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Neurociência

e Psicologia
Aplicada
módulo 1

Sensação e
Percepção

Universidade Presbiteriana

01
Universidade Presbiteriana

Trilha 01 Sensação e seus princípios básicos


Sumário

1 Apresentação do componente curricular p. 4


2 Introdução ao estudo da trilha de aprendizagem p. 6
3 Explorando os conceitos - parte 1 p. 7
4 Explorando os conceitos - parte 2 p. 10
5 Síntese p. 20
6 Referências p. 22
4
Apresentação do
componente curricular

Neste componente, aprenderemos sobre os processos


de sensação e percepção, ou seja, como o sistema
nervoso capta e transforma diferentes tipos de energia
do ambiente externo e interno em impulso nervoso
(sensação), e como esta informação sensorial é organizada
e interpretada (percepção), nos permitindo identificar
objetos e eventos relevantes, assim como perceber um
mundo completo e dotado de sentido (MYERS & DEWALL,
2017). Esse tema será discorrido em detalhe ao longo de 8
trilhas, nas quais abordaremos:

• trilha 1 – “Sensação e seus princípios básicos”,


como limiares e adaptação sensorial, quantos sentidos
temos e o que são os receptores sensoriais;
• trilha 2 – “Sistema visual”, em que será abordada
a natureza da luz, a estrutura do olho, as células
fotorreceptoras localizadas na retina, as vias centrais que
levam a informação captada na retina até o encéfalo para
ser processado no tronco encefálico e cérebro, quais
as áreas do cérebro responsáveis pelo processamento
visual e como ocorrem alguns dos distúrbios visuais;
• trilha 3 – “Sistema auditivo e vestibular”, em
que abordaremos o que é som, a estrutura do ouvido
externo, médio e interno, as células ciliadas responsáveis
pela captação do som, as vias centrais que levam a
informação da cóclea para o encéfalo, a área do cérebro
responsável pela audição, distúrbios auditivos. Além
disso, falaremos do sistema vestibular, com seus canais
semicirculares e os órgãos otolíticos (utrículo e sáculo),
as células ciliadas e os processos associados a esse
sistema, como equilíbrio e posição da cabeça;
5 • trilha 4 – “Sistema somatossensorial”, onde
apresentaremos os mecanorreceptores da pele
responsáveis pelo tato, as vias centrais da informação
tátil (do receptor até o encéfalo), as regiões do cérebro
responsáveis pelo tato, os processos de captação da dor
e seus nociceptores, as vias centrais da dor (do receptor
até o encéfalo), as vias de regulação da dor, e a captação
de temperatura no corpo e seus termorreceptores;
• trilha 5 – “Sentidos químicos”, onde vamos
apresentar a gustação (paladar) e o olfato. Na gustação,
falaremos sobre os sabores básicos, os órgãos de
gustação e as células receptoras gustatórias e as vias
centrais da gustação do receptor ao encéfalo. No olfato,
vamos mostrar o órgão do olfato, as células receptoras
olfatórias e as vias centrais do receptor ao encéfalo;
• trilha 6 – “Percepção: atenção e ilusão”, onde
vamos abordar como a percepção age e quais suas
principais funções, a relação da percepção com a
atenção e memória, o conjunto perceptivo e como a
percepção é influenciada pela motivação, pelas emoções
e pelo contexto;
• trilha 7 – “Organização perceptiva”, em que
apresentaremos os processos pelo quais percebemos
forma, profundidade e movimento;
• trilha 8 – “Interpretação perceptiva e interação
sensorial”, em que serão abordados os últimos
conceitos da percepção, como experiência e adaptação
perceptiva, integração multissensorial e cognição
incorporada.

