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Introdução às

Neurociências

J. Marques-Teixeira

Fernando Barbosa

2021/22
Capítulo 2
Evolução filogenética do Sistema Nervoso

ÍNDICE 1. Introdução
1. Introdução
Quando falamos de evolução do cérebro de que é que estamos a falar? O que é que imaginamos que
2. Emergência da vida e primeiros está a evoluir? Se alguma alteração nas estruturas cerebrais for seleccionada, como é que essas
organismos alterações são implementadas? Estas questões parecem ter mais que ver com constrangimentos
arquitectónicos resultantes da história filogenética do cérebro do que com alguma putativa engenharia
3. Emergência e evolução do sistema nervoso optimizada (no sentido de ser mais funcional, mais energética que outra forma qualquer). Sendo assim

4. O nosso lugar na evolução e com base no legado de alterações anteriores, alguns padrões de adaptação têm maior probabilidade
de serem adoptados por alguns organismos em evolução do que por outros.
5. Bipedismo
Também quando falamos da evolução do cérebro teremos de ter em mente as seguintes 4 questões
6. Padrões de evolução do cérebro básicas: (1) O que aconteceu? (2) Quando aconteceu? (3) Como aconteceu? e (4) Porque é que

7. Arquitetura e histologia evolutiva do aconteceu? Na verdade, foram poucas as teorias da evolução do cérebro que se ocuparam de todas
cérebro estas questões, pois para tal tarefa é necessária uma abordagem interdisciplinar. A anatomia foca-se,
habitualmente, “no que aconteceu”, usando técnicas de comparação que envolvem a definição das
8. Evolução regional do cérebro características e o reconhecimento dos seus homólogos. Determinar “quando” uma característica
apareceu e/ou se alterou, requer os conhecimentos da paleoneurologia e/ou da filogenética
9. Reorganização associada ao bipedismo
sistemática. Para se compreender “como” uma característica do cérebro se desenvolveu e/ou se
10.Reorganização límbica: hipocampo, alterou, é necessário não só compreender como essa característica se desenvolveu, mas também a
amígdala e córtice cingulado anterior base genética desse desenvolvimento, dado que todas as alterações filogenéticas apenas ocorrem
através de alterações em uma ou mais ontogenias (de Beer, 1958; Garstang, 1922; Northcutt, 1990). A
11.Reorganização dos lobos frontais
resposta ao “porquê” de uma característica cerebral aparecer e/ou se alterar é tarefa igualmente difícil,
12. Emergência da mente requerendo uma compreensão da(s) função(ões) de uma dada característica e do seu papel biológico
na história de vida de um organismo.
13. Síntese sobre a mente humana

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Para além disso, resta ainda saber em que medida tal organização idiossincrática sistema de produção energética de alto rendimento, que permitiu alimentar
é uma propriedade do sistema nervoso que organiza quer a informação fornecida sistemas nervosos e motrizes complexos, impulsionando a diversificação
pelos sensores periféricos, quer os actos desenvolvidos em reação a essa acelerada das formas de vida que ficou conhecida como a explosão cambriana,
informação. há pouco mais de 540 milhões de anos.

A disciplina científica que estuda estas alterações é a neurociência da evolução, Os animais do filo dos cnidários ou celenterados, nos quais se incluem anémonas
cujo principal objectivo é não só documentar a história da evolução do cérebro, e medusas, podem ter sido os primeiros cuja natureza dotou com neurónios
como também explicá-la. A multicausalidade que impregna a história da evolução genuínos - células longas, finas, com ramificações adaptadas às tarefas de
biológica tem sido um obstáculo ao desenvolvimento desta tarefa. Antes, transmissão de mensagens de uma parte do corpo para outra, muito embora não
pensava-se que a evolução era guiada por uma única lei de progressão que fazia exista nenhum processador central. Neste tipo de animais, de surgimento
com que os organismos simples se tornassem complexos e que as espécies mais estimado há 800 milhões de anos, há uma rede de neurónios primitivos dispersos,
“baixas” na hierarquia ascendessem “na escala”. Hodos e Campbell (1969) foram com características de irritabilidade e prolongamentos capazes de assegurar a
claros na demonstração da não sustentabilidade desta ideia, tendo sido condução de sinais elétricos, bem como a sua transmissão por sinapses
substituída pela tese segundo a qual a evolução do cérebro resultou de um elétricas. Como não há uma coordenação central da transmissão dos impulsos,
conjunto de regras, princípios ou leis, inter-relacionados. as respostas aos estímulos do meio são difusas e a produção sensitiva é
impossível.
2. Emergência da vida e primeiros organismos
3. Emergência e evolução do sistema nervoso
A história evolutiva do cérebro começou logo que a vida emergiu na terra. As
unidades mais básicas de construção do cérebro existem há milhares de milhões Há cerca de 700 milhões de anos, os organismos multicelulares constituem já os
de anos: os protozoários, seres unicelulares de surgimento datado em cerca de três principais reinos: plantas, fungos e animais. Estes últimos, prosseguindo
2.5 mil milhões de anos, evidenciam irritabilidade (ou excitabilidade), uma das estratégias evolutivas assentes em formas dinâmicas de movimentação e
características das células nervosas, bem como a capacidade de movimentação interação com o meio, necessitam de um sistema de controlo da ação, que os
por contractibilidade, uma aptidão que reclama controlo nervoso; alguns dos primeiros podem dispensar. Começa, então, a desenvolver-se um sistema
organismos mais simples e mais antigos usam os mesmos mensageiros químicos nervoso ganglionar. Por exemplo, as planárias, pequenos vermes achatados do
usados pelo cérebro do Homem moderno. As esponjas, por exemplo, que são filo dos platelmintes, surgido há 600 milhões de anos, apresentam dois gânglios
uma das classes de animais mais antigas do grupo dos invertebrados que ainda cerebróides de onde imanam cordões nervosos longitudinais, com ramificações a
sobrevivem, muito embora não tenham sistema nervoso, apresentam alguns dos diferentes tipos de recetores sensoriais. A estrutura nervosa deste animal,
genes e proteínas que são essenciais para a construção das conexões neuronais. protagonista de uma apreciável quantidade de estudos neurocientíficos, além de
No entanto, o elevado consumo energético das células nervosas e do movimento uma regulação mais fina da motricidade, garante a recepção, processamento e
que é característico dos indivíduos do reino animal, exigiu um longo período de resposta específica aos estímulos. O mesmo tipo de estrutura nervosa pode
aperfeiçoamento dos mecanismos bioenergéticos, que se terá prolongado por encontrar-se nos anelídeos, como a minhoca, de evolução filogenética um pouco
cerca de 3 mil milhões de anos, até chegar ao heterotrofismo aeróbico. Este é um mais recente e já capaz de efectuar arcos reflexos simples, envolvendo neurónios

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sensitivos e motores, possuindo igualmente neurónios de associação inter- transformaram numa ligação cerebral preferencial para órgãos sensoriais
segmentar. Aliás, apesar da existência de gânglios cerebróides capazes de importantes, como os olhos. Este processo aconteceu, muito provavelmente,
receber, processar e emitir informação, a coordenação central neste tipo de várias vezes, em diferentes grupos de animais.
estrutura nervosa é incipiente e o controlo comportamental é bastante
descentralizado, sendo maioritariamente assegurado a nível local. Esse tipo de Nos peixes, regiões particulares do cérebro continuam a especializar-se em

processamento regional, ou assegurado por gânglios isolados, não lhes permite diferentes funções, com uma das regiões a ficar especialmente devotada à visão,

criar representações sensitivas ou sensoriais, visto que esse tipo de fenómeno entendida como o precursor do futuro lobo occipital, enquanto outra está

psíquico unitário e global exige um processamento central integrado. De qualquer especialmente dedicada ao controlo da resposta às ameaças, entendida como o
modo, a existência de recetores especializados significa que o organismo está predecessor da amígdala. Estes animais, surgidos há mais de 400 milhões de

melhor equipado para a captação dos estímulos do meio e para o processamento anos, constituem os primeiros dos vertebrados e, por isso, possuem um

sensitivo-sensorial. Só nos artrópodes, como é o caso dos crustáceos e dos verdadeiro sistema nervoso central. A par do esqueleto interno, um cerebelo
insetos, surge um protocérebro, enquanto órgão cefálico que regula bastante desenvolvido garante-lhe grande mobilidade e boa regulação postural,

centralmente os processos orgânicos e o controlo do comportamento, inclusive a enquanto o mesencéfalo se assume como centro receptor da informação

partir de estímulos visuais. Estas características, a par de um sistema nervoso sensorial e efector das respostas à mesma. Ao mesmo tempo, o hipotálamo e a

capaz de emitir respostas neuroendócrinas, tornou este tipo de organismos mais hipófise passam a assegurar a regulação das funções vegetativas e dos

aptos para a sobrevivência no meio terrestre, onde os animais defrontam novos comportamentos de mediação hormonal, como é o reprodutivo. Um bulbo

desafios, fruto de exigências adicionais de regulação das funções somáticas e de olfactório bem desenvolvido, capacitando-o para a discriminação fina de odores,

processamento da estimulação, agora com uma diversidade e variância muito completa as condições para uma nova incursão da vida em meio terrestre, que

superiores. Mas é ainda em meio aquático que os gânglios cerebróides se veio a ocorrer poucos milhões de anos depois, com os anfíbios. Nestes, tal como

fundem definitivamente numa massa encefálica e começam a formar-se porções nos répteis, surgidos há cerca de 345 milhões de anos, o cérebro continua a

de tecido nervoso especializado, nomeadamente no controlo de funções viscerais desenvolver-se e o encéfalo já é constituído por diversas estruturas. Além do

e motoras, por um lado, e funções sensoriais, especialmente visuais, por outro. É cerebelo e do tectum, vislumbram-se os núcleos da base. Estas estruturas estão
especializadas em funções básicas diferentes, tais como a deteção de padrões
disso exemplo o sistema nervoso dos moluscos, como o polvo, permitindo-lhes
movimentos rápidos e precisos, uma interação visualmente coordenada com os visuais, a geração de movimentos de marcha e nado, a geração de respostas

elementos do meio, formas rudimentares de comunicação con-específica (no reflexas, etc. Nos répteis, o hipotálamo assume-se definitivamente como centro

caso dos polvos, através de mudanças da cor da pele) e, até, a aprendizagem de regulador vegetativo e o tálamo fixa-se como estrutura recetora de informação,
quer extracetiva, quer propriocetiva, projectando-a no córtice e permitindo a
formas sofisticadas de resolução de problemas. O facto de os polvos serem
capazes de navegar em labirintos e abrir tampas de garrafas para obter alimento sensibilidade epicrítica. No telencéfalo, surge o esboço do sistema límbico, com a

