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Neurofisiologia da dor

Prof.ª Andréa Gerevini da Fonseca

Descrição

A recepção sensorial para a dor, suas vias de transmissão para o


sistema nervoso central e os sistemas de supressão da dor no encéfalo
e na medula espinal.

Propósito

A dor faz parte de um conjunto de modalidades sensoriais que


influenciam nos relacionamos com o meio ambiente e é um dos motivos
pelos quais pacientes procuram profissionais da saúde, como
fisioterapeutas, para o seu tratamento. O estudo da dor é de extrema
importância para o comportamento humano, pois possui componentes
emocionais e afetivos, e para traçar terapias para o seu tratamento e
alívio.

Objetivos

Módulo 1

A recepção sensorial para a dor


Reconhecer a importância da dor.

Módulo 2

Vias de transmissão central para a


dor
Identificar as estruturas que compõem as vias ascendentes da dor.

Módulo 3

Sistema de supressão da dor no


encéfalo e na medula espinal
Listar as regiões do sistema nervoso central que participam do
processo de supressão da dor.

Introdução
Você sabe por que sentimos dor (nocicepção)? Pare e pense como
seria se você não sentisse dor. Pensou? Imagine se você estivesse
cozinhando e não sentisse que seu braço está queimando. Qual
seria o tamanho da lesão? E depois, se infeccionasse? Você
também não sentiria. Pessoas que nascem com mau
funcionamento do sistema sensorial, principalmente na modalidade
da dor, estão mais sujeitas a mortes e infecções que as outras
pessoas.

A dor é um sistema de proteção aos estímulos nocivos do meio


ambiente externo e interno, alertando-nos que há alguma coisa
errada e ativando nossos reflexos de proteção. No caso de sentir
queimando ou cortando, nós retiramos o membro. Por exemplo, se
queimamos a mão no fogão, puxamos o braço. Pode-se afirmar,
então, que a nocicepção é motivadora de ações necessárias à
sobrevivência.
Orientação sobre unidade de medida

Em nosso material, unidades de medida e números são escritos


juntos (ex.: 25km) por questões de tecnologia e didáticas. No
entanto, o Inmetro estabelece que deve existir um espaço entre o
número e a unidade (ex.: 25 km). Logo, os relatórios técnicos e
demais materiais escritos por você devem seguir o padrão
internacional de separação dos números e das unidades.

1 - A recepção sensorial para a dor


Ao final deste módulo, você deverá ser capaz de reconhecer a importância
da dor.

Sistema nervoso sensorial


Introdução ao sistema nervoso sensorial

O sistema nervoso central (SNC) pode ser dividido funcionalmente.


Dentre as divisões funcionais, está o sistema nervoso sensorial, que
será objeto de nosso estudo. Esse sistema é responsável pelo que
chamamos de sensações, que atualmente são denominadas de
modalidades sensoriais.
As modalidades sensoriais permitem aos animais interagirem com o
meio ambiente externo e também com o interno; localizarem
espacialmente os estímulos que desencadeiam a sensação; e
determinarem a intensidade e a duração desses estímulos. Então,
podemos dizer quando e onde um estímulo começou, se esse estímulo
foi intenso, e se ele já terminou.

Em resumo, as modalidades sensoriais possibilitam que os animais


tenham uma percepção do mundo.

Mas e o que é a sensação?

A sensação pode ser definida como a capacidade de


transduzir, codificar e, por fim, perceber informações
produzidas por estímulos provenientes tanto do meio
ambiente externo (ambiente em que você se encontra)
como do interno (dentro do seu corpo).

Transduzir
Consiste em modificar uma forma de energia em outra.

Na sensação, os animais possuem a capacidade de codificar certos


aspectos da energia física, vejamos alguns exemplos:

O fóton (radiação eletromagnética) ao incidir sobre o olho


produz a sensação de visão.
A pressão (energia mecânica) pode ser sentida como tato.

Substâncias químicas podem ser sentidas como sabores ou


odores.

Várias estruturas do sistema sensorial estão capacitadas a receber


esses tipos de “energia” e, em resposta, produzem atividade elétrica, que
é levada a regiões do cérebro responsáveis pela sensação — os córtices
sensoriais. Para cada modalidade/submodalidade sensorial, há um
córtex sensorial.

A percepção se dá quando a sensação se torna consciente. Podemos


definir percepção como:

...a capacidade que alguns animais


apresentam — nem todos — de
vincular um sentido a algum
aspecto da existência.

(LENT, 2001, p. 169)

Um exemplo seria o fato de você sentir sabores e poder identificar um


prato preferido, ou você ouvir sons e poder separá-los em ruídos,
palavras ou música.
Além de nos permitir interagir com o ambiente, as sensações são
importantes para o controle dos movimentos/motricidade, para a
regulação de algumas funções corporais e para a manutenção da vigília.

Suponhamos que você esteja sentado e queira buscar um copo de água.


Você vai olhar ao seu redor e visualizar o entorno.

A propriocepção lhe indica qual a posição dos seus membros, e então


seu cérebro planeja os movimentos necessários para que você se
levante e caminhe.

Alguns sentidos ou modalidades sensoriais são ocultos (ou silentes),


isto é, não geram percepção ou consciência. Nosso cérebro recebe
informações sobre: o nível da pressão arterial; a concentração de
oxigênio e gás carbônico diluídos no sangue; temperatura corporal; o pH
do sangue; o pH do suco gástrico, entre outros aspectos, a cada
segundo do dia. Essas e outras informações são utilizadas pelo SNC
para o controle dessas mesmas funções.

Curiosidade
Pessoas que gostam de levar o celular para a cama possuem
dificuldades no sono. Isso porque a luz que é emitida pelo celular (e
outros aparelhos eletrônicos, como o computador, notebook e tablet),
chamada de “luz azul”, bloqueia a liberação do hormônio responsável
pelo sono, a melatonina. Além disso, os conteúdos visualizados por
meio desses eletrônicos antes de dormir despertam interesses,
sentimentos e pensamentos que aguçam o psicológico, deixando o
indivíduo com dificuldade de se “desligar” e dormir. Quanto maior a
quantidade de estímulos sensoriais, menor o sono!