Tenha em vista que apresentaremos muitos dos conceitos


deste componente de modo mais superficial. Sugerimos a
leitura dos livros básicos nas referências bibliográficas deste
curso, caso você queira se aprofundar em alguns dos temas
da sensação ou percepção aqui abordados.
6
Introdução ao
estudo da trilha de
aprendizagem

Na primeira trilha, vamos apresentar o conceito de sensação


e percepção e alguns dos princípios básicos nesse tema,
como: o que é transdução, o que são processos top-down
(ou, de cima pra baixo) e bottom-up (ou, de baixo pra cima), o
que são limiares sensoriais absoluto e diferencial, o que diz a
Lei de Weber, o que são processos subliminares e qual área
da psicologia estuda todos esses tópicos aqui apresentados.
Também vamos discutir se temos realmente apenas os cinco
sentidos básicos, o que são células receptoras sensoriais e
quais seus tipos principais.

Ao final dessa trilha, você estará apto a entender como a


energia do ambiente externo ou interno (ou seja, dentro
de nosso corpo) é “traduzida” para o idioma do sistema
nervoso central, isto é, impulsos nervosos. Além disso,
você conhecerá quem são as células responsáveis por esta
função. Estes tópicos servirão para as próximas quatro
trilhas, nas quais você conhecerá mais a fundo como cada
um dos principais sentidos (visão, audição, etc.) processa
os diferentes tipos de energia do ambiente, e como essa
informação captada nas células receptoras é dirigida para
o sistema nervoso central e seu principal órgão, o cérebro.
Além disso, você conhecerá alguns processos sensoriais
básicos e saberá explicar como funcionam os processos
denominados subliminares.
7
Explorando os
conceitos - parte 1

Antes de começar este tópico, vamos fazer um exercício.


Quero que você olhe ao seu redor e perceba o ambiente onde
você está. Perceba o computador na sua frente, seu corpo
apoiado na cadeira ou cama, o cheiro do ambiente. Passe um
pouco a língua pela boca e tente sentir algum sabor. Agora
sinta internamente seu corpo, tente focar nos músculos das
costas e perceba se existe alguma tensão. Esse exercício nos
permite identificar como, a todo instante, construímos uma
percepção integrada e coesa da realidade ao nosso redor,
percebemos o mundo como dotado de entidades e objetos, e
sempre de forma automática e imediata.

Entretanto, por mais que sentir e perceber o mundo seja algo


absolutamente natural, por muito um longo tempo na história
da civilização não tínhamos a noção sobre o que exatamente
estaríamos captando do mundo ou como tomamos
conhecimento sobre este mundo. Muitas foram as discussões
ao longo da história da filosofia, desde os gregos como
Platão e Aristóteles, até os filósofos europeus nos séculos
subsequentes, estendendo a discussão que questiona se
o conhecimento sobre o mundo era realmente algo inato
(corrente chamada de inatista, onde já nasceríamos com
ideias e representações sobre a realidade) ou adquirido pela
experiência (empiristas, ou seja, nasceríamos como uma folha
em branco e aprenderíamos com nossas vivências). E você,
saberia responder o que estamos captando quando olhamos
ou ouvimos? E alguma vez já imaginou como nosso sistema
nervoso elabora o conhecimento sobre nosso mundo?

Se você falou que vemos a luz e ouvimos o som, está correto.


Nos últimos dois séculos, o advento de descobertas em áreas
como a física, a biologia, a química, a medicina e a psicologia
8 nos permitiu compreender como captamos diferentes tipos
de energia propagadas em um meio, como a luz (energia
eletromagnética), as ondas sonoras ou pressão na pele
(energia mecânica propagada por um meio) ou as moléculas
presentes nos alimentos e no ar (energia química).

Além disso, descobrimos que o corpo humano é formado


por trilhões de células com diferentes especialidades, e
que podem ser organizadas em tecidos e órgãos divididos
em subsistemas de acordo com suas funções. Um desses
sistemas é o sistema nervoso, constituído por células
nervosas e células da glia, responsável por processar
informações do ambiente, gerar comportamentos e coordenar
as mais diversas funções do organismo essenciais à sua
sobrevivência.

