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Família Wings

10/2023
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A Série

Doctors Series
Sinopse
Ela o odeia. Ele não se cansa dela.

Minha vida era simples até a chegada de Vincent Cove,


um bilionário americano (irritantemente gostoso). Ele quer
transformar a casa senhorial onde moro e trabalho em um
hotel luxuoso.
Sobre o meu cadáver.
Sou apenas uma garota de uma cidade pequena,
enfrentando a fortuna gigantesca de Vincent, mas não vou
cair sem lutar. Vou enfrentar este trator bilionário.
Se eu soubesse de seus planos, definitivamente (talvez)
não teria dormido com ele. E estou determinada a ignorar a
química que cresce entre nós.
Exceto que seu charme distrai, sua persistência é
irritante e seus antebraços, mandíbula acentuada e sorriso
diabólico são absolutamente exasperantes.
Pelo menos não preciso me preocupar com ele ficar por
aqui. Um cara irrequieto confesso, ele não pode se
comprometer com um pedido de almoço antes do meio-dia,
então não há como ele ficar por aqui tempo suficiente para
que eu me apaixone por ele.

Um romance independente, inimigo a amantes, em cidade


pequena.
UM

Kate

Meus dedos dos pés ainda latejam de excitação, mesmo


depois de todos esses anos abrindo a casa de chá em
Crompton Estate. Estou realmente ansiosa por cada novo dia
– e realmente, quantas pessoas podem dizer isso sobre seu
trabalho? Destranco a porta e viro a placa na janela para
“aberto”. Hoje serviremos chá, café, bolos e panquecas, sem
falar na sopa do dia da Sandra, à centenas de visitantes
sorridentes. Estimulados por um passeio pelos lindos jardins
de Crompton, eles farão uma pequena pausa antes de
continuarem o passeio pelos jardins ou voltarem para casa.
A magnólia do lado de fora da casa de chá acabou de
florescer, e eu sei que as pessoas vão abrir nossa porta
enquanto comentam sobre as flores que crescem tão grandes
quanto minha cabeça e o doce perfume que me diz que
estamos em meados de maio. É a mesma coisa todos os
anos. Isso deixará todos de bom humor hoje. Como alguém
poderia não estar de bom humor ao visitar Crompton? É
impossível.
Os compassos de abertura de “I Feel Pretty” de West
Side Story filtram em minha direção. Meu sorriso se alarga e
eu giro para encarar Sandra, que ligou os alto-falantes e
começou a cantar. Eu me junto enquanto giro de volta para o
balcão.
— E tenho pena de todas as garotas que não sou eu
hoje, — canto.
Não tenho uma ótima voz, mesmo que quisesse, nunca
teria conseguido chegar ao West End, mas posso cantar bem
o suficiente para a produção dramática amadora de Frozen,
em Crompton, que apresentamos no ano passado. Eu era
Elsa, e Sandra, apesar de ser trinta anos mais velha que eu,
era Anna.
— Como está a vovó? — Sandra pergunta. Todo mundo
chama minha avó de “Vovó”. Ela mora e trabalha nesta
propriedade há trinta anos e faz parte dela tanto quanto a
casa de campo onde mora.
— Bem. O resfriado dela passou completamente agora.
— Estou folheando os comentários na página do Instagram
de Crompton. Eu administro a conta oficial e recebo um
pequeno aumento no salário do café para cobrir o trabalho
adicional necessário. — Você gosta desta? — Viro o telefone e
estendo-o para que Sandra possa ver a foto da magnólia que
tirei quando cheguei.
— Elas são todas lindas, — diz ela.
— Esse é o problema. Há tanta beleza ao nosso redor
que ficamos mimadas. Não percebemos quão sortudas somos.
— Não há perigo de esquecermos, — diz Sandra. —
Temos você nos lembrando o tempo todo.
Eu rio. Sou descaradamente entusiasmada com o lugar
onde vivemos e trabalhamos. Não só não me pergunto se a
grama é mais verde do outro lado das muitas colinas da
propriedade, sei com certeza que não são.
— Vou postar. Vou colocar as outras em nossos stories.
A campainha acima da porta toca e eu dou a volta no
balcão e me viro para encarar o primeiro cliente do dia.
O que espero ver é um casal de aposentados querendo
se aquecer com uma xícara de chá antes de iniciarem sua
visita autoguiada pelos jardins. Ou talvez um grupo de
turistas japoneses que querem que eu explique o mapa.
A última pessoa que espero encontrar entrando pela
porta é um homem tão alto que precisa se abaixar para não
bater a cabeça na viga, um homem que arregaçou as mangas
da camisa branca revelando os antebraços de uma forma que
parece quase provocativa. Ele para bem em frente ao balcão,
olhando para mim como se eu fosse uma fatia da torta
Bakewell da Sandra e ele fosse me devorar.
É seguro dizer que o homem à minha frente não é o
cliente típico de Crompton.
Consigo manter meu sorriso enquanto cumprimento
nosso novo cliente, apesar de ter quase certeza de que estou
corando só de olhar para ele.
— Bom dia. Como posso ajudá-lo?
Uma expressão divertida cruza seu rosto. Eu
absolutamente não quero saber o que ele está
pensando. Porque pela forma como o canto da boca dele se
contorce e seus olhos se arregalam, eu simplesmente sei que
seja lá o que for, é imundo.
— Chá? Café? — Eu sugiro, um pouco nervosa. —
Temos caixas de suco de laranja na geladeira. — Aceno em
direção à unidade que contém as bebidas geladas.
Sandra se aproxima de nós e eu a vejo pelo canto do
olho, colocando o bolo de chocolate no balcão. Mais tarde
faremos um sorteio do horário em que será consumida a
primeira fatia. É sempre o último a ser pedido, mas depois
que a primeira fatia acaba, é como a Black Friday - pedidos
ininterruptos até que acabe. Antes disso, barras de granola
caseiras e bolo de cenoura representavam a maior parte dos
negócios de cada manhã.
— Você não é um cara bonito? — Sandra diz para o
perfeito estranho na minha frente, que ainda nem me disse se
quer chá ou café. Sandra coloca as mãos nos quadris e
caminha em minha direção, e portanto do estranho, como se
o estivesse inspecionando, certificando-se de que ele é tão
bonito quanto pensou. Não há dúvida sobre isso. O cabelo
castanho escuro brilhante, os lábios carnudos, aquele
queixo... até mesmo a sugestão de uma ruga entre os olhos
adiciona intensidade ao seu rosto bonito.
A boca do cliente se curva em um quarto de sorriso.
— Obrigado.
— E americano! — Ela diz como se tivesse acabado de
ser apresentada a uma zebra.
Vemos americanos todos os dias. Ou na maioria dos
dias, pelo menos.
Sandra me cutuca. — Ele é americano.
Eu não posso deixar de sorrir. Sandra é
involuntariamente engraçada pelo menos quarenta por cento
do dia. Nos outros sessenta ela está cantando, o que a torna
a colega perfeita. Além disso, ela não tem filtro, tem talento
para cozinhar, e eu a conheço desde que nasci. Sandra é
família.
— Bolo de cenoura? — Sugiro, tentando ignorar Sandra
e me concentrar no meu trabalho, o trabalho com que sonhei
enquanto crescia e comecei quando tinha dezesseis anos.
— Um café preto, — diz ele.
Em vez de preparar um café para o cliente, enquanto
recebo o pagamento, Sandra se apoia no balcão.
— Você mora na América? — Ela pergunta. — Está aqui
de férias?
— Isso custará uma libra e cinquenta, e o questionário
de Sandra é totalmente opcional.
Ele ri e minhas coxas queimam. É verdade que não há
muitos homens bonitos vagando pela propriedade
Crompton. E não saio frequentemente da propriedade, a não
ser para dar um pulo na aldeia se preciso de ir aos correios
ou ao supermercado. Não cruzo o caminho de muitos homens
da minha idade que se parecem com o homem à minha
frente, mas meu corpo está tendo uma reação tão visceral a
ele que estou muito grata por já ter passado um tempo desde
que me aventurei mais longe. Talvez eu tenha tido algum tipo
de mudança hormonal e começaria a ter convulsões no chão
se fosse visitar Cambridge, tropeçasse em uma esquina e me
encontrasse diante de um grupo inteiro de homens.
Embora seja improvável que uma dúzia de homens
juntos tenha a confiança desse em frente agora. Ela escorre
por todos os poros dele. Em apenas alguns segundos de
interação, posso dizer que ele é um homem que sabe o que
quer.
Um homem que consegue o que quer.
— Não é um questionário, — diz Sandra. — Estou
apenas conversando um pouco. Eu gosto de pessoas. O que
posso dizer?
— No momento moro nos Estados Unidos, — responde
ele.
Estou prestes a perguntar se ele quer pagar em dinheiro
ou cartão quando ele levanta o telefone em resposta à minha
pergunta não feita, balançando a cabeça quando ofereço a ele
o leitor de cartões.
— Tenho família aqui. Vou encontrá-los esta manhã
para visitar os jardins.
— Adorável, — eu digo.
— Um homem de família, — diz Sandra em
confirmação. — Você é casado?
Com isso, o homem ri. Não tenho certeza se são todas as
questões ou a natureza pessoal desta questão específica.
— Eu não sou. — Seu olhar desliza para o meu e depois
volta para Sandra.
— Vou trazer seu café, se você quiser se sentar. Pode
escolher as mesas. — Quero bater na testa com a palma da
mão. Claro que ele pode escolher as mesas. Ele é o único
aqui. Não é como se algumas fossem reservadas para VIPs.
— Obrigado, — ele diz antes de se virar para sair.
Observo enquanto ele se senta, desdobra as pernas
debaixo da mesa e pega o telefone.
— Ele é lindo, — diz Sandra enquanto nós duas
olhamos para ele.
Ele olha para cima abruptamente, nos pegando
enquanto olhamos. O constrangimento sobe pelo meu
pescoço e olho para a caixa registradora à minha frente como
se fosse um laptop e eu estivesse fazendo um trabalho
importante.
Ele ouviu Sandra?
— Você vai nos colocar em apuros, — eu sussurro.
— Você precisa de um pouco de problema em sua
vida. Um pouco de emoção ou aventura.
— Gosto da minha vida como ela é, — respondo. A
propriedade Crompton é aventura suficiente para mim. Estou
feliz aqui. Isso é o que conta.
— Vinte anos atrás, eu teria escalado aquele homem
como se fosse uma árvore, — diz Sandra.
— Você foi casada e feliz, — eu a lembro.
Ela dá de ombros. — Mas você não.
— Eu estou feliz. — Conheço a aventura, por isso gosto
de estar aqui, no café, cantando músicas de shows e servindo
bolo de cenoura.
O estranho levanta os olhos do telefone e nossos olhares
se cruzam. Ele não desvia o olhar e eu também não.
DOIS