é bem demonstrativo das potencialidades de um sistema nervoso assim amígdala a receber também informação sensorial, designadamente olfactiva, e

constituído. estabelecendo conexões com o hipocampo, possibilitando a memória dessa


informação. O cérebro dos mamíferos também contém muitas destas estruturas
Assim, a história da evolução do cérebro traduziu-se pela emergência de um primitivas para além de outras estruturas de aquisição mais recente. Na realidade,
processo conhecido como encefalização, no qual grupos de neurónios se a organização do cérebro dos répteis, resultando de um processo de migração de
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funções do mesencéfalo para o telencéfalo, onde ficam delineadas e localizadas, apesar de a informação olfactiva manter relevância na regulação de
pode mesmo considerar-se o protótipo do cérebro dos mamíferos, apesar de os comportamentos instintivos e primariamente motivados, como a atividade
mais antigos destes últimos, os paleomamíferos, só aparecerem à face da Terra maternal e sexual, a procura de alimentos, o evitamento de predadores ou
120 milhões de anos depois. adversários, etc., os neomamíferos e em especial os primatas, cujos
antepassados cursam a Terra há 65 milhões de anos, tornam-se animais
Nos mamíferos antigos, como os ovíparos (de que o ornitorrinco é um exemplo) predominantemente audiovisuais. O desenvolvimento neocortical dota-os de
ou os marsupiais, continuam a desenvolver-se os centros cerebrais envolvidos no capacidades cognitivas avançadas. Não mostram apenas maiores capacidades
olfacto, tornando-os osmáticos. Estabiliza-se o desenvolvimento relativo do de aprendizagem, mas também formas inteligentes de comportamento que lhes
diencéfalo e do sistema límbico, mas assiste-se ao aumento alométrico do garantem maior potencial adaptativo a condições imprevistas do meio. Tornam-se
telencéfalo. No entanto, um cérebro com tais características é também um capazes de coordenar a sua ação não só em função da memória de eventos
cérebro que demora muito tempo a maturar-se, visto que o desenvolvimento passados, mas também da antecipação de consequências futuras e de uma certa
ontogenético do sistema nervoso não pode ser acelerado. Portanto, em regulação executiva dos processos mentais que se exponencia na espécie
consequência do aumento da complexidade do sistema nervoso assiste-se não humana. A consciência é, ela mesma, um fenómeno emergente da evolução do
só ao prolongamento do período de gestação, com os mecanismos ovíparos a cérebro, de desenvolvimento recente à escala filogenética e enorme valor
darem lugar aos placentários, com os marsupiais pelo meio, mas também ao adaptativo. Com exponenciação máxima no Homem, dota-o de uma identidade
nascimento das crias ainda em estado embrionário, tornando-as incapazes de psíquica estável no tempo e no espaço, de subjetividade e intencionalidade, de
subsistirem autonomamente no período pós-natal. Esta dependência das crias juízo crítico sobre as suas próprias ações, de uma teoria da mente e, até, de
face aos progenitores e a necessidade de garantir a sua sobrevivência até que os uma metaconsciência.
seus sistemas nervosos lhes possibilitem a coordenação autónoma da ação,
exigiu a programação límbica do instinto maternal, que já se encontra esboçada Tem sido uma tarefa difícil adquirir conhecimentos sobre as relações entre o
em alguns repteis e se prolonga não só aos mamíferos modernos, mas também cérebro e o comportamento nos primeiros hominídeos. Muito embora com
às aves. Estas, haveriam de povoar os céus há perto de 200 milhões de anos, exceções a serem consideradas, a história da evolução do cérebro tem sido mais
muito à custa de um cerebelo de tamanho desproporcionado relativamente ao uma história da neuroanatomia comparada dos vertebrados, provavelmente em
resto do cérebro, onde continuaram a evoluir os núcleos da base, e de um lobo razão do facto de a reconstrução da filogenia dos vertebrados se ter baseado,
ótico bastante desenvolvido, acompanhado da regressão do bulbo olfactório, primariamente, nos dados anatómicos e não nos dados comportamentais ou
que lhes permitiu orientar-se e deslocar-se com mestria no espaço aéreo. fisiológicos.

Voltando ao meio terrestre, até porque a aerodinâmica impõe restrições ao crânio A estratégia que mais foi utilizada foi a da medição dos fósseis dos crânios e a
das aves que condicionam fortemente a evolução futura dos seus cérebros, com criação de modelos dos cérebros que esses crânios continham. Com esta
os neomamíferos, há aproximadamente 100 milhões de anos, inicia-se a estratégia verificou-se não só que o tamanho do cérebro triplicou ao longo da
encefalização. No cerebelo, o neocerebelo habilita-os a movimentos finos e evolução do Homem, mas que esse crescimento arrancou há cerca de 2 milhões
assimétricos. No cérebro assiste-se ao desenvolvimento progressivo do de anos, tendo tido a sua fase de maior aceleração entre 800 e 200 mil anos
neocórtice, acompanhado pela regressão do bulbo olfactivo. Em consequência, atrás, coincidente com o período de maiores alterações climáticas. Mas o cérebro

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do género Homo deixou de se expandir desde sensivelmente essa altura, Apesar da atual grande divulgação sobre as causas e os processos da evolução
havendo mesmo alguma evidência que sugere que nos últimos 10000 anos o do cérebro, esta e outras questões fundamentais ainda estão por responder. Quer
cérebro humano pode estar a sofrer alguma retração. os estudos dos fósseis, quer os dados da neuroanatomia comparada de espécies
próximas dos seres humanos, demonstram que o cérebro dos hominídeos
O que ainda não está suficientemente esclarecido é a razão que levou a que o aumentou, como atrás dissemos, cerca de 3 vezes num período de
cérebro humano tivesse começado a crescer e quais os benefícios de cérebros aproximadamente de 2.5 milhões de anos ou cerca de 3.8 vezes em 6-7 milhões
maiores. A explicação mais intuitiva e mais tentadora é a seguinte: o crescimento de anos, se aceitarmos o Homem de Toumai (Sahelanthropus tchadensis) como o
do cérebro durante o Paleolítico foi acompanhada pela emergência de uma primeiro hominídeo (a outra hipótese é o Orrorin Tugenensis, datado em 6 milhões
inteligência mais sofisticada, traduzida pelos registos arqueológicos de utensílios de anos). Apesar disso, é hoje consensual que o cérebro dos humanos não é
cada vez mais complexos, muitos deles ligados à cozedura dos alimentos. A apenas um grande cérebro de um primata; é, também, um cérebro onde
aprendizagem da confeção da comida com o fogo tornou a dieta dos nossos
ocorreram alterações qualitativas e quantitativas importantes, algumas das quais
ancestrais mais nutritiva, permitindo simultaneamente o adelgaçar da estrutura são produto de vastos padrões da evolução do cérebro através das espécies,
óssea e muscular da cabeça, o que terá favorecido o crescimento do cérebro. Por enquanto outras são o resultado da selecção direta de diferentes capacidades
sua vez, à medida que a população humana se espalhava pelo planeta o comportamentais.
ambiente social adquiria uma diversidade crescente que requeria um cérebro
maior e mais complexo. Como se disse, algumas questões estão ainda em aberto relativamente ao tipo
desta evolução, nomeadamente a questão sobre a altura da evolução em que
Do Neanderthal para o Sapiens Sapiens alterou-se a tendência de crescimento do adquirimos a capacidade da autoconsciência e a capacidade para construir
volume cerebral, com o primeiro a mostrar maior capacidade craniana do que a planos com muita antecipação e falar deles com outros seres humanos, ou a
atual espécie humana. Uma outra espécie potencialmente distinta de
questão sobre as razões de sermos as únicas criaturas a falar e a escrever uns
hominídeos designada por Homo Floresiensis, também conhecida por Hobbit, aos outros.
parece ter invertido igualmente a tendência de cérebros cada vez maiores. Muito
embora o H. Floresiensis possa ter-se extinguido apenas há cerca de 12000 anos, O enquadramento de fundo para responder a estas e outras questões postas pela
ele media um pouco mais do que 1 metro, mas possuía um cérebro que era evolução reside no domínio da evolução biológica e cultural dos seres humanos e
menos de metade do que o do seu antecessor, o Homo Erectus e cerca de 1/3 do nas alterações graduais da informação genética e cultural da humanidade. Na
cérebro do Homem moderno. Apesar disso, verificou-se que ele usava utensílios verdade, é apenas no quadro da teoria da evolução que poderemos encontrar as
de pedra e cozinhava com o fogo. Como se pode, então, conciliar o pequeno respostas para as questões atrás enumeradas.
cérebro de Hobbit com a evidência de tão alta inteligência? Será que é a estrutura
que importa mais e não o tamanho? É, precisamente, este tipo de puzzle A evolução constitui uma força poderosa em curso que não só determinou os

evolucionista que teremos de resolver se quisermos entender o cérebro e a mente atributos e os comportamentos partilhados por todos os seres humanos, como

humanas. introduziu naturezas diferentes em indivíduos singulares.