Figura 1 - Sistema
nervoso central e
periférico do corpo
humano. Fonte:
BEAR; CONNORS;
PARADISO (2017, p.
8).
9 Algumas das células do sistema nervoso responsáveis por
receber informações do ambiente foram denominadas
de células receptoras sensoriais, sendo consideradas
células similares aos neurônios, porém especializadas
em “traduzir” a energia captada do meio em um impulso
nervoso (ou, potencial de ação). Este processo, em que algum
estímulo do ambiente externo ou interno gera uma resposta
elétrica numa célula receptora, é chamado de transdução
(BEAR; CONNORS; PARADISO, 2017), sendo realizado
em cada receptor. A partir da transdução, os impulsos
nervosos fluem para o encéfalo, onde então são integrados,
organizados e interpretados em uma realidade coesa e
organizada, exceto quando temos algum tipo de transtorno,
como alguma deficiência sensorial.

! É importante falar que células receptoras são células


similares aos neurônios, mas alguns neurocientistas não
consideram estas células como neurônios propriamente
ditos. Isto ocorre pois muitas se comunicam com neurônios
do sistema nervoso por meio de neurotransmissores e
sinapses químicas, exatamente como neurônios. Contudo,
células receptoras usualmente não têm potencial de ação,
mas apenas variação no potencial de membrana, chamado
de potencial do receptor.
10
Explorando os
conceitos - parte 2

Transdução, sensação e percepção

Retomando, agora você entendeu que captamos energia


do ambiente e que esta é convertida em atividade elétrica
“compreensível” ao sistema nervoso por um processo
chamado de transdução, e que esses impulsos são
organizados e interpretados por bilhões de neurônios no
sistema nervoso central. A primeira parte de captação e
... É importante transdução é denominada na neurociência como sensação¸
ressaltar que as enquanto a organização e interpretação da informação
definições aqui
sensorial no sistema nervoso central é chamada de
citadas são aplicadas
para a neurociência
percepção (MYERS & DEWALL, 2017).
e psicologia. Os
mesmos termos Processos bottom-up e top-down
podem ter outros
sentidos na filosofia. Na neurociência, compreendemos que a informação captada
do meio é enviada para o sistema nervoso central (SNC) para
ser interpretada, e este processamento no SNC se dá em
níveis crescentes de complexidade. Ou seja, usualmente,
os primeiros núcleos localizados ainda em nível medular ou
do tronco encefálico interpretam informações básicas e, às
vezes, elaboram reações comportamentais simples.

+ Um núcleo é uma região no SNC com substância cinzenta,


ou seja, com neurônios. Esses núcleos, formados por
milhões de neurônios, recebem informações da periferia e
são também chamados de estações de retransmissão, pois
processam informações sensoriais e enviam informação em
direção ao encéfalo (KANDEL et al., 2014).

Após os núcleos (estações de retransmissão), a informação


sensorial segue para o cérebro, responsável pelo
11 processamento mais complexo e elaborado da informação
sensorial, organizando e interpretando estas informações
(ou seja, percepção) e integrando-as com outros processos
complexos, como o pensamento, a linguagem e a consciência.
As informações que seguem de níveis mais básicos em
direção a níveis mais complexos, e que muitas vezes os
influenciam, chamamos de processos bottom-up (ou de
baixo para cima) (MYERS & DEWALL, 2017).

Além de a informação fluir para o cérebro, existem muitas


vias recursivas, ou seja, de retroalimentação (ou feedback),
de modo que a informação processada nesses centros
superiores do encéfalo influencia os processos de outros
núcleos no encéfalo associados a processos mais iniciais. As
informações de nível complexo que modulam as informações
mais básicas, chamamos de processos top-down (MYERS &
DEWALL; 2017; BEAR; CONNORS; PARADISO, 2017).