Modalidades e componentes
estruturais sensoriais
Como vimos, em termos técnicos, o que antigamente chamávamos de
sentidos é nos dias atuais chamado de modalidades sensoriais.
Aceitamos a existência de cinco modalidades sensoriais:

visão
audição
gustação ou paladar
olfação ou olfato
somestesia
Somestesia
Essa modalidade sensorial é erroneamente chamada de tato.

Essas são as modalidades que podem alcançar a percepção ou


consciência.

A somestesia, que significa sensação do corpo, pode ser subdividida em


outras formas de sensações e, portanto, em submodalidades sensoriais
como: tato, dor, termocepção e propriocepção.

Cada modalidade ou submodalidade é estimulada por um tipo de


energia do ambiente.

Exemplo
O tato é a energia em forma de pressão mecânica de qualquer coisa
sobre a sua pele; a sensação térmica é a energia térmica sobre sua pele;
a propriocepção é proveniente dos seus músculos, tendões e
articulações.

A propriocepção informa como seu corpo está no ambiente e garante


que você é capaz de descrever sem olhá-lo.

Você seria capaz de fechar os olhos e dizer se está em pé, sentado ou


deitado? Se suas pernas e braços estão estirados ou fletidos? Se pernas
e braços estão à frente do seu corpo ou no mesmo plano? Essa é uma
parte da propriocepção.

Essa submodalidade atua quando estamos em movimento, informando


ao cérebro cada movimento realizado pelo corpo.

Receptores sensoriais
Até aqui, já vimos que o sistema nervoso sensorial é o responsável pela
interação dos animais que o possuem com o ambiente externo e
interno, compreendemos que chamamos de modalidade sensorial o que
antigamente era chamado de sentido e entendemos que essas
modalidades possuem submodalidades. O que devemos também levar
em consideração é que estímulos de várias naturezas de energia são
transformados em sensações.

Por exemplo, como vimos, o fóton, que é energia eletromagnética, ao ser


captado pelo olho nos dá o sentido da visão; a pressão sobre a pele, que
é energia mecânica, nos faz sentir o tato; a energia térmica nos faz
sentir o frio ou calor, a energia química nos faz sentir odor ou sabor, e
assim sucessivamente. Qual seria o motivo disso?
Se o cérebro só produz atividade elétrica, como pode receber todos
esses tipos de energia?

Resposta
Temos sensores em cada órgão responsável pela captação dessas
energias de diversas naturezas e, em resposta a elas, esses sensores
produzem atividade elétrica, processo esse denominado transdução de
sinal. Tais órgãos são chamados de receptores sensoriais.

Agora, podemos relacionar cada órgão com uma modalidade sensorial:

Olhos - Visão

Orelhas - Audição

Boca - Gustação

Nariz - Olfação

Pele, músculos,
articulações e
mucosas - Somestesia

Cada órgão desses possui um ou mais receptores sensoriais para os


tipos de energia que nos fazem sentir o ambiente.

Podemos também classificar os receptores sensoriais de acordo com a


energia que eles transduzem. São eles:

termoceptor — sensível à energia térmica — frio ou calor;


mecanoceptor — sensível à energia mecânica como a pressão;
quimioceptor — sensível à energia química;
fotorreceptor — sensível ao fóton (menor partícula da luz);
nociceptor — sensível à energia muito intensa — receptor da dor.

Esses receptores sensoriais podem ser um neurônio ou uma célula


epitelial modificada e associada a um neurônio sensorial. A atividade
elétrica gerada por essa célula é recebida e conduzida ao SNC, e então
ocorre a sensação e a percepção.

O nociceptor, ao contrário dos outros receptores, é ativado por qualquer


tipo de energia, desde que seja um estímulo intenso. Uma pancada ou
topada provoca dor; o contato com substâncias químicas cáusticas
provoca dor; temperaturas extremas, seja frio ou calor, provocam dor.
Esses receptores são chamados de polimodais porque são ativados por
qualquer tipo de energia, desde que seja intensa e que cause
desconforto ou lesão tecidual.

Nociceptores
Os nociceptores são receptores que não possuem qualquer tipo de
estrutura associada ao terminal dendrítico de um neurônio e, por isso,
são chamados de terminações nervosas livres. Eles estão espalhados
por todo o corpo, com exceção do cérebro.

Na imagem a seguir, observamos um desenho de pele. Temos


representada uma parte da pele com pelos e da pele sem pelos ou pele
glabra. Podemos observar a epiderme e a derme, e ainda ver vários
receptores sensoriais como: corpúsculo de Meissner; corpúsculo de
Ruffini; corpúsculo de Paccini; receptor do folículo piloso (associado à
raiz de um pelo); receptores de Merkel e as terminações nervosas livres.

As terminações nervosas livres são partes de neurônios e podem estar


na superfície da pele, próximas à epiderme, como vemos na imagem,
assim como as encontramos profundamente na derme e em tecidos
internos (não mostrados na imagem).

Quando uma terminação nervosa livre é estimulada, a atividade elétrica


irá surgir nesse neurônio (nociceptor), e essa informação será
encaminhada ao sistema nervoso central, onde será analisada e, por fim,
interpretada como dor pelo encéfalo.

Os neurônios sensoriais que recebem ou transduzem primeiramente a


informação sensorial são denominados de primeiro neurônio ou
neurônio de primeira ordem. Esses neurônios, que estão na periferia do
corpo ou nas vísceras, recebem a energia do estímulo e produzem a
atividade elétrica que será conduzida ao SNC.
Na próxima imagem, podemos observar vários neurônios de primeira
ordem, inclusive os que apresentam as terminações nervosas livres
também chamadas de nociceptores (identificado com a letra A).

Tipos de receptores sensoriais para somestesia. O receptor A é a terminação nervosa livre ou


nociceptor.

Observando a imagem anterior, podemos notar que os corpos celulares


da maioria dos neurônios primários estão agrupados em um gânglio
denominado de gânglio da raiz dorsal.

Esse gânglio está localizado na raiz dorsal dos nervos espinais — seus
neurônios são todos sensoriais.

Ao lado, podemos observar melhor uma representação do gânglio da


raiz dorsal e também podemos notar que os axônios dos neurônios
sensoriais penetram na medula espinal em sua região dorsal ou
posterior.

Neurônio sensorial e gânglio da raiz dorsal, onde estão os corpos celulares dos neurônios
sensoriais.