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A evolução biológica – a evolução que provocou alterações no nosso conjunto 4. O nosso lugar na evolução
genético – ajudou a fornecer as naturezas humanas, incluindo os
comportamentos humanos, muito embora não tenha capacidade para determinar O género Homo é estimado ter aparecido há cerca de 2.7 a 2.8 milhões de anos e
todos os comportamentos. Na verdade, os seres humanos não têm genes na atualidade todas as suas variantes estão extintas, excepto o Homo Sapiens
suficientes para programarem todos os comportamentos que desenvolvem. Os moderno. Além de nós, calculava-se que o último sobrevivente do género – o
seres humanos têm cerca de 20 a 25000 genes e os cérebros humanos têm cerca Homo Neanderthalensis, com quem coabitámos o planeta – teria desaparecido há
de 86 mil milhões de neurónios, com cerca de 100 a 1000 milhões de milhões de cerca de 27 a 30000 anos, mas dados recentes sugeriram que o Homo
sinapses entre eles, o que representa cerca de 50000 milhões de sinapses por Floresiensis ainda existia há 12000 anos.
gene. Com este rácio, os genes não podem controlar senão os aspectos básicos
dos comportamentos. Por isso, o outro componente determinante das nossas Muitas características físicas distinguem o género Homo dos outros primatas,

naturezas tem de ser, então, a cultura. A nossa espécie é a única em que as nomeadamente pela presença de ancas estreitas (que permitem longas

modificações da cultura adquiriram uma importância tão grande quanto as caminhadas), um sistema sudoríparo desenvolvido, pernas mais compridas do

modificações da informação hereditária no que respeita à produção das nossas que os braços, pilosidade reduzida e a presença de conjuntiva ocular branca.

naturezas. Dezenas de milhares de anos de evolução produziram centenas de


De uma maneira geral, o género Homo pode ser caracterizado por:
milhares de espécies com cérebro e dezenas de milhares com comportamentos
complexos, capacidades comportamentais, perspetivas e de aprendizagem. Mas 1. um aumento do tamanho do crânio relativamente aos outros primatas;
apenas uma consegue pensar acerca do seu lugar no mundo, porque apenas ela
desenvolveu a capacidade para o fazer. Mesmo que partilhemos a mesma terra 2. uma propensão para a utilização de utensílios;
com milhões de espécies de seres vivos também vivemos num mundo ao qual
3. uma redução da mastigação para a preparação de alimentos a serem ingeridos;
nenhuma outra espécie tem acesso – um nicho cognitivo associado a uma cultura
complexa. A porta que se abriu para este mundo foi à custa da linguagem, porque 4. bipedismo como postura predominante, facto que parece estar relacionado
esta não é apenas um modo de comunicação, mas também é a expressão com a facilidade de locomoção, com a libertação das mãos para a alimentação,
externa de um modo não habitual de pensamento – a representação simbólica. entre outras facilidades, o arrefecimento da temperatura corporal e o
desenvolvimento de comportamentos de dominância.
A cultura é, aqui, definida como a informação não genética partilhada e trocada
entre os seres humanos. E, desde a invenção da agricultura há 12000 anos, a É, no entanto, a evolução do cérebro que constituiu um dos acontecimentos
evolução tem sido dominada pela cultura, dado esta ocorrer de forma muito mais evolutivos mais marcantes do género Homo.
rápida do que aquela. Apesar disso, a evolução biológica e cultural não são
independentes, existindo interações importantes entre elas. Se recuarmos 30 a 34 milhões de anos (segundo os estudos de genética
molecular), encontramos um antepassado comum: os macacos do velho mundo.
Neste capítulo iremos tratar dos aspectos ligados à evolução do cérebro e às Mas se considerarmos como antepassado comum os chimpanzés e não o
controvérsias a ela ligadas. macaco, então a distância encurta-se para cerca de 1/6 daquela. Foi apenas há 5
a 6 milhões de anos que o nosso antepassado se afastou da linha de evolução
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que levou aos modernos chimpanzés e chimpanzés pigmeus (bonobo), enquanto partes do cérebro envolvidas na linguagem homólogas às do Homem, bem como
o antepassado do gorila deixou a linha chimpanzé/Homem há pouco mais de 7 (3) alguns aspetos do seu comportamento.
milhões de anos, embora estudos genéticos recentes façam suspeitar que os
períodos de divergência possam ter ocorrido há mais do dobro do tempo. Na realidade, alguns comportamentos que outrora foram considerados
característicos apenas dos seres humanos, verificou-se que afinal também são
Genealogicamente estamos, então, mais próximos dos chimpanzés e dos bonobo partilhados pelos bonobos e outros chimpanzés como, por exemplo:
do que estes estão dos
• O uso de utensílios e armas, algumas delas manufaturadas (Wrangham &
gorilas (Figura 1).
Peterson, 1996);
As semelhanças físicas com
outros grandes macacos foi • O assalto a territórios vizinhos por vezes acompanhado de morte de rivais

a principal razão que levou (Wrangham & Peterson, 1996);

Carolus Linnaeus, em 1758,


• O pensamento causal e relativamente complexo (Limongelli et al., 1995);
a classificá-los como
primatas e a colocar-nos no • A organização em sociedades patriarcais (Daly, 1984).
mesmo género Homo com
outros grandes primatas. • A protocultura - um conjunto de informação não genética que passa de
indivíduo para indivíduo e de geração para geração, variando de comunidade
Entre estes, os primatas para comunidade, expressa na forma de uso dos utensílios, dos padrões de catar
vivos mais próximos de nós, e de chamar atenção (Boesch, 1996); por exemplo os bonobo de Bossou da
Figura 1. Relação evolutiva dos grandes primatas quer em termos físicos, quer Guiné, mas não os de outras comunidades, usam pedras como martelos para
em atributos dissecarem sementes de palma (Sugiyama & Koman, 1979), atividades em que
comportamentais são os manifestam preferência manual (McGrew & Marchant, 1996).
bonobo. Aqueles são mais delgados que os chimpanzés comuns e com mais
frequência assumem a posição ereta; também apresentam braços mais curtos É evidente que estas semelhanças não significam que os comportamentos em
(quando comparados com as pernas), esqueleto e dentes mais pequenos; para causa sejam “exatamente iguais” aos dos humanos. Na verdade há importantes
além disso, têm menos diferenças entre os sexos. diferenças quer sob o ponto de vista quantitativo, quer sob o ponto de vista
qualitativo entre os seres humanos e os outros primatas não humanos.
Do ponto de vista físico, são o melhor modelo primático vivo para comparações
com o Homo Sapiens. Se mais nada houvesse, o seu contínuo interesse pela Apesar de terem 95 a 99% de semelhanças genéticas com os outros primatas
atividade sexual tornava-os mais parecidos com a nossa espécie. Mas há outros (dependendo das técnicas de comparação), os seres humanos apresentam
aspetos que os aproxima: (1) as capacidades percetivas fundamentais, (2) as diferenças fenotípicas importantes.

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Desde logo, o facto de os seres humanos serem os únicos primatas que usam apresentam empatia cognitiva (Waal, 1996) – capacidade para nos colocarmos
permanentemente a postura bípede. Mas também o facto de terem menos racionalmente na posição do outro. Esta capacidade é um instrumento muito
pilosidade, terem incisivos e caninos mais pequenos e apresentarem uma valioso para a sobrevivência de um organismo muito inteligente que vive num
oponência total dos polegares. Para além disso, há diferenças quanto aos estilos ambiente demasiado social.
de vida. Por exemplo, os chimpanzés têm um maior poder de orientação em
espaços tridimensionais, quando comparados com os seres humanos. Mas a A estratégia de lidar simultaneamente com a presa e o predador através da

evidência mais forte quanto a aspectos distintivos entre os primatas humanos e planificação, da manufatura cuidadosa de utensílios e de uma cultura complexa,

não humanos centra-se na diferença do tamanho do cérebro (cerca de 4 vezes foi uma das condições que levou os antropólogos Tooby e Devore a considerarem

maior nos humanos) com a consequente plétora de funções não físicas para que que os humanos evoluíram para

o cérebro fica disponível. A mais óbvia é, naturalmente, a linguagem (um modo de um nicho cognitivo (Tooby &

comunicação de pensamentos e sentimentos a outros congéneres) com uma Devore, 1987), que os

característica sintática única – conjunto de regras através das quais os elementos hominídeos especificamente
da linguagem podem formar símbolos para designar objetos e atos (Berlin, criaram. Nesse nicho, os nossos

1992). Mesmo as experiências que sugerem que os bonobo podem aprender e antepassados hominídeos, mais

aplicar até 3000 palavras através de teclado ou linguagem gestual ou as que do que quaisquer outros

sugerem que os chimpanzés em vida selvagem podem aplicar até 10 primatas, especializaram-se em

vocalizações com significados diferentes (como, por exemplo, o aviso de cobra viver através do humor – uma

versus o aviso de tigre) não alteram a singularidade sintática acima referida. especialização que produziu
uma outra diferença qualitativa.
Também é único na nossa espécie a expressão oral da linguagem, ou seja, a
capacidade para falar, dado que não há evidência que os primatas não humanos Esta diferença quantitativa no

usem a comunicação vocal de forma significativamente diferente da que é usada ambiente cultural, caracterizada

em outros mamíferos – não mais do que para produzir sons de alarme, sobretudo pelo facto de a

vocalizações para definição do território, etc. A extensa comunicação entre informação cultural entre os

congéneres não é feita por meio de sons (Mitani, 1996). chimpanzés apenas se
transmitir por imitações,
Ao contrário, os seres humanos usam as suas capacidades únicas enquanto nos humanos se
extensivamente em conjunto com o cérebro que também lhes permite improvisar transmite oralmente e através
comportamentos apropriados para quase todas as situações, baseando o seu de todos os dispositivos que
comportamento no jogo complexo das relações de causa-efeito. foram sendo, entretanto,
criados, foi uma das principais
Para além disso, somos a única espécie conhecida que desenvolveu um sistema fontes de especialização dos
Figura 2. Árvore da família humana (modificado e
de crenças, sendo também possível que sejamos os únicos animais vivos que redesenhado de Ehrlich, 2000). cérebros nos humanos (a Figura

