso de integração do continente, a fim de permitir vou a criar a nova organização pan-africana, a UA, e
à África ter um papel importante na economia mun- tomar um melhor caminho em direção à unidade e à
dial, sem esquecer de resolver os problemas sociais, integração política, assim como ao desenvolvimento
econômicos e políticos multiformes aos quais ela é econômico do continente.
confrontada, problemas acentuados por alguns as-
pectos negativos da globalização. Apesar de todas 5 A INSTITUIÇÃO DE UMA NOVA
as críticas, como toda organização, a organização in- ORGANIZAÇÃO CONTINENTAL
tergovernamental africana, isto é, a OUA, tinha uma
estrutura para o seu funcionamento. A União Africana nasceu jurídica e politica-
Os órgãos que compõem a OUA são: mente em 26 de maio de 2002, quando entrou em vi-
Conferência dos Chefes de Estado e de Governo; gor seu Ato Constitutivo. Ela representa uma simples
Conselho dos Ministros; Secretariado Geral; Comissão reestruturação da Organização da Unidade Africana
de Mediação, de Conciliação e de Arbitragem. Além ou um verdadeiro instrumento de luta contra a mar-
desses órgãos, havia as comissões especializadas, tais ginalização do continente? O espírito da UA é total-
como a Comissão Econômica e Social, a Comissão mente diferente da OUA, portanto pode-se concluir
de Educação, da Ciência, da Cultura e da Saúde e, que a UA é um verdadeiro instrumento de luta contra
por fim, a Comissão da Defesa.17 A presidência da a marginalização do continente. A União Africana foi
Organização cabia ao mandatário do país anfitrião da instituída solenemente em Durban (África do Sul) e
reunião do ano seguinte. visa acelerar o processo de integração, um pouco no
A Organização da Unidade Africana teve ação modelo da União Européia (UE). A inspiração euro-
bastante limitada na resolução dos conflitos interes- péia é evidente no seu ato constitutivo adotado em
tados, também nos intra-estatais, que freqüentemente Lomé (Togo) em 2000.

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A dissolução da Organização da Unidade A comparação das duas Organizações tem um
Africana e sua sucessão pela União Africana signifi- duplo interesse: um jurídico, pois permite fazer um
caram uma ruptura com o que podia ser considerado paralelo entre os dois atos constitutivos e as duas
como um clube de Chefes de Estado, no qual o pa- organizações internacionais; um interesse político,
pel do Secretário-Geral estava reduzido ao papel de pois permite analisar e avaliar os princípios e obje-
chefe de protocolo. No mesmo sentido, é imperativo tivos políticos. Essa análise vai permitir estudar as
que a comunidade internacional mude seu compor- duas instituições, do ponto de vista das semelhanças
tamento, deixando de dar ao continente um destino e das diferenças.
sinônimo de exploração e de não-desenvolvimento.18 Com a análise dos instrumentos jurídicos que
(MBAYE, 1995). criaram as duas organizações internacionais regio-
Não se trata apenas de uma Organização no nais, percebe-se que a UA não foi criada ex nihilo;
sentido tradicional do termo, mas do objetivo pri- seus fundadores se inspiraram em boa parte na OUA
mordial dos líderes africanos, uma abordagem in- e na sua Carta. E, essa inspiração é incontestável,
tegrada e concertada dos problemas que enfrenta o pelo fato da recondução material, pela UA, dos três
continente, para além das diferenças nos modos de órgãos de base da OUA assim como da maioria dos
funcionamento sociais, econômicos e políticos. seus objetivos e princípios. A nova instituição alte-
Com efeito, à semelhança do que ocorre em ra significativamente a estrutura da Organização da
outros continentes, a África é plural e justamente rica Unidade Africana.
dessa diversidade. É da sua capacidade de promover Segundo o artigo 5º do ato constitutivo, os
visões unidas, ao invés de uma visão única, que de- órgãos da União são os seguintes: a Conferência da
pende o seu desenvolvimento, tanto através da mobi- União, o Conselho Executivo, o Parlamento pan-
lização dos recursos endógenos quanto por meio das africano, a Corte de Justiça, a Comissão, o Comitê
parcerias que ela será, assim, susceptível de gerar. dos Representantes Permanentes, os Comitês
No ato constitutivo da União Africana (mar- Técnicos Especializados, o Conselho Econômico,
ço 2001), as questões relativas à paz e segurança Social e Cultural, as Instituições Financeiras.
continentais são consideradas centrais e confiadas Outros órgãos poderão ser criados por inicia-
à Comissão da União Africana (criada em 2002). O tiva da Conferência da União, como foi feito para
advento da União Africana (UA) pode ser considera- o Conselho da Paz e da Segurança que entrou em
do como um evento maior na evolução institucional vigor junto com o ato constitutivo. Quase seis anos
do continente. após a instituição da UA, somente os órgãos-chave,
O papel da União Africana deve também es- considerados como prioritários pelo Encontro de
tender-se para as propostas inovadoras, tais como a Lusaka de julho de 2001 (a Conferência da União,
intervenção do setor privado, a implicação da comu- o Conselho Executivo, o Comitê de Representantes
nidade internacional, a reorientação dos programas Permanentes, a Comissão e o Conselho da Paz e da
de empréstimos bilaterais e multilaterais destinados Segurança) foram adotados na conferência de Durban
à região e que devem substituir a ajuda pelo investi- em julho de 2002.
mento, a resolução da dívida africana e a devolução Quanto às outras instituições, a sua implemen-
dos capitais “exilados”. tação está subordinada, seja a uma ratificação dos
Foi com a esperança de remediar essas insufi- protocolos ad hoc que estão atualmente em curso
ciências que a União Africana foi criada para subs- (Parlamento pan-africano, Corte de Justiça, Conselho
tituir a OUA, em julho de 2001, com o surgimento Econômico, Social e Cultural), seja por um acordo
de outras instituições. Mas, a nova União colocou sobre as condições mínimas de suas criações.
alguns requisitos para responder à globalização se- Tratando-se, em primeiro lugar, dos objetivos,
gundo suas características e desenvolvimento pró- tem-se a realização da unidade e da solidariedade dos
prios, como estipula a Carta constituinte da União Estados africanos, a defesa da soberania, a integrida-
(Preâmbulo, alínea 6). de territorial, a independência dos Estados membros,