Vincent

Jacob e Sutton não estão atrasados. Estou


adiantado. Eu queria conhecer o lugar antes de me distrair
com alguma coisa: a casa de chá, as toalhas de mesa de
algodão rosa, as músicas de shows cantadas pelas duas
mulheres atrás do balcão. Quero dar uma olhada, sentir os
jardins, a aparência da casa quando não está lotada de
turistas. Preciso ser capaz de ouvir o que meu instinto está
me dizendo. Sou fã de dados, mas mesmo que os números
pareçam bons, quando estou fazendo um investimento, o
meu instinto também tem de dar a sua aprovação.
— Tudo bem por mim na América... — A senhora atrás
do balcão começa a cantar a próxima música que sai pelo
alto-falante. Eu sorrio. Ela com certeza está feliz.
O som de passos se aproximando me faz olhar para
cima.
— Seu café, — diz a funcionária mais jovem.
— Obrigado, — digo, girando a caneca para que a alça
fique na direção oposta.
— Oh, outro canhoto, — diz ela, radiante. Ela está
vestindo um uniforme listrado rosa com gola de babados e
avental branco. Realmente não deveria ser tão atraente
quanto é. Parece tão inocente.
— Sua amiga gosta de cantar, — eu digo.
— Nós duas gostamos, — ela responde. — Eu não seria
capaz de trabalhar em qualquer lugar onde não pudesse
cantar. — Ela diz isso sem rodeios, e não tenho certeza se ela
está falando sério até que seu rosto se abre em um largo
sorriso.
Ela é deslumbrante.
Seus olhos azuis quase brilham e seu cabelo está preso
em um rabo de cavalo que balança enquanto ela anda... e
imagino quando ela está fazendo outras coisas também.
— Posso servi-lo em algo mais?
Eu estreito meus olhos. — Nada no menu.
Ela cora e eu me castigo mentalmente por não ser mais
cavalheiro.
— Não preciso, obrigado.
A campainha da porta toca e Sutton entra. E Parker...
eu não estava esperando por ela. Seguida de perto por Jacob
e Tristan, noivo de Parker.
Eu me afasto da mesa e me levanto.
— Viemos como um quarteto, — diz Sutton. — Preciso
ver o máximo de amigos possível nos meus dias de folga.
— Quanto mais, melhor, — eu digo, puxando Sutton
para um abraço. Quanto maior a multidão, mais parece um
típico dia em família, que é exatamente como eu quero que
seja. Minha família são jogadores involuntários no meu jogo
hoje.
Todo mundo está puxando cadeiras e tirando os
suéteres e eu olho para o balcão e vejo o olhar da mulher
mais jovem. Sem que eu diga nada, ela pega um bloco e se
aproxima do grupo.
— Bom dia a todos. Bem-vindos a Crompton. Posso
trazer alguma coisa para vocês?
Observo enquanto ela anota cuidadosamente cada
pedido, recapitulando para todos o que acabaram de
dizer. Entre cada pedido, seus olhos deslizam para os meus,
como se estivesse verificando se ainda estou aqui.
Então a campainha toca novamente e minha tia e meu
tio entram.
— Estou congelando, Carole. É por isso que estou
usando dois suéteres e um casaco.
Minha tia ignora as reclamações do meu tio, ela está
acostumada, e é envolvida pelos abraços do filho, da futura
esposa e dos amigos deles.
Olho para o balcão e minha amiga está vindo para cá
novamente. — Duas xícaras de chá e um bolo de cenoura
para John, — digo.
— Ele vai tomar duas xícaras de chá? — ela
pergunta. Então balança a cabeça e percebe o que eu quis
dizer. Ela olha para minha tia e meu tio enquanto eles tiram
suas camadas. Um pequeno sorriso surge nas bordas de seus
lábios. Ela vira a caneta na direção de Carole e John em um
movimento que ninguém além de mim teria percebido. —
Seus pais?
Eu sorrio. Não é apenas a senhora mais velha que é
cheia de perguntas.
Dou alguns passos até o limite da multidão e ela me
segue. — Qual o seu nome? — Eu pergunto.
— Kate.
Observo seu rosto – as ondas escuras que escapam de
seu rabo de cavalo, as três sardas que ela tem na maçã do
rosto esquerdo, e aprecio o rubor subindo por seu
pescoço. Não pretendo envergonhá-la.
— Eles são meus tios, — explico. — Jacob é meu primo,
o mais velho de Carole e John. Sutton é sua futura esposa.
— Noiva, — ela me corrige.
Eu sorrio e enfio as mãos nos bolsos para me impedir de
fazer qualquer outra coisa com elas. — Então Parker é a
melhor amiga de Sutton e Tristan é seu noivo.
Ela balança a cabeça como se estivesse satisfeita com a
minha resposta.
— Grande vibração familiar. Muitos noivos.
Eu rio. — Não para mim. — Eu encontro o olhar
dela. Não sei por que estou flertando tanto. Não é como se eu
fosse pegar o número dela ou levá-la para jantar. Mas há
uma atração nela que não consigo explicar.
— Estamos esperando Nathan também. Outro
primo. Eu tenho cinco. A esposa de Nathan está ocupada no
trabalho, então não se juntará a nós.
Ela suspira, vira-se para mim e coloca a mão no meu
braço. O gesto é muito familiar, mas parece completamente
certo.
— Tenha um dia maravilhoso. — Ela diz isso com tanta
sinceridade que me pega de surpresa. Então ela se vira e
volta para o balcão.
— Obrigado, Kate, — eu grito atrás dela.
Uma música familiar começa a tocar e então ouço a letra
de abertura, é “Good Morning”, de Singing in the Rain.
— Não fazem mais assim, — diz John. — Ótima peça
musical. Nada dessas bobagens de Andrew Lloyd
Webber. Singing in the Rain é um musical de verdade.
— “The Dueling Cavalier”, — diz Carole. John ri.
— Agora isso é um musical. — Então é a vez de Carole
rir.
É bom vê-los felizes, embora eu não tenha ideia do que
estão rindo.
— Você está bem aí? — Eu pergunto.
— Eu ficaria melhor com uma xícara de chá, — diz
John. — Precisamos ir até aí e fazer o pedido?
— Não, — eu digo, — já está chegando.
— Você é um bom sujeito, Vincent. Ao contrário do meu
grupo.
Eu sorrio, mas o formigamento na minha nuca se
intensifica.
Kate retorna com uma bandeja de bebidas. — Posso
servi-los em algo mais? — Ela se vira para olhar para mim.
— Talvez quando Nathan chegar, — eu digo.
— Até Nathan, então. — Ela sorri para mim e depois se
volta para o balcão, cantando enquanto caminha.
— As mulheres britânicas são a melhor opção, — diz
Sutton.
Viro-me para ela e fica claro que ela estava me
observando, observando Kate. Eu rio.
— Mulheres lindas estão por toda parte, Sutton.
— Alguma vez já esteve apaixonado? — Ela pergunta.
Eu realmente não quero entrar nisso. Acho que é normal
que casais recém-apaixonados queiram a mesma coisa para
todos que conhecem, mas não fui construído assim. Sou uma
pessoa inquieta, desinteressada em encontrar “Aquela” com
quem ficar pelo resto da minha vida. Não estou interessado
em algo pelo resto da minha vida. — Eu amo a vida, —
respondo. Para minha sorte, a porta do café se abre e Nathan
entra, de braços dados com uma mulher que é pelo menos
sessenta anos mais velha que ele, o que a coloca firmemente
na casa dos noventa.
— Aqui estão eles, Gladys. Eu disse que eles esperariam
por mim. Agora, vamos sentá-la. — Nathan olha para cima e
acena para mim. — Vincent, podemos providenciar uma
xícara de chá para Gladys? Vamos trazer duas xícaras de chá
e um suco de laranja. A filha e a neta voltarão do banheiro
em um minuto.
Vou até o balcão para fazer o pedido de Gladys. Kate
parece ter desaparecido, mas a porta atrás do balcão se abre
e ela volta.
Trocamos olhares antes que ela perceba que tem mais
clientes.
— Gladys! — Kate diz. — Não te vi na semana
passada. Tudo certo? — Ela contorna o balcão e assume o
lugar de Nathan, acompanhando Gladys até a mesa mais
próxima do balcão.
Ela e Gladys conversam, mas não consigo entender o
que estão dizendo por causa do barulho do nosso grupo
cumprimentando Nathan. Sento-me, tomando um gole de
café e olhando para o grupo de pessoas na minha frente
tendo pelo menos doze conversas diferentes ao mesmo tempo.
— Estamos todos aqui agora? — Carole pergunta ao
meu lado.
Eu concordo. — Até onde eu sei, não há mais Coves
chegando.
Ela me dá um tapinha no joelho. — É bom te ver de
novo. Você não aparece há meses. Talvez fique um pouco
mais desta vez.
O formigamento na minha nuca quase desaparece e dou
um beijo em sua bochecha. — Venho quando posso, —
digo. — Mas devo dizer que sinto falta do lugar quando estou
fora.
— Então o que estamos fazendo aqui? — Ela
pergunta. — Não acredito que você nos trouxe apenas para
passar o dia.
Minha tia teve uma carreira extremamente distinta
como cirurgiã. Ela é de longe o membro mais esperto da
nossa família. Nada passa por ela.
— Ninguém acredita que você sugeriu passar o dia aqui,
— diz John.
Verifico se alguém, Kate e a mulher mais velha que
trabalha no café, estão ouvindo.
— Vocês podem simplesmente suspender a descrença
por algumas horas enquanto estamos aqui? Eu informarei
quando chegar a hora certa. — A última coisa que quero é ser
ouvido por Kate e pela mulher mais velha. Elas podem ouvir e
tirar conclusões precipitadas.
— Claro que nós podemos. Contanto que você esteja
bem, — diz Carole.
Recebo regularmente mensagens de texto ou e-mails e
ligações de todos os meus primos e até do meu tio, mas é
sempre Carole quem verifica se estou bem. Ela faz isso desde
que eu era criança. Eu costumava fantasiar sobre perder meu
avião de volta aos Estados Unidos depois de um verão
passado na Inglaterra com Carole e John. Acho que foi por
isso que fiz a universidade aqui. E por que estudei
medicina. Eu queria ser igual a eles.
Ter uma família, assim como eles.
— Mais do que bem, — eu a tranquilizo. — Você sabe
como gosto de rastrear um bom investimento.
Ela levanta as sobrancelhas, mas não diz mais
nada. Vou informá-los mais tarde. Só comprarei este lugar se
o conde aceitar o preço que estou disposto a pagar. Só não
tenho certeza de qual é esse preço e descobrir é o que importa
hoje.
John tosse e espia o balcão. — Esse bolo de chocolate
parece muito bom, Carole...
— Não, John. São dez e cinco e você acabou de comer
bolo de cenoura.
Ele resmunga e toma outro gole de chá.
Eu sorrio e me recosto na cadeira.
É bom estar de volta.
TRÊS

Vincent

No estacionamento, depois de três promessas de que iria


para Norfolk antes de voltar para Nova York, fico ao lado do
carro enquanto minha família sai.
A presença deles aqui era um disfarce, mas foi bom vê-
los.
Verifico a hora e vou até a casa. Apenas o terreno está
aberto ao público, mas se vou comprar a propriedade inteira,
preciso ver a casa também.
Conforme as instruções, passo por um pequeno portão
preto em um muro nos fundos de uma propriedade, onde
encontro o corretor de imóveis esperando por mim.
— Brian, — eu digo.
— Vincent. Que bom que você conseguiu
comparecer. Desculpe por não poder ver os jardins com
você. Mas posso lhe mostrar a casa sem problemas.
Ele não precisa saber que já visitei os jardins. E
enquanto examinava o terreno ao redor da casa, pude ver o
estado das coisas à distância. O telhado precisa de conserto,
senão de substituição. A pintura está descascando em certos
lugares que não são imediatamente perceptíveis. E há ervas
daninhas crescendo nas calhas. A decadência não é óbvia, a
menos que você esteja procurando por ela, e eu estou
procurando. Não só porque quero saber quanto terei de pagar
para deixar o lugar em ordem, mas também quero saber até
que ponto o conde está desesperado para vendê-lo.
— Mostre o caminho, — eu digo.
— Vamos começar pela frente da casa, como se você
chegasse pela entrada. Você realmente sentirá a
grandiosidade do lugar.
Sigo-o pela parte de trás do prédio, observando as
paredes rachadas e o papel de parede enrolado dos cômodos
pequenos e apertados pelos quais passamos, até chegarmos
ao hall de entrada, que parece muito diferente.
— Você pode imaginar ser um visitante aqui, o pé-direito
duplo, aquela escadaria ampla, causa impacto assim que
você passa pelas portas.
Enfio as mãos nos bolsos e olho para cima e ao
redor. Brian está certo, a entrada é impressionante e poderia
ser grandiosa. Parece um pouco precária e mal-cuidada. Os
tapetes que sobem as escadas estão gastos e parece haver um
vazio no espaço. É como se a arte e os móveis que deveriam
adornar as paredes e preencher os quartos se destacassem
mais pela sua ausência.
— O proprietário se mudou?
— Absolutamente não. Mas desde que a condessa
morreu, o conde perdeu o amor pelo lugar.
— Ela morreu há cerca de cinco anos?
Brian assente. Brian é o corretor do conde, não
meu. Aparentemente, não preciso ter um no Reino
Unido. Significa que economizo dinheiro, mas, ao mesmo
tempo, acho que ele poderia ser mais aberto se eu fosse
representado.
— Então ele está querendo seguir em frente.
— Isso dói para ele, mas sim, ele não quer mais a
manutenção.
— Compreensível. É caro e demorado cuidar de um
lugar assim.
— Deixe-me mostrar a biblioteca, — diz ele.
Viramos à esquerda para entrar na sala repleta de
livros. Duas cadeiras de couro com encosto em forma de asa
ficam de cada lado de uma pequena mesa. Mas, além dos
livros, parece vazio.
— Ele se livrou dos móveis? E artes? Parece haver
lacunas.
— Acho que, para se preparar para a venda, ele deu
uma série de peças de mobiliário e obras de arte aos
membros da família.
Se isso é verdade, não tenho certeza. Talvez o conde os
tenha vendido para manter o lugar funcionando.
— Ter os jardins abertos cobre os custos de
funcionamento do local? — Eu pergunto.
— Você gostaria de manter o café aberto? — Ele
pergunta. — E os jardins?
— Ainda não tomei nenhuma decisão, — respondo. Ele
não respondeu minha pergunta, o que significa que o café e
os jardins não cobrem a manutenção da casa. E ele sabe
disso. O que significa que o conde lhe disse, o que significa
que ele e o conde entendem que estão numa posição de
negociação fraca.
Claro, não vou manter os jardins abertos ao público de
forma alguma. Se eu transformar esta casa velha e decadente
num hotel cinco estrelas, será exclusivo. Luxuoso. Não terá
um quintal cheio de bolo de cenoura e ônibus cheios de
caminhantes aposentados.
Brian respira fundo. — Se você os fechar, o
planejamento pode ser uma batalha devido à perda de
empregos locais. Algumas pessoas trabalham na propriedade
há gerações.
— É uma aposta enorme, — eu digo. Obviamente, já
analisei a aprovação do planejamento. Tenho uma equipe
para me ajudar na tomada de decisões e, embora haja riscos
em adquirir uma casa como esta sem permissão do
planejamento, optei por maiores. As autoridades de
planeamento entendem que, a menos que estas enormes
casas senhoriais ganhem nova vida, ficarão em ruínas. As
pessoas ficarão sem trabalho e as comunidades
desmoronarão com buracos no coração. Mas Brian não
precisa saber de nada disso.
— De fato, — diz ele. — E você veio de Londres para
passar o dia? — Ele pergunta. — Ou você mora nos EUA?
Não tenho certeza se Brian sabe que está fazendo um
péssimo trabalho ao não me mostrar o quanto o conde está
desesperado para vender esta casa.
— Vou ficar na aldeia, — digo. — No pub nos limites da
propriedade.
— Oh, a Golden Hare? Lugar encantador. Ouvi dizer que
os quartos são ótimos.
Eu concordo. Não fiz check-in, então não sei como são
os quartos, mas é verdade que vou ficar lá esta noite.
— Ouvi um boato que o conde está tentando vender há
algum tempo.
A testa de Brian franze. — Tem havido uma certa
especulação desde que a condessa morreu.
Nós dois estamos dançando em torno da verdadeira
questão: será que o conde está preparado para tornar o preço
atraente para mim?
Se não estiver, vou embora, mas confesso que gosto do
lugar. Preciso de um novo desafio. Nova York não parece ter o
mesmo apelo para mim como quando me mudei para
lá. Mudar-me para uma área diferente da cidade também não
diminuiu meu tédio. Preciso de mais do que uma mudança de
cenário, e a propriedade Crompton pode ser a solução.
— Eu posso imaginar. Qual é o próximo?
— A biblioteca leva à sala matinal.
Esta sala parece algo saído de um drama de fantasia,
com um enorme lustre pendurado no teto, mesas de console
douradas ornamentadas atrás de suntuosos sofás azul-
lavanda. Quadros estão pendurados em todas as paredes,
retratos de homens e mulheres bem-vestidos do passado e
paisagens que parecem pertencer a museus. Os tapetes são
macios e tudo parece cuidado.
— Esta é uma sala agradável, — comento.
— O conde usa isto como sua sala de estar. Está em uso
diário. Mas a sala de estar formal é muito bonita.
Ele me leva de volta para o corredor e desta vez para os
fundos da casa.
— Este é o meu ambiente favorito, — diz ele. — A sala
comprida.
Três pares de portas com janelas se abrem para um
pátio com jardim e três lustres estão pendurados no teto em
frente a elas. Em cada extremidade da sala, há uma lareira
de pedra, esculpida com o que parecem ser animais, mas eu
preciso chegar mais perto.
A pintura descascada nas janelas foi grosseiramente
coberta com uma camada nova, embora ninguém tenha tido
tempo para raspar a coisa velha. Batom em um porco, e nem
mesmo um batom muito bonito.
— Seria uma excelente sala de eventos ou sala de jantar
se alguém abrisse um hotel, — observa Brian, com uma
sugestão de pergunta em seu tom.
Eu sorrio, sem intenção de responder. Ele não precisa
saber dos meus planos.
— É uma sala adorável.
Continuamos por outra sala menor, que ele chama de
salão, e outra que chama de sala de jantar, embora não
tenha mesa.
— Devemos subir para o primeiro andar a seguir?
Aceno de volta para além da sala de jantar.
— Eu gostaria de terminar este andar primeiro. E onde
entramos?
Seus lábios formam uma linha fina e reta. — Muito bem.
Voltamos para onde entrei e fica claro por que ele não
me queria aqui. As paredes estão praticamente
desmoronando no labirinto de quatro ou cinco salas que
parecem formar uma sala de bilhar e talvez outra sala de
estar. Parece que foi abandonado.
— Obviamente, precisa de algum trabalho, — diz ele.
— Obviamente, — eu digo, e ele me leva de volta ao
corredor principal. — Você teve muitos interessados no
lugar?
Começamos a subir as escadas, que sobem
dramaticamente, tal como seria de se esperar numa casa
senhorial. Eles ocupam muito espaço, o que não é o ideal,
mas é improvável que consigamos permissão para nos livrar
delas.
— Fazemos marketing para um número muito pequeno
de pessoas, — diz ele.
Deixei escapar uma meia risada. Não porque ele seja
engraçado, mas porque obviamente não está respondendo às
minhas perguntas. Se ele fosse um pouco mais aberto, eu
poderia sentir que estava em uma posição mais fraca, mas
não posso deixar de presumir o pior se ele não estiver
preparado para dizer nada.
Não adianta perguntar mais nada. Andamos de cômodo
em cômodo por alguns minutos, observando os quartos que
não parecem ter sido modernizados há pelo menos sessenta
anos. No último andar é mais do mesmo.
O lugar está desmoronando. O conde está desesperado
para vender. E preciso de um novo desafio.
As estrelas estão se alinhando sobre Crompton Estate.
QUATRO

