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N E U ROC IÊ N C IA / 1 6 D E A B RIL D E 2 0 2 2
U
ma famosa teoria afirma que, ao longo do processo evolutivo, o
cérebro humano teve três estágios diferentes: uma origem reptiliana,
passando pelos mamíferos primitivos, até chegar em nossos
ancestrais primatas. Esses “três cérebros”, realizariam diferentes funções
de forma independente, competindo entre si.
A terceira camada é uma estrutura evolutivamente moderna, que culminou no atual cérebro
humano, chamada de Neocórtex. É responsável pelo desenvolvimento da linguagem,
pensamento abstrato, imaginação e pensamento consciente.
O neocórtex realiza funções cognitivas de alto nível, fazendo comparações e buscando novos
dados ao processar as informações oriundas dos sentidos. Ou seja, se um consumidor
pensar demais antes de comprar, seu neocórtex estará em ação, racionalizando a tomada de
decisão.
SURGIMENTO
A Teoria do Cérebro Trino foi formulada em 1968 pelo médico e neurocientista Paul D.
MacLean, e disseminada mundialmente pelo astrônomo Carl Sagan, em seu livro Os Dragões
do Éden de 1977. No livro, Sagan menciona que:
Vendo a grande aceitação de sua teoria na psiquiatria, na educação e pelo público em geral,
posteriormente, em 1990 MacLean produziu a obra The Triune Brain in Evolution: Role in
Paleocerebral Functions detalhando ainda mais sua teoria.
Mesmo se tornado tão famosa, é uma teoria considerada incorreta pela neurociência
moderna.
No artigo “ Você não tem cérebro de lagarto ”, Daniel Toker explica que a seleção natural tem
de trabalhar com o que já existe. Portanto, o cérebro foi adaptado ao longo da evolução.
As estruturas biológicas que conhecemos hoje são meras versões modificadas de estruturas
primitivas. Em termos anatômicos, o córtex cerebral não se encontra sobreposto sobre um
sistema límbico primitivo, transmitindo informações através de camadas independentes. Os
sistemas no cérebro funcionam em série, integrados através de circuitos, não tão bem
delimitados.
Toker afirma que o neocórtex dos mamíferos não é uma estrutura completamente nova
como MacLean sugeriu, mas sim uma modificação do córtex reptiliano. Por exemplo, até hoje
possuímos circuitos remanescentes no cérebro para o controle de brânquias, um resquício de
nosso passado evolutivo e uma evidência dessa adaptação biológica. Os gânglios basais
também são estruturas presentes nos peixes com mandíbulas, anteriores ao surgimento dos
répteis.
Evolutivamente falando, a maioria das inovações ocorreram nos anfíbios enquanto eles se
adaptavam à vida terrestre. As estruturas límbicas, ambas arqui e paleo estruturas,
antecedem o suposto Complexo-R proposto por MacLean.
Artigo de 1979 da revista Science referenciando a teoria de MacLean. Crédito: American Association
for the Advancement of Science
O psicólogo cognitivo Steven Pinker, reforça o problema da Teoria do Cérebro Trino em seu
livro Como a mente funciona:
E vemos por toda parte palestrantes, coaches, cursos de neurovendas e afins e profissionais
do marketing insistindo em uma teoria ultrapassada e que induz a graves erros científicos,
distorcendo a forma como hoje compreendemos o comportamento humano. Dificilmente
você encontrará um livro ou artigo neurocientífico moderno que utilize o modelo de MacLean
para explicar o complexo funcionamento do órgão mais complexo da biologia.
Claramente a teoria se espalhou como um meme, devido ao seu modelo simples e didático
para explicar importantes aspectos cognitivos do cérebro humano. Assim como aconteceu
com os famosos “ gatilhos mentais “, ideias equivocadas continuam sendo propagadas sem
o devido aprofundamento.
Nada disso tira o mérito do trabalho de MacLean, que teve grande importância nos estudos
subsequentes, inclusive foi quem introduziu o termo “sistema límbico” na literatura
neurocientífica. Sua teoria foi formulada em um contexto muito diferente do atual, onde não
haviam equipamentos avançados de neuroimagem como o fMRI, por exemplo.
Boa parte do seu trabalho também pode ter sido influenciado pela psicanálise, muito forte à
época, onde MacLean pode ter buscado um análogo fisiológico que se encaixasse com o
modelo proposto por Freud do Id, Ego e Superego.
Portanto, chegou a hora (ou já passou da hora) de romper com mais esse mito da
neurociência: compartilhe este artigo com seus amigos, alunos, e nas redes sociais.
Finalizo este post com meu muito obrigado a Paul D. MacLean († 2007), que deixou um
importante legado para a neurociência moderna e que realizou um trabalho desafiador em
uma época onde a neurociência ainda começava a engatinhar. Afinal, ciência é isso: revisar,
atualizar, comprovar teorias, sempre!
Referências
Barret, Lisa Feldman. How emotions are made: the secret life of the brain. Boston: Mariner Books, 2017.
Cesario, Joseph & Johnson, David & Eisthen, Heather. (2019). Your Brain Is Not an Onion with a Tiny Reptile Inside.
Disponível em:
<https://researchgate.net/publication/338154360_Your_Brain_Is_Not_an_Onion_with_a_Tiny_Reptile_Inside>,
Gerald A. Cory, Jr., Russel Gardner Jr. The evolutionary neuroethology of Paul MacLean: convergences and frontiers.
Herculano-Houzel, Suzana. A vantagem humana: como nosso cérebro se tornou superpoderoso. 1ª edição. São Paulo:
Pinker, Steven. Como a mente funciona; tradução Laura Teixeita Motta. 3ª edição. São Paulo: Companhia das Letras,
1998.
Sapolsky, Robert M. Behave: the biology of humans at our best and worst. Londres: Penguin Books, 2018.
Science Magazine. Paul MacLean and the triune brain. 08 jun. 1979. Disponível em:
<https://science.sciencemag.org/content/204/4397/1066/tab-article-info>.
Toker, Daniel. You don’t have a lizard brain, 11 abr. 2018. Disponível em: <https://danieltoker.com/2018/04/11/you-dont-
have-a-lizard-brain/>.
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