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o favorecimento da cooperação internacional levando Conferência dos Chefes de Estados e de Governo e o
em conta a Carta da ONU e a Declaração Universal Conselho Executivo. No que concerne à Conferência
dos Direitos do Homem, a intensificação da coope- dos Chefes de Estados e de Governo, o Ato
ração inter-africana. É o momento de ressaltar um Constitutivo criou dentro dele um novo órgão, que é
fato importante: o Ato Constitutivo leva em conta e o Presidente da Conferência. Institucionalizado pelo
integra o Tratado de Abujá de 3 de abril de 1991 que Ato Constitutivo da UA, o Presidente da Conferência
criou a Comunidade Econômica Africana, que até é eleito por seus pares. À Conferência da União foi
aqui fazia parte da Carta OUA e que tem como obje- atribuída a possibilidade de adotar o orçamento da
tivo a auto-suficiência coletiva, o desenvolvimento, UA, ao passo que, na OUA, essa incumbência era do
a integração econômica. Conselho dos Ministros. Cabe também à Conferência
O referido tratado entrou em vigor em 12 de da União examinar os pedidos de adesão, atribui-
maio de 1994, e a Comunidade Econômica Africana ção que a Conferência dos Chefes de Estados e de
será instituída em 2025, isto é, 34 anos após a sua Governo da OUA não tinha. Enfim, a Conferência da
adoção. Quanto aos princípios, tem-se a igualdade União foi dotada de um verdadeiro poder de sanção,
soberana dos Estados-membros, a não-ingerência de um lado, poder de sanções políticas e econômicas
de um Estado-membro nos negócios de um outro em relação a todo país-membro que não observasse
Estado, a solução pacífica das lides, a rejeição dos as decisões e políticas da UA, e, de outro lado, po-
assassinatos políticos e das atividades subversivas. A der de sanção em relação aos Estados-membros que
constatação de todos esses elementos de convergên- não pagarem suas contribuições financeiras à UA
cia entre a OUA e a UA não pode ocultar as diferen- (sanções privativas do direito à palavra nas reuni-
ças existentes entre as duas organizações. ões, direito de voto, direito dos cidadãos dos Estados
A UA se diferencia da OUA, tanto do ponto punidos de se candidatarem ou ocuparem um posto
de vista dos órgãos quanto do ponto de vista dos ob- ou uma função nos órgãos da União, direito de se
jetivos e dos princípios. A demarcação orgânica é, beneficiar de toda atividade ou da execução de todo
em primeiro lugar, a não-recondução da Comissão engajamento no quadro da União).
de mediação, de conciliação e de arbitragem e das Esse poder de sanção que constitui uma dife-
Comissões especializadas da OUA. A UA recondu- rença fundamental entre a Conferência da União e a
ziu somente a Conferência dos Chefes de Estado e de Conferência dos Chefes de Estados e de Governo da OUA
Governo, o Conselho dos Ministros e o Secretariado. é a expressão do poder de tomar verdadeiras decisões (isto
Essa demarcação orgânica possibilitou também a é, decisões que unem e obrigam os Estados) que o Ato
criação de novos órgãos, tais como o Parlamento Constitutivo instituiu em favor da Conferência da União.
pan-africano que assegura a participação dos povos Quanto ao Conselho Executivo, é compos-
africanos no desenvolvimento e na integração eco- to, como o Conselho dos Ministros da OUA, dos
nômica do continente; a Corte de Justiça; o Comitê Ministros dos Negócios Estrangeiros ou de outros
de Representantes Permanentes, responsável pela Ministros designados pelos governos dos Estados-
preparação dos trabalhos do Conselho Executivo, membros da UA, mas à diferença do Conselho dos
agindo sob instrução dele; os Comitês técnicos espe- Ministros, toda autoridade designada por seu governo
cializados que são responsáveis perante o Conselho pode fazer parte dele. Todavia, a UA se diferencia igual-
Executivo; o Conselho Econômico, Social e Cultural mente da OUA por seus objetivos e seus princípios.
que é um órgão consultivo composto de represen- Em relação aos objetivos, tem-se a não-
tantes das diferentes camadas socioprofissionais dos recondução pela UA de um dos objetivos da OUA,
Estados-membros da União Africana; as Instituições que é a eliminação de toda forma de colonialismo
Financeiras que são o Banco Central Africano e o na África, pois, atualmente, todos os países africanos
Fundo Monetário Africano. são independentes. De outra banda, a urgência do
Mesmo em relação aos órgãos reconduzidos, continente diz respeito a criar condições adequadas
a UA se particulariza um pouco, sobretudo com a para tirar a África da marginalização e se inserir na

