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Para rezar, é preciso reconhecer-se um nada, um "vaso de barro", no qual, no entanto, Deus

colocou um tesouro. Então, não por causa de nós, mas por causa do dom de Deus, somos
chamados à grandeza espiritual, que é a magnanimidade. Por isso, a humildade não se
contradiz com ela: nós, em nós mesmos, somos esterco, mas a Trindade habita em nossos
corações.

Então, a primeira atitude a tomar, quando nos colocamos em oração, é um ato de humildade,
que nos deve levar a adorar Deus em nós mesmos, inclusive. Quando nos humilhamos, quando
reconhecemos a nossa pequenez e miséria, isso leva-nos quase que automaticamente à
adoração. Como canta o salmista: "Contemplando estes céus que plasmastes / e formastes
com dedos de artista; / vendo a lua e estrelas brilhantes, / perguntamos: ‘Senhor que é o
homem, / para dele assim vos lembrardes / e o tratardes com tanto carinho?’" [12]. Quando
lançamos um olhar à condição do homem no universo tão vasto, tomamos consciência de
nosso nada. No meio da imensidão das coisas criadas, não é incrível que Deus nos ame, se
importe conosco e venha habitar em nosso coração? E, no entanto, por mais estonteante que
seja, essa é a verdade cristã.

Ao colocarmo-nos em adoração, o que brota imediatamente é um ato de fé. Esse esquema de


oração que está sendo apresentado foi tirado do livro "Perfeição cristã e contemplação", do
pe. Garrigou-Lagrange. O ato de fé não necessita de muitas palavras; trata-se de um olhar
simples que se deve dirigir a Deus com admiração e com amor. É olhar para os mistérios da
salvação – a encarnação, paixão, morte e ressurreição de nosso Senhor, principalmente – e
dizer: "Eu creio". Mas esse ato de fé não é separado do amor, já que a caridade dá forma a
todas as virtudes; a fé é acompanhada de admiração, amor e gratidão. Isso, por sua vez, leva o
orante à súplica, que é, no dizer do padre Lagrange, a "linguagem da esperança": com
confiança, pedimos – e verdadeiramente esperamos de Deus –, sobretudo, os meios
necessários para a salvação eterna, a saber, o pão espiritual e o pão material. É importante, no
ato de esperança, exercitar essa sede de Deus, de estar com Ele, de contemplá-Lo face a face,
de unir-se com Ele.

Por fim, parte-se ao ato de caridade, que pode ser dividido em duas partes, a saber: o ato
afetivo e o ato efetivo.

No ato afetivo de amor, a pessoa vê os benefícios que Deus lhe dá e, imediatamente, ama-O
pelo que Ele é, com amor de amizade. Normalmente, as pessoas têm a visão de que o amor-
caridade é superior ao amor-amizade. Mas, São Tomás não é dessa posição, porque a amizade
com Deus é exatamente o amor-caridade: o amor a Deus é sempre uma resposta, porque, na
verdade, Ele "nos amou primeiro"[13]. Assim, não existe verdadeira caridade no ser humano
que não seja já resposta ao amor de Deus.

Essa é a tese do padre Duarte da Cunha, em sua obra "A Amizade Segundo São Tomás de
Aquino" (Principia, 2010)[14]: no livro, ele mostra claramente que o amor a Deus no ser
humano não pode não ser amizade. Abelardo, durante a Idade Média, queria que o homem
amasse a Deus sem recompensa nenhuma, mas isso é impossível, porque, para começar, todos
já fomos recompensados. Tudo o que somos e o que temos recebemos de graça: a existência,
a salvação, a graça santificante... O que se pode fazer além de agradecer? Então,
definitivamente, a vida de oração não pode ser outra coisa senão uma vida de amizade com
Deus.

No ato efetivo de amor, o orante procura adequar a sua vontade à de Deus, repetindo, com
insistência, a petição do Pai Nosso: "fiat voluntas tua – seja feita a Tua vontade". Muitas
pessoas querem crescer na vida de oração, mas se esquecem que a oração não é para mudar a
vontade de Deus, mas a sua. A oração deve transformar aquele que reza. Por isso se diz que o
amor deve ser afetivo e efetivo.

Nas pessoas mais adiantadas na vida espiritual, as realidades aqui descritas – os atos de
humildade, adoração, fé, esperança e caridade – acontecem de forma quase unitária, já que
essas almas são mais dadas à contemplação. Enquanto não se chega à meta, no entanto, é
preciso perseverar nesse exercício.

Muitos dizem ter uma grande dificuldade para rezar. Isso pode acontecer porque não se
prepara o coração para o encontro com Deus. Ao longo do dia se deveria, com muita
frequência, elevar o coração a Deus, resistindo à tendência de construir um muro de separação
entre a vida ativa e a vida de oração. Esse muro não funciona. Não se tratam de duas vidas
diferentes, mas de uma só. Por exemplo, é preciso aproximar-se das pessoas como se
aproximaria do Santíssimo Sacramento, oferecer pequenos sacrifícios a Cristo etc. Mas,
atenção: é importante fazer tudo isso com os olhos voltados para Jesus. O que diferencia o
amor natural da caridade é o fato de a causa formal desta ser sempre Deus: ame-se a si
mesmo, ao próximo ou a Deus (diferentes matérias), mas sempre por Deus (mesma forma). É
assim que o amor é elevado ao nível sobrenatural, a partir uma "total determinação e desejo
de contentar a Deus em tudo", seja qual for o objeto material.

Outra coisa importante para preparar a oração é o silêncio. As pessoas vivem, a todo instante,
atordoadas e cercadas de barulho e, normalmente, não conseguem encontrar-se a si mesmas.
Ora, se elas não conseguem encontrar-se nem consigo mesmas, como querem encontrar-se
com Deus?

Quanto à perseverança: para alcançá-la, é preciso confiar que é Deus quem vai conduzir a
nossa vida de oração. Isso quer dizer que, muitas vezes, as coisas não acontecerão da forma
como planejamos. Quando entramos na vida de oração, começamos a receber consolações.
Mas, se cumprirmos com os nossos deveres e fizermos muita oração e penitência,
manifestando generosidade para com Deus, enfrentaremos um período de aridez, aridez essa
que a nós, que estamos na vida ativa, pode ser acompanhada de perseguições, problemas
familiares, dívidas e muitas outras provações. Quando essas coisas começarem a acontecer,
não podemos desanimar: é Deus quem age em nossa alma para purificar o nosso amor.

Crescer na vida de oração é crescer no amor a Deus. É preciso cultivar a amizade com Ele. Na
conclusão de sua tese[15], o padre Duarte da Cunha recorda que a causa final da amizade é a
comunhão de vida: terminado o curso da vida terrena do homem, ele participará dessa
comunhão (communicatio) de vida com Deus, no Céu. Aquele que aqui contemplamos às
apalpadelas e às escuras estará um dia diante de nós. Importa que comecemos nesta vida a
amá-Lo: eis a finalidade de nossa existência

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