Um exemplo dessa interpretação da informação em um nível


muito simples e inicial é o reflexo que temos ao pisarmos, sem
percebermos, em espinho e quase imediatamente retrairmos
a perna. Uma vez que tomamos o susto, rapidamente nos
tornamos conscientes e alertas de que algo não ocorreu como
esperado, e nossa atenção se dirige para a solução desse
problema. Esse é um claro exemplo de um processo bottom-
up, no qual um estímulo de alta saliência (ou seja, um
estímulo que chama a atenção) influencia e orienta processos
de alto grau de complexidade (como a consciência).

De forma análoga, caso estivéssemos entrando em um


local estranho, como uma mata desconhecida e escura,
rapidamente nossas expectativas de algum perigo em um
ambiente desconhecido (após vermos tantos filmes de terror,
o que você esperaria?) nos deixariam mais alertas. Caso
você pisasse no mesmo espinho, seu reflexo de retração da
perna seria muito maior, uma vez que a expectativa e alerta
consciente influenciaria o comportamento reflexo. Este é
um exemplo de processo top-down. Um outro exemplo de
processo top-down é quando assistimos a um filme triste,
12 mas conscientemente nos confortamos pensando que “é
apenas um filme” para tentar diminuir seu impacto emocional.

Psicofísica: Limiares sensoriais

Um tópico de grande interesse para a psicologia, que remonta


ainda ao início desta disciplina no século XIX, é o estudo
de como características físicas de um estímulo influenciam
nossos processos psicológicos tais como, por exemplo,
nossa percepção. A disciplina responsável por esse estudo
é a psicofísica (MYERS & DEWALL, 2017). As investigações
realizadas ao longo do último século nos trouxeram algumas
revelações sobre padrões (ou “leis”) da percepção.

Uma dessas descobertas é que nossos sentidos têm um


! Esses valores são limite de captação para estímulos sensoriais – humanos
aproximados e saudáveis só percebem, por exemplo, uma faixa de
isso pode variar frequências de ondas sonoras (entre 20 e 20.000 Hertz) e
de acordo com
de ondas luminosas (entre 400 e 700 nanômetros) (BEAR;
diferentes níveis de
acuidade entre as CONNORS; PARADISO, 2017). Outros animais conseguem
pessoas. Além disso, enxergar ou ouvir frequências de som (cachorros conseguem
algumas deficiências escutar frequências inaudíveis ao ouvido humano) ou luz
podem alterar essa diferentes (abelhas têm visão em ultravioleta).
faixa de percepção.

Outra descoberta é que captamos estímulos (como toque,


um ponto de luz ou um som) a partir de um limite mínimo
em seu nível de intensidade, chamado de limiar (ou limite)
absoluto, descoberto por Gustav Fechner, um dos principais
nomes entre os primeiros psicólogos experimentais. O limiar
absoluto é o nível mínimo de intensidade de um estímulo
(ex.: luz, cheiro, sabor, som ou pressão na pele) para uma
pessoa detectá-lo em 50% das vezes (MYERS & DEWALL,
2017). O limiar absoluto de uma pessoa é descoberto por
meio de sua exposição a diferentes intensidades de um
estímulo, verificando de forma proximal qual o limiar em que
ele detectou um estímulo em pelo menos 50% das vezes.
Por exemplo, um especialista em audição exporia cada
ouvido seu a sons de intensidades variadas, diversas vezes,
investigando em quais vezes você os detectaria corretamente
13 ou não, até identificar um nível que represente onde você
tenha detectado 50% das vezes, e em outros 50% das vezes
que você não detectou, como representado na figura 2. O
limiar absoluto de uma pessoa pode mudar em função de sua
idade, ou mesmo de processos correntes como experiência,
demanda atencional, expectativa ou fadiga. A teoria da
detecção de sinais é uma área de estudos da psicofísica que
busca compreender como e quando detectamos um estímulo
(sinal) em meio a outros estímulos (ruído).