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nova ordem mundial. Na mesma ótica dos objetivos, como um sonho pan-africano, nascido no continente
pode-se sublinhar a adoção de novos objetivos em americano, na virada do século XIX para o século
relação à OUA. Esses objetivos são a promoção dos XX, e tinha como missão reabilitar as civilizações
princípios e das instituições democráticos, assim como africanas, restaurar a dignidade do homem negro
a participação popular e a boa-governança; a integração e preconizar o retorno à “mãe pátria”, às raízes da
política e socioeconômica do continente. A OUA se diáspora [...] A UA foi criada oficialmente no lugar
inscrevia numa lógica de cooperação interestatal; ela da OUA, após 39 anos. Dirigindo-se aos Chefes de
não visava à integração do continente.19 Estado e de governo africanos, o Sr. Annan ressaltou
Quanto aos princípios, tem-se a não-recondução, os êxitos da OUA: ela foi a voz da África em relação
pela UA, de alguns princípios da OUA, tais como ao apartheid e ao colonialismo, propiciando impor-
a emancipação total dos territórios africanos não- tantes doutrinas sobre o pan-africanismo. Ele evocou
independentes; a afirmação de uma política de não- também a contribuição da OUA para a conclusão de
alinhamento em relação a todos os blocos; o respeito acordos de paz entre muitos dos seus membros, etc.20
da soberania e da integridade territorial de cada (TSHIYEMBE, 2001).
Estado e do seu direito inalienável a uma existência Em função das ameaças potenciais, a União
independente. Ante a globalização, a realidade atual deve elaborar uma estratégia de localização de forças
é bem diferente da realidade da época da criação de paz: cada exército nacional – ou, em sua ausência,
da OUA. Hoje, sabe-se que, no neoliberalismo, a o exército nacional de um “Estadolíder” em cada sub-
política é ditada pelo setor econômico-financeiro. região – colocaria à disposição do órgão sub-regional
Em segundo lugar, há a adoção pela UA de nove de prevenção e gestão de conflitos, um contingente de
novos princípios em relação à OUA: o respeito das soldados formados e equipados para operações de ma-
fronteiras existentes no momento da independência nutenção ou de restabelecimento da paz, assim como
(princípio que a OUA tinha colocado como uma os meios para um Estado-Maior sub-regional restri-
simples resolução da Conferência dos Chefes de to. Esse dispositivo deve ser vinculado a um Estado-
Estado e de governo, adotado pelo Encontro de Cairo Maior africano sob o controle direto da Conferência
de 1964); a participação dos povos africanos na União da União. O objetivo é minimizar os custos inerentes
Africana (consagrada pelo Parlamento Pan-africano); à projeção de forças.21 (TSHIYEMBE, 2001).
a instituição de uma política de defesa comum para Finalmente, a união política só se materia-
o continente; o direito da UA intervir num Estado- lizará quando se basear numa união econômica.
membro sobre decisão da Conferência da União, em Instituições financeiras tais como o Banco Central
algumas circunstâncias (crimes de guerra, genocídio, Africano, o Fundo Monetário Africano e o Banco
crimes contra a humanidade); o direito dos Estados- Africano de Investimentos, cuja criação está prevista
membros solicitarem a intervenção da União para na Carta da União, só serão eficazes se tiverem con-
instaurar a paz e a segurança; de promoverem a dições de coordenar um espaço econômico comum.
igualdade entre homens e mulheres; o respeito aos Se toda essa renovação institucional se concretizar,
princípios democráticos, aos direitos do homem, ao a União Africana se tornará um espaço de desenvol-
Estado de direito e da boa-governança; a condenação vimento regional integrado – o que os ancestrais do
e a rejeição das mudanças anticonstitucionais de pan-africanismo apenas ousavam sonhar.
governo; o respeito ao caráter sacrossanto da vida Ao contrário da OUA, a UA fez da igualdade
humana, e condenação e rejeição da impunidade, dos dos sexos um dos seus princípios. Esse compromisso
assassinatos políticos, dos atos de terrorismo e das de ter obrigatoriamente, pelo menos, uma mulher en-
atividades subversivas. Mesmo com as diferenças e tre os cinco parlamentares representa um progresso
semelhanças entre as duas organizações, a UA teve notável em relação às legislaturas nacionais de mui-
uma maior receptividade do que a OUA. tos países africanos. A África alcançará seus objeti-
O Secretário Geral das Nações Unidas, Kofi vos somente quando mudar sua política de impuni-
Annan, qualificou a criação da União Africana (UA) dade pela cultura da responsabilidade.