Mecanismos periféricos da
dor
As informações sensoriais entram no SNC através dos nervos espinais e
cranianos. A pele e os tecidos profundos inervados pelas fibras
aferentes de um único par de nervos espinais são denominados de
dermátomos, e nos músculos são denominados miótomos. Essa
organização é proveniente dos somitos formados durante o período
embrionário. Na imagem a seguir, demonstramos os dermátomos.

Demarcação colorida dos dermátomos sobre a pele.

Saiba mais
Os dermátomos podem ser utilizados para mapear lesões de nervos
espinais ou de medula espinal, por exemplo, lesões como a do herpes-
zóster.

A informação nociceptiva é levada ao SNC por neurônios com pouca ou


nenhuma mielina. Além disso, esses neurônios também apresentam
menor diâmetro, e isso faz com que a velocidade de condução da
atividade elétrica seja menor que os neurônios sensoriais do tato e da
propriocepção.
Os nociceptores podem ser classificados em dois tipos de fibras, de
acordo com seu diâmetro e quantidade de mielina:

Fibras Aδ (A-delta)
Pequeno diâmetro e pouca mielina

Fibras C
Pequeno diâmetro e sem mielina

Na próxima imagem, observamos os potenciais de ação (atividade


elétrica) desencadeados nos dois tipos de axônios ou fibras que levam a
informação nociceptiva ao SNC. O que podemos notar é que são
diferentes nas duas fibras tanto na amplitude (altura) quanto na
duração. Essas diferenças são interpretadas pelo encéfalo.

Tipos de nociceptores – fibras Aδ e fibras C e seus respectivos potenciais de ação.

Classificação da dor periférica


As características das fibras mencionadas estão diretamente
relacionadas ao tipo de dor que transmitem:

Fibras Aδ - Com pequeno diâmetro e pouca mielina, leva


informação de dor aguda ou cortante.
Fibra C - Com pequeno diâmetro e sem mielina, leva informação
polimodal, isto é, de todas as formas de energia, com uma
velocidade mais lenta e com uma duração maior. Leva informação
de dor em queimação, não localizada e de maior duração.

Exemplo
Após uma grande topada com o pé, ocorre uma grande dor inicial ou
aguda, seguida de outra dor mais prolongada e pulsante. A primeira dor
é levada pelas fibras Aδ que possuem pouca mielina, mas ainda são
mais rápidas que as fibras C, que não possuem mielina e que são
responsáveis pelo prolongamento da sensação de dor, a chamada dor
em queimação.

A partir de estudos e análises, a dor periférica foi dividida em duas


classes:
Dor rápida ou aguda

É aquela que cessa ao final do estímulo que a causou, por


exemplo, uma picada de agulha.

Dor lenta ou crônica

Permanece mesmo após o final do estímulo que a causou, ou


seja, ocorre uma lesão maior nos tecidos com envolvimento de
mediadores químicos inflamatórios liberados pelas células que
sofreram a lesão.

A dor aguda ocorre antes da dor crônica e, se houver lesão tecidual, a


dor aguda poderá evoluir e se cronificar.

Você já ouviu falar dos nociceptores viscerais? expand_more

Eles estão presentes em todas as vísceras, exceto no cérebro, e


são ativados pela inflamação desses tecidos ou por substâncias
químicas produzidas pelas células ao redor. Acredita-se que
esses receptores estão envolvidos no surgimento de síndromes
dolorosas.

Os principais mediadores químicos inflamatórios associados à dor são


a histamina e a serotonina. Além delas, a bradicinina e os derivados do
ácido araquidônico (prostaglandinas e prostaciclinas) também estão
envolvidos. Esses mediadores atuam sobre as terminações nervosas
livres e diminuem o limiar de produção de potenciais de ação. Por essa
razão, uma região inflamada fica sensibilizada e qualquer estímulo leve,
que antes era inócuo, agora se torna dolorido — a hiperalgesia.

Além disso, os próprios nociceptores, uma vez sensibilizados pela


inflamação, também irão secretar substâncias com ações
vasodilatadoras, o que aumenta o edema e a vermelhidão. Esse
fenômeno é chamado de reação inflamatória neurogênica, sendo
associado à condução pelas fibras tipo C, possuindo caráter de dor lenta
e crônica. Tais substâncias são os próprios neurotransmissores e
neuropeptídeos (ATP; peptídeo relacionado ao gene da calcitonina;
substância P) liberados pelas vesículas sinápticas e que irão
potencializar a inflamação. A seguir, demonstramos o mecanismo de
liberação dos mediadores químicos da dor.

Liberação dos mediadores químicos da dor pelas células lesadas e pelos nociceptores.

Ainda podemos dividir a dor persistente em duas classes: nociceptiva e


neuropática:

Dor nociceptiva - Ocorre por meio da ativação dos nociceptores


periféricos pela lesão tecidual e a sua intensidade depende da
intensidade da lesão.
Dor neuropática - Pode ser periférica ou central e ocorre por causa
da lesão do neurônio, provocando dor em queimação ou elétrica e
ocorre nas síndromes das distrofias, síndromes complexas,
neuralgia pós-herpética, dor do membro fantasma e outras.

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Mecanismos periféricos da
dor
Fique agora com a explicação sobre os mecanismos periféricos da dor,
os tipos de fibras nociceptivas e os tipos de dor (aguda e crônica).
Vamos lá!
Falta pouco para atingir seus objetivos.
Vamos praticar alguns conceitos?

Questão 1

O sistema sensorial é um sistema de entrada de informações para o


encéfalo. Ele é o responsável pela sensação e pela percepção do
mundo, do que ocorre ao nosso redor e dentro de nós. A presença
de estruturas nos tecidos que são responsáveis pela captação das
energias e pela produção de atividade elétrica é um fator
imprescindível para o funcionamento do sistema nervoso sensorial.
Essa estrutura realiza a transdução. Chamamos essa estrutura de

A receptor celular.

B neurônio primário.

C fibra Aα.

D receptor sensorial.

E mielina.

Parabéns! A alternativa D está correta.


O receptor sensorial é a estrutura que está em todos os tecidos
animais, exceto o cérebro, e que tem a capacidade de transduzir as
várias formas de energia e produzir a atividade elétrica que será
interpretada pelo SNC. As demais alternativas representam
estruturas que não são capazes de transduzir energia.