Kate

Amarro as alças do meu avental verde na cintura e


coloco as mãos nos quadris.
— Acho que estamos prontas para abrir, — grito,
examinando as mesas, todas com baldes de zinco contendo
facas e garfos embrulhados em guardanapos e bandeja de
condimentos. Limpei cada mesa com o anti-bac, apesar de
todas estarem limpas.
George, o dono da Golden Hare, aparece na porta. —
Bom trabalho, porque vamos abrir estando você pronta ou
não.
Eu sorrio amplamente para ele, mesmo sabendo que ele
não está brincando. Ele é tão excêntrico, é engraçado.
— Você se limita às bebidas, George. Já organizei a
comida.
Ele resmunga. Sei que ele está grato por eu ter vindo
esta noite. Há um vírus circulando e Meghan, que deveria
estar de plantão, ligou dizendo que estava doente. Somos
garçonetes, mas posso cuidar disso. É segunda-feira. Nada
acontece numa segunda-feira. Embora o americano alto e
lindo tenha entrado na casa de chá hoje. Ele era
incrivelmente bonito, mas foi sua confiança que selou o
acordo. Ele simplesmente tinha um jeito que me fazia querer
tirar minha calcinha.
Examino os menus do caixa, verificando se estão no
lugar certo e ajusto os que foram colocados
incorretamente. Então pego um bloco e uma caneta e os
coloco no bolso da frente do meu avental. Olho ao redor
novamente, verificando se não perdi nada, quando vejo algo
que não tinha visto antes na prateleira de carvalho que
circunda a sala, cerca de trinta centímetros abaixo do
teto. Está repleto de pequenas imagens e bugigangas da
propriedade: uma ferradura, uma caixa de latão, vasos de
barro cheios de flores secas que não fazem nada além de
acumular poeira. De vez em quando, quando está calmo,
puxo cada coisa para baixo e limpo, para saber exatamente o
que há lá em cima. Mas hoje, o que parece ser um prato
amarelo entrou na mistura.
— George, — eu chamo. — Qual é a do prato amarelo na
prateleira? — Não é grande coisa e realmente não é da minha
conta. É que, durante os cinco anos em que estou neste
emprego, nada de novo apareceu lá.
Não há resposta de George, então puxo uma das
cadeiras e coloco-a debaixo da prateleira. Quero dar uma
olhada melhor.
Parece um prato simples e amarelo. O que isso está
fazendo aqui? Destaca-se contra os itens desgastados que
estão lá desde sempre. Por que George colocaria isso aqui? O
teto com vigas expostas é baixo e posso quase tocar a parte
de trás da prateleira se ficar na ponta dos pés.
Pego o prato e, ao fazê-lo, uma voz ressoa atrás de mim:
— É você de novo.
Todos os meus instintos lutam entre si. Quero me virar
para ver quem está falando comigo, mas ao mesmo tempo
quero manter o equilíbrio e não quebrar o prato.
Mas todos os meus instintos falham e não consigo fazer
nenhuma dessas coisas.
Tudo começa a ficar confuso e perco o equilíbrio ao
mesmo tempo em que meus dedos se atrapalham e o prato
escorrega da minha mão. O tempo passa mais devagar e,
enquanto caio para trás, tento imaginar onde vou cair e se
vou acabar perdendo meu turno hoje à noite porque terei que
ir ao hospital com um ferimento na cabeça. ou uma perna
quebrada. Eu me pergunto se ainda poderei fazer meu turno
na casa de chá amanhã e se Sandra conseguirá segurar o
forte sem mim. As terças-feiras são movimentadas. Sempre
recebemos pelo menos duas festas de ônibus.
Cair é tão inconveniente. Mas fecho os olhos e me
preparo para o impacto.
Não caio no chão como esperava. É como se alguém
tivesse pressionado um botão de pausa e eu paro no ar.
Demoro um pouco para descobrir que alguém me pegou.
Abro um olho e percebo que devo estar desmaiada e
sonhando com o belo estranho americano da casa de chá,
aquele que me deu alergia a calcinhas. Fecho os olhos
novamente e percebo que se estou abrindo e fechando os
olhos conscientemente, talvez não esteja inconsciente.
O calor inunda meu corpo e abro os olhos
rapidamente. — Você me pegou, — eu digo.
— Eu peguei, — sua voz é profunda e sonora e posso
senti-la vibrar entre minhas coxas. — Você está tonta ou
consegue ficar de pé? — Ele pergunta.
— Eu gostaria de tirar uma soneca, — respondo,
olhando em seus olhos. — Infelizmente, não posso fazer isso
até que meu turno termine. — Suponho que deveria ficar de
pé. Estou perfeitamente consciente de suas mãos em mim –
na parte superior das minhas coxas e nas minhas costas. Ele
é grande, como um berço de tamanho adulto. É quase como
se tivesse sido feito para me pegar.
— Podemos esperar alguns minutos, se você quiser
apenas descansar. — Ele sorri para mim.
— Ah, obrigada. Talvez só até o primeiro cliente
chegar. Você é extremamente... — Tento encontrar a palavra
certa. Sexy? Sim, isso funcionaria, mas é um pouco
inapropriado, já que ele é um estranho e um homem para
quem provavelmente servirei um hambúrguer dentro de uma
hora.
— Você quer dizer quando segundo cliente chegar, — diz
ele.
— Ah, suponho que sim, se você estiver contando a si
mesmo.
— Eu esperava ser um cliente, mas estou feliz em
esperar até depois do seu cochilo.
A situação já está estranha e não vai melhorar até que
eu deixe ele me colocar no chão, apesar da minha vontade
muito real de tirar uma soneca em seus braços. Ou,
francamente, qualquer coisa em seus braços.
— Na verdade, já me sinto revigorada. Obrigada. — Eu
digo e ele me coloca no chão.
— A qualquer momento.
Eu faço uma careta. — Não é algo que você deveria dizer
se não estiver falando sério. Gosto muito de tirar uma soneca,
dentro ou fora do horário.
— Ah, estou falando sério, — ele diz, e assim como
antes, ele olha para mim como se estivesse com fome e eu
fosse uma Golden Hare especial. — Sempre que você quiser
descansar, é só me avisar.
Acho que podemos estar flertando. Eu tenho um radar
de paquera tão ruim que é difícil dizer. Mas ele não parece
chateado por eu ter caído sobre ele. Não tenho certeza se isso
significa que ele é paquerador, cavalheiro ou nenhum dos
dois. Ou ambos.
— Com certeza, — respondo com um sorriso que
combina com o dele. — Enquanto isso, você gostaria de uma
mesa? E Nathan e a equipe se juntarão a você?
Dessa vez ele riu. — Sou só eu. Minha família voltou
para... — Ele para, gesticulando vagamente com a mão. —
Vou ficar. — Ele levanta o queixo para indicar que está nos
quartos que George aluga.
— Ah, — eu digo. — Isso é ótimo. Uma estadia
prolongada. — Isso é ótimo. Mas também é um pouco
estranho. Os hóspedes que alugam quartos aqui geralmente
são famílias que se divertem em Range Rovers imaculados
vindos de Londres, ou casais que também chegam em Range
Rovers impecavelmente limpos. Basicamente, atendemos
pessoas que se acham caipiras, mas moram na cidade.
Esse cara é um cara da cidade. Ele nem está fingindo.
— Você veio até aqui em um Range Rover? — Pergunto
enquanto lhe mostro minha mesa favorita, sob a aquarela da
Ponte Matemática de Cambridge.
—Não. Isso é um requisito?
— Claro que não, — eu digo. Mas faria mais
sentido. Exceto que ele ainda não combinaria. Ele precisaria
de uma esposa ou namorada com ele. Por que ele viria
sozinho? — Alguém vai se juntar a você?
— Não, a menos que você queira sentar comigo, — diz
ele. — Você esteve muito de pé hoje.
Inclino a cabeça, tentando guardar as maçãs do seu
rosto na memória. Eu poderia conseguir isso com
contorno? O que eu estou pensando? Nas poucas vezes que
tentei contornar, ficou parecendo o traseiro de um macaco. —
Segundas-feiras são, na verdade, meus dias menos
ocupados. Em termos de clientes. As coisas começam a
esquentar nas terças-feiras.
Ele segura meu olhar e é como se tivesse me
incendiado. Alguém poderia derreter marshmallows em mim.
— Esquentar? Conte-me sobre isso.
Esse cara é um problema. E não quero participar
disso. Risque isso. Quero todas as partes, mas estou de
plantão e preciso anotar o pedido do jantar antes que George
saia e grite comigo. O que ele fará de qualquer maneira, mas
prefiro não ser culpada de nada que valha a pena os gritos.
— É tudo sobre as festas do treinador, — eu digo,
chovendo em todo o seu desfile de flerte. — Posso falar
detalhadamente sobre nossas ofertas especiais, se isso
funcionar?
— Não é o que eu esperava, mas vamos em frente, — diz
ele.
— O salmão com molho holandês caseiro é incrível. E,
claro, é um peixe oleoso, então você receberá ômega-3. Ou há
o hambúrguer de frango com leitelho. — Eu estremeço. —
Consideravelmente menos ômega-3, mas, honestamente, é
delicioso e contém uma boa dose de triptofano.
Ele me olha bem nos olhos e é como se tivesse me
colocado em um pão de brioche e acabado de adicionar um
pouco de maionese. Juro que o cara quer me comer. E não
tenho certeza se não quero que ele faça isso.
— Vou querer o que estiver delicioso.
Estreito os olhos para meu bloco de pedidos e narro
cuidadosamente enquanto escrevo: — Um frango com
leitelho. Posso te trazer uma
bebida? Acompanhamentos? Brócolis para evitar um leve
ataque cardíaco?
Ele ri. — Você sempre distribui conselhos nutricionais
junto com o cardápio?
— Nem sempre. Mas você é americano. Pode não
entender como as coisas funcionam aqui no Reino Unido.
— Porque o salmão não contém ômega-3 nos EUA?
Eu dou de ombros. — Provavelmente não. Mas eu não
saberia, porque nunca estive lá. — Faço uma pausa enquanto
um arrepio percorre todo o meu corpo com a ideia de ir para
América. Ou realmente em qualquer lugar no exterior
ou... distante. — Estou errando por excesso de
cautela. Brócolis?
— Claro, — ele diz. — E suponho que você não tenha
uma tequila, não é? — Ele diz isso como se soubesse que é
um tiro no escuro.
— Eu quero beijá-lo na boca agora. — Digo isso antes
que meu cérebro possa desligar minha boca.
— Porque eu pedi tequila? Ou meu pedido de bebida foi
incidental ao seu repentino desejo de me beijar?
— Ambos, — eu digo, antes de gritar: — George! Acabei
de receber um pedido de tequila. — Eu volto para... Não
acredito que não sei o nome dele. — Eu o convenci a comprar
tequila no mês passado. Ele acha que ninguém vai pedir isso.
Bah, esse cara é o presente que continua sendo
oferecido. Ele me salvou de uma viagem ao hospital esta noite
e eu posso dizer “eu avisei” para meu chefe rabugento por
causa dele. Além do flerte? Ele está me fazendo sentir como
se eu fosse Adriana Lima sem asas de anjo. Eu deveria fazer
com que ele preenchesse um bilhete de loteria para mim.
— Fico feliz em ajudar, — diz ele.
— Vou trazer um pouco de água com gás para você
também, — digo. — Por conta da casa. Com você salvando
minha vida, oferecendo-se para me deixar tirar uma soneca e
depois me deixando dar uma surra em George.
A porta da frente se abre e os Radcliffes entram. Esta
noite é o décimo quarto aniversário da filha deles.
Olho de volta para o americano.
— Eu voltarei com suas bebidas.
Aceno para Carly Radcliffe enquanto me aproximo.
— Eu tenho sua mesa para vocês. Feliz aniversário,
Ilana! — Ilana fica vermelha de vergonha.
Mostro a mesa dos Radcliffe e pego alguns cardápios
para eles. Eles já devem saber o que está sendo oferecido de
trás para frente e, de qualquer maneira, vão pedir o que
comeram na quarta-feira passada. Só mudamos o cardápio
duas vezes por ano, do verão para o inverno. Então, a cada
dezoito meses, George acrescenta um prato novo e tira outro,
momento em que Meghan, Peter e eu gememos
constantemente por pelo menos seis semanas até nos
acostumarmos. Acabamos de adicionar uma salada Cobb que
ninguém pede. Eu me pergunto por que George não nos
consulta antes de fazer essas coisas.
Olho de volta para o americano e sinto minha calcinha
puxando, tentando se libertar por baixo da saia. Ele é tão
lindo. E essas mãos? Esses ombros? Até suas sobrancelhas
são quentes. Como isso é possível? E ele é fofo para
conversar. Fácil. Não se leva muito a sério. Não se importa
quando eu caio nele e fico ali sentada por um tempo.
— Como vocês estão esta noite? — Eu pergunto aos
Radcliffe. — Devo trazer uma jarra de água da torneira e pão
de alho com queijo para todos vocês comerem? — É isso que
sempre faço pelos Radcliffes. Sem dúvida, George gritará
comigo por trazer o pão antes de fazerem o pedido, porque ele
me dirá que as pessoas deveriam estar com fome quando
pedirem ou pedirão menos, mas sei que isso é uma merda
quando se trata dos Radcliffes. Não importaria se eu pedisse
um pão de alho com queijo para cada um. Eu sei que Carly
vai pedir o frango, Dave vai pedir o lombo mal-passado. Joe
pedirá a lasanha ou a pizza e Ilana pedirá o hambúrguer de
frango e comerá apenas duas mordidas.
— Obrigada, Kate, — Carly diz e eu volto para o caixa
para fazer os pedidos.
Quando finalmente sirvo a tequila do americano, porque
George se recusa, pego uma bandeja com o copo e a água
com gás.
— Tequila e água com gás, — digo enquanto coloco as
bebidas na mesa. — Você queria pura, certo?
— Absolutamente, — diz ele. — Obrigado.
— É um prazer, — respondo.
Ele levanta as sobrancelhas. — É?
Uma onda de luxúria percorre minha espinha e reprimo
um arrepio, mas mantenho seu olhar. — É.
— Eu gosto disso, — ele responde.
Viro-me e volto para a cozinha antes que minha boca
possa passar por cima do meu cérebro novamente. Corro o
risco de lhe dizer que estou cem por cento atraída por ele, e
seja o que for que ele queira fazer comigo com aqueles lábios
carnudos e mãos grandes e fortes, estou dentro.
CINCO