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2 mostra a evolução hominídea através dos seus crânios ao longo dos anos). Heidelbergensis e o Neanderthalensis, o tamanho absoluto do cérebro aumentou
novamente e, entre os 200000 e os 100000 anos atrás, a nossa espécie atingiu o
Há cerca de 6 milhões de anos, sensivelmente desde que os hominídeos tamanho atual de 1200 a 1800 cm3 (Lee & Wollpoff, 2003). Não é fácil de explicar
(primatas bípedes) divergiram dos outros primatas, o tamanho absoluto do este facto no crescimento do cérebro. No entanto Aiello e Wheeler e Leonard e
cérebro aumentou de forma dramática (cerca de 4 vezes). Particularmente Robertson (Leonard & Robertson, 1994) sugeriram que o primeiro grande
intrigante é que este aumento não foi lento e gradual, mas antes por surtos crescimento estaria, provavelmente, relacionado com a alteração da dieta nos
(Hofman, 1983). Dos australopitecíneos até que o género Homo iniciou o seu hominídeos, enquanto que o segundo grande crescimento do cérebro estaria
desenvolvimento, o tamanho absoluto do cérebro aumentou drasticamente de relacionado com necessidades de socialização com vista a aceder ao
cerca de 400-500 cm3 para cerca de 700-800 cm3 (Figura 3). acasalamento e a outros recursos (Byrne, 1997).

5. Bipedismo

Há cerca de 6 milhões de anos, os primeiros hominídeos distinguiram-se dos


seus antecessores primatas por terem adotado a posição bípede, mas mantendo
os seus cérebros com tamanhos cerca de 1/3 do dos cérebros do Homem
moderno.

A análise do foramen magnum do Sahelanthropus Tchadensis, a abertura craniana


que permite passagem ao canal vertebral, sugere que este antepassado do
género Homo já estaria habilitado à locomoção bípede. No entanto, os primeiros
australopitecíneos, surgidos há pouco mais de 4 milhões de anos, dedicar-se-iam
frequentemente a trepar árvores, ainda que as suas ancas sejam sugestivas de
marcha vertical regular. Já a pélvis e joelhos da Lucy, um fóssil de
Australopithecus Aferensis que terá vivido há 3.2 milhões de anos, a par da forma
compacta dos pés de outros espécimes entretanto encontrados do mesmo
género, indiciam que estes nossos antepassados se deslocavam
Figura 3. Volume endocraniano de hominídeos fósseis e existentes. Cruzando o volume (que
predominantemente no solo, de modo bípede (Figura 4).
reflete o tamanho absoluto do cérebro) com a idade estimada dos espécimes fósseis,
verifica-se que o volume aumentou por surtos e não de forma regular (adaptado de Striedter,
2006). Muitas razões têm sido apontadas para explicar o bipedismo, sendo a mais
atrativa aquela que sugere que desse modo as mãos ficaram livres para manipular
Depois, ao longo dos seguintes 1.5 milhões de anos, quando o Homo Erectus e transportar objetos ou para pegar em pedras e usá-las como armas (Fifer, 1987).
reinou, o tamanho médio do cérebro manteve-se praticamente constante, perto Aliás, a locomoção vertical seria naturalmente vantajosa no ambiente aberto da
dos 950 cm3. Contudo, quando o Homo Sapiens arcaico apareceu, incluindo o savana, permitindo a melhor deteção de presas, bem como de potenciais

35
predadores. Uma infância que acompanhou o crescimento do cérebro, tornou-se necessário que os
hipótese mais hominídeos machos transportassem comida e fornecessem ajuda às mães e às
recente (Jablonski suas crias.
& Chaplin, 1993)
conjuga a postura Qual foi a implicação deste acontecimento? Precisamente a criação de um

vertical com a sistema sexual não promíscuo, dado existir uma forte seleção contra um macho

manifestação de que promovesse a propagação dos genes de outro macho – o que acontecia se

uma atitude de os machos provessem ajuda e alimentos às fêmeas em espécies promíscuas, nas

dominância ou quais as crias poderiam ser alimentadas por rivais. A hipótese daquele autor

ameaça face a também implica, por um lado, que as vantagens do bipedismo ocorreram apenas

outros indivíduos, num dos sexos (o que poderá ter enfraquecido a pressão de seleção) e, por outro,

colocando-a na uma importância atribuída ao aprovisionamento muito maior do que aquela que

origem do hoje vemos nos primatas não humanos.

bipedismo. Esse
Em síntese, parece que a mudança ecológica das florestas para a savana, que
tipo de
terá ocorrido na transição dos australopitecíneos para o Homo Habilis, deverá ter
manifestação deve
desempenhado um papel major na evolução do bipedismo humano. Para além
Figura 4. Evolução da diversidade locomotora nos grandes símios. ter caracterizado
disso, as capacidades de transportar os filhos, utensílios e armas, de ver mais
frequentemente os
longe sem esforço e de brandir armas para inimigos distantes também foram
primeiros
ocorrências com muita importância nesta mudança de postura.
hominídeos quando se aventuraram na savana, na qual a comida era escassa e
distribuída de forma mais dispersa, favorecendo a adoção do bipedismo como
6. Padrões de evolução do cérebro
postura e forma de locomoção. Aqueles autores sugeriram que a ameaça
associada à postura vertical e as correspondentes respostas apaziguadoras, A história evolutiva do cérebro humano pode ser contada da seguinte forma:
desempenharam um papel major na supressão da agressão intra e intergrupal, já Desde há cerca de 3-4 milhões de anos, o cérebro humano aumentou muito de
que a competição face a recursos tão escassos tinha tendência a uma forte tamanho, embora apenas se tenha tornado ligeiramente maior proporcionalmente
escalada. Tal supressão pode ter sido essencial para a sobrevivência dos ao tamanho do corpo. Há pouco mais de 2 milhões de anos, alguns hominídeos
hominídeos. evoluíram com cérebros um pouco maiores do que os dos outros primatas. Por
essa altura apareceram utensílios simples, talhados em pedra. Esses utensílios
Se bem que haja muitos debates acerca da origem do bipedismo, sendo mesmo
são atribuídos ao Homo Habilis e, embora rudimentares, assinalam a capacidade
postulada a hipótese de não ser certo que ele se tenha originado na transição
de ir além dos determinismos biológicos através de uma modificação ativa do
para a savana, o certo é que ele influenciou a estrutura social dos humanos e o
habitat. Há cerca de 1.5-1 milhão de anos o cérebro teve uma rápida expansão
seu comportamento sexual, pelo menos segundo a sugestão de Lovejoy (1981).
atingindo cerca de 2/3 do tamanho do cérebro do Homem moderno. No tempo
Na verdade, segundo aquele autor, com o aumento do período de desproteção da
36
que se seguiu, o tamanho médio do cérebro aumentou para perto dos 1400 cc no 250000 anos. Estes nossos antepassados não só enterravam os mortos, como os
Homem moderno, num ritmo de crescimento descontínuo ao longo do tempo e faziam acompanhar de oferendas, evidenciando um ritualismo religioso e um
do espaço (Figura 5). pensamento simbólico sem paralelo até então. Aliás, é hoje consensual que os
Neanderthalensis utilizavam adornos pessoais e é bem possível que as primeiras
A linguagem evoluiu muito provavelmente nos últimos 500 mil anos, época que manifestações conhecidas de arte rupestre, atualmente datadas em 40-41 mil
demarca o surgimento do Homo Sapiens arcaico. Apesar disso já existiam anos, sejam da sua autoria. Estes rituais e manifestações culturais são
evidências de gravação de reveladores de uma elaboração afetiva complexa das relações interpessoais e
padrões geométricos nas de uma forma avançada de autoconsciência, capaz de perspetivar o final da sua
ferramentas fabricadas existência e, logo, correlata de uma capacidade cognitiva de antecipação do
pelo Homo Erectus há Neanderthalensis futuro única por entre os primatas.
quase meio milhão de Peso do cérebro em gramas
Sapiens
Sapiens
anos, sinalizando o Homo Sapiens arcaico
Não há nada de errado com esta história simples, dado que ela está bem apoiada
(Heidelbergensis/Rhodesiensis)
desenvolvimento do H. Erectus
pelos registos fósseis e arqueológicos. Contudo, sabemos que a história é bem
raciocínio abstrato que mais complicada. Muito embora tenhamos outros dados que nos distinguem dos
Hominídeos H. Habilis
subjaz à linguagem por outros primatas, tais como o bipedismo e uma relativa perda de pelos, o cérebro
detrás desse Chimpanzés
e o comportamento que ele produz é o que nos distingue, verdadeiramente, dos
comportamento. Aliás, a 0.2 outros primatas. A história evolutiva do cérebro não é apenas uma questão
Milhões de anos
!
o rg a n i z a ç ã o s o c i a l d o cronológica do seu aumento de tamanho, mas também das alterações da sua
Figura 5. Aumento do peso do cérebro ao longo da evolução
Homo Erectus indicia que das diferentes espécies de hominídeos (adaptado de Jensen,
organização funcional. Adicionalmente, o cérebro humano pertence a um corpo e
já possuiria formas 1996). a sua evolução foi acompanhada de reais custos biológicos, que também devem
bastante efetivas de ser considerados na análise desta história.
comunicação, mesmo que fosse incapaz da fala como a conhecemos. Com
efeito, as evidências de caça em grupo, do transporte das peças de caça para os É muito tentador contar a história biológica do cérebro humano como uma

acampamentos, onde seriam distribuídas pelos restantes membros, progressão simples do seu tamanho correlacionando-a com a progressão da

nomeadamente os mais idosos, os mais juvenis e seus cuidadores, as provas de sofisticação do comportamento. Mas não nos podemos esquecer que o cérebro é
que eram capazes de uma utilização ativa do fogo, a utilização de diferentes não só o produto da evolução filogenética, mas também da evolução somática,

tipos de utensílios com vários propósitos e, até, os seus longos percursos genética, ecológica, demográfica e, mais recentemente, dos contextos culturais e

migratórios, levando-os a conquistar vastos territórios fora de África, são linguísticos nos quais eles evoluíram.