Questão 2

As modalidades sensoriais possuem subdivisões de acordo com a


gama de informações que são capacitadas a receber. Um exemplo
é a somestesia, que está dividida em tato, propriocepção,
termocepção e dor. Para cada submodalidade, existem receptores
sensoriais especializados em captar determinado tipo de energia.
Assinale a alternativa que explica por que os receptores de dor são
exceção, ou seja, eles captam diversos tipos de energia.
Os nociceptores são polimodais, isto é, captam
estímulos de diversos tipos de energia desde que
A
sejam intensos e possam provocar incômodo ou
lesão tecidual.

Os nociceptores só podem captar estímulos


B
mecânicos e estão restritos a esse tipo de energia.

Os nociceptores se comportam como os


C termoceptores, captam a energia térmica dos
extremos de calor e de frio somente.

Os nociceptores são receptores encapsulados por


D tecido conjuntivo e captam a deformação que é
feita sobre esse tecido.

Os nociceptores estão em associação com células


E sensoriais e recebem a atividade elétrica produzida
por elas, independentemente do tipo de energia.

Parabéns! A alternativa A está correta.

Por ser polimodal, o nociceptor é capaz de captar diversos tipos de


energia desde que seja intenso a ponto de causar incômodo ou
lesão tecidual. Dessa forma, as demais alternativas estão
incorretas.
2 - Vias de transmissão central para a dor
Ao final deste módulo, você deverá ser capaz de identificar as estruturas
que compõem as vias ascendentes da dor.

Vias ascendentes da dor


Uma vez que o nociceptor é ativado e produz atividade elétrica ou
potencial de ação, essa atividade segue através dos neurônios de
primeira ordem até o sistema nervoso central (SNC).

Existem duas vias pelas quais a informação de dor chega ao SNC:

Através dos nervos Através do nervo


espinhais trigêmeo
Esses nervos levam a No caso da face, o
informação até o corno nervo trigêmeo (um dos
dorsal da medula 12 pares de nervos
espinal, passando pelo arrow_forward cranianos) leva a
gânglio da raiz dorsal. informação, que passa
pelo gânglio do
trigêmeo antes de
chegar ao tronco
encefálico.
O corno dorsal da medula espinal e o tronco encefálico são núcleos
sensoriais, e nessas regiões o neurônio de primeira ordem faz sinapse
com o neurônio de segunda ordem ou segundo neurônio, como visto na
imagem a seguir.

Sequência de neurônios que fazem parte das vias ascendentes da dor.

O neurônio de segunda ordem cruza para o lado oposto (decussação)


da medula espinal e depois segue até uma região do SNC chamada de
tálamo, onde faz sinapse com o terceiro neurônio, que, por sua vez,
segue para o córtex sensorial. No caso da dor, o córtex somestésico.
Não esqueça que nas regiões de sinapses ocorre liberação de
neurotransmissores e neuropeptídeos.

As vias são chamadas de ascendentes porque o trajeto dos neurônios


que trazem a informação de dor sobe através da medula espinal até
alcançar o córtex sensorial.

Relembrando
No módulo anterior vimos que dois tipos de fibras levam a informação
nociceptiva ao SNC após a sua transdução pelas terminações nervosas
livres:

As fibras Aδ são mielinizadas, de pequeno diâmetro e mais rápidas


na transmissão da informação de dor, com velocidade de 5m/s a
30m/s. Levam informação de dor aguda — cortante e bem
localizada.
As fibras C são amielinizadas, também de pequeno diâmetro e
mais lentas, com velocidade de 0,5m/s a 2m/s. Levam informação
de dor em queimação e mal localizada.

Corno dorsal da medula


espinal na dor
Importância do corno dorsal da medula espinal na dor
Após ser transduzida e transmitida, a informação nociceptiva chega ao
SNC na região do corno dorsal da medula espinal. Essa região tem
forma de H no centro da medula espinal e é formada de substância
cinzenta rodeada por substância branca.

O corno dorsal da medula espinal é um centro sensorial, assim como o


gânglio do trigêmeo, que pertence à via sensorial do nervo trigêmeo.
A codificação da dor já se inicia na região do corno dorsal da medula
espinal. Essa região é dividida em lâminas, e cada lâmina recebe um
grupo de fibras de nociceptores (Aδ e/ou C), como vemos na imagem.

Organização das sinapses no corno.

Em cada lâmina, há um conjunto de fibras e interneurônios que a torna


específica. As fibras Aδ e C enviam ramos para inervar neurônios nas
lâminas I e II (as lâminas II e III recebem o nome de substância
gelatinosa). Acredita-se que as lâminas VI e VII e seus conjuntos de
fibras estão envolvidas em um tipo de dor difusa e várias condições
dolorosas.

A lâmina V apresenta aferências tanto de nociceptores de tecidos


viscerais quanto de nociceptores da pele. Essas fibras convergem para
os mesmos neurônios de segunda ordem e, a partir dessa observação,
estabeleceu-se uma explicação para o fenômeno chamado de dor
referida, na qual a lesão tecidual ocorre em um tecido profundo, porém,
a sensação descrita pelo paciente é de que está ocorrendo na pele.
Acompanhe este processo a seguir.

Esquema de dor referida.

A hiperalgesia também pode ocorrer a partir dos neurônios localizados


no corno dorsal e está relacionada a um aumento da atividade das fibras
do tipo C. Essas fibras aumentam a liberação de neurotransmissores e
neuropeptídeos em suas sinapses com os neurônios do corno dorsal, e
esse aumento gradual na estimulação dos neurônios de segunda ordem
é chamado de potencial da dor e funciona como um mecanismo de
“memória”.

Hiperalgesia
Trata-se do aumento da percepção da dor.

Curiosidade
Esse mecanismo de liberação/estimulação gradual está envolvido no
fenômeno chamado de dor do membro fantasma. Durante a cirurgia de
amputação, a agressão é “sentida” pelo corno dorsal (estimulada pela
liberação de neurotransmissores na medula espinal), mesmo sob
anestesia geral, e gera uma memória de dor no membro. Atualmente,
cirurgias de amputação são realizadas com bloqueio da sensibilização
no corno dorsal da medula espinal.