Vincent

Eu não esperava desfrutar tanto do jantar no Golden


Hare. Ver Kate aqui foi uma surpresa inesperada. Ela é
divertida. E sedutora. E uma lufada de ar fresco que estou
desejando tão desesperadamente agora. Eu a observei
passando de mesa em mesa, anotando pedidos, batendo
papo, entregando pratos e bebidas e mais pratos e mais
bebidas.
— Oh, não! — Kate diz enquanto se aproxima da minha
mesa. — Você não gostou do frango com leitelho? Nunca
conheci ninguém que não gostasse disso.
— O frango estava excepcional, — respondo.
Ela olha do meu prato para mim e depois de volta para o
meu prato. — Não parece que você achou excepcional. E o
triptofano que você está perdendo?
Eu me pergunto se ela interroga algum cliente que não
termina a comida ou guardou isso só para mim? — Acho que
posso sair para correr mais tarde. Só não quero comer
demais.
Ela estreita os olhos para mim como se estivesse
decidindo se estou ou não dizendo a verdade.
Quero ver como fica a Crompton House no escuro e
quero confirmar o que já sei: vou fazer uma oferta pela
propriedade. Preciso contratar um arquiteto, um topógrafo e
uma equipe de pessoas para examinar o local, mas estou
confiante de que conseguiremos fazer funcionar.
Pelo preço certo.
— Correr? — Ela pergunta como se devesse ter me
ouvido mal.
— É como caminhar, mas mais rápido, — explico.
Ela não sorri em agradecimento à minha piada. Em vez
disso, ela ainda parece confusa. — Como se você fosse pegar
um ônibus?
— Eu não saberia. Nunca peguei um ônibus.
— Porque você não gosta de ônibus?
— Eles não estão entre as dez coisas que mais gosto no
mundo.
— Hmmm. — Ela pressiona o dedo nos lábios enquanto
pensa e eu não consigo desviar meus olhos. Parece que os
seus lábios estão pressionados contra o meu pau e os seus
sons estão vibrando nas minhas bolas. — Você tem uma
lista? — Ela pergunta.
— Não e você?
— Não, mas eu poderia montar uma rapidamente.
— Gosta de estar preparada, — digo com um sorriso.
— Eu gosto de você, — ela diz, sua boca se curvando em
um sorriso.
— Eu também gosto de você. Você quer se juntar a mim
na minha corrida? — Tomo um gole da minha tequila, me
perguntando se ela está interessada em levar essa conversa
para algum lugar onde ela não esteja trabalhando.
— Absolutamente não. — A decepção balança em meu
peito. Ela é divertida e preciso de mais disso na minha
vida. — Mas se você estiver por perto quando eu terminar
meu turno, farei sexo com você.
Eu meio que engulo, meio rio e acabo ganindo como um
cachorro. Calma, Vincent. Muita calma.
— Isto é, se você voltar da corrida, — acrescenta ela. —
Tenho algumas fotos para enviar para a conta do Instagram
da Crompton, que administro, e não tenho outros
planos. Você quer sobremesa? — Ela me oferece o cardápio
em sua mão e depois o tira de mim. — Não. Não te quero
lento. Outra bebida?
Não aceito formalmente a oferta de sexo de Kate, mas
ela está confiante o suficiente para não precisar da minha
confirmação. Peço outra tequila, grato pelas pequenas doses
dos britânicos, e divido minha atenção entre meu telefone e
observar Kate. Ela parece conhecer muitos dos clientes. Ela
trabalha aqui há muito tempo ou eles têm muitos clientes
fiéis ou ambos. Faço cálculos mentais de quanto fatura um
lugar como esse. Não pode ser muito. Certa vez, pensei em
comprar uma rede de pubs em Norfolk, mas não consegui
aumentar os números, embora gostasse da ideia.
Kate olha para minha mesa de vez em quando, e talvez
seja eu, mas o calor parece aumentar entre nós a cada
minuto que passa.
Meu telefone vibra e recebo uma mensagem da minha
assistente sobre os prazos para minha equipe chegar a
Crompton. Viro meu telefone sobre a mesa exatamente
quando me lembro de Kate mencionando uma página do
Instagram.
Eu abro o aplicativo. Pedi a minha assistente para criar
um perfil para mim há algum tempo. É totalmente anônimo,
é claro, e não tem seguidores, mas me permite pesquisar a
página imobiliária de Kate em Crompton. Isso me pega de
surpresa. A casa e os jardins estão lindos. Não que não sejam
bonitos, mas as fotografias de Kate parecem captá-los da
forma mais bonita possível. Talvez seja a hora do dia – a luz
que ela capta. Ou talvez seja a maneira como ela consegue
mostrar o que é excepcional, ao mesmo tempo que exclui
artisticamente a pintura descascada e as paredes
rachadas. Tenho quase certeza de que ela não é fotógrafa
profissional, mas é difícil dizer.
Meu telefone toca na minha mão e corro para atender a
ligação. Nos EUA ainda estão trabalhando e quero ter certeza
de que minha assistente está alinhando uma equipe no Reino
Unido para visitar a Crompton House nos próximos
dias. Quero estar em posição de agir rapidamente se surgir a
oportunidade. Eu corro riscos, mas não sou um jogador.
Assim que volto para o pub, olho nos olhos de
Kate. Volto ao meu lugar e, da próxima vez que há um
intervalo entre as mesas, ela se aproxima.
— Pensei que tinha ido embora.
— Não.
— Onde você foi? — ela pergunta.
Eu rio. “Não” seria suficiente para a maioria das pessoas
na minha vida. Eles não esperariam mais explicações. Isso
não é verdade para minha família. E aparentemente isso não
é verdade para Kate. — Saí para atender uma ligação. Nos
EUA ainda estão trabalhando.
— E você trabalha nos EUA?
— Muito do meu trabalho é baseado nos EUA, sim.
— Certo, — ela diz. — Você não foi embora.
— E deixar de fazer sexo com você? Absolutamente não.
É a vez dela de rir. — Você não precisa ficar por aqui se
tiver outras coisas para fazer. Sua corrida ou algo
assim. Posso ir até o seu quarto quando terminar.
Abandonei a ideia de correr. Posso ver a casa à noite em
outra hora e, além disso, acho que um treino muito mais
agradável pode estar me esperando no final do turno de
Kate.
— Eu gosto de observá-la. — Eu a localizei por todo o
restaurante esta noite. Ela está relaxada, como se este lugar
fosse o seu lar. E ela cumprimenta a todos como se fossem
velhos amigos, mesmo quando algumas pessoas são
claramente novas para ela. Ela é tátil, pressionando a mão
nos braços dos clientes quando eles falam ou dando tapinhas
no ombro deles quando saem.
Ela gosta de tocar. Mas desde que a coloquei de pé mais
cedo, ela não me tocou. Ainda.
— Gosto que você me observe, — ela responde. O ar
entre nós fica mais denso e, pela primeira vez desde que a
conheci esta manhã, Kate muda de uma perna para a outra,
como se a ideia de desfrutar da minha atenção fosse
desconfortável para ela. Ela se vira e imediatamente alguém a
chama. Restam apenas duas mesas e uma delas acabou de
pedir a conta. Eu verifico meu relógio. Eu percebo que
sairemos daqui em breve. E então posso tê-la.
Continuo observando-a enquanto ela acompanha os
últimos clientes, tranca a porta atrás deles e começa a encher
os pequenos baldes de lata que ficam nas mesas e guardam
os talheres. Ela ocasionalmente conversa com o cara atrás do
bar ou com o chef ou com quem quer que esteja no canto que
não consigo ver. Observo enquanto ela limpa diligentemente
todas as mesas, tomando cuidado para não perder um
centímetro quadrado, depois arruma todas as cadeiras e
desaparece atrás do bar.
Ela reaparece alguns minutos depois, com as mãos
atrás das costas enquanto desamarra o avental.
— Terminei, — diz ela, dobrando o avental e colocando-o
perto da caixa registradora.
Eu não posso deixar de sorrir.
— Sou o próximo na sua lista?
Ela ri. — Minha lista está completa. O resto da noite é...
— Minha?
— Eu ia dizer minha. Mas talvez você possa ter um
pouco.
Estou começando a pensar que posso gostar de tudo
isso.
SEIS