sugestivos de uma divisão social de tarefas e de uma capacidade de


Mas qual é a vantagem evolutiva de se ter um cérebro grande? O primeiro ponto
planeamento que, julga-se, só seria possível com alguma forma de linguagem.
e talvez o mais óbvio é que para a maior parte da evolução dos hominídeos não
Quanto ao material de cultura religiosa que ainda hoje se reflete na atividade do houve vantagem seletiva pelo facto de se ter um cérebro maior. Consideremos o
Homem moderno, esse apareceu com o Neanderthalensis, surgido há apenas período de 6 a 2 milhões de anos atrás. Essa altura correspondeu à “fase

37
australopitecínea” ou estádio 1 da evolução do cérebro dos hominídeos no cérebro nesta fase. Muito provavelmente, alguns aspetos desta reorganização
conjunto das 3 fases sugeridas por Holloway et al. (2004), embora a designação funcional foram os catalisadores, embora não diretamente, para a evolução do
seja enganadora à luz das evidências fósseis de que os primeiros tamanho do cérebro ao possibilitarem novos domínios cognitivos que, por sua
australopitecíneos terão iniciado a sua evolução à face do planeta há pouco mais vez, conferiram alguma espécie de vantagem seletiva ao facto de se possuir um
de 4 milhões de anos. Não parece haver dúvidas, com base nos conhecimentos cérebro relativamente maior no mundo protocultural dos primeiros hominídeos. O
atuais sobre os primatas não humanos e os humanos, que os hominídeos deste que permanece desconhecido é quais foram os aspetos dessa organização
período viviam em pequenas comunidades com múltiplos machos e múltiplas cerebral que estiveram envolvidos naquela evolução, ou qual a vantagem que
fêmeas caracterizadas por dinâmicas sociais sofisticadas e relações intensas poderão ter conferido. Na verdade, o único marcador potencial que existe dessa
entre os pais e as mães e os seus filhos. Com o advento do bipedismo, eles mudança é o aparecimento de utensílios de pedra há cerca de 2.5 milhões de
exploravam novos ambientes e fontes de alimentação de uma forma diferente da anos, antes do primeiro período de expansão substancial do cérebro na evolução
dos seus antecessores e, a partir do Homo Habilis, torna-se claro que estes hominídea.
hominídeos modificavam objetos no seu ambiente, utilizando-os como utensílios.
A redução no dimorfismo sexual dos caninos sugere uma reconfiguração da Foi precisamente no período de cerca de 2-1.5 milhões de anos atrás - a primeira

dinâmica da competição entre machos para cópula da fêmea. fase do Homo/primeiro Homo Erectus (fase 2 de Holloway) - que se pode
argumentar que houve uma vantagem seletiva do aumento do tamanho cérebro
Apesar de tudo isto, não existe um padrão consistente de aumento do tamanho na evolução hominídea. As espécies hominídeas de grandes cérebros (H. Habilis,
do cérebro ao longo deste período da evolução dos hominídeos. É certo que os Georgicus, Erectus) substituíram a grande maioria das espécies da fase
primeiros hominídeos teriam uma maior encefalização do que um chimpanzé de australopitecínea, deixando apenas os australopitecíneos mais robustos e
hoje, mas não é incorreto caracterizar os seus cérebros como tendo um tamanho altamente especializados, os quais sobreviveram até há cerca de 1.4 milhão de
similar ao dos símios em termos absolutos. Parece não ter havido uma grande anos. Ainda mais indicativo do sucesso evolutivo dos primeiros Homo foi a sua
pressão seletiva para aumentar o tamanho dos cérebros dos orangotangos, expansão biogeográfica, primeiro de África para a Ásia e, posteriormente, para
chimpanzés e gorilas ao longo dos últimos 8 milhões de anos e este padrão além da Ásia. Se o tamanho do cérebro contribuiu e como o fez para tal expansão
manteve-se durante os primeiros 4 milhões de anos da evolução dos hominídeos. não é conhecido. Contudo, a hipótese segundo a qual o aumento do tamanho do
Este padrão dos grandes símios indica que o seu complexo adaptativo cognitivo- cérebro e a encefalização contribuíram para o seu sucesso evolucionista é uma
comportamental era muito estável, pelo menos em relação ao tamanho geral do hipótese razoável deduzida a partir do estudo dos fósseis.
cérebro. Isto é, os hominídeos da fase austrolopitecínea não só possuíam
cérebros com um tamanho próximo do dos símios, como exibiram um padrão de Os Neanderthalensis e os Homens modernos no plano anatómico fornecem o

estabilidade do volume do cérebro semelhante ao dos símios ao longo de um contraste local/global deste cenário (fase 3 de Holloway). Muito embora os

período de tempo relativamente longo. Neanderthalensis tivessem adquirido um tamanho absoluto do cérebro um pouco
superior ao dos Homens modernos, eles não passaram de uma população
Pode, por isto, concluir-se que não tendo havido aumento do volume do cérebro circunscrita, limitada geográfica e ecologicamente à Europa e à Ásia ocidental. A
durante aquela fase, não houve evolução do cérebro? Evidentemente que não. caverna de Gorham, em Gibraltar, é a última “morada” conhecida dos
Como veremos mais adiante, houve sem dúvida uma reorganização funcional do Neanderthalensis, sugerindo que a sua extinção definitiva poderá ter ocorrido

38
apenas há 24000 anos, muito embora métodos de datação por carbono 14 façam Como se podem comparar as espécies em relação ao tamanho do cérebro? De
recuar aquela data para os 40000 anos atrás. Já o Homo Sapiens moderno entre as várias medidas o quociente de encefalização (QE) tem sido a mais
emergiu em África há cerca de 200000 anos, chegando à Europa há 42-43000 utilizada para assinalar o tamanho relativo do cérebro, que leva em linha de conta
anos e tornando-se uma espécie global em poucos milhares de anos, sem a comparação empírica entre o tamanho do cérebro e o do corpo.
competidores hominídeos sobreviventes. Ou seja, o facto de os Neanderthalensis
possuírem um cérebro relativamente maior não lhes deu, necessariamente, um Jerison (1973, 1991) foi o inaugurador da análise das relações alométricas entre o

poder adaptativo maior, pois a expansão do Sapiens envolveu a sua suplantação. tamanho do corpo e do cérebro, análise essa que estabeleceu muitas das

Não é claro o contributo do moderno Homo Sapiens para a extinção do principais assunções e de métodos analíticos que foram subsequentemente

Neanderthal e, na realidade, o facto de 1 a 2% do nosso DNA ser de origem utilizados para investigar a evolução estrutural do cérebro. O tamanho do cérebro

neandertalense é utilizado como evidência do cruzamento reprodutivo entre aumenta com o tamanho do corpo a uma taxa exponencial característica. A razão

ambos. Deste modo, deveria ter existido alguma espécie de elemento cognitivo desta relação bem estabelecida (Martin, 1982) não tem sido bem explicada,

na vantagem humana, mas essa vantagem parece ter resultado mais da apesar de muitas tentativas para o fazer. A maquinaria neuronal para o controlo
reorganização funcional do que do grande aumento do cérebro. Mesmo assim, dos músculos e para a enervação da superfície sensorial deverá aumentar em

seja qual for a reorganização que tenha ocorrido, ela só pode ter sido vantajosa função do tamanho do corpo. Contudo, se por um lado não se entende que num

no contexto de um volume total do cérebro de 1400 cc, pelo que não se pode cérebro de tamanho médio, como o do gato, a representação da superfície do

afirmar que o aumento do tamanho do cérebro tenha sido irrelevante para a corpo e a representação motora primária não ocupa mais do que 1/10 da

expansão dos humanos modernos. extensão do isocórtice (porção cortical organizada em seis camadas), por outro
também não se entende porque é que órgãos especializados dos sentido (como,
Tendo isto como base, vejamos agora aspetos de natureza metodológica que por exemplo, os olhos e os ouvidos) também devam aumentar de forma tão
estão envolvidos nestas constatações. regular com o aumento do tamanho do corpo.

