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RESENHA II - Por-Que-Existem-Tantas-Psicologias
RESENHA II - Por-Que-Existem-Tantas-Psicologias
Resumo
O presente texto tem por finalidade discutir a questão da unidade da psicologia,
sem buscá-la numa identidade real insuspeita, ou mesmo ideal, ou ainda num
projeto eclético. Busca-se então sancionar a pluralidade dos diversos projetos
psicológicos, uma vez que são cruzamento de práticas sociais com modelos
oriundos de outras ciências, gerando através das teorias ou das práticas
psicológicas moldes diferenciados de subjetivação, que por sua vez se efetivam
graças ao poder de enunciar a verdade que a ciência nos dias de hoje traz,
especialmente quando o objeto de seu discurso é o próprio homem, produtor e
alvo desses saberes. Esses modos diversos em que as psicologias geraram
verdades e subjetividades foi designado Máquinas de múltiplas capturas
psicológicas.
Palavras-Chave
História da Psicologia – Epistemologia – Práticas de subjetivação.
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Colocação do problema: a pluralidade da psicologia.
A psicologia nos dias de hoje é encarada como uma panacéia na solução dos
mais diversos problemas na esfera intra e interpessoal. Nas diversas práticas
que nela se apoiam, supõe-se que ela seja capaz de encaminhar soluções, das
mais abrangentes (como ensinar, como administrar, como favorecer a
comunicação, etc...) às mais locais (como avaliar as competências e as
habilidades de um certo indivíduo). Contudo, na busca de apoio neste saber, que
se oferece instrumental, nos deparamos com um problema crucial, pois são
tantas são as escolas, as possibilidades de atuação e compreensão, que nosso
simples desejo de instrumentação se vê atropelado pela fúria do debate entre
estas diversas orientações, ou seja, os diversos sistemas psicológicos (como a
psicologia genética, o behaviorismo, a psicanálise, e as ciências cognitivas) e
outras abordagens menores (teorias locais e práticas específicas como os testes
psicológicos). Como se posicionar nesta “Torre de Babel”, especialmente quem
deseja um encaminhamento mais direto, a par de discussões epistemológicas?
Como se pode compreender esta querela, e mesmo tirar proveito desta? Este é o
objetivo deste artigo: discutir a pluralidade da psicologia, sua real existência,
suas possíveis causas e, quem sabe, algum pequeno direcionamento para nossas
práticas.
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de reforço) é predominante, ou se cede em certos casos à explicação ao
condicionamento reflexo. Esta é uma questão interior, que só possui sentido
entre os behavioristas. A pluralidade aqui referida é de maior monta; não diz
respeito à interpretação de fenômenos, mas à própria natureza do saber
psicológico, posicionando-se os diversos sistemas como diversos projetos
possíveis de ciência, cada qual com sua linguagem, seus objetos (conceitos),
seus métodos e suas problemáticas. Representam estilos, irredutíveis uns aos
outros, de se fazer ciência psicológica. Isto sem esquecer que entre os universos
dos grandes sistemas, gravitam uma boa dose de micro-teorias, de autores não
sistemáticos e práticas irredutíveis à ótica de qualquer escola. Talvez esta poeira
cósmica seja de maior volume que os grandes sistemas.
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Ela, a natureza, apenas aceita ou recusa nosso saber inventado, funcionando ou
não, conforme as condições previstas em um experimento.
Do mesmo modo que a natureza física não fala, mas aceita ou freia
os nossos constructos, uma suposta natureza psicológica não operaria um
julgamento desta pluralidade de escolas? Não haveria uma melhor psicologia
sancionada, seja por provas experimentais, ou ao menos por uma melhor prática
(seja lá qual for o critério: eficácia, felicidade individual ou coletiva,
compreensão, adaptação ou consciência dos próprios limites)? O problema é que
todas as psicologias se dão de algum modo provas empíricas, experimentais,
argumentativas e de eficácia. Cada uma por si, e de preferência contra todas as
demais. Isto é outro aspecto que dissolve ainda mais qualquer esperança de
unidade psicológica.
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nenhuma se destaque, ou que se possa estabelecer qualquer supremacia, que
não seja por questão de interesse ou mobilização institucional. Isto talvez nos
ofereça um subsídio, não para dissolver a dispersão da psicologia, mas, em
termos mais modestos, compreendê-la.
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dinâmica; o behaviorismo, nossa conduta como um conjunto de espécies em
busca de adaptação; e o cognitivismo, nossos processos superiores, enquanto
módulos informacionais, análogos aos de um computador. O que a psicologia
acaba realizando na busca de sua cientificidade é se apropriar de imagens,
metáforas, objetos, métodos e questões de outras ciências, capturando-os a fim
de se pôr à distância de qualquer subjetivismo, e “objetando” o próprio sujeito.
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É desta maneira que a psicologia do desenvolvimento origina-se a
partir da invenção da infância, enquanto um frágil período de nossa vida, em que
devemos nos manter longe da corrupção do mundo adulto. Surgida sob esta
perspectiva religiosa no século XVI, a escola será este espaço de proteção à
infância recém criada, em nome da qual será produzida mais tarde (século XIX)
uma psicologia, julgadora do certo e errado de nossas práticas escolares. Tal
processo se encontra brilhantemente descrito por Philippe Ariés no seu História
Social da Criança e da Família (1979). De igual modo, o behaviorismo nasce
parelho a todo um conjunto de técnicas de racionais de divisão e controle do
trabalho (como por exemplo, o taylorismo), retroagindo sobre estas afim de
julgar sua eficácia. Pode-se ver ainda, como aponta Michel Foucault na sua
História da Sexualidade I (1976), a vinculação da psicanálise ao dispositivo da
sexualidade, enquanto estratégia de poder e de produção de verdades gerada
através das práticas confessionais e admnistrativas do século XVIII.
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informática) em consonância com um conjunto de práticas sociais. Num segundo
momento, tal imagem, ungida pelo poder de sua inspiração científica, decalca-se
sobre os sujeitos, reordenando num terceiro instante o conjunto de suas
práticas, de onde ela mesmo surgiu.
Bibliografia
Ariés, P. - A História social da criança e da família no ocidente. Zahar, Rio de
Janeiro, 1979.