Vincent

Ela gira quando entramos no quarto e, por um


momento, acho que ela vai começar a cantar.
— Não gosto de reclamar, mas fiquei um pouco
decepcionado com a falta de músicas de shows esta
noite. Isso é estritamente uma coisa diurna?
Ela está deitada na cama, com o cotovelo apoiando-a e a
mão sob a cabeça. — Suponho que sim. George odeia música
em pubs, então não tenho nada para cantar.
— Então há uma Kate diurna. E uma Kate noturna. E
agora posso ver Kate depois do expediente. — Eu vou até ela
e a puxo para ficar de pé.
— Depois do expediente, Kate definitivamente não canta.
Inclino a cabeça um pouco para a esquerda.
— Mas ela grita? Meu nome, especificamente.
Ela ri. — Confiança não lhe falta, mas eu teria que saber
seu nome para gritá-lo. — Ela coloca um dedo nos meus
lábios. — Não me diga. Eu quero adivinhar. Brad?
Pego suas mãos e entrelaço meus dedos nos dela.
— Vincent.
Ela inclina a cabeça, olhando para mim, e isso me
aquece por dentro.
— Ok, posso ver isso.
— Estou satisfeito que você aprove.
Ela solta a mão e passa um dedo pelo meu
queixo. Tenho que suprimir um arrepio. Sob seus dedos, me
sinto como um gato com vontade de me esticar e deixá-la
passar os dedos por todo o meu corpo.
— Eu aprovo, — ela sussurra.
Eu seguro seu pescoço e pairo, meus lábios quase
tocando os dela. Quero prolongar este momento o máximo
possível – o momento antes de mudarmos de marcha. Gostei
do empurrão e do puxão, de seu calor, de seu humor, e não
quero que o próximo minuto seja menos do que tudo isso. É
incomum para mim não querer correr para a próxima
estaca. Não gosto de ficar parado, mas neste momento não
tenho pressa de estar em qualquer lugar que não seja aqui
mesmo.
A respiração entre nós esquenta e meu pulso acelera
como se fosse um cachorro se esforçando para se soltar da
coleira. Seus lábios são morangos maduros e engulo ao
pensar que em breve estarei afundando no sabor deles.
Ela levanta o dedo e acaricia meu pomo de adão.
— Até o seu pescoço, — ela diz.
Eu estreito meus olhos. — Meu pescoço?
Ela levanta um ombro em um gesto de indiferença. —
Exala por todos os poros. — Ela diz isso como se fosse uma
explicação que eu possa entender. Desviando o olhar do meu
pescoço, ela olha para cima e deve ver confusão no meu
rosto. Ela acrescenta: — Confiança. Carisma. Seja o que for,
você tem.
— O mesmo para você, — eu digo. Conheci muitas
pessoas na minha vida e não há nada mais magnético do que
alguém que se sente confortável com quem é. Como Kate é.
Ela fica na ponta dos pés e nós nos unimos. Nossas
bocas se encaixam como uma chave na fechadura, e gemo de
alívio por esse momento não ter sido uma decepção. Ela é
melhor do que eu esperava e tem um gosto mais doce. Eu
circulo meu braço em volta de sua cintura, puxando-a para
mais perto de mim para que seu corpo se encaixe no
meu. Ela se parece como quando a peguei antes que ela
caísse no chão: macia em todos os lugares certos.
Ela me beija como se precisasse, como se tivesse
esperado a noite toda para me provar. Eu a beijo de volta
exatamente da mesma maneira.
Passando as mãos pelos meus lados, ela puxa minha
camisa da calça, deslizando os dedos por baixo e sobre minha
pele. A sensação toma conta de mim e é difícil identificá-
la. Desejo, sim. Luxúria, sim. Mas também uma sensação
profunda de que estou exatamente onde deveria estar. É uma
sensação dez vezes mais satisfatória do que boa, mas
também é um pouco desconcertante porque não consigo me
lembrar da última vez que me senti assim.
Eu passo por isso, enfio meus dedos em seu cabelo e
aprofundo nosso beijo. Ela se atrapalha com o botão da
minha calça e eu afasto suas mãos, pressionando suas costas
em minha direção. Ela não vai me despir. Ainda não.
— Eu quero senti-lo, — ela diz. Sua mão envolve minha
bunda e ela olha para mim, implorando.
Eu quero aproveitar isso.
Dou um passo para trás e me sento na cama. — Eu
quero observá-la.
Tiro os sapatos, me estico e relaxo. Ela não se move por
alguns momentos, como se estivesse pensando no que fazer a
seguir. Ela faz seu típico gesto de um ombro só antes de seus
dedos irem para os botões de sua camisa branca.
— Então, você ficou me observando a noite toda, — diz
ela. — Em que momento achou que isso iria acontecer?
— Acho que o momento em que você disse que faria
sexo comigo foi provavelmente um ponto de virada.
Ela levanta o olhar para o meu e sorri. — Bem, não era
isso que você estava me pedindo, de uma forma indireta?
— Talvez?
— Então fui direto ao assunto. — Ela tira a camisa dos
ombros para revelar uma pele perfeita e impecável.
— Você certamente vai.
— As mulheres devem fazer propostas a você o tempo
todo, — ela diz enquanto tira a calça jeans. Ela não está
fazendo nenhum esforço para me provocar ou me
seduzir. Não foi uma pergunta, então não ofereço uma
resposta. Acho que temos tempo limitado e prefiro não perder
a oportunidade de observá-la sem conversar.
Eu sorrio enquanto ela pula em um pé só para tirar a
calça jeans.
— Não há maneira sexy de tirar o uniforme de
garçonete, — ela me informa enquanto tira a calça na cadeira
atrás dela e fica de calcinha. Ela é inconsciente, mas não de
uma forma ingênua. Mais que ela sabe quem ela é e, mais
importante, quem ela não é. É atraente, como um filme do
qual você não consegue tirar os olhos ou uma peça musical
que deseja tocar continuamente.
— Ah, eu discordo. Nunca vi um strip-tease tão sexy.
Ela fecha os olhos em uma longa piscada e balança
levemente a cabeça antes de se aproximar de mim e montar
em mim, um joelho de cada lado dos meus quadris.
— Bem, se isso for verdade, vou te surpreender esta
noite, então prepare-se.
Eu rio e me sento, ficando cara a cara. Estendo a mão e
abro seu sutiã com um movimento dos dedos. Ela levanta os
braços e seus seios se movem para cima, perfeitamente
alinhados para eu capturar um mamilo em minha boca. Eu
trabalho minha língua, sacudindo e girando, roçando-o com
os dentes, me enterrando em seu perfume de flores
frescas. Seus dedos passam pelo meu cabelo e ela se move
contra mim. Depois mudo para o outro seio, enquanto meus
dedos apertam e puxam o mamilo que foi aquecido pela
minha boca.
Deus, eu adoro seios. E adoro como a maioria das
mulheres não sabe quão sensíveis são. Quero dizer, elas
sabem, mas na verdade não sabem. Seus quadris começam a
se levantar um pouco e ela tenta afastar minha cabeça, mas
não me movo.
Temos a noite toda. Não há pressa. Ela entrou neste
quarto pensando que iria dar uma trepada rápida e, quarenta
e cinco minutos depois, sairia e iria para casa encontrar seu
vibrador para acabar com isso, porque sou algum pobre
idiota que não consegue fazer uma mulher gozar. Mas nada
disso vai acontecer.
— Vincent, — ela diz com um suspiro. — Eu quero te
sentir.
Eu respondo virando-a de costas, sentando-me ao lado
dela e continuando minha exploração.
— Você. Tem. Ahh. Oh, Deus. Um. Fetiche. Por
mamilos? — Ela arqueia as costas enquanto pressiono meus
dentes ao redor dela.
Deslizo a palma da mão por sua barriga e dentro de sua
calcinha, para baixo, para baixo, para baixo, em seu calor
úmido. Não sou eu que vou gozar com o que minha boca está
fazendo.
Ok, sou eu. Gosto de poder deixar uma mulher
encharcada quando não toquei em sua boceta. Gosto de
poder deixar uma mulher tão excitada que esteja pronta para
fazer qualquer coisa por mim. Absolutamente qualquer coisa.
Mas não tenho nada a provar, por isso, sem tirar a boca
do seu seio, passo o dedo para frente e para trás através das
suas dobras.
Ela torce os quadris para longe de mim, como se
estivesse tentando escapar. — Vincent.
Coloco minha coxa sobre a dela para mantê-la no lugar
e deslizo dois dedos dentro dela, circulando, puxando e
pressionando enquanto bato, mordo e lambo.
Ela balança debaixo de mim, como um cavalo que não
esperava a sela.
Ela sugeriu isso. Mas não estava esperando por isso.
O pensamento faz meu pau pressionar contra minha
braguilha, desesperado para foder.
Ela solta um pequeno gemido e um gemido escapa da
minha garganta como se estivesse preso ali há anos. Ela é tão
quente, macia, molhada e perfeita.
Seus dedos envolvem meu pulso e ela engasga: — Você
precisa parar agora ou eu vou gozar.
Mas não vou parar agora. E da maneira como me sinto
neste momento, talvez nunca.
Empurro meus dedos profundamente e cerro meus
dentes em torno de seu mamilo e mordo.
Duro.
Ela grita, com as pernas tremendo, não sei se são seus
sons, seu movimento ou seu orgasmo que vibra
pela minha espinha. O prazer dela e o meu prazer estão
inextricavelmente ligados, girando em torno de nós, nos
unindo.
Levanto a cabeça enquanto ela cobre o rosto e puxo seus
pulsos. Ela vira o rosto para longe de mim.
Dou um beijo em cada mamilo, seus dedos encontram a
parte de trás da minha cabeça novamente e ela suspira.
— Você está bem? — Eu pergunto enquanto nossos
olhares se encontram.
Um pequeno vinco aparece entre as sobrancelhas. — Eu
não tenho certeza.
Dou um beijo na lateral de sua cabeça. — Esta noite não
é o que você esperava.
— Não, — ela diz.
Um minuto se passa, ela entrelaça os dedos nos meus e
se senta.
— Você é bom.
Eu rio, mas aceno. Se Kate não pratica falsa modéstia,
eu também não.
— Estou um pouco assustada, — diz ela. — Mas
também...
Por um momento eu penso que ela vai fazer algum tipo
de confissão sobre como viu Deus ou algo assim, mas eu
deveria saber melhor.
— Com tesão.
Eu rio.
Ela me puxa para cima dela enquanto cai de volta na
cama.
— Seu cheiro é tão bom. O que é isso? — Ela pergunta
entre beijos.
— Eu sinto seu cheiro, — eu digo.
É tudo que posso sentir. Flores frescas de verão.
Ajoelho-me e tiro a camisa, depois saio da cama para
tirar as calças. Pego uma camisinha na carteira.
— Podemos muito bem tirar isso do caminho, — diz
ela. Não tenho como saber o que ela vai dizer. Pode ser
qualquer coisa, desde uma confissão de virgindade, embora
isso seja improvável, até ela dizer que não é estritamente
obsessiva.
Levanto as sobrancelhas em antecipação.
— Seu corpo é uma loucura, — ela diz. — Tipo, uau.
Um sorriso surge no canto dos meus lábios. Ajoelho-me
entre suas coxas, circulo minhas mãos em volta de sua
cintura e puxo-a em minha direção para ter melhor acesso à
sua boceta.
— Você é perfeita. — Mergulho meu polegar dentro dela,
encontrando-a apertada, molhada e doce, puxando-a e
circulando seu clitóris. Ela tenta se afastar novamente e não
sei bem por quê.
— Porque você faz isso? Tipo quando você está
realmente gostando de alguma coisa, tenta escapar? —
Coloco meu polegar na boca e a lambo, depois deslizo meu
corpo sobre o dela, prendendo sua cabeça com as mãos,
esperando por uma resposta.
— Eu não sei, — ela diz. — O que você faz... isso meio
que me pega de surpresa.
— E você não gosta de surpresas? — Eu digo,
deslizando meu pau sobre sua calcinha.
— Eu não pensei muito nisso. Eu acho que parece...
diferente. E meu instinto humano básico é me proteger
quando as coisas não são como deveriam.
Isso é um instinto humano básico? Não tenho tempo
para responder minha própria pergunta porque ela envolve as
pernas em volta da minha cintura, esfregando meu pau
contra ela.
Eu sorrio para ela. — Eu não esperava por isso, mas
não posso dizer que quero que você pare.
Rolo para o lado e tiro sua calcinha, depois pego a
camisinha.
Ela tenta se sentar. Nossos olhares se encontram e eu
balanço minha cabeça.
— Eu não posso ir por cima? — Ela pergunta com um
beicinho que é adorável pra caralho.
— Ainda não.
— Quando?
— Quando eu disser, — eu respondo.
— Você não quer um boquete? Para te deixar duro?
— Eu pareço precisar de um boquete para me deixar
duro? — Meu pau está apontando para o teto, rígido e
desesperado por liberação. Ela observa enquanto eu coloco a
camisinha. — Você está bem?
Ela exala, sua expressão um pouco preocupada.
— Sim.
— Tem certeza?
— Tenho certeza.
— Não há nada com que se preocupar. Vai ser bom. —
Deslizo sobre ela e dou um beijo em seu pescoço.
— Bom demais, — diz ela.
Eu empurro nela, apertando minha mandíbula,
observando-a enquanto ela morde o lábio inferior e seus
olhos se fecham. Eu me movo lentamente e seus braços
chegam aos meus ombros.
Ela abre os olhos. — Viu? Bom demais.
Ela está certa. Ela se sente incrível debaixo de mim. A
sensação é toda de prazer concentrado e pensamentos
passam pela minha cabeça tipo, é possível ficar aqui mais um
pouco? Em Crompton, mas também aqui. Porque eu nunca
quero parar de foder essa mulher debaixo de mim.
Suas unhas cravando em meus ombros interrompem
meus pensamentos caóticos e seus joelhos subindo de cada
lado dos meus quadris, me permitem ir mais fundo, oh, tão
profundo.
— Porra, — eu falo.
Sua respiração está pesada, meio ofegante, meio
gemendo a cada movimento que faço. Uma expressão de
medo atravessa sua expressão e é como se ela quisesse
fugir. Eu me curvo e dou um beijo em seus lábios. Ela não
pode não querer fazer isso. Porque isso é tão bom quanto
parece.
Estendo a mão por baixo dela, empurro uma perna para
cima e por cima do ombro e a mudança de posição a deixa
mais apertada de alguma forma. Olho para baixo e vejo-a
brilhar no meu pau, e tenho de fechar os olhos porque é tão
glorioso e vou gozar e tudo vai acabar tão rapidamente.
— Vincent, — ela grita.
Eu paro. Não quero que isso acabe para nenhum de
nós. Ainda não. Ela olha para mim. Desesperada.
— Respire, — eu digo. — Respirações profundas. — A
nossa pele está quente e escorregadia de suor, e embora
pareça que só estive dentro dela durante alguns minutos,
também parece que estou assim há horas.
Seu peito arfa e eu me curvo e lambo seus mamilos, com
cuidado, porque eles ficaram sensíveis com toda a atenção
que lhes dei antes.
Minha respiração se estabiliza, mas debaixo da minha
pele há um zumbido que não vai embora.
— Você está bem? — Eu pergunto.
— Não tenho certeza, — diz ela, — mas não pare.
Eu gemo e começo a me mover para dentro dela
novamente, o zumbido pressionando minha pele, e não
consigo ouvir o bum, bum, bum em minhas veias. Ela levanta
os quadris para encontrar os meus e nos chocamos, ansiosos
e desesperados. Algo explode em meu peito e percebo que
estou a cerca de três segundos de gozar.
Eu não posso parar com isso.
Eu não quero.
Mas, ao mesmo tempo, quero que esses três segundos
durem o máximo que for humanamente possível.
Empurro-a com tanta força que a levo para cima da
cama. Seu corpo se torce e treme quando ela se desfaz
debaixo de mim e eu subo, subo, subo e poooorra.
Tudo o que vejo é luz branca e flores de verão.
Não consigo abrir os olhos por minutos, horas, talvez
sejam dias. Perdi toda a noção do tempo.
— Eu preciso fazer xixi, — ela diz debaixo de mim,
eventualmente. Ela está segurando minha cintura e eu ainda
estou dentro dela.
Eu me movo e tiro a camisinha enquanto ela vai para o
banheiro. Estou exausto e talvez até morto, mas nenhuma
dessas coisas pode me impedir de observar sua bunda
enquanto ela atravessa o quarto.
Ela não fecha a porta e não consigo vê-la, mas ouço seu
xixi. Eu rio e esfrego meu rosto com as mãos. Acho que
nenhuma mulher já fez xixi com a porta aberta. Eu não tinha
percebido isso até agora.
Ouço as torneiras abrirem e então ela reaparece. Ela vai
até o frigobar e tira duas garrafas de água. — Você quer
uma?
Sento-me e aceno com a cabeça. Ela me entrega e eu a
puxo de volta para a cama comigo. Ela se senta de pernas
cruzadas na minha frente, completamente nua e eu rio de
novo porque aprecio cem por cento a vista.
— O que? — Ela pergunta, antes de tomar um gole de
água.
— Seu corpo é incrível.
— Obrigada, — diz ela, fechando a tampa da garrafa. Ela
é tão adorável.
Tomo um gole de água, coloco a tampa de volta na
garrafa e jogo no chão. Então pego a garrafa de sua mão e a
jogo para que siga a minha, e a puxo para cima de mim, de
modo que ela fique montada em mim onde estou.
— Então agora está tudo bem em eu estar no topo? —
Ela pergunta.
— Talvez um pouco.
Ela muda um pouco de lugar e a sensação escorregadia
dela acorda meu pau imediatamente. Jesus, cinco segundos
atrás, eu estava tão exausto que não tinha certeza se voltaria
a andar. Como estou pronto a foder de novo tão rapidamente?
Coloco minhas mãos em volta de sua cintura, meus
polegares encaixando sob os ossos do quadril.
Ela levanta os seios. — Meus mamilos estão um pouco
doloridos, — diz ela.
— Eles ficarão por alguns dias depois desta noite.
— Eu não sabia que gostava disso. — Ela começou a se
mover sobre mim, deslizando para cima e para baixo no meu
pau enquanto conversamos.
Eu concordo. — Você é muito receptiva.
— Como agora? — Ela inclina a cabeça para trás
enquanto acelera o ritmo e engasga. — Estou tão molhada de
novo. Estou com dor, quero tanto você dentro de mim.
Porra, essa mulher sabe exatamente o que me dizer.
— Sim? — Eu pergunto. — Você me quer
profundamente como antes? — Sinto a pulsação sob sua pele
enquanto ela se move contra mim.
— Tão profundo, — ela sussurra. — Tão, tão,
profundamente.
— Qual foi a sensação, Kate? — Mal consigo pronunciar
as palavras. Minha garganta está cheia de amoras e tequila e
eu quero tanto foder essa mulher que mal consigo respirar.
Ela choraminga e leva os dedos ao clitóris, mas afasto
sua mão. Ela não vai se obrigar a gozar. Não no meu turno.
Mas eu tenho que estar dentro dela. Eu me movo para a
beira da cama, então minhas pernas ficam no chão e pego
uma camisinha. Kate circunda meu pescoço com os braços
flácidos, bêbada de desejo por mim.
Rasgo o papel alumínio com os dentes e enrolo a
camisinha em um segundo. — Estou pronto para você.
Levantando seus quadris, eu a puxo para meu pau,
saboreando respirações profundas e desesperadas.
— Vincent, — ela grita, meio suspiro, meio gemido.
Ela está profunda assim, empalada no meu pau quase
duro demais. Seu cabelo é selvagem e indomável, e eu gosto
do jeito que fui capaz de tirar suas camadas hoje, de
garçonete com uma queda por rabos de cavalo e músicas de
show até a sedutora desfeita que dói por mim dentro dela.
Eu a levanto levemente e começamos a nos mover
juntos, seu corpo tão fluido e perfeito. É como se fôssemos
rodas em uma pista que já funciona há anos. Ela enrola os
dedos em volta do meu pescoço e nossas testas se
encontram.
— Kate. — Minha voz é gutural e áspera. Eu a trago
para mim com mais força agora, precisando entender se isso
é tão bom para ela quanto para mim.
— Simplesmente assim, — ela respira. — Oh, Deus. Oh,
Deus. Oh, Deus.
A velocidade é perfeita, a pele dela é perfeita, cada vogal
que ela geme na minha boca é totalmente perfeita.
É intenso assim. Tocando assim. Nossas respirações se
misturam enquanto damos e recebemos, empurramos e
puxamos, como se estivéssemos ambos tentando descobrir
um tesouro enterrado. Ambos trabalhando pelo objetivo final:
felicidade.
Porra de felicidade banhada à ouro.
Ela fica tensa e agora reconheço seu instinto de fugir,
ela está perto. Tão perto. Suas pernas começam a tremer e eu
aumento meu aperto enquanto seu ritmo vacila e seus
ombros sobem.
Tudo se aperta, e um trovão vindo de dentro de mim
ressoa em alerta.
Você não pode me impedir, ele sussurra.
Desta vez ela não tenta se desviar, e o pensamento de
sua submissão ao seu orgasmo, ao seu prazer, a mim – é
demais.
O trovão acelera e estou indefeso. Tudo o que consigo
ouvir é o barulho do meu sangue nas veias e só quero estar
mais perto. Eu quero mais tempo, mais rápido, mais.
Tomo sua boca na minha em um beijo selvagem e gemo
enquanto nossos orgasmos nos rasgam como um raio.
SETE