Apesar de ter havido um grande progresso na compreensão sobre o modo como A correção do peso do corpo através do quociente de encefalização (QE) dá-nos
as estruturas e as funções cerebrais têm mudado ao longo da evolução, esse algum poder explicativo. O QE é classicamente dado pela fórmula QE=Ea/Ee
mesmo progresso também tem tido alguns obstáculos. Primeiro, porque ainda indicando a extensão com que o tamanho do cérebro de uma dada espécie Ea se
não há um consenso quanto às medidas apropriadas para avaliar o tamanho do distancia do tamanho esperado do cérebro Ee, baseado numa espécie
cérebro (têm sido propostas várias, tais como frações, residuais, quociente de estandardizada do mesmo grupo taxonómico. Tendo o gato como a referência de
encefalização, índice de progressão, volumes totais e volumes do neocórtice); “estandardização” para os mamíferos (QE=1), os humanos têm o QE mais elevado
segundo, os mecanismos explicativos sobre as consequências funcionais das (entre 7.4 – 7.8) entre espécies, indicando que o nosso cérebro é 7 a 8 vezes
diferenças observadas no tamanho do cérebro continuam pouco adequados; maior do que o esperado para o tamanho do corpo. Este índice é um indicador da
terceiro, continuamos com um conhecimento limitado sobre outras diferenças chamada encefalização quantitativa. A assunção é a seguinte: é necessária uma
para além das relacionadas com o tamanho cerebral; por último, temos poucos certa razão constante do cérebro em relação ao tamanho do corpo para garantir
instrumentos de avaliação comportamental disponíveis que permitam as funções somáticas e o repertório comportamental básico, sendo destinada a
comparações não enviesadas entre as espécies. quantidade de cérebro adicional para comportamentos mais especializados ou

39
elaborados ou, mesmo, para adaptação a nichos cognitivamente muito músculos respiratórios, dos olhos, das mandíbulas, dos lábios, da língua e dos
desafiantes. O significado evolutivo desta evidência, pelo menos para a grande músculos da vocalização.
maioria da literatura corrente, repousa no facto de o tamanho do cérebro se
escalar em função do tamanho do corpo. Em consequência, as diferenças entre Estes aumentos na natureza manual, ocular, oral e vocal foram, com certeza, um

os QE sugeriram algo sobre a importância relativa dos cérebros ao longo da pré-requisito para a emergência da linguagem humana, cuja diversificação

evolução das espécies. Contudo, estes dados não devem ser vistos acriticamente vocálica se terá iniciado há 100000 anos (Nichols, 1998) dado que só então o
trato vocal possibilitaria a gama fonética do Homem moderno.
como aproximações das capacidades comportamentais das espécies, sobretudo
em razão do facto de se saber que o cérebro humano não é completamente uma
Dentro do neocórtice, o córtice pré-frontal lateral tornou-se desproporcionalmente
versão em tamanho grande de um cérebro de um primata genérico, já que
grande no Homo Sapiens (Figura 6).
apresenta uma heterogeneidade quanto às áreas cerebrais no seu conjunto. Na
verdade, algumas não acompanharam o crescimento geral do cérebro (como, por Este aumento de tamanho desproporcional talvez tenha contribuído para o
exemplo, o bulbo olfactório, o córtice visual primário, as áreas motoras e pré- aumento da influência que o córtice pré-frontal lateral tem no cérebro humano.
motoras primárias), enquanto outras sofreram um desenvolvimento acelerado (tais Embora seja difícil de especificar a natureza dessa influência, Striedter (2006)
como as áreas pré-frontais). propôs que aquela expansão terá aumentado a capacidade dos humanos para
desenvolverem aquilo a que o autor chamou de “comportamentos não
Segundo o princípio de “mais tardio é igual a maior” (segundo este princípio, as
convencionais”, tais como olhar ou apontar para o lado oposto de um estímulo
estruturas de aparecimento mais tardio na escala evolutiva, tais como o
relevante ou tornear barreiras para obter alimento. Esta capacidade, em conjunto
neocórtice, tornam-se desproporcionalmente grandes à medida que o tamanho
com o aumento da destreza atrás aludida e do aumento relevante das áreas
absoluto do cérebro cresce) e dado o aumento referido do tamanho do cérebro
associada à fala (39, 40 de Brodmann) poderá ter sido a antecessora da
dos humanos, estes deveriam ter neocórtices desproporcionalmente grandes. Na
emergência da linguagem simbólica (Deacon, 1997). Se esta hipótese for
verdade, a razão neocórtice/bulbo é praticamente o dobro nos humanos
verdadeira, então a linguagem
comparativamente com os chimpanzés (Frahm et al., 1982), ou seja, o volume do
humana emergiu, pelo menos
neocórtice aumenta mais depressa do que o volume do cérebro, segundo uma
em parte, como uma
função exponencial de 1.13 (Haug, 1987). Para além disso, o princípio de Deacon
consequência automática, mas
(1990), segundo o qual “maior é equivalente a muito conectado” (segundo este
adaptativa, do aumento do
princípio, sempre que uma região cerebral aumenta em tamanho proporcional, ela
tamanho absoluto do cérebro,
tende a receber mais conexões e a enviar projeções para mais estruturas do que
correlativa de um aumento da
acontecia antes) prediz que o neocórtice humano aumentado deverá expandir as
sua complexidade. Uma vez
suas projeções para as outras regiões, proporcionalmente mais pequenas. Na
e m e rg i d a a l i n g u a g e m , o
verdade, os humanos apresentam um número elevadíssimo de projeções do
comportamento humano
neocórtice para os motoneurónios do bulbo e da medula (Iwatsubo et al., 1990). Figura 6. Escalonagem do córtice pré‐frontal lateral nos
alterou-se drasticamente, sem
Este aumento das projeções neocorticais provavelmente permitirá aos humanos primatas (adaptado de Striedter, 2006).
mais alterações no tamanho
modernos produzirem movimentos controlados mais finos das mãos, dos
40
absoluto médio do cérebro. hemisférios cerebrais); e (3) cerebração (entendida como o processo histológico
que conduziu à estratificação da camada cinzenta cortical).
7. Arquitetura e histologia evolutiva do cérebro
Uma forma de entender a evolução do cérebro humano é vê-la como uma adição
É consensual, atualmente, que ao longo da evolução do cérebro, os sistemas de níveis de regulação cada vez mais complexos. Se entendermos o
nervosos foram-se mudando de 4 formas principais: comportamento animal e humano como “controlo de perceções”, em que as
perceções correspondem a representações mentais importantes do ambiente,
1. primeiro, tornaram-se progressivamente centralizados na arquitetura, evoluindo compreendemos que para um organismo com reprodução sexuada sobreviver e
de uma rede aestruturada de células (como acontece na medusa) para uma deixar progenitores, ele deve ser capaz de controlar muitos aspetos diferentes de
coluna espinal e um cérebro complexo com grandes protusões no perceções (isto é, aspetos sensoriais do seu ambiente). No mínimo, ele deve ser
rombencéfalo e no prosencéfalo; esta estrutura progressivamente centralizada capaz de encontrar comida, evitar inimigos e acasalar. Mas à medida que a vida
também se tornou progressivamente hierárquica, tudo indicando que as novas evoluía, o ambiente dos nossos antepassados tornou-se cada vez mais complexo
estruturas que foram sendo adicionadas ao cérebro humano controlavam as devido ao número crescente de organismos competidores. Daí que poderia ter
mais antigas; sido uma grande vantagem ser capaz de perceber e controlar aspetos
progressivamente mais complexos deste ambiente.
2. segundo, ocorreu uma tendência para a encefalização, incluindo a
concentração de órgãos dos sentidos e do tecido nervoso associado na Contudo, dadas as complexas habilidades e capacidades mentais do Homem
cabeça, o que encurtou o tempo de transmissão da informação desde os moderno, tem-se levantado a questão de saber se a sua emergência pode ser
órgãos dos sentidos até ao cérebro; apenas explicada pela seleção natural. Muito provavelmente e à semelhança da
evolução de outros órgãos, a pressão seletiva exercida sobre os primeiros
3. terceiro, o tamanho, o número e a variedade de elementos do cérebro
hominídeos tornou-os melhores caçadores. A capacidade para compreender o
aumentou;
comportamento dos outros animais e para organizar expedições de caça poderá
4. quarto, houve um aumento na plasticidade, isto é, a capacidade do cérebro ter sido muito importante na evolução das espécies nossas antepassadas. Em
para se modificar em resultado da experiência (memória), tornando possível a consequência, o cérebro progressivamente mais complexo e mais adaptado
aprendizagem de novas habilidades perceptivas e motoras. através da seleção natural poderá ter tornado possível outras habilidades, tais
como a fabricação de utensílios e o uso da linguagem, traços que, por sua vez,
Também os processos histológicos foram sujeitos à pressão evolutiva, levando à poderiam ter-se tornado alvos para a futura seleção natural.
organização citoarquitetónica própria do cérebro do Homo Sapiens. O conjunto
de processos que, ao longo da evolução, levaram à estratificação cortical designa- Esta transformação de estruturas biológicas e de comportamentos de um uso
se por encefalização qualitativa. Os mecanismos que estiveram na base desses para outro foi designada por Darwin como “pré-adaptação”, termo que foi muitas
processos são: (1) telencefalização (entendida como a migração evolutiva dos vezes mal interpretado como se a evolução “soubesse” de algum modo quais das
centros de integração da informação para as estruturas filogeneticamente mais estruturas seriam úteis para os futuros descendentes dos organismos presentes.
recentes); (2) girencefalia (entendida como o plissamento e enrugamento dos Daí que Gould e Vrba (1982) tenham proposto um outro termo para aquele

41
fenómeno: exaptação. Os autores distinguem claramente a adaptação (processo funcionalmente relacionadas, evitando a necessidade de manter longas conexões
evolutivo através do qual estruturas complexas e comportamentos adaptados são através do corpo caloso. Isto é, a assimetria funcional é uma solução para o
progressivamente afinados pela seleção natural sem alterações evidentes na problema da conexão.
função dessas estruturas ou comportamentos) da exaptação (processo através
do qual as estruturas e comportamentos originariamente selecionados para uma 8. Evolução regional do cérebro
função se tornam implicados noutra função pouco relacionada com a primeira).
O que constitui, então, a reorganização funcional num contexto evolucionista? No
Devemos reter alguns aspetos importantes quando se tenta compreender a plano anatómico, existem pelo menos 3 vias segundo as quais essa
evolução da localização funcional no contexto das grandes alterações do reorganização pode ser identificada:
tamanho cérebro. Desde logo, o facto de os grandes cérebros apresentarem
problemas de design cujas soluções requerem alterações da organização (Kaas, 1. uma região definível do cérebro, associada a alguma função específica, pode