O neurotransmissor mais abundante das fibras sensoriais que penetram


no corno dorsal da medula espinal é o glutamato (neurotransmissor
primário), um neurotransmissor excitatório, ou seja, um
neurotransmissor que estimula a atividade elétrica nos neurônios pós-
sinápticos pela ativação dos receptores NMDA (N-metil D-aspartato).

Isso quer dizer que, uma vez que a informação nociceptiva tenha
chegado ao corno dorsal da medula espinal, essa informação
certamente irá estimular o neurônio de projeção ou segundo neurônio.

Representação gráfica do processo de liberação do glutamato.

Além do glutamato, outros neuropeptídeos são liberados em conjunto


com ação de cotransmissão: substância P; CGRP (peptídeo relacionado
ao gene da calcitonina); somatostatina e a galanina. O glutamato e os
neuropeptídeos são armazenados em vesículas e locais diferentes, o
que leva os cientistas a pensarem que são liberados em momentos
diversos.

Exemplo
A substância P possui liberação diferenciada. Esse neuropeptídeo é
liberado quando há lesão tecidual ou após estimulação intensa dos
neurônios periféricos. A ação em conjunto da substância P irá prolongar
o efeito excitatório do glutamato. Além disso, a substância P não possui
um sistema de recaptação ou de destruição e vai se difundir por toda a
região do corno dorsal da medula espinal, provocando o caráter difuso
de vários tipos de dor sem localização.

Trato espinotalâmico e trato


trigêmeo
Os dois principais tratos ou vias ascendentes da dor são o
espinotalâmico e o do nervo trigêmeo.

Trato espinotalâmico
É responsável pela sensação de dor do corpo inteiro.

Trato trigêmeo
É responsável pela sensação de dor da face, e seus axônios chegam ao
SNC através do núcleo do nervo trigêmeo.
Os axônios do trato trigêmeo seguem uma rota separada, como é
possível observar na imagem a seguir. Após entrarem na ponte, esses
axônios ou fibras descem até o bulbo e formam duas divisões. Cada
uma dessas vias cruza (ou decussa) para o lado oposto, para depois
ascenderem ao tálamo através do neurônio de segunda ordem. Essa
complexidade das vias centrais da dor faz com que o tratamento da dor
também seja complexo.

Trato trigêmeo.

A seguir, demonstramos somente o trato espinotalâmico, uma das


principais vias relacionadas à dor. O neurônio de primeira ordem penetra
no corno dorsal da medula espinal e faz sinapse com o segundo
neurônio ou neurônio de segunda ordem. Este atravessa para o lado
oposto da medula espinal e ascende até o núcleo chamado de tálamo.
Do tálamo, a informação sensorial continua através do neurônio de
terceira ordem até o córtex cerebral. Essa via está relacionada à dor em
pontada e bem localizada na superfície do corpo.

Trato espinotalâmico.

A estimulação elétrica dessa via provoca sensação de dor e a lesão


dessa via resulta em redução dos níveis de dor no lado oposto da lesão.

Além desses tratos, ainda encontramos os seguintes:

Trato espinorreticular
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Seus axônios terminam na formação reticular e no
tálamo. É ativa durante a dor de caráter mais difuso
ou mal localizada.

Trato espinomesencefálico
check_circle
Esse trato projeta para o núcleo parabraquial, e
esses neurônios se projetam para a amígdala do
sistema límbico. Essa via tem papel-chave na
regulação do estado emocional.
Trato cervicotalâmico
check_circle
A maioria dos seus axônios terminam nos núcleos
mesencefálicos e tálamo.

Trato espino-hipotalâmico
check_circle
Seus axônios projetam para os núcleos
hipotalâmicos, que atuam como centros de controle
de respostas neuroendócrinas e cardiovasculares
que acompanham as síndromes dolorosas.

Representação gráfica do tálamo.

Vários estudos têm apontado o tálamo como um núcleo de


retransmissão da informação de dor. Ele é subdividido em vários
subnúcleos (grupos nucleares), sendo que na via espinotalâmica os
grupos nuclear lateral e medial é que estão envolvidos.

As análises demonstram que essas regiões participam na localização


da dor e na percepção de dor intensa.

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Vias Ascendentes da Dor
Veja agora detalhes sobre as vias ascendentes de dor na medula espinal
e através do nervo trigêmeo, até alcançar o sistema nervoso central.
Vamos lá!
Falta pouco para atingir seus objetivos.

Vamos praticar alguns conceitos?

Questão 1

Nociceptores são neurônios de primeira ordem e são eles que


transduzem as energias nocivas gerando um potencial de ação.
Esses neurônios trazem a informação nociceptiva que vai passar
por um gânglio e depois entrar na medula. Identifique o nome do
gânglio pelo qual a informação passa e a região da medula em que
tal informação entra.

Passa pelo gânglio simpático e entra na medula


A
espinal através da raiz ventral.

Passa pelo gânglio do parassimpático e entra na


B
medula espinal através da raiz dorsal.

Passa pelo gânglio da raiz dorsal e entra na raiz


C
dorsal da medula espinal.

Passa pelo gânglio primário e entra na raiz dorsal da


D
medula espinal.

Passa pelo gânglio da raiz dorsal e entra na raiz


E
ventral da medula espinal.

Parabéns! A alternativa C está correta.

Os nociceptores, como todo neurônio sensorial, possuem seus


corpos celulares no gânglio da raiz dorsal (circuito obrigatório de
passagem) e a informação entra na medula espinal através da raiz
dorsal dos nervos espinais. As demais alternativas não condizem
com o nome correto do gânglio e da região da medula.

Questão 2

Das várias vias que levam a informação de dor ao córtex cerebral,


também chamadas de vias ascendentes da dor, a mais proeminente
ou mais importante é a via

A espinotalâmica.

B trigêmea.
C espinorreticular.

D espino-hipotalâmica.

E espinomesencefálica.

Parabéns! A alternativa A está correta.

A via espinotalâmica é a via mais importante até hoje estudada e


está envolvida em vários tipos de síndromes dolorosas. As demais
vias não são as mais importantes para a transmissão da dor.

3 - Sistema de supressão da dor no encéfalo e na


medula espinal
Ao final deste módulo, você deverá ser capaz de listar as regiões do sistema
nervoso central que participam do processo de supressão da dor.