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A União Africana é considerada, por muitos reforçada” – os governos africanos porque procuram
homens políticos e para os chefes de Estado africa- ajuda com o mínimo de condições e a comunidade
nos, como um evento maior na evolução institucio- internacional porque quer que a ajuda contribua para
nal do continente. A criação dessa nova organização o desenvolvimento do continente negro.
responde a uma necessidade de modernização das A União Africana não se limita a uma evolução
estruturas da OUA, que visivelmente não se adap- de fachada e a uma mudança de nome. A nova orga-
tavam mais ao processo de integração do continente nização pan-africana corresponde, evidentemente,
na economia mundial e na resolução dos problemas a exigências geoestratégicas fixadas pelos Estados-
sociais, culturais, econômicos e políticos. membros, mas também a prioridades que correspon-
dem diretamente às aspirações dos povos africanos.
6 CONCLUSÃO É dessa forma que a União foi dotada de novos ór-
gãos inspirados nos dispositivos da ONU, entre os
Logo depois das primeiras independências, os quais um Conselho Econômico, Social e Cultural
Estados africanos que conquistaram a soberania fun- (o Ecosocc), assim como um Conselho de Paz e de
daram a Organização da Unidade Africana (OUA). Segurança. A exemplo do Conselho de Segurança da
Ao longo dos anos de luta que foram necessários ONU, o papel desse órgão diz respeito à prevenção,
para a implantação dos objetivos da OUA, a ONU ao gerenciamento e à resolução dos conflitos.
foi um parceiro fiel e decidido nos bons e maus mo- Um dos ensinamentos a tirar da guerra do Iraque
mentos da OUA e dos povos africanos. Cada vitória é que é indispensável reforçar o papel das organiza-
da organização pan-africana foi também uma vitória ções multilaterais regionais – como a União Africana
das Nações Unidas e, conseqüentemente, uma vitória – e sua complementaridade com a Organização das
para a comunidade internacional na sua totalidade. Nações Unidas. E, o que é verdadeiro para a UA, é ver-
Para aceitar esse desafio, a ONU continua a ser a me- dadeiro para a Organização dos Estados Americanos
lhor bússola de que dispõe a comunidade internacional. e, naturalmente, para a Liga Árabe.
Ela permanece um intermediário único de acordo e de Em matéria de resolução das crises e de preser-
inspiração. Nesse sentido, a instituição é um modelo de vação da segurança, não se deve esquecer que o capítulo
referência, essencial para a União Africana (UA) . VIII da Carta da ONU leva em consideração o papel e as
Existem questões essenciais que os jovens iniciativas eventuais das organizações regionais. A alínea
africanos devem perseguir hoje, senão corre-se o ris- 1ª do artigo 52 do Capítulo VIII da Carta enfatiza que
co de ver o continente marginalizar-se ainda mais.
De toda forma, ninguém pagará, no lugar dos africa- [...] nenhuma disposição da Carta se
nos, a conta dos seus erros acumulados ou de outros. opõe à existência de acordos ou de
organismos regionais, destinados a re-
Ninguém também lhes dará energia nem recursos finan- gulamentar casos que, referindo-se à
ceiros para retomar a iniciativa histórica, interrompida manutenção da paz e da segurança in-
por vários séculos de dominação e várias décadas de ternacionais, se prestem a uma ação de
ausência de boa governança, de corrupção institucio- caráter regional [...].
nalizada e de não respeito aos direitos humanos.
É a razão pela qual o programa criado pela UA Esse dispositivo também quer dizer que o re-
denominado a Nova Parceria para o Desenvolvimento curso ao Capítulo VIII da Carta da ONU significa
da África (NEPAD) tem sido considerado um novo o fracasso dos organismos regionais. Nesse sentido,
ponto de partida, quer por um número de líderes afri- a União Africana dotou-se de meios para avaliar o
canos, quer pelos doadores, tem a ver com o fato dele que vai mal na África: ela pode adotar medidas e
alicerçar-se no reconhecimento de que o desenvolvi- resoluções para que as coisas tenham melhor enca-
mento na África só é viável por intermédio de refor- minhamento. Seus sucessos ou seus fracassos estão
mas políticas. Ambas as partes agora querem ser ca- nas mãos dos Estados- membros. Acontece a mesma
pazes de criar condições favoráveis para a “parceria coisa com a ONU.