2005). Os cérebros podem aumentar em tamanho, mas os neurónios não; daí que tornar-se maior ou mais pequena comparada com o tamanho global do cérebro

o número de neurónios deve aumentar nos grandes cérebros. Ora, esta questão ou com o tamanho de uma outra região específica;

conduz-nos ao designado “problema de conexão”: para que os grandes cérebros


2. uma região funcional do cérebro pode mudar de função ou de posição;
funcionem como os pequenos, a sua rede neuronal deverá manter conexões com
a mesma proporção da dos cérebros mais pequenos. No entanto, dado que 3. podem-se desenvolver novos campos funcionais em associação com novas
existem mais neurónios nos cérebros maiores, isso requer um maior número de competências cognitivas.
conexões para cada neurónio, levando a que cada vez mais partes do cérebro
estejam ocupadas com conexões em vez de estarem com neurónios, o que não é Qualquer uma destas alterações pode manifestar-se quer no plano anatómico,
muito sustentável. Os cérebros maiores também requerem conexões mais longas, quer no plano histológico (Figura 7).
o que ocupará mais espaço.
9. Reorganização associada ao bipedismo
Ou seja, para os cérebros se tornarem maiores é necessário que se organizem de
maneira diferente da organização dos cérebros mais pequenos. De acordo com Holloway (1970), muito embora a evolução do bipedismo não
tenha sido acompanhada por um significativo aumento do volume do cérebro, o
A este propósito Kaas (2005) identificou várias soluções para o problema da facto de o corpo se ter reorganizado para assumir a posição bípede, deverá ter
conexão que foram usadas pelos mamíferos progressivamente encefalizados implicado também uma reorganização do cérebro. Se em termos muito gerais não
incluindo, especialmente, os humanos. Uma solução é aumentar o número de são evidentes grandes diferenças anatómicas entre os primatas bípedes
áreas de processamento, concentrando os neurónios que necessitam de manter (hominídeos) e os quadrúpedes, pequenas diferenças, nomeadamente na
conexões funcionais e reduzindo a distância entre eles. Oura solução é manter as representação somatotópica da mão e do pé, são de esperar, muito embora ainda
áreas funcionalmente relacionadas mais próximas, já que as regiões funcionais não haja provas extensivas disso. Os únicos estudos que nos elucidam quanto a
estão mais intensamente conectadas com as regiões com funções relacionadas. esta questão são os de neuroimagem funcional que apontam para a importância
Por fim, a especialização hemisférica reduz a distância entre regiões das áreas visuais do cérebro na marcha bípede. Esta importância reside no facto

42
de a locomoção se ter acompanhada de alterações na organização das estruturas límbicas,
transformado numa nomeadamente: possível evolução da lateralidade funcional no hipocampo e na
atividade visual e no facto amígdala; alterações na representação proporcional dos diferentes núcleos da
de as alterações nos amígdala e o aparecimento de novos tipos de células combinado com o aumento
hábitos de locomoção do volume da circunvolução cingulada anterior nos humanos.
serem tão profundas quanto
a mudança da marcha O sistema límbico pode ser primitivo em termos evolucionistas, mas isso não

quadrúpede para a bípede significa que tenha sido uma parte estática nas alterações dinâmicas que o

que terá implicado uma cérebro do hominídeo sofreu ao longo dos últimos 5 milhões de anos.

organização funcional dos


11. Reorganização dos lobos frontais
córtices visuais primário e
Figura 7. Padrões de evolução das regiões cerebrais
de associação.
A questão da reorganização dos lobos frontais ao longo da evolução dos

Esta área do estudo ainda está pouco desenvolvida sendo necessária mais hominídeos tem sido controversa. Por um lado, as espetaculares capacidades

estudos para se retirarem conclusões com mais suporte empírico. cognitivas dos humanos foram atribuídas a um crescimento desproporcionado
dos lobos frontais ao longo da evolução (ver, por exemplo, Deacon, 1997;
10. Reorganização límbica: hipocampo, amígdala e córtice Holloway, 1968; Zilles et al., 1988). Esta proposta baseou-se, primariamente, na
comparação entre cérebros humanos e de outros primatas, com a exclusão dos
cingulado anterior
grandes símios. Por outro lado, alguns autores (por exemplo, Semendeferi et al.,

De acordo com Manns e Eichenbaum (2006) o hipocampo é uma estrutura muito 2002) ao compararem os córtices frontais das espécies vivas de vários primatas,

conservada nos mamíferos, mesmo considerando a variabilidade da sua posição incluindo todos os hominóides existentes, verificaram que esses córtices nos

relativa no encéfalo. Na verdade, o seu tamanho relativo comparado com o humanos não eram desproporcionalmente maiores quando comparados com os

tamanho global do cérebro é quase sempre constante nas diferentes espécies de dos grandes símios.

mamíferos. Este dado é, no mínimo, surpreendente dada a importância do papel


O que parece ser consensual é o facto de os humanos apresentarem um córtice
do hipocampo na integração da informação advinda de diferentes partes do
frontal maior do que os restantes primatas (humanos – 239-330 cm3; grandes
cérebro. Ora, acontece que a par destes dados existem outros, de natureza
símios – 50-117 cm3). No entanto, o córtice frontal humano não é maior do que o
neuro-ecológica, que sugerem que também existe uma grande variabilidade de
esperado para um cérebro de um primata com o tamanho de um humano.
tamanho na evolução desta estrutura.
Quando se procede à regressão do volume do córtice frontal humano com o

Os estudos de neuroimagem funcional dos processos emocionais têm servido volume da totalidade do hemisfério e se desenha a linha de melhor ajuste de

para esclarecer a natureza integrativa do “cérebro emocional” e outras partes do todos os primatas não humanos, os valores observados para os humanos não

cérebro envolvidas em funções cognitivas superiores. A evolução das são superiores ao intervalo predizível (Figura 8).

capacidades cognitivas superiores ao longo da evolução hominídea foi

43
Considerando que o tamanho relativo dos lobos frontais é similar entre os Desta forma, o que é atualmente consensual é a consideração de que as
grandes símios e os humanos, alguns investigadores tentaram verificar se alguma capacidades cognitivas especiais atribuídas a uma vantagem frontal poderão
região dos lobos frontais terá tido um aumento de volume ao longo da evolução. dever-se a diferenças nas áreas corticais individuais e a uma interconectividade
Os mesmos autores (Semendeferi et al., 2001) mas num outro estudo verificaram mais rica. Nenhuma destas condições requer, por si, um aumento do tamanho
que a área 10 de Brodmann, localizada na parte mais anterior da região pré- global do lobo frontal ao longo da evolução dos hominídeos.
frontal e ligada às capacidades cognitivas mais avançadas, apresentava quase o
dobro do tamanho nos humanos, quando comparada com a dos outros primatas. Finalmente, resta uma questão de mais difícil resposta: será que os seres

Esta constatação foi interpretada como sendo a organização funcional que sofre humanos já atingiram o desenvolvimento máximo do volume dos seus cérebros?

uma grande alteração e não, propriamente, a anatomia do cérebro. Essa alteração Muito embora não haja uma resposta definitiva para a questão, algumas

organizacional ter-se-á traduzido por um aumento relativo das áreas de considerações se poderão tecer, nomeadamente em razão dos “custos” do

associação multimodal nas partes anteriores e posteriores do cérebro, aumento do tamanho absoluto do cérebro. O cérebro é um órgão

acompanhada de um aumento relativo da substância branca. metabolicamente muito dispendioso (Aiello & Wheeler, 1995), dispêndio que
deverá ser pago ou melhorando a qualidade da dieta ou diminuindo outros gastos
energéticos.

Para além disso, os recém-nascidos humanos não podem aumentar muito mais o
tamanho do cérebro se tiverem de continuar a passar pela cavidade pélvica
limitada das suas mães, como bem salientava Rosenberg, em 1992. Por fim, a
diminuição da densidade conexional, que é consequência do aumento de volume
do cérebro (esta diminuição da densidade conexial é correlativa da necessidade
Córtice frontal (log 10)

da organização medular em termos estruturais e funcionais), impõe sérios custos


computacionais. Um desses custos tem que ver com o facto de os dois
hemisférios cerebrais tenderem a tornar-se funcionalmente mais independentes
(Figura 9).

Humano
É certo que isso já aconteceu em certa medida, provável razão para a assimetria
Primata não humano
hemisférica a qual, em si, é vantajosa porque diminui a redundância, mas também
é desvantajosa porque torna os cérebros humanos invulgarmente vulneráveis às
lesões cerebrais. Isto, sobretudo, porque os “sistemas de backup” têm de ser
Hemisférios menos o córtice frontal (log 10)
! removidos.

Figura 8. Gráfico logarítmico do volume do córtice frontal e do volume total dos hemisférios menos
De uma maneira geral, estes diversos custos do aumento do volume do cérebro
o córtice frontal (adaptado de Semendeferi et al., 2002)
ajudam a explicar a razão porque o tamanho dos cérebros dos hominídeos atingiu

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um patamar sem evolução relevante pelo menos há 180.000 anos (ver Figura 3), Mesmo assim, o estudo da evolução do cérebro e da estruturação do seu
embora os relevos deixados pelo cérebro no interior do osso frontal façam “design” pela seleção natural continua a ser uma fonte primordial para o
suspeitar de pressões evolutivas do córtice pré-frontal. conhecimento da emergência da mente. Por exemplo, as partes do nosso cérebro
ligadas à visão são relativamente maiores do que as que estão ligadas ao olfacto,
Convém, para sintetizar, dizer que esta variável ligada ao aumento do tamanho que são relativamente pequenas.
absoluto do cérebro não capta ou explica toda a variação que se verificou no
cérebro. Por exemplo, a origem evolutiva do neocórtice dos mamíferos não é Por isso, Steele (1999) designou os seres humanos como “animais de visão”. Para
explicável em termos de além disso, ao longo da evolução, o cérebro desenvolveu, como vimos atrás, uma
qualquer alteração do relativamente grande camada cortical, onde a maior parte das chamadas funções
tamanho absoluto do “superiores” ocorrem. Isto é, para além de “animais de visão” os seres humanos
cérebro. são também “animais pensantes”.