Kate

Tudo dói. Músculos que eu nem sabia que tinha


estavam doendo. Mas é uma dor boa. É a marca muito
pessoal de tatuagem que os americanos chamados Vincent
deixam em seu corpo. Felizmente posso sentar-me durante os
próximos trinta minutos enquanto estou no intervalo. Eu
realmente não deveria. Eu deveria ficar de pé e não dar a
chance de a adrenalina se dissipar, mas minhas pernas estão
prestes a fraquejar, então caio em um banco do lado de fora
da cozinha da casa de chá. Daqui, os visitantes dos jardins
não podem me ver, mas posso ver os extensos gramados na
frente da Crompton House, até as árvores do outro lado da
entrada.
Pego meu telefone e vejo que recebi uma mensagem da
vovó. Apenas se lê “leite”. Eu sorrio e respondo que vou levar
alguns comigo. Ela mora no chalé ao lado do meu e está lá há
quarenta anos, muito antes de eu ocupar o segundo quarto,
aos sete anos de idade. E durante os anos desde que me
mudei para o chalé ao lado.
Estico-me e juro que me ouço ranger. Eu me pergunto
se Vincent está se sentindo tão delicado quanto
eu. Provavelmente não. Aquele homem era puro aço. Ou ele
certamente estava com vontade. Nunca fiz sexo assim
antes. Parece quase que o sexo que fiz ontem à noite foi um
aquecimento amador para Vincent. Estar com ele foi fácil e
confortável, mas também foi o máximo que senti em muito
tempo.
Tudo foi simplesmente... mais. Seu cheiro, a maneira
como seus músculos se moviam sob sua pele, a maneira
como ele parecia entender meu corpo como se nos
conhecêssemos a vida toda. A maneira como ele parecia ser
capaz de controlar meu orgasmo, a maneira como
decidia quando eu poderia sentir. Foi tudo mais do que já
experimentei com um homem. Duvido que volte a fazê-lo. O
pensamento é uma dor surda atrás do meu
esterno. Pressiono os nós dos dedos contra o peito para
tentar soltá-lo, sem sucesso.
Nunca perguntei a Vincent o que ele estava fazendo
aqui. Eu nem sei o sobrenome dele. Mas conheço cada
centímetro daquele corpo. Deus, ele é delicioso.
Sandra coloca a cabeça para fora da porta. —
Aqui. Alguém acabou de partir o bolo de chocolate, — ela diz
e empurra um prato de bolo para mim.
— Não posso comer bolo. É praticamente hora do café
da manhã.
— Já são dez e meia. Pela sua aparência, você precisa de
um pouco de açúcar.
— Estou bem, — eu digo. Mas pego o prato e o garfo
mesmo assim. O açúcar pode ajudar. Não contei a Sandra
sobre Vincent. Claro que não. Não porque ela me julgaria. Ela
ficaria emocionada. Ela, junto com o restante dos
funcionários da propriedade, estão sempre me dizendo que
preciso me divertir, perguntando se estou namorando, ou
“paquerando”, como dizem os funcionários mais velhos. Eles
não aceitam que eu possa me divertir sem namorar ou fazer
compras com o marido ou até mesmo ir ao cinema em
Cambridge. Eu me divirto muito em Crompton.
Caso em questão? A noite passada. Nenhum namoro
envolvido. Vincent e seu pênis mágico já terão desaparecido
há muito tempo e será como se ele nunca tivesse estado aqui.
Combina bem comigo.
Eu não teria odiado se ele tivesse ficado mais uma noite,
embora provavelmente fosse melhor que não ficasse - eu
verifiquei - já que meu corpo poderia paralisar se houvesse
uma repetição da performance.
Abro a página do Instagram do Crompton e verifico as
notificações primeiro. Alguns visitantes de ontem nos
marcaram em fotos. Há uma magnólia do lado de fora da
casa de chá que deve ter sido tirada assim que abrimos,
porque há uma longa sombra da pessoa tirando a foto
embaixo das flores.
Meu estômago embrulha quando me pergunto por um
segundo se Vincent postou isso. Verifico a foto do perfil e é
apenas a imagem de uma montanha. Não seria ele, seria? Ele
não é o tipo de homem que tira fotos de lindas flores e as
publica no Instagram. Ele é o tipo de homem que olha para
você como se fosse uma fatia de bolo e te beija direto no
verão. Clico no perfil mesmo assim, mesmo sabendo que
definitivamente não é Vincent, só porque, se for, é algo que
eu gostaria de ver. Como seria a conta do Instagram de um
homem como Vincent?
Mas não é a conta do Instagram de Vincent. Percorro a
grade para cima e para baixo e descubro que provavelmente é
o casal de Harrogate que chegou logo depois que o primo de
Vincent, Nathan, chegou. Posto novamente a foto em nossa
conta, adicionando uma tag para os jardins de Crompton.
Nathan era aquele cuja esposa ou namorada não estava
com ele. Mas ele também não parecia o típico visitante de
Crompton. Suponho que eles estavam tendo uma espécie de
reunião de família, mas ainda não faz sentido por que
Vincent ficou aqui. Ele não poderia ter voltado para Londres
quando o resto da família partiu?
Estou pensando demais nisso. Por que ele estava aqui
não importa.
O barulho do cascalho chama minha atenção e eu olho
para cima. Meghan está vindo em minha direção, carregando
uma lata de Coca-Cola cheia e usando óculos escuros e uma
jaqueta inflável, apesar de estar uma temperatura amena de
vinte graus.
— Ei, desculpe por ontem à noite. — Ela me entrega um
Freddo – um sapo de chocolate. — Pegue isso. Já tomei dois
hoje.
— Uma manhã de dois Freddo. Deve ser ruim. Como
está a enxaqueca?
— Na verdade está tudo bem. Tomei a medicação cedo,
então escapei levemente. Desculpe por deixá-la ontem à
noite. — Ela se senta no banco ao meu lado.
Meu estômago revira ao pensar que quase perdi
Vincent. Se não fosse por Meghan e sua enxaqueca, seríamos
como navios passando durante a noite. — Não estava
ocupada.
— Era o aniversário da Ilana, não era? Aconteceu
alguma coisa interessante?
— Que tipo de coisa? — Eu pergunto, então percebo que
estou na defensiva por nenhuma razão em tudo.
— Taylor Swift apareceu?
— Se ela apareceu, eu não a notei, — respondo. —
George estava de mau humor. Nós... um cara que estava
hospedado lá em cima comeu aqui.
— Sozinho?
— Sim, posso definitivamente testemunhar o fato de que
ele estava sozinho.
— Veio de Londres? — Ela pergunta.
— Acho que sim. — Ele disse se ficaria em Londres
enquanto estava no Reino Unido? Ele não pode ter ficado com
a família porque eles partiram sem ele. — Ele era muito
bonito. Boa gorjeta. Ótimo na cama. — Suspiro
melancolicamente enquanto Meghan balbucia e engasga com
sua Coca-Cola.
Ela olha para mim como se perguntasse se estou
falando sério. Eu apenas dou de ombros.
— Eu realmente gostaria de ter vindo agora, — diz
ela. — Ele saiu esta manhã?
Dou de ombros novamente. Não quero que ela saiba que
verifiquei o livro de reservas quando saí. Quando fui embora
esta manhã, ele me puxou de volta para a cama para um
último beijo antes de eu dizer que precisava ir.
Ele beijava muito bem. Queria desistir do meu trabalho
e beijá-lo o dia todo. Ainda posso sentir sua barba por fazer
em meu rosto e seus dedos em meu cabelo, ouvir seus
gemidos baixos que vibravam por meu corpo.
Ele era bom em tudo.
— Deve haver algo acontecendo com a lua. Ou algo
assim, — diz ela.
— A lua?
— Sim. Tipo... você fez sexo, Basil me disse que acha
que a propriedade está à venda. Estou mastigando Freddos
como se fossem feijões de edamame. A mudança está em
andamento.
Basil era um dos jardineiros mais experientes e um
mesquinho renomado. Todos os anos ele pensava que a
magnólia não floresceria, que os gramados nunca se
recuperariam dos passos dos visitantes e que pelo menos um
dos velhos carvalhos no círculo de árvores do outro lado da
propriedade morreria.
Nos meus vinte anos morando em Crompton, ele nunca
esteve certo, mas isso não impedia que um vento de incerteza
soprasse entre os funcionários quando Basil começava a
resmungar sobre a venda da propriedade, o que ele fazia de
vez em quando.
— Porque você está tendo uma overdose de açúcar? E,
para que conste, não é como se eu nunca tivesse feito sexo.
— Oh, esqueci como você namora regularmente. Há um
rastro positivo de suas conquistas por toda Cambridgeshire.
Eu estremeço um pouco com suas palavras. Não porque
seja verdade, ou porque ela magoou meus sentimentos...
mais porque minha falta de vida social obviamente não é tão
imperceptível quanto eu pensava. Na verdade, porém, não
preciso namorar. Eu tenho tudo que poderia querer na minha
vida. Não preciso de um homem.
— Eu não disse que era normal, mas o fato de eu ter
feito sexo ontem à noite não é razão para pensar que a Lua
foi expulsa da nossa órbita ou algo assim.
— Talvez. Mas você acha que Crompton está sendo
vendida?
Tento dar uma risada despreocupada, mas acabo
bufando.
— Não, — eu digo, com um aceno de desdém. — Claro
que não. Sempre há rumores.
— Sempre há rumores porque o conde claramente não
pode pagar pelo lugar. Rio diz que teve que prender sacos
plásticos no telhado do laranjal na semana passada porque
houve um vazamento.
— E daí? — Isso parece uma solução prática para o
problema. — Tenho certeza de que é apenas uma coisa
temporária até que possam trazer alguém para consertar. O
Rio é um faz-tudo, não um especialista em laranjais.
Meghan abre o zíper da jaqueta. — Se vendesse, não
afetaria o pub, não é? Ouvi dizer que há um longo contrato de
arrendamento naquela terra.
— Crompton não está à venda. De jeito nenhum o conde
se separaria disso.
— Ele não vai viver para sempre. Mesmo que Basil esteja
errado desta vez, eventualmente a propriedade Crompton
será vendida. Não há herdeiro. Não há filhos para ele passar.
A ideia transforma meu sangue em gelo. Não suporto
pensar que Crompton pertence a alguém que não seja o
conde. Crompton é minha casa. Minha vida. O culminar de
todos os meus sonhos de infância. Gosto das coisas como
estão.
Basil está apenas sendo Basil.
Crompton não mudou desde que minha avó e meu avô
começaram a trabalhar aqui, há quarenta anos. Mesmo ao
longo das estações, as mudanças são suaves e esperadas,
fundindo-se umas com as outras como as aquarelas de uma
pintura. A vida em Crompton é uma rocha imóvel que resiste
a cada mudança, a cada obstáculo, e sai com a mesma
aparência de sempre. É parte da razão pela qual adoro tanto
estar aqui: a confiabilidade consistente, a expectativa de
tudo, a falta de mudanças. Basil pode jorrar todas as
profecias sombrias e macabras que quiser; a propriedade
Crompton não vai a lugar nenhum.
OITO