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Intégration africaine: de l’organisation de l’unité africaine à l’union africaine

RÉSUMÉ

Déjà avec KWAME NKRUMAH l’unité de pris acte de cette situation et comme une pandé-
l’Afrique était un ardent désir; mais avec la com- mie cette prise de conscience tend à se répandre
plexité intéressée de l’occident, ce ne fut point le peu à peu. C’est à Syrte en Libye, le 9 septembre
cas. L’Organisation de l’ Unité Africaine (OUA) que les chefs d’Etats et de gouvernement d’Afrique
qui avait alors été générée ne servait qu’ à encoura- sous l’initiative du guide MOUHAMMAR EL
ger à d’égards la paupérisation morale et matérielle KADHAFI ont pris la résolution de mettre sur pied
de l’ensemble du continent. Nous avons souvenan- l’Union Africaine (UA). En effet, cette session ex-
ce qu’ à la création de l’OUA, certains des pères traordinaire a permis l’adoption de la déclaration
fondateurs militaient en faveur de la création des portant création de l’organisation. C’est ainsi que le
Etats-Unis d’Afrique alors que d’autres au contrai- 11 juillet 2000 à Lomé au Togo, les Etats d’Afrique
re souhaitaient l’éclosion d’Etats nations sous une adopteront l’Acte Constitutif de l’Union Africaine.
forme organisationnelle. Les Etats-Unis d’Afrique La signature de cet acte s’est faite sans heurts mais
auraient très certainement limité l’exploitation con- ce fut pas le cas de la ratification qui s’est effec-
tinue de ce continent; mais beaucoup ne l’avait pas tué avec beaucoup de réserves. C’est dans cet es-
compris. Et beaucoup ne comprennent toujours pas prit que le 25 mai 2001 l’Union Africaine verra
que l’indépendance des Etats africains tout com- politiquement et juridiquement le jour, faisant ain-
me l’imposition de la démocratie dans les années si que cet oiseau prenne son envol marquant ainsi
90 relèvent d’une stratégie nouvelle de domina- l’avènement d’une nouvelle ère en Afrique. Il était
tion occidentale dont le pendant est la satisfaction en fait question d’adapter l’Afrique à la nouvelle
de l’attentisme des dirigeants africains contrastant donne internationale.
avec le soulèvement des couches sociales. Fort Mots-clés: Organisation de l´Unité Africaine. Union
heureusement, bien des chefs d’Etats africains ont Africaine. Pan-Africanisme. Droits Fondamentaux.