Os estímulos abaixo do limiar absoluto são denominados


estímulos subliminares. Por muito tempo, acreditou-
se que os estímulos subliminares poderiam influenciar
o comportamento, como fazer pessoas consumirem
mais pipoca ou refrigerante caso elas fossem expostas a
estímulos visuais muito rápidos (poucos milissegundos)
desses produtos. Este processo tem sido chamado de
persuasão subliminar, em que se acredita que o estímulo
subliminar poderia fazer persuadir alguém a fazer algo ou
mudar de comportamento. Na verdade, vários estudos
têm demonstrado que estímulos subliminares podem
influenciar o comportamento, possivelmente por meio de
priming (também chamado de pré-ativação), pelo qual a
percepção de um estímulo (ex.: imagem ou som) facilita a
subsequente ativação de memórias, percepções, afetos ou
comportamentos associados com o estímulo precedente
(MYERS & DEWALL, 2017).

Contudo, enquanto alguns estudos têm identificado efeitos


subliminares na cognição e no comportamento, outros
estudos não têm conseguido replicar os mesmos resultados.
Em alguns desses casos, é possível estarmos diante de
experimentos com “falsos positivos”, ou seja, essas pesquisas
identificaram efeitos em certa ocasião, porém não conseguem
ser replicados posteriormente, como tem ocorrido em
alguns experimentos com efeito priming (RAMSCAR, 2016;
LOERSCH & PAYNE, 2016). Mesmo com a chamada “crise da
replicabilidade”, alguns experimentos com priming têm sido
replicados com sucesso. Além disso, por mais que o estímulo
14 subliminar possa influenciar a cognição ou comportamento
de forma sutil e passageira por meio do efeito priming, não
existe prova alguma que o estímulo subliminar pode persuadir
alguém a fazer algo que não seja do seu interesse, ou que
tenha efeito forte e duradouro (MYERS & DEWALL, 2017).

O priming subliminar – lembrando que o priming pode


ocorrer também com estímulos supraliminares, ou seja,
acima do limiar absoluto – é um exemplo de como boa
parte das informações processadas no SNC não chegam
necessariamente ao nível da consciência, ocorrendo em
um nível automático e não-consciente. Um exemplo desse
processo é a própria percepção, que forma uma construção
completa e relativamente precisa da realidade, de forma
rápida, automática e sem qualquer esforço.
Figura 2 -
Representação
gráfica de uma curva
de detecção de um
estímulo. Observa-
se que quanto maior
a intensidade, mais
provável a detecção
do estímulo. O limiar
absoluto é o ponto
de detecção em 50%
dos casos. Fonte:
MYERS & DEWALL
(2017, p. 189).

Além do limite absoluto, cientistas investigaram também um


outro fenômeno: qual seria a diferença mínima no nível de
intensidade entre dois estímulos para poder ser percebido
por uma pessoa? Por exemplo, qual seria a diferença mínima
entre dois pesos para alguém perceber? O limiar diferencial
(ou diferença apenas perceptível) é a diferença mínima entre
dois estímulos detectada em 50% das vezes. Por exemplo, é
possível testar isso na audição apresentando pares de sons
de variadas intensidades, registrando em quais diferenças
a pessoa percebeu corretamente ou não. Uma descoberta
interessante nesse tema foi feita no começo do século XIX
15 por Ernst Weber, considerado um dos primeiros psicólogos
experimentais (ainda anterior à Gustav Fechner!). Weber
percebeu que a diferença entre dois estímulos não segue
+ Por exemplo, se uma quantidade constante, mas uma proporção constante.
um peso tem 1 kg, Por exemplo, a distinção entre dois pontos de luz é percebida
outro peso deveria
em média quando estas variam 8% em sua intensidade.
ter aproximados 20
gramas de diferença Dois tons são percebidos geralmente quando variam em
para ser percebido. aproximados 0,3%. E dois pesos são usualmente percebidos
Agora, se o peso quando se distinguem em 2%. Esta descoberta de Weber foi
tem 10 Kg, seria denominada (por Fechner) de Lei de Weber, segundo a qual
necessário outro
dois estímulos devem diferir em uma proporção mínima para
com uma diferença
serem percebidos como distintos.
de 200 gramas para
ser perceptível como
distinto. Adaptação sensorial