12. Emergência da Em conjunto com estes desenvolvimentos evolutivos, também outros ocorreram.
Por exemplo, a capacidade de, quando em vigília, os seres humanos se
mente
manterem continua e vivamente conscientes do que ocorre no seu ambiente, de

A evolução parece ser, de relembrar os acontecimentos passados, de “falarem” com eles próprios sobre

facto, a chave para a isso e sobre o significado que esses acontecimentos podem ter para o seu futuro.

emergência da mente. A Foi a esta capacidade que Ehrlich (2000) designou por “consciência intensa”, que

grande expressão do cérebro é o correlato da autoconsciência. Ter consciência é aqui entendido como a

dos hominídeos, revelada capacidade de alguns animais, incluindo o Homem, de terem, quando em vigília,

através de fósseis, criou representações mentais em tempo real de acontecimentos que lhes acontecem

m e n t e s c o m s u fic i e n t e ou que são percebidos por eles. Mas ter autoconsciência parece ser apanágio
Figura 9. Escala do corpo caloso nos primatas: à medida
capacidade de apenas nos seres humanos e ser central para a sua natureza.
que o neocórtice aumenta em termos de área, o mesmo
acontece com o corpo caloso; no entanto, à medida que o armazenamento para que
Qual a vantagem selectiva deste tipo de consciência? Desde logo, ajuda os seres
neocórtice aumenta de área vai perdendo conexões com o cada indivíduo pudesse
corpo caloso (adaptado de Riling & Insel, 1999) humanos a moverem-se numa sociedade complexa, em que cada indivíduo é, ele
desenvolver um self
próprio, autoconsciente. Mas também permite a planificação sem a necessária
individual capaz de reflectir
ação e a consideração de que também outros indivíduos estão planificando, de
sobre uma história de vida gradualmente armazenada. Ora, este facto, deu a cada
acordo com o mesmo tipo de princípios.
ser humano uma natureza distinta. Mesmo assim, o cérebro não é a única fonte
das naturezas individualizadas. Também a evolução das capacidades desse A sua emergência na linha hominídea parece ter sido pressionada, sobretudo,
cérebro para comunicar informação detalhada permitiu a cada agrupamento de pela necessidade de aumentar o tamanho dos grupos (Dunbar, 1998),
seres humanos evoluir enquanto grupo, também com uma natureza diferente. especialmente pela complexidade de padrões de contactos sociais dentro de

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grupos e com outros grupos de hominídeos. Deste modo, os comportamentos mentais” é uma outra característica distintiva, entendida como a probabilidade
foram formatados pelo cérebro em crescimento e pela mente em evolução. de, espontaneamente, converter qualquer experiência sensorial, real ou
imaginária, num símbolo. Finalmente, apenas os humanos parecem ser capazes
Da evolução do cérebro é hoje consensual que este é um órgão que, como os de se envolverem em pensamentos abstratos.
outros órgãos, (1) desenvolveu uma estrutura que serve para várias funções e (2)
pode compensar lesões parciais, mas, além disso, (3) tem vários “programas” – Todas estas características decorreram de uma transformação grande, a maior
conjuntos conectados de neurónios – que foram sendo constituídos ao longo de parte dela ocorrida durante um espaço de tempo relativamente curto da história
centenas de milhões de anos de seleção natural; (4) alguns dos quais se evolutiva, com particular incidência entre uns 700-800000 anos e uns 200000
desenvolveram mais recentemente para permitir a resolução de problemas anos atrás, ou pouco mais, quando o volume cerebral começou a estabilizar-se.
relacionais que são difíceis ou impossíveis de resolver para outros animais; mas No entanto, o salto tecnológico que se evidencia na profusão de utensílios, armas
(5) apesar de a seleção natural ter conduzido à emergência de capacidades pela e, até, nas manifestações artísticas, ocorrido há cerca de 40000 anos, sugere que
criação de genótipos apropriados, também são necessários ambientes o cérebro terá continuado a desenvolver-se pelo menos até essa altura. Mas o
apropriados (quer internos, quer externos) para produzirem as características modo como estas características humanas foram particularmente organizadas na
comportamentais observadas; e, além disso, (6) o código genético não constituiu estrutura do cérebro ainda permanece numa zona de obscuridade. Sobretudo
instruções específicas na estrutura cerebral para lidar com todas as situações porque, mantendo os humanos em comum com os outros primatas a organização
comportamentais concebíveis ou, pelo menos, para um grande número delas. geral do córtice cerebral, diferindo apenas no tamanho relativo de algumas
regiões particulares e no modo como essas regiões se interconectam, este facto
13. Síntese sobre a mente humana torna ainda mais intrigante as razões que levaram à produção de pensamentos
que não têm nenhum análogo em todo o reino animal.
Apesar de os humanos partilharem uma grande quantidade de genes com os
chimpanzés (as estimativas actuais apontam para um grau de semelhança de 95 Mesmo possuindo algumas características partilhadas com os humanos, os
a mais de 99%, dependendo do critério de comparação genética), os estudos outros primatas têm capacidades limitadas nessas características. Por exemplo,
sugeriram que pequenas mudanças genéticas que ocorreram na linhagem na construção e utilização de instrumentos e utensílios: enquanto os humanos os
hominídea desde a sua separação da linhagem dos chimpanzés produziram fabricam e utilizam de formas muito complexas, os outros primatas não
diferenças substanciais na capacidade computacional do cérebro. conseguem produzir utensílios senão de um único material, desenhá-los para
uma única função e nunca os utilizar para outras funções.
Desde logo, a chamada “computação generativa” que é a capacidade para criar
uma variedade virtualmente ilimitada de “expressões”, sejam arranjos de palavras, Outro exemplo, muito intrigante, prende-se com a capacidade de os humanos
sequências de notas, combinações de ações ou cadeias de símbolos utilizarem operações recursivas em praticamente todos os aspectos da sua vida
matemáticos. Depois, a designada capacidade para a “combinação promíscua de mental. Ora os únicos lampejos da recursão nos animais estão confinados à
ideias” entendida como a capacidade para, de forma rotineira, ligar pensamentos ação do seu sistema motor. Com efeito, no sistema mental dos primatas não
de diferentes domínios do conhecimento, permitindo a compreensão da arte, do humanos, este sistema recursivo está confinado às regiões motoras e a sua
sexo, do espaço, da causalidade e da amizade. Também o uso de “símbolos existência sugere que o passo evolutivo crítico que conduziu a esta grande

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diferença entre os humanos e os outros primatas não foi a evolução da própria Daly, M. & Wilson, M. (1984). A sociobiological analysis of human infanticide. In G. Hausfater & S.

recursão como uma nova forma de computação, mas sim a libertação da Hrdy (Eds.), Infanticide: Comparative and evolucionary perspectives (487‐502). New York,
Aldine.
recursão da sua prisão motora, expandindo-se para outros domínios do
pensamento. de Beer, G. (1958). Embryos and ancestors, 3rd ed. Oxford: Oxford University Press.

Este facto evolutivo cujas raízes, como disse, desconhecemos em pormenor, terá Deacon, T. (1990). Rethinking mammalian brain evolution. American Zoologist, 30, 629705.

fornecido às nossas mentes únicas as suas capacidades totais? Claro que não. Deacon, T. (1997). The symbolic species. The co-evolution of language and the human brain.
Há limitações significativas na nossa capacidade para imaginar alternativas. London: Penguin.
Dificilmente conseguimos pensar fora do nosso quadro mental. Do mesmo modo
Dunbar, R. (1998). The social brain hypothesis. Evolutionary Anthropology, 6, 178190.
que os chimpanzés não conseguem imaginar o que é ser humano, também os
humanos não conseguem imaginar o que é ser um alien inteligente. Sempre que o Ehrlich, P. (2000). Human Natures. Genes, cultures, and the human prospect. New York: Penguin.

tentamos, encontramo-nos aprisionados dentro da “caixa forte” que é a mente Fifer, F. (1987). The adoption of bipedalism by hominids: A new hypothesis. Human Evolution, 2,
humana. A única maneira de o conseguir é através da evolução; isto é, através da 135137.
remodelação revolucionária do nosso genoma e do seu potencial para criar novas
Frahm, H. D., Stephan, H., et al. (1982). Comparison of brain structure volumes in Insectivora and
conexões neuronais, bem como novas estruturas. Se isto ocorrer, então
Primates. I. Neocortex. J Hirnforsch, 23(4), 375389.
poderemos ter uma mente nova, diferente desta que nos ocupou aqui, mas
veremos se o cérebro que dotou a humanidade de uma capacidade ímpar para Garstang, W. (1922). The theory of recapitulation: A critical re-statement of the biogenetic law.
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agir em todos os habitats terrestres e para os modificar a seu proveito imediato,
bem como de uma tecnologia capaz de devastar várias vezes o planeta, na falta Gould, S. J. & Vrba, E. S. (1982). Expatiation: A missing term in the science of form. Paleobiology,
de inibições biológicas contra a sua utilização, não conduz, primeiro, à 8, 4-15.

autodestruição da espécie.
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