Sistemas de supressão da dor


Introdução aos sistemas de supressão da dor
As primeiras observações sobre o alívio de dor iniciaram quando
cientistas estimularam eletricamente e farmacologicamente algumas
regiões do mesencéfalo. Em pesquisa, 122 pacientes tiveram eletrodos
implantados em seus cérebros em áreas subcorticais e foram avaliados
após a estimulação elétrica (HOSOBUCHI, 1986). O que se observou foi
uma significativa redução da percepção da dor. Jones, em 1991,
também demonstrou que a estimulação elétrica e química do locus
ceruleus inibiu a percepção de estímulos nocivos e essa analgesia é
mediada pelos receptores α2-adrenérgicos (JONES, 1991).

A percepção da dor é um evento complexo e envolve muitas áreas


corticais, algumas delas influenciadas pelas emoções, isto é, pelo
contexto emotivo da situação.

Os pesquisadores, para entender a complexidade da dor, costumam


dividi-la em dois componentes:

psychology
Componente sensorial-
discriminativo
Sistema nervoso sensorial responsável pela detecção da intensidade, da
localização espacial; da duração; do padrão temporal e da qualidade do
estímulo nocivo.

psychology
Componente emocional-afetivo
Reação emocional decorrente da percepção, ou seja, a integração do
estímulo com áreas do córtex e com o sistema límbico.

Sobre o processo de percepção da dor, Kandel escreveu:

a percepção da dor é complexa,


além de envolver várias áreas
corticais e medulares ainda é
influenciada pelo contexto no qual o
estímulo nocivo é apresentado e
pela experiência prévia individual.

(KANDEL, 2014. p. 474)

Áreas do córtex como o giro cingulado (parte do sistema límbico) e o


córtex insular recebem intensos estímulos provenientes dos
nociceptores. Acredita-se que o giro cingulado esteja intensamente
envolvido com o estado emocional da dor, enquanto se crê que o córtex
insular atue nas alterações autonômicas da dor — como aumento da
frequência cardíaca, da pressão arterial, da frequência respiratória, entre
outras.

Existem três mecanismos fisiológicos que atuam com ação analgésica


endógena, entretanto, antes uma pergunta:

Você já ouviu falar no efeito placebo?

O efeito placebo é aquele em que há a administração


de substância inofensiva às pessoas e elas descrevem
a redução da percepção da dor. Cabe destacar,
contudo, que o efeito é real e não pode deixar de ser
levado em consideração.

Vários estudos têm demonstrado que substâncias administradas que


não possuem qualquer ação ficam inertes dentro do organismo e
influenciam na percepção da dor. Há casos em que 74% das pessoas
que tomaram essas substâncias descreveram a melhora do quadro de
dor.

O conceito emocional também foi considerado a partir de observações


de vários casos de lesões graves ocorridas em acidentes ou em guerras.
Como explicar que um soldado com uma lesão grave no corpo não sinta
dor, ou só a sinta mais tarde, enquanto uma pessoa que acabou de se
ferir tão gravemente dentro de seu ambiente doméstico sente muita
dor? Essas questões vêm sendo levantadas, e a explicação encontrada
pelos estudiosos está exatamente no contexto da situação em que as
pessoas estão envolvidas.

Um soldado sabe que ele precisa levantar-se e sair daquela situação


para não morrer. Seu cérebro está voltado para a sobrevivência a uma
situação de perigo, enquanto, em um ambiente doméstico, não existe
essa preocupação.
O efeito placebo, portanto, é aquele em que não há ação a não ser
psicológica. Esse efeito está envolvido em mecanismos como a
analgesia pela acupuntura, a diminuição da dor no campo de batalha e
os efeitos de hipnose.

Atenção!
O efeito placebo é real e não é um produto de intelecto sugestionável
(PURVES, 2005). Infelizmente, pessoas que respondem a um placebo
são taxadas como se não estivessem realmente padecendo de dor.
Essa concepção é errada, e esse tipo de preconceito deve ser abolido
pelos profissionais do futuro.

Analgesia e suas vias


encefálicas
Teoria do portão da dor
A teoria do portão da dor é o primeiro e mais simples mecanismo de
analgesia, o qual se baseia na estimulação de neurônios localizados
logo na entrada das fibras nociceptivas no corno dorsal da medula
espinal.

Na medula espinal, o neurônio de segunda ordem ou neurônio de


projeção não só recebe sinapses de nociceptores, ele também pode
receber sinapses de neurônios do tato ou proprioceptivos (fibra Aβ),
como vemos na imagem a seguir.

Teoria da comporta ou do portão da dor.

Na teoria do portão da dor ou da comporta da dor, a estimulação de


neurônios não nociceptivos diminuiria a percepção da dor. Como vemos
na figura, a ativação da fibra Aβ ativa um interneurônio inibitório que
provoca o bloqueio do neurônio de projeção, o que diminui a percepção
da dor. Podemos observar isso quando massageamos o local em torno
da lesão, fazendo com que ocorra “diminuição” da sensação de dor.

Mas por que portão da dor?

Essas sinapses inibitórias funcionariam como um portão ou comporta,


abrindo ou fechando, isto é, permitindo a estimulação ou inibindo a
estimulação do neurônio de projeção. Nas sinapses inibitórias, o
neurotransmissor dos interneurônios inibitórios é o GABA (ácido gama-
aminobutírico). Esse neurotransmissor atua no neurônio de segunda
ordem ou de projeção, provocando uma hiperpolarização pela entrada
do íon potássio. Essa hiperpolarização vai impedir a produção de
atividade elétrica por esse neurônio, então a informação de dor não será
enviada ao córtex e, portanto, não será percebida.

Comentário
A anatomia da teoria do portão da dor ainda não está totalmente
esclarecida, entretanto, observa-se uma convergência de várias vias
sensoriais sobre os neurônios de projeção ou de segunda ordem em
qualquer nível da medula espinal. Além disso, a teoria do portão da dor
tem sido utilizada como estratégia de terapias para o tratamento da dor
(por exemplo, a aplicação de correntes elétricas como TENS –
Transcutaneous Electrical Nerve Stimulation (ou Neuroestimulação
elétrica transcutânea).

Vias encefálicas envolvidas na analgesia

Atualmente, observou-se que existem regiões do encéfalo localizadas


no córtex somestésico e no hipotálamo relacionados à analgesia, e
essas regiões estão envolvidas na regulação das vias descendentes
analgésicas.