Um outro tópico em sensação é a chamada adaptação


sensorial. Você já se pegou algum dia tateando seus bolsos
para confirmar se seu celular ou carteira estava realmente lá?
Fazemos isso devido ao processo de adaptação sensorial,
que é a diminuição de nossa sensibilidade a estímulos
constantes. Isso ocorre como uma sábia adaptação de nosso
organismo – se um estímulo é constante e não é de nosso
interesse, simplesmente paramos de percebê-lo, permitindo
assim que outros estímulos mais relevantes ou novos
ocupem nossa atenção. Por isso, pessoas que trabalham
em ambientes com odores desagradáveis se tornam
relativamente insensíveis a esse estímulo após um tempo,
ou não sentimos as regiões de nosso corpo que estão em
contato com a cadeira ou banco onde estamos sentados. O
mesmo aconteceria com nossa visão, caso pudéssemos fixar
em algum objeto por muito tempo. Após alguns segundos, as
imagens começariam a desvanecer. Isso não ocorre devido a
movimentos rápidos e curtos que fazemos automaticamente
com os olhos, chamados movimentos microsacádicos.

Quantos sentidos temos?

Agora que já sabemos o que é sensação e exploramos alguns


dos tópicos nesse tema, ainda falta responder uma questão
16 importante: quantos sentidos temos? Aristóteles foi um dos
primeiros a definir os cinco sentidos clássicos como os
conhecemos ainda hoje, cada um ligado a órgãos específicos
do corpo: visão/olho, audição/ouvido, tato/pele, gustação/
língua, olfato/nariz. Contudo, agora compreendemos que
os sentidos surgem da atividade de células receptoras
distribuídas pelo corpo, responsáveis pelos cinco sentidos
de Aristóteles e mais tantos outros não conhecidos à
época, como: a propriocepção, por meio de informação
de células localizadas em músculos, tendões e ligamentos;
interocepção, responsável pela sensação visceral com base
em receptores localizados em vários órgãos e tecidos em
áreas internas do corpo (ex.: esôfago, intestino, estômago,
etc.); ou sentido vestibular, responsável por equilíbrio e
posição do corpo e cabeça, com receptores localizados nos
canais semicirculares e órgãos otolíticos adjacentes à cóclea,
como observado na figura 3 (KANDEL et al., 2014).

Figura 3 - Alguns
dos sentidos
listados, com a
representação do
órgão sensorial e das
células receptoras
associadas. FONTE:
KANDEL, et al. (2014,
p. 394).

Não existe um consenso na ciência do número exato de


sentidos que realmente temos. Se os sentidos forem
determinados pela captação de energia do ambiente
17 externo (do meio) ou interno (do corpo) por meio de células
receptoras específicas, então o número pode ser ainda maior.
Por exemplo, temos receptores para substâncias químicas no
intestino, as quais seriam responsáveis por regular apetite,
movimentos peristálticos no intestino e resposta imunológica
(STEENSELS & DEPOORTERE, 2018). A regulação do apetite
também está associada à atividade de células receptoras no
hipotálamo (SRISAI et al., 2017). Não seria incorreto, então,
conceituar fome como um outro sentido (MACPHERSON,
2011). O objetivo aqui não é defender que fome deve ser ou
não considerado um sentido, mas apenas demonstrar como
não existe uma resposta definitiva para quantos são os
sentidos.

Alguns pesquisadores também têm proposto que alguns


tipos de percepção podem ser tratados como sentido, como
a percepção temporal ou percepção de si. Contudo, é mais
correto compreender que estes processos estão associados
à percepção, ou seja, é uma informação interpretada a partir
das informações sensoriais, não sendo então associados a
células receptoras específicas.