Notas explicativas
1 UNION EUROPEENNE. Appui de l’Union Européenne aux efforts d’intégration économique régionale des pays en développement.
Disponível em : <www.http://europa.eu.int>. Acesso em : 24 abr. 2006.

2 ELIAS, T. Olawale. La nature du Droit Coutumier Africain. Dakar: Présence Africaine, 1998.

3 Como, por exemplo, o dever de não ser oposição, posto esta não ser “leal”. Isto contraria inter alia o direito à liberdade de pensamento e ex-
pressão. Este artifício ainda é utilizado nos dias de hoje, tendo-se como fundamentação os mesmos princípios que regiam as relações políticas
na época pré-colonial.

4 NDAM NJOYA, A. The African concept. In: INTERNATIONAL dimensions of humanitarian law. Dordrecht: Henry Dunant Institute/
UNESCO/Martinus Nijhoff, 1988, p. 9.

5 KAMPANG, H. Au-delà de la Conférence nationale pour les Etats-Unis d’Afrique. Paris: L’Harmattan, 1993, p. 159, p. 252.

6 PADMORE, G. Panafricanisme ou communisme?. Paris: Présence africaine, 1961, p. 27, p. 471.

7 DECRAENE, P. Le panafricanisme. 4. ed. Paris: P.U.F., 1964, p. 8, p. 126.

8 Visando agrupar em um Estado único todas as populações da mesma origem.

9 COOK, Mercer. Les précurseurs negro-américains de la negritude. In: COLLOQUE sur la Négritude. Paris: Présence Africaine, 1972.

10 N´KRUMAH, Kwame. L’Afrique doit s’unir. Paris: Présence Africaine, 1994.

11 MELONE, Thomas. Negritude et humanisme. In: COLLOQUE sur la Négritude. Paris: Présence Africaine, 1972.

18 Espaço Jurídico, Unoesc, v. 6, n. 1, p. 7-20, jan./jun. 2005


12 KIZERBO, J. História da África negra. [s.l.]: Europa América, 1972.

13 M´BAYE, Kéba. Os direitos humanos em África. In: AS DIMENSÕES internacionais dos direitos do homem, Lisboa: UNESCO, Ed.
Portuguesa de Livros Técnicos e Científicos, 1983.

14 Ibidem, p. 59.

15 A conferência em geral, AFRICAN CONFERENCE ON THE RULE OF LAW, Lagos, Nigeria, 1961. A Report on the proceeding of the
conference. Geneva: International Comission of Jurists, 1961.

16 JACKSON, Willy. La marche contrariée vers l’Union économique. Le Monde diplomatique, mar. 1996.

17 Carta Constitutiva da Organização da Unidade Africana.

18 MBAYE, Sanou. Souhaitable union des économies africaines. Le Monde diplomatique, Paris, sep. 1995.

19 Esta idéia encontra-se na obra de GONIDEC, Pierre-François. L’oua: trente ans après. Paris: Karthala, 1993.

20 TSHIYEMBE, Mwayila. Les pricipaux déterminants de la conflictualité africaine. In: LA PREVENTION des conflits en Afrique. Paris: ed.
Karthala, 2001.

21 Ibidem

REFERÊNCIAS

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the conference. Geneva: International Comission of Jurists, 1961.

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20 Espaço Jurídico, Unoesc, v. 6, n. 1, p. 7-20, jan./jun. 2005

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