Vincent

Trabalhar remotamente, com todos os participantes de


uma reunião na tela à minha frente, não é algo que comecei
durante a pandemia. Sempre trabalhei assim. Sim, tenho um
escritório em Nova York e alguns funcionários trabalham
lá. Mas eu trabalho onde quer que esteja. E no momento
estou em Londres. Isso significa que meu escritório também
fica em Londres.
Tenho vista para o Hyde Park da minha suíte preferida
na cobertura do Four Seasons on Park Lane, o que é o
cenário perfeito para qualquer reunião. É um pouco diferente
do meu quarto no Golden Hare em Crompton. Flashes de
lembranças da noite que passei lá com Kate passam pela
minha cabeça. Ela era bonita.
— O que quero no final desta reunião é primeiro
perceber se Crompton é financeiramente viável. E se for,
quero saber qual é a nossa oferta inicial, — digo a Jason,
meu diretor financeiro. Sei por experiência própria que ele
está sentado à mesa do conselho no escritório de Nova York,
com sua equipe ao seu redor para que possamos tomar uma
decisão rápida. Ele sabe que não quero esperar que ele
verifique x, y e z com seu pessoal. Vou querer a resposta
durante esta reunião.
— Recebemos números da equipe durante a noite, — diz
ele. — Embora os arquitetos tenham uma gama enorme,
dependendo das nossas instruções. O mesmo se aplica ao
inspetor de construção e ao empreiteiro principal.
— Isso é compreensível, — eu digo. — Só quero que você
faça uma análise de sensibilidade para entender nossos
melhores e piores cenários.
Jason fica em silêncio, que é o que sempre faz quando
pensa que não estou entendendo o que ele está dizendo. Mas
eu entendo.
— Entendo que os números do lucro dependem do
número de quartos. E isso impacta os custos de construção.
— Sim, — ele diz. — Você precisa tomar uma decisão
sobre o número de quartos hoje. Sem ver os desenhos finais
do arquiteto.
— Mas precisamos da metragem quadrada de cada
cômodo antes de podermos decidir, — digo. — E esses caras
são os melhores. Eles trabalharam com todas as marcas de
hotéis cinco estrelas em todo o mundo. Vamos colocá-los na
tela. Quero ouvir o que eles têm a dizer. Vamos trazer o
projetista e o empreiteiro para isso também.
Enquanto minha assistente traz mais pessoas para
nossa ligação, eu abro o Instagram e vou para a página de
Crompton. Quando vejo uma nova imagem no feed, meu
coração bate contra meu peito.
Sobre o que? É uma maldita fotografia.
Mas eu sei quem tirou a foto. E além disso é linda, com
o tijolo vermelho da casa iluminado no escuro e as árvores
sombreando o fundo. Kate tem talento, quer ela saiba disso
ou não.
Clico nos comentários e adiciono “Linda”. Parte de mim
espera que ela sorria ao ver isso. Outra parte de mim quer
que ela saiba que fui eu quem postou.
Antes de desviar o olhar, recebo uma notificação. Ela
gostou da minha mensagem.
Kate está online agora. Eu me pergunto se ela está no
café, tocando músicas ao fundo, verificando o telefone entre
os clientes. Penso em seu uniforme listrado rosa e deslizo
minhas mãos sob a saia, minha pele contra a dela,
novamente.
Outra notificação aparece. Eu tenho uma
mensagem. Deve ser ela. Certo?
Meu coração acelera e eu clico nela.
Sim. Assim como pensei.
— Estou muito satisfeita que você gostou das imagens
de Crompton. Você já visitou?
É como se a adrenalina tivesse sido derramada em
minhas veias e eu pudesse senti-la acelerando em meu
coração.
Ela envia mensagens para todos que comentam suas
fotos?
Olho para a tela. As pessoas ficam silenciadas enquanto
esperamos a chegada de membros adicionais da equipe. Eu
levanto e me afasto. Não tenho certeza se estou me
escondendo ou se quero privacidade. Para que? Vou mandar
uma mensagem para ela de volta?
— Claro, — respondo. — Eu amei. — Tanto, que vou
comprar o lugar, não digo.
— É um lugar muito especial, — ela responde. — Moro
na propriedade desde os sete anos de idade. Não há outro
lugar que gostaria de chamar de lar.
A adrenalina vira gelo e eu aperto o botão na lateral do
meu celular, deixando a tela preta. Ela mora na
propriedade? Ela deve morar em um dos chalés dos
funcionários. Aqueles que pretendo transformar em
acomodação adicional se comprar o lugar. Ela será forçada a
chamar outro lugar de lar.
Fecho os olhos, tentando afastar aquela sensação
familiar de pavor que revira meu estômago de vez em
quando. Ela vai ficar bem. Nós vamos descobrir alguma
coisa. Algo tão bom quanto o lugar em que ela está no
momento. Eu vou ter certeza disso.
Eu me sento. De volta aos negócios.
— Então, — eu digo, — se quisermos pelo menos 42
metros quadrados em cada quarto padrão, onde isso nos
deixa?
Peter, que trouxe para me aconselhar sobre hotéis,
contribui. — Queremos que entre quinze e dezessete por
cento dos quartos sejam suítes, com área útil entre noventa e
cento e trinta metros quadrados. A exceção é a Suíte Real,
que deve ter cerca de duzentos e vinte. Se retirarmos as
suítes, quantos quartos standard teremos?
Ele pergunta à arquiteta, que começa a levantar os
desenhos que tem à sua frente. — Retirando as suítes
sobraria cento e vinte e dois quartos standard e
executivos. Além dos quartos nas casas dos funcionários
convertidas.
Essa era a resposta que Jason e eu esperávamos. A
revelação de Jason é que ele não reage se obtiver a resposta
que deseja. Ele aprendeu comigo.
— Então, cento e trinta e três quartos no total, — diz
Jason.
Eu sei que ele fez as contas e, com esse número, a casa
é viável como negócio. Só precisamos saber o que posso
oferecer ao conde, o que depende dos custos de construção e
reforma.
Jason fala novamente. — Preston e Frank, vocês podem
nos dar seus números agora que têm número de quartos,
certo?
— Posso lhe dar uma variável, — diz Preston, o designer.
— Eu não quero uma variável, — interrompo. — Você
sabe quantos quartos. Você sabe quantas camas
comprar. Quero que me diga os requisitos orçamentários.
Acho que as pessoas podem fazer coisas mesmo quando
acham que não podem. Você apenas precisa pressioná-las
para encontrar seus reais limites. As pessoas nunca
trabalharão dentro dos seus limites ou além deles se não for
necessário.
Depois de discussões adicionais, Jason e eu recebemos
nossos números e, um por um, todos saem da reunião até
que apenas Jason e eu permaneçamos na tela.
— Este é um grande investimento, — diz Jason. — Um
dos seus maiores. Você está olhando para nove dígitos.
— Mas funciona. WACC1 excede doze por cento?
— Sim.
Eu ouço a cautela em sua voz. Ele trabalhou para mim
por muito tempo para que eu fosse indiferente a isso.
— Diga-me como eu caio fora, — eu digo. Eu sempre
preciso de uma saída. Em todos os meus investimentos,
certifico-me de que haja uma porta aberta para eu sair
quando quiser fugir. Não estou preso a nada.
— Podemos estruturá-lo de várias maneiras. Se quiser
manter a dívida simples, alugue antes do início das
reformas. Conceda um contrato de arrendamento de vinte
anos ao Four Seasons ou a quem quer que seja.
— Então serei apenas o senhorio?
— Sim. Ou você poderia fazer uma venda e relocação se
quisesse liberar o capital. Ou pode simplesmente aproveitar
todo o projeto.
— Isso não me tira daqui.
— Não, isso apenas liberaria seu dinheiro.
— Suponho que seja um começo. Quando os números
não funcionam?
— Você não pode pagar a mais ao conde pela
propriedade. E precisa obter permissão de planejamento.
— Vou conseguir permissão de planejamento. — Já tive
conversas presenciais com o departamento de

1 WACC é a sigla para o termo em Inglês “Weighted Average Cost of Capital” que
determina o custo conjunto do capital levantado por uma companhia. Esse capital
pode advir de fontes internas (como os próprios acionistas) ou de fontes externas
(como os bancos).
planejamento. Prefiro lidar pessoalmente com as áreas de
maior risco. Os membros do comitê com quem conversei
sabiam que o conde iria vender, assim como sabiam que a
casa não era sustentável como está.
— É um risco, — diz Jason.
O risco em si não me preocupa. — Acho que, pelo que
você está me dizendo, há muito poucas desvantagens.
Jason ri. — Acho que é um grande projeto que vai exigir
muito tempo e atenção. E... Só não sei se é para você.
— É para mim porque isso vai me render dinheiro. Não
se preocupe. Não estou planejando me tornar o novo
conde. Colocarei alguém em quem confio lá, como sempre
faço. Não é como se eu fosse ficar por aqui e fazer o check-in
dos hóspedes na recepção. É um investimento. Precisarei
estar no terreno por algumas semanas e depois deixarei isso
para a equipe. Assim como qualquer outro projeto como este
que fizemos.
— O WACC é de quatorze vírgula dois por cento, desde
que você pague menos de dez milhões e obtenha permissão
de planejamento, — diz Jason. — Isso é melhor do que o
melhor cenário quando colocamos os números no verso de
um envelope. E o que achamos que o conde pedirá para
vender?
— Ele está claramente motivado, — eu digo. — Acho que
tudo se resume a saber se ele tem outros compradores.
Meu instinto me diz que somos os únicos compradores
interessados. Também suspeito que o conde gosta de mim e
ficaria feliz em me vender. Consegui encontrá-lo em um
jantar beneficente esta semana, logo depois de visitar a casa.
— Não ultrapasse nove, — eu digo. — Me ligue quando
terminar.
Eu saio da reunião e pego meu telefone. Ainda está na
página do Instagram de Crompton, o comentário de Kate
ficou sem um resposta minha.
Começo a digitar. — Aposto que foi um lindo lugar para
crescer.
Também é um ótimo investimento.
Um que não estou disposto a deixar passar.
NOVE

Kate

É raro que o pessoal do Crompton Estate seja convocado


para uma reunião com o conde. Na verdade, não consigo me
lembrar de uma época em que isso tenha acontecido antes,
mas de todos os lados da propriedade, as pessoas estão se
dirigindo para a casa, onde fomos convidados a nos reunir na
sala comprida. Os jardins só estão fechados há quinze
minutos, mas nesse tempo consegui terminar de arrumar a
casa de chá e correr para casa para buscar a vovó.
— Basta ter calma, — digo à vovó, que avança sob o sol
de junho. — Temos muito tempo.
— Eu sei, — ela diz. — Eu só quero sentar na frente.
— Você acha que eles devem ter colocado assentos na
sala comprida? — Eu pergunto. — Parece um aborrecimento
terrível para mim. — A vovó aperta os lábios de uma forma
que indica que ela não está me dizendo tudo. — Você acha
que as pessoas vão ficar chateadas e precisarem se
sentar? Você acha que o conde está doente?
Ela balança a mão na frente dela como se estivesse
espantando galinhas. — Esse homem viverá até os cento e
dez anos. Ele está bem.
— Você acha que ele vai anunciar demissões? — Eu
pergunto. Esse foi um dos rumores que Sandra
sugeriu. Outra era que os chalés dos funcionários passariam
por uma reforma e teríamos que nos mudar
temporariamente. Depois, é claro, há a teoria da conspiração
de Basil de que o conde está vendendo a propriedade.
— Querida, olhe o lugar, — diz ela. — Tem um saco
plástico cobrindo um buraco no telhado do laranjal. Há ervas
daninhas crescendo nas rachaduras das paredes.
— Não há, — respondo. — A casa parece ótima. Mas o
que você está tentando dizer?
— Quero dizer, os chalés dos funcionários.
— Você está exagerando. Talvez o conde esteja
anunciando bônus para todos nós. — Não creio que seja uma
possibilidade real, mas não creio que seja menos possível do
que qualquer uma das outras sugestões que ouvi hoje.
— Acredite em mim, eu mesmo vi isso. Uma margarida
floresceu logo acima do rodapé de Basil na semana passada.
— Você deveria ter dito. Eu ficaria feliz... — Eu faço uma
pausa. Não tenho certeza de qual é a solução apropriada para
margaridas entrelaçadas. — Arranque-a. E tenho certeza de
que Rio taparia qualquer buraco por fora.
— Só estou dizendo que o conde está ficando sem
dinheiro.
É como se alguém tivesse roubado o ar dos meus
pulmões. — Isso não é verdade. O conde não sabe que há
margaridas crescendo na sala de estar de Basil.
— Não sabe? — Ela pergunta.
— Basil gosta de reclamar, mas apenas para quem não
pode fazer nada para resolver. Se ele contasse ao conde, o
conde faria alguma coisa.
— Não, se ele não pudesse pagar, ele não faria isso, —
diz a vovó baixinho.
— Ele é um conde, — eu digo. — Ele tem...
investimentos.
— Você sabe disso com certeza, não é? — A vovó me dá
um tapinha no ombro enquanto atravessamos os gramados e
passamos direto pelas portas duplas de vidro para a sala
comprida. — Aconteça o que acontecer, lembre-se de que
ficaremos bem.
— O que isso significa? — Eu pergunto.
Antes que ela possa responder, estamos cercados por
pessoas enquanto preenchemos a longa sala.
A vovó tem razão, eles colocaram uma coleção de
cadeiras na frente, e abrimos caminho no meio da multidão
para encontrar um assento para a vovó no final da fileira,
onde eu possa ficar atrás dela.
Eu me curvo e sussurro em seu ouvido. — O que
significa que ficaremos bem? — Ela sabia de algo concreto ou
estava apenas ouvindo os boatos bobos de Basil?
A sala fica em silêncio e eu olho para cima e vejo o
conde vindo pela longa entrada norte da sala, com a cabeça
baixa e um pedaço de papel amassado na mão. Ele parece
bastante animado. Ele está na casa dos setenta, mas, pelo
que sei, goza de perfeita saúde. Ele parece exatamente como
sempre foi para mim.
Ele para na frente das cerca de vinte cadeiras na frente,
acenando para a vovó ao avistá-la. Ele limpa a garganta. —
Obrigado por terem vindo, — ele começa. — Eu queria que o
maior número possível de vocês ouvisse isso diretamente de
mim.
A ansiedade dá um nó no meu peito. Isso não parece
bom.
— Eu entendo que tem havido rumores e especulações
nos últimos anos sobre o futuro do Crompton Estate. Não
tenho herdeiros e o lugar, como todos sabem, exige muita
manutenção. Bem... — Ele respira fundo e levanta a cabeça,
com um sorriso forçado no rosto. — Tenho boas notícias para
todos vocês.
O nó de ansiedade se dissolve e aperto o ombro da vovó
num gesto de “eu avisei”.
— Tenho estado muito empenhado em garantir que as
gerações de amor e trabalho que fizeram de Crompton o que
é, serão mantidas por muitas gerações vindouras. Posso dizer
com confiança que esse futuro está agora garantido.
Eu sabia que isso não seria uma má notícia. Eu poderia
dizer. Sorrio e olho ao redor da sala, certificando-me de que
todos estão sentindo o mesmo alívio.
Pelas expressões deles, não parece que todos estão
tendo a mesma reação que eu ao anúncio do conde. Espero
que Basil pareça severo. Mesmo em seu aniversário, parece
que alguém roubou seu boné favorito, mas por que todo
mundo parece que o conde está nos dizendo que vai incendiar
o lugar? Ele está dizendo exatamente o oposto.
Percebo alguém encostado na parede do lado norte do
salão de baile, mas ele está escondido por alguns dos
jardineiros mais jovens. Baixo a cabeça para ver se consigo
ver entre seus braços musculosos porque, por um segundo,
acho que é Vincent.
Esse homem ainda está me assombrando, mesmo
semanas depois de nossa noite juntos.
O conde continua. — Vendi a propriedade para um
sujeito muito encantador que administrará esta magnífica
casa rumo a um futuro brilhante.
O nó de ansiedade volta ao meu peito e explode. O calor
inunda meu peito e as memórias circulam minha mente como
uma fita adesiva:
Eu fazendo meu próprio almoço porque mamãe estava
na cama depois de uma longa noite.
Eu na escola depois que todos os outros foram embora,
exceto a Srta. Jamie, que ficou comigo até minha mãe chegar,
uma hora e meia atrasada.
Eu num banco do funeral da minha mãe, vestida com
um casaco preto, sem saber como deveria me sentir.
Vendida?
Crompton vendida?
Isso era simplesmente inaceitável.
— Não! — Acho que estou gritando, mas percebo que
não fiz nenhum som. Não consigo espalhar a palavra. Está
presa na minha garganta como se tivesse sido pintada com
pinceladas grossas.
Vovó segura minha mão em seu ombro e puxa meus
dedos nos dela. — Vai ficar tudo bem, minha garota. Este é
apenas um novo capítulo.
Não quero um novo capítulo. Quero permanecer no
capítulo atual para sempre. Minha vida é um conto de fadas –
perfeita do jeito que é. Não quero um final diferente, nem
uma curva na estrada, nem um novo horizonte, nem
quaisquer outras palavras bonitas que mascarem a
devastação deste anúncio. Quero voltar dez minutos atrás e
continuar com meu dia.
— Boa noite a todos, — diz uma voz familiar.
Olho para cima e vejo meu lindo caso de uma noite
americano na frente da sala.
DEZ

Kate

Isso não pode estar acontecendo.