Essas vias projetam seus neurônios a partir de regiões do SNC,


descendo pela ponte e bulbo até alcançarem a região do corno dorsal
da medula espinal.

Regiões do encéfalo como a grísea periaquedutal e os núcleos da rafe


(localizado no bulbo), quando são estimulados elétrica ou
farmacologicamente, inibem a transmissão da dor. Essas regiões
projetam seus neurônios para o corno dorsal da medula espinal,
provocando a inibição das sinapses nessa região.

Via descendente da analgesia.

Uma segunda via descendente monoaminérgica (cujos


neurotransmissores são a noradrenalina e serotonina) foi recentemente
descrita. Essa via se inicia no locus ceruleus e em outros núcleos do
bulbo e da ponte.

Essas vias todas irão convergir para a região do corno dorsal da medula
espinal inibindo tanto os neurônios Aδ e C quanto os neurônios de
projeção ou de segunda ordem. Essa é uma inibição ao nível das
lâminas do corno dorsal da medula espinal.

Todas essas regiões descritas fazem parte de um sistema modulador.


São os sistemas difusos que controlam várias funções corporais, dos
quais o locus ceruleus e os neurônios do núcleo da rafe fazem parte.
Tais regiões estão envolvidas na analgesia e no sistema de controle
sono-vigília e estão separadas em núcleos de acordo com os
neurotransmissores que seus neurônios liberam. Especificamente, os
neurônios serotoninérgicos (serotonina) do núcleo da rafe atuam mais
na modulação da dor no corno dorsal da medula espinal do que no
controle do sono-vigília.

Opioides endógenos
O ópio foi descoberto pelos sumérios no ano de 3300 antes da Era
Comum e, a partir desse período, passou a ser utilizado pelo seu poder
analgésico. A utilização do ópio e da morfina (extraída do ópio) forneceu
pistas aos cientistas de que as células deveriam ter receptores
moleculares para essas substâncias.

O ópio é uma droga retirada da papoula, e a morfina e seus derivados


foram produzidos a partir do ópio. Todas essas substâncias ou drogas
produzem sensação de bem-estar, euforia e analgesia ao se ligarem a
receptores moleculares nas membranas dos neurônios tanto do sistema
nervoso periférico (SNP) quanto do central.

Cultivo de papoula.

Os opioides podem ser divididos em endógenos, produzidos dentro do


corpo, e sintéticos, produzidos em laboratórios. A morfina e a codeína
são dois exemplos clássicos de opioides sintéticos.

Esses peptídeos atuam no organismo a partir da presença de receptores


em neurônios tanto do SNC quanto do SNP. A descoberta dos
receptores fez com que os cientistas especulassem a produção de
peptídeos opioides pelo próprio corpo.

Os neurônios apresentam quatro classes principais de receptores


opioides:

μ (mu)
δ (delta)
Κ (kappa)
FQ (orfanina)

Os receptores μ estão concentrados na região do corno dorsal da


medula espinal, no bulbo e na grísea periaquedutal, as regiões centrais
envolvidas com a analgesia. Além desses, essas regiões também
apresentam os receptores Κ e δ. Todos estão em posições estratégicas
para regular a sensação de dor.

Curiosidade
O número de receptores μ nos neurônios Aδ, que levam informação de
dor aguda ou rápida, é menor que o encontrado nas fibras C, que
medeiam a dor crônica. Isso explica por que a morfina é menos eficaz
nas dores agudas que nas dores crônicas.

Os receptores foram classificados de acordo com a sua afinidade pelos


seus agonistas. Um exemplo é a alta afinidade da morfina pelos
receptores μ. Ainda, há uma grande correlação entre a potência do
agonista (substância que se liga e ativa um receptor) e a sua afinidade
de ligação a esses receptores. Essa relação de localização dos
receptores opioides com as áreas centrais envolvidas na analgesia só
reforça o conceito de que há regiões do encéfalo responsáveis pela
redução ou abolição da percepção da dor.

Os opioides endógenos (produzidos pelo próprio corpo — agonistas)


foram classificados em quatro principais tipos:

Encefalinas
β-endorfinas
Dinorfinas
Orfanina

Embora apresentem diferenças de peso molecular e seletividade na


ligação aos receptores, todos os opioides endógenos possuem a
mesma sequência de aminoácidos com ação analgésica.

Já foram encontrados corpos celulares de neurônios e terminais


axonais contendo encefalina e dinorfina no corno dorsal da medula
espinal, em particular nas lâminas I e II, assim como na substância
grísea periaquedutal e no bulbo. Há ainda os neurônios do hipotálamo
que liberam β-endorfina na grísea periaquedutal.

Foi demonstrado também que injeções de morfina na grísea


periaquedutal ou região dorsal da medula espinal produzem intensa
analgesia.

A ação dos opioides é causada por dois mecanismos:

arrow_upward
Aumento da entrada de potássio nos neurônios, o que causa uma
hiperpolarização neuronal e a inibição da produção de potenciais de
ação por esse neurônio.

arrow_downward
Diminuição da liberação dos neurotransmissores pelos terminais pré-
sinápticos na região do corno dorsal da medula espinal.

Essas duas ações em conjunto diminuem a atividade elétrica dos


neurônios Aδ, C e dos neurônios de projeção.

Curiosidade
O uso de naloxona, um antagonista dos receptores opioides, bloqueia a
analgesia induzida tanto pelos opioides endógenos quanto pelos
opioides sintéticos.

Antagonista
Na área de saúde, antagonista é uma substância que se liga aos receptores
e impede sua ativação.

A morfina é um dos agonistas opioides mais utilizados no tratamento da


dor crônica. Pode ser injetada no espaço subaracnoideo da medula
espinal (intratecal), como nas cirurgias de cesariana.

A morfina provoca analgesia intensa e prolongada, mas não se difunde


muito além do seu local de injeção, o que a torna mais segura.

Esse agonista também tem sido utilizado nessa mesma via de


administração (intratecal) de forma contínua no tratamento de dores
associadas ao câncer.

Procedimento intratecal para injeção de morfina.