Classificação das células receptoras sensoriais

Como já apresentado, as células receptoras sensoriais são


aquelas responsáveis pela sensação, ou seja, pelo processo
de transdução da energia do meio externo ou interno em
atividade elétrica nervosa. Estas células são consideradas
adaptações especializadas dos neurônios e podem ser
classificadas em diferentes tipos de acordo com a natureza
da energia à qual cada uma responde. Os principais tipos
são: fotorreceptor – responsável pela transdução da luz;
mecanorreceptor – responsável pela transdução da energia
mecânica; quimiorreceptor – responsável pela transdução
de informação química no ambiente; termorreceptor –
responsável pela transdução de variação na temperatura.
A tabela 1 demonstra onde elas são encontradas no corpo
humano e em quais sentidos elas participam.
18 Sistema Classe de Células
Modalidade Estímulo
sensorial receptor receptoras
Visual Visão Luz (fótons) Fotorreceptor Bastonetes e
cones
Auditivo Audição Som (ondas Mecanorrceptor Células
de pressão) ciliadas na
cóclea
Vestibular Movimentos Gravidade, Mecanorrceptor Célular
da cabeça aceleração e ciliadas no
movimento labirinto
da cabeça vestibular
Somatossensorial Gânglios
das raízes
dorsais e
craniais com
receptores
em:
Tato Deformação Mecanorrceptor Pele
e movimento
da pele
Propriocepção Comprimento Mecanorrceptor Fusos
e força musculares
muscular e e cápsulas
ângulo da das
articulação articulações
Dor Estímulos Termorreceptor, Todos os
nocivos mecanorreptor tecidos,
(estímulos e quimiorector exceto o
térmicos, sistema
mecânicos e nervoso
químicos) central
Prurido Histamina Quimiorector Pele
Visceral (não Amplo Termorreceptor, Trato
doloroso) espectro mecanorreptor gastrintesti-
Tabela 1 - (estímulos e quimiorector nal, bexiga e
Classificação e térmicos, pulmões
mecânicos e
localização das químicos)
células receptoras Gustatório Gustação Substâncias Quimiorector Botões
dos principais químicas gustatórios
sentidos. Fonte: Olfato Olfato Substâncias Quimiorector Neurônios
KANDEL et al. (2014, odoríferas sensoriais
p. 403). olfatórios

Em muitos casos, as células receptoras sensoriais


estão agrupadas em órgãos específicos, chamados de
órgãos sensoriais. Por exemplo, no caso da visão, as
células fotorreceptoras estão localizadas no olho (mais
especificamente na retina), sendo este o órgão sensorial da
visão. Na audição, temos o ouvido como órgão sensorial,
com as células receptoras (estereocílios) na cóclea, pequena
estrutura localizada no ouvido interno.
19 Importante perceber também que as células receptoras
respondem a tipos de energia específicos. Por exemplo,
uma célula fotorreceptora não responde a ondas mecânicas,
e vice-versa. Além disso, em muitos casos temos células
receptoras de um tipo que respondem apenas a estímulos
específicos dentro de sua modalidade. Por exemplo, temos
fotorreceptores específicos que respondem a algumas
frequências específicas de luz (por exemplo, bastonetes com
preferência a frequência do vermelho), ou células receptoras
gustatórias que respondem a alguns componentes químicos
específicos (por exemplo, aquelas que respondem ao salgado
e detectam sódio), mas não a outros. Veremos melhor, ao
longo do curso, como isso funciona para cada uma das
principais modalidades sensoriais.