Outras possibilidades para


analgesia
A adenosina é um gangliosídeo de larga distribuição nos tecidos, tanto
no meio intracelular, quanto no extracelular. Sua fonte primária de
produção é o ATP, que no sistema nervoso tem função
neurotransmissora, normalmente atuando em conjunto com outros
neuropeptídeos e neurotransmissores. O ATP atua nos neurônios
através dos receptores P1 e P2, enquanto a adenosina atua nos
receptores neuronais P1 do subtipo A1 e A2A.

Os receptores do tipo A1 estão distribuídos amplamente em tecidos


neuronais e periféricos.

Os tecidos neuronais que mais expressam os receptores A1 são: córtex


cerebral, hipocampo, cerebelo, tálamo, tronco encefálico, substância
cinzenta periaquedutal e medula espinal. A ativação desses receptores
promove a ação inibitória neuronal, isto é, reduz a produção de
potenciais de ação neuronais. Essa redução da atividade excitatória já
foi demonstrada para os neurônios nociceptivos do gânglio da raiz
dorsal da medula espinal. A ação da adenosina sobre esses neurônios é
mediada pelo aumento da entrada de potássio e pela hiperpolarização
neuronal — ação bem parecida com a da morfina e de outros opioides.

Os receptores do tipo A2A estão restritos ao SNC e sua ação é

antagônica aos receptores A1, aumentando a entrada de cálcio, o que

aumenta a corrente elétrica e a liberação de neurotransmissores por


esses neurônios. O papel desses receptores na nocicepção ao nível de
SNC também é antagônico.

Em resumo, enquanto os receptores A2A apresentam ação nociceptiva

(aumentam a dor), os receptores A1 possuem papel na analgesia. O

efeito analgésico da ação da adenosina, portanto, é mediado pelos


receptores A1, cuja localização está em concordância com as vias

descendentes da analgesia, e seu efeito é provocado pela


hiperpolarização dos nociceptores, impedindo a liberação de
neurotransmissores por esses neurônios.

Atenção!
O sistema nociceptivo é complexo, assim como as vias de analgesia.
Ainda são necessários muitos estudos para esclarecer os mecanismos
que de fato estão por trás desses fenômenos, o que auxiliará no
planejamento dos protocolos de tratamento dos variados tipos de dor.

video_library
Sistemas de supressão da dor
Conheça mais sobre os sistemas endógenos de supressão da dor:
teoria do portão da dor, vias encefálicas e opioides endógenos. Vamos
lá!
Falta pouco para atingir seus objetivos.
Vamos praticar alguns conceitos?

Questão 1

Assinale a alternativa que indica uma das regiões do SNC que está
envolvida na analgesia.

A Hipocampo

B Sistema límbico

C Substância reticular ativadora

D Grísea periaquedutal

E Substância negra

Parabéns! A alternativa D está correta.

A grísea periaquedutal está envolvida na analgesia. Estímulos


elétricos e injeção de morfina nessa região provocam intensa
analgesia. As demais regiões mencionadas nas alternativas não
estão envolvidas na analgesia.

Questão 2

A teoria do portão da dor demonstra que

sinapses inibitórias estão envolvidas na inibição do


A
neurônio de projeção ao nível da medula espinal.

sinapses excitatórias estimulam o neurônio de


B
projeção provocando mais sensação de analgesia.
a ativação de sinapses ao nível do córtex cerebral
C provoca ativação das vias descendentes da
analgesia.

a ação de opioides endógenos provoca analgesia


D
mediante a ativação da grísea periaquedutal.

as sinapses inibitórias somente ocorrem ao nível do


E córtex cerebral, sendo ativadas pela atividade
elétrica das vias ascendentes da dor.

Parabéns! A alternativa A está correta.

A teoria do portão demonstra que a ativação de várias vias


sensoriais se sobrepõe na região da medula espinal e provoca
aumento da atividade das sinapses inibitórias sobre os neurônios
de projeção ou segundo neurônio. As demais alternativas estão
incorretas porque não demonstram corretamente aspectos da
teoria do portão da dor.

Considerações finais
Neste conteúdo, vimos que a dor é uma submodalidade sensorial que
faz parte de uma modalidade chamada somestesia, que engloba dentre
outros: dor; tato; sensação térmica e propriocepção.

A dor é uma sensação complexa, que atua em modificações emocionais


e orgânicas em um indivíduo. Sua percepção depende do contexto em
que o próprio indivíduo se encontra.

Conhecer como a nocicepção é iniciada na periferia, acompanhar seu


trajeto até a chegada ao SNC e apreender como esse trajeto se estende
até o córtex cerebral é de extrema importância para o entendimento dos
mecanismos envolvidos no processo fisiológico que desencadeia a
percepção da dor.
Além de tudo, conhecer também os mecanismos fisiológicos que
medeiam a analgesia endógena constitui um importante passo para o
desenvolvimento de estratégias envolvendo o tratamento de vários tipos
de dores, principalmente as dores de longa duração.

headset
Podcast
Para encerrar, ouça sobre os aspectos fundamentais da neurofisiologia
da dor, desde as vias ascendentes, que passam pela medula espinal até
o SNC, até os sistemas de supressão da dor em âmbito periférico e
central.

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Confira o conteúdo indicado especialmente para você!

Para complementar os seus estudos, leia o artigo de Carolina Marquezin


Giacomello e colaboradores, intitulado Dor crônica: manejo baseado nos
mecanismos. O artigo foi publicado na revista Acta Médica (Porto
Alegre), p. 13-21, 2018, e pode ser encontrado no portal da revista.

Referências
GUYTON, A. C.; HALL, J. E. Tratado de Fisiologia Médica. 11. ed. Rio de
Janeiro: Elsevier, 2006.
HOSOBUCHI, Y. Subcortical electrical stimulation for control of
intractable pain in humans: report of 122 cases (1970–1984). Journal of
neurosurgery, v. 64, n. 4, p. 543-553, 1986.

JONES, S. L. Descending noradrenergic influences on pain. Progress in


brain research, v. 88, p. 381-394, 1991.

KANDEL, E. et al. Princípios de Neurociências. 5. ed. Porto Alegre:


AMGH, 2014.

LENT, R. Cem Bilhões de Neurônios. Rio de Janeiro: Atheneu, 2001.

LONG H. et al. Current advances in orthodontic pain. International


Journal of Oral Science: 2016, 1–9.

PURVES, D. et al. Neurociência. 2. ed. Porto Alegre: Artmed, 2005.

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