Por fim, outra informação importante é que as células


sensoriais se comunicam não apenas por um potencial de
ação, mas pelo padrão de frequência desses potenciais.
Lembrem que as células do sistema nervoso central estão
sempre ativas, “pulsando” em variadas frequências de acordo
com a presença de informações específicas às quais ela
responda. Você saberá mais sobre isso no componente da
neuroanatomia.
20
Síntese

Espero que tenha gostado do tópico aqui abordado. Uma


dica da neurociência para melhor aprender: enquanto
estiver lendo, tente relacionar o conteúdo novo a ideias já
conhecidas, ou exemplos comuns ao seu dia a dia. Caso
você seja da administração, você pode pensar nas células
receptoras sensoriais como uma equipe de funcionários
em uma empresa, responsáveis por pegar informações
do mercado ou de partes internas da empresa. Esse tipo
de comparação facilita a aprendizagem. Outra coisa muito
importante: imediatamente após ler um tópico de um
conteúdo novo, se afaste do livro ou computador e tente
evocar todo o material recém visto, do começo ao fim,
lembrando dos conceitos e definições. Ou seja, force a
memória para evocar o que acabou de ser registrado, isto vai
melhorar bastante a memorização do tema. Vou lhe ajudar
com esta síntese.

Aprendemos aqui que a sensação é o processo de


transdução de energia do ambiente externo (mundo) e
interno (corpo) em impulso nervoso (ou potenciais de ação,
ou informação elétrica), e que percepção é a organização
e interpretação dessa informação sensorial, processo
realizado no sistema nervoso central. Aprendemos o que são
processos bottom-up e top-down, ou seja, quando processos
básicos influenciam processos complexos e vice-versa,
respectivamente. Vimos o que é limiar absoluto, que é o
mínimo de intensidade de um estímulo captado em 50% das
vezes, e o que é limiar diferencial, que é a menor diferença
na intensidade entre dois estímulos captada em 50% das
vezes. Além disso, essa diferença segue uma proporção
constante, como previsto pela lei de Weber. Vimos também
o que são estímulos subliminares, ou seja, abaixo do limiar
absoluto e que, apesar de estes poderem exercer um rápido
e sutil efeito no comportamento, cognição ou afeto por meio
21 do priming (pré-ativação, quando a exposição a um estímulo
influencia processos subsequentes como memória, atenção,
ou comportamento associados a esse estímulo precedente),
não existe prova de que consigam persuadir alguém de forma
forte ou duradoura.

Outro fenômeno abordado foi o de adaptação sensorial,


quando deixamos de perceber estímulos sensoriais
constantes e sem relevância. Por fim, explicamos que
temos outros sentidos além dos cinco principais, mas não
existe um número exato para este problema, e vimos que as
células receptoras são classificadas em tipos e que muitas
vezes respondem a estímulos específicos dentro de sua
modalidade.

Recomendo fortemente que você leia os temas aqui


abordados no capítulo seis do livro “Psicologia”, de Myers
e Dewall (2017), disponível em sua biblioteca digital. Reler
o tema sempre é um bom jeito de fixar melhor o conteúdo.
Além disso, tente experimentar no dia a dia os conceitos
aqui apresentados: teste em casa ou na academia a menor
diferença perceptível entre pesos (você pode colocar
alimentos em dois sacos e testar a diferença perceptível com
seus amigos e familiares). Perceba o fenômeno de adaptação
sensorial no dia a dia, você está sentindo o anel em seu dedo?
Por fim, lembre-se de responder a atividade de fixação.

Bons estudos e uma boa semana!


22
Referências

BEAR, M. F.; CONNORS, B. W.; PARADISO, M. A.


Neurociências: desvendando o sistema nervoso. 4ª ed. Porto
Alegre: Artmed, 2017.

KANDEL, et al. Princípios de Neurociências. 5ª ed. Porto


Alegre: Artmed, 2014.

LOERSCH, C.; PAYNE, B. K. Demystifying priming. In: Current


Opinion in Psychology, v. 12, p. 32-36, 2016.

MACPHERSON, F. Taxonomising the senses. In:


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MYERS, D. G.; DEWALL, C. N. Psicologia. 11ª ed. Rio de


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Universidade Presbiteriana

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