Vincent é o novo proprietário da propriedade
Crompton. Vincent. O cara com corpo duro e obsessão por
mamilos. É impossível que ele seja dono de
Crompton. Impossível.
— Obrigado a todos por terem vindo, — diz ele.
Meus joelhos tremem e eu me seguro com força nas
costas da cadeira da vovó porque, se não fizer isso, minhas
pernas não vão me manter em pé.
Isso. Não. Pode. Estar. Acontecendo.
Eu não consigo olhar para cima. Posso explodir ou
vomitar ou explodir numa nuvem de vômito.
— Quero ser o mais aberto possível com vocês. Hoje,
minha equipe e eu iremos apresentar planos para converter
Crompton em um hotel.
É como se alguém tivesse feito um buraco no meu
peito. Estou vazia. Um hotel?
Murmúrios enchem o ar. De alguma forma, encontro
forças para levantar um pouco a cabeça e olhar ao redor,
para as pessoas que conheci durante toda a minha vida. Elas
devem estar se sentindo tão confusas quanto eu. Esta é uma
reviravolta completa.
— Quero preservar o máximo possível da história de
Crompton, — continua Vincent. Eu fico olhando para ele,
focando em sua boca e na forma como ela está se movendo e
como parece estar falando mais rápido do que as palavras
estão saindo, ou talvez meu cérebro simplesmente não
consiga processar o que ele está dizendo em uma velocidade
onde as coisas parecem conectadas. — É uma propriedade
linda e quero que as pessoas continuem a visitá-la. Mas tem
que ser rentável e isso significa que as coisas terão que
mudar.
— Que tipo de hotel? — Alguém grita lá de trás. Acho
que é Jamie, um dos jardineiros.
Boa pergunta. Que tipo de hotel? E tem que ser um
hotel? Ele não poderia simplesmente viver nela? Substituir o
conde, mas manter as coisas exatamente como estão, fora
isso?
Desde pequena, estar em Crompton me trouxe
paz. Felicidade. Uma quietude que não tive em nenhum outro
lugar. Era o lento balanço de um pêndulo no qual eu
conseguia me concentrar em meio ao caos louco da vida com
minha mãe. Quando criança, antes de minha mãe morrer,
nunca havia dois dias iguais, a menos que eu estivesse com a
vovó em Crompton. Às vezes minha mãe me levava para a
escola, às vezes eu pegava uma carona. Às vezes eu acabava
ficando em casa porque ela estava dormindo ou
distraída. Uma vez, eu caminhava. Isto levava quase uma
hora e, embora eu conhecesse o caminho e fosse muito
cuidadosa ao atravessar a rua, colocava mamãe em uma
situação terrível, e ela me fazia prometer que nunca mais
caminharia sozinha para a escola. Depois disso, eu
simplesmente faltava à escola nos dias em que ela não saía
da cama.
Outras vezes, estaríamos em Liverpool vendo sua amiga
porque faltavam três dias para seu aniversário e ela precisava
de ajuda para organizar sua festa. Ou a vez em que ela
decidiu, num domingo à tarde, ir de carro até o Castelo
Kenilworth. Chegamos tarde e estava fechado há muito
tempo. Dormimos no carro naquela noite porque ela estava
cansada demais para voltar.
Mas Crompton era sempre o mesmo. Eu me deleitaria
com as rotinas invariáveis da vovó e de todos ao seu redor. A
forma como o sol sempre nascia de um lado da casa e se
punha do outro. De qualquer forma, a vovó comia um ovo
cozido no café da manhã exatamente às oito da manhã. Do
jeito que eu ficava com ela, eu sempre ia para a cama no
mesmo horário todas as noites, depois de ouvi-la cantar para
mim a mesma canção de ninar suave. Pequenas coisas que a
maioria das crianças em crescimento consideravam
enfadonhas e restritivas, eu achava fascinantes e
desesperadamente reconfortantes.
A voz profunda de Vincent corta minhas memórias.
— Será um hotel cinco estrelas. Crompton fica a menos
de duas horas de Londres. Quero que este seja um destino
para as pessoas de Londres passarem um fim de semana ou
uma folga durante a semana. Eles não precisarão viajar
muito longe, mas sairão para a bela zona rural
britânica. Muitas pessoas desejam ter uma casa no
campo. Mas é caro e exige muita manutenção. Quero que
Crompton seja a casa de campo delas – um lar longe de casa
– mas sem as desvantagens de manutenção e custos.
— E os jardins de flores? — Basil pergunta. — Você vai
mantê-los?
Pela primeira vez, olho para cima e diretamente para
Vincent. Quero ver a expressão dele quando ele
responder. Durante muito tempo, Crompton e eu estivemos
inextricavelmente ligados. Foi aqui que eu cresci. Tive meu
primeiro beijo. É aqui que moro desde que minha mãe
morreu. Não suporto ver nada acontecer com ele.
Vincent enfia as mãos nos bolsos e olha para baixo,
antes de olhar Basil nos olhos. — Há duas respostas para
essa pergunta. Os terrenos de Crompton são e continuarão a
ser muito importantes para o hotel. No entanto... os jardins
floridos atualmente abertos ao público terão de ser reduzidos
e reservados apenas para uso dos hóspedes do hotel. Eles são
lindos, mas muito caros de manter. Pretendo ainda instalar
um complexo de lazer e uma piscina interna e externa, que
ocuparão alguns dos espaços atualmente ocupados pelos
jardins.
O zumbido começa em meus
ouvidos. Clang. Clang. Clang.
É como se eu não estivesse biologicamente equipada
para ouvir o que está sendo dito. Meu corpo está lotado e
transbordando.
Tento engolir, mas minha garganta está inchada com
todas as lágrimas que me recuso a chorar em público.
— Esta é uma grande mudança, — diz Vincent. Sinto
seu olhar penetrando em mim e olho para ele, incapaz de
resistir à atração de sua atenção. — Sei que muitos de vocês
trabalham aqui há muito tempo e guardam o lugar com
muito carinho. Eu respeito isso. E quero honrar isso.
— O que isso significa, jovem? — Vovó pergunta, e eu
aperto a mão dela. — E quanto aos empregos, casas e meios
de subsistência das pessoas?
Vincent assente. — Vou pedir a minha equipe que faça
reuniões com vocês para analisar os detalhes. Mas a versão
resumida é: oferecerei emprego a todos os que atualmente
trabalham na propriedade, se assim o desejarem. Agora, isso
pode significar que temos que aprimorar ou reciclar as
pessoas, mas quero mantê-los se quiserem ficar. Não
precisaremos de tantos jardineiros porque, como eu disse,
fecharemos os jardins de flores, mas o hotel empregará muito
mais pessoas do que o Crompton Estate emprega
atualmente. Haverá novas funções e responsabilidades que
precisarão ser preenchidas e estou confiante de que seremos
capazes de encontrar uma nova função para cada um de
vocês. Espero que isso responda à sua pergunta, senhora. —
Ele olha para a vovó.
— Não exatamente, — diz a vovó. — Eu moro na
propriedade. Assim como minha neta e outras pessoas que
trabalham aqui. O que acontece conosco?
Vincent acena com a cabeça como se estivesse
esperando a pergunta. — Ainda estamos trabalhando nos
planos e minha equipe entrará em contato à medida que
esses planos se desenvolverem, mas realojaremos todos os
funcionários que moram na propriedade. Vocês serão
avisados com bastante antecedência e isso não acontecerá
até que encontremos algo adequado para vocês.
Os murmúrios na multidão aumentam, mas Vincent
levanta a voz. — Eu vi algumas das habitações em que vocês
estão e elas precisam urgentemente de reparos, tenho certeza
que concordarão.
Certo. Ele está exagerando, é claro. Não é nada
terrível. Sim, há ervas daninhas aqui e ali e vazamentos
ocasionais e, claro, o aquecimento central não é totalmente
confiável, mas vivemos em casas com centenas de anos. É
provável que haja problemas.
O barulho diminui e as pessoas sintonizam o que
Vincent está dizendo.
— Identificamos um construtor que está construindo no
terreno atrás do estacionamento na vila. Esperamos poder
oferecer moradia lá.
— Obrigada, meu jovem, — diz a vovó. — Estou ansiosa
para ouvir mais sobre isso.
Eu franzo a testa. É isso? Ela simplesmente vai deixá-lo
fora do gancho assim?
— Alguma outra pergunta? — Vincent pergunta.
— Poderemos levar animais de estimação para a nova
casa? — Sacha pergunta.
Vincent sorri. — Ainda estamos trabalhando em alguns
detalhes. — Ele se vira para falar com um homem mais baixo
que eu não notei antes, parado ao lado e um pouco atrás de
Vincent. — Tomarei nota para garantir que deixemos isso
claro nas reuniões. — Ele murmura mais alguma coisa para
seu lacaio.
Vincent se volta para seu público. — Vou mudar meu
escritório para dentro da casa.
Ele vai trabalhar na casa? Ele vai dormir aqui também?
— Quero que saibam que tenho uma porta aberta, caso
tenham alguma preocupação. Se eu estiver em uma reunião,
meu assistente, Michael, — Vincent acena para o homem ao
lado dele, — irá ajudá-los e garantir que eu receba todas as
mensagens.
Michael dá um passo à frente e dá um pequeno
aceno. Ele parece legal, mas está prestes a arruinar minha
vida, então não deveria julgar um livro pela capa.
— Meu plano é que minha equipe se reúna com vocês
em intervalos regulares para mantê-los informados sobre os
desenvolvimentos. À medida que definirmos as necessidades
de pessoal, publicaremos um quadro de avisos no café. — Ele
se vira para mim. — Se estiver tudo bem para você, Kate?
— Você é o dono do lugar, — eu digo, meu tom
entrecortado.
Seu comportamento amigável não muda com a minha
resposta quase rude. — Vamos colocar um quadro lá e se
houver alguma coisa para a qual vocês acham que podem ser
adequados, mesmo que não tenham experiência, avise
alguém da minha equipe. Veremos o que pode ser feito.
— Então, quando tudo isso vai acontecer? — Eu
pergunto. — Quando a casa de chá vai fechar? Os jardins
floridos?
Vincent olha para mim e por pelo menos três segundos o
resto da sala desaparece; é como se estivéssemos sozinhos
em seu quarto de hotel, como estávamos há algumas
semanas.
— Ainda não, — ele me diz e depois levanta a voz para
que todos possam ouvir. — Pelo que entendi, há reservas de
ônibus para ver os jardins até o final de agosto, então vamos
honrá-las. Não temos datas definidas para iniciar os
trabalhos porque o planejamento não foi concedido, mas
antecipar o início da construção em cerca de um mês. Como
eu disse, a maior parte do paisagismo precisará ser mantida
durante a reforma e após a inauguração do hotel.
Mas a casa de chá vai fechar. Vovó e eu teremos que nos
mudar. Minha vida mudará para sempre.
ONZE

Vincent

Michael está tagarelando sobre como a reunião correu


bem, mas não consigo me concentrar em nada além da
expressão de devastação no rosto de Kate. Foi como se eu
tivesse arruinado a vida dela.
Não é uma sensação boa.
Eu realmente quero falar com ela pessoalmente, mas
não tenho ideia de onde ela possa estar. Na casa dela,
talvez. Mas não é como se eu pudesse bater na porta dela. Eu
sou o chefe dela agora. Seria uma invasão de privacidade
muito grande. Talvez eu possa encontrá-la na casa de chá
amanhã.
Percorro o Instagram e percebo que Kate tira fotos
semelhantes em horários diferentes do dia. Fica no fundo da
propriedade à beira do lago, com vista para a água e para a
área arborizada.
— Está tudo bem, Vincent? — Michael pergunta.
— Vou tomar um pouco de ar, — digo, ignorando sua
pergunta porque não ouvi o que ele estava perguntando. Eu
saio. Preciso de ar ou clarear a cabeça... ou algo
assim. Mesmo que Kate não esteja perto do lago, talvez isso
me ajude a encontrar uma solução para sua óbvia
decepção. Eu sei o que é ter que deixar uma casa com a qual
você sente uma conexão. Já faz um tempo, mas a memória
nunca desaparece. Posso ter transformado a adversidade em
motivação, mas a dor ainda está lá como uma brasa
bruxuleante, disparando meu ímpeto e ambição.
— Você tem aquela reunião com o escritório dos EUA, —
Michael grita atrás de mim.
— Vou me atrasar, — digo enquanto desço a grande
escadaria esculpida em carvalho até onde será o lobby do
hotel.
As portas duplas na entrada da casa impressionam. Se
for possível restaurá-las, deveríamos. Pego meu telefone e
anoto em áudio para Michael para não esquecer de
mencionar isso mais tarde.
Na porta, viro-me para olhar para o saguão. Observo o
lustre e a escada, os painéis de madeira, as obras de arte que
negociei como parte da venda. Se eu pudesse conversar
comigo aos dez anos de idade, diria a mim mesmo para não
me preocupar e que tudo daria certo. Eu até diria ao garoto
que se inscreveu na faculdade de medicina, que queria ser
igual aos primos, que tudo ficaria bem. Que ele não seria
como eles, mas tudo bem também.
Saio de casa e olho para cima. Eu possuo uma maldita
propriedade.
Quem teria pensado nisso. Não vou morar aqui, mas
poderia, se quisesse. Eu poderia ser um conde em tudo
menos no nome.
Balanço a cabeça, quase incrédulo, e atravesso a
entrada em direção ao anoitecer.
Kate está exatamente onde imaginei que poderia estar.
Ao me aproximar dela, quase quero tirar uma foto. Seria
como todas as outras, só que melhor, porque ela estaria nela.
— Kate, — eu chamo enquanto me aproximo. Eu não
quero assustá-la.
Ela se vira e fica de pé. — O que você está fazendo aqui?
— Ela parece confusa e frustrada.
— Eu estava vagando e te vi.
Ela suspira. — Estou invadindo?
Eu inclino minha cabeça. — Kate. Vamos lá.
— Kate o quê? Você é o dono do lugar agora. O conde
nunca se importou que usássemos o terreno. Talvez você se
importe. — Ela cruza os braços como se estivesse colocando
um escudo entre nós, só que não estou aqui para atacá-la. —
Não que ficaremos aqui por muito tempo, se você quiser.
— A casa seria vendida, Kate. O conde não tinha
condições de mantê-la. Você deve saber disso. Você é
esperta. Pode dizer que as coisas não foram mantidas como
deveriam.
— Uma propriedade como esta requer manutenção
constante.
— Exatamente, — eu digo. — É caro. E o conde não tem
dinheiro. A maioria das propriedades como esta foram
vendidas ou transformadas em parques de safári ou
museus. Não sobrou muito da aristocracia britânica.
— Você poderia restaurar a casa e abri-la para
visitantes. Como uma extensão dos passeios pelos jardins. —
Ela olha para mim suplicante, e odeio que ela esteja tão
obviamente dolorida. A mulher que conheci era divertida,
despreocupada e cheia de admiração. E agora está olhando
para mim como se eu tivesse apagado tudo isso.
Eu balanço minha cabeça. — Não faz sentido. A casa é
muito longe. A restauração custaria milhões...
— Assim como transformá-la em um hotel. Então, por
que não escolher o caminho de menor resistência? Dessa
forma, os jardins podem ficar como estão e podemos manter
as nossas casas. — Sua voz falha na última palavra. É como
se alguém tivesse enfiado uma adaga nas minhas entranhas.
Engulo em seco, esperando que isso abra caminho para
minhas palavras. — Eu entendo, Kate. Acredite, eu sei o que
é ser arrancado de casa, sei mesmo, mas a acomodação que
vamos encontrar para todos vocês será muito melhor do que
a que está no momento. Terá vidros triplos e aquecimento
central que funciona...
— Mas eu não quero me mudar. Nem ninguém
mais. Quero ficar em Crompton.
Suas palavras despertam algo em mim. Lembro-me de
dizer exatamente a mesma coisa para minha mãe depois que
meu pai foi embora, e ela trouxe para casa dez caixas de
papelão. Nosso novo apartamento era muito menor, então
tivemos que espremer o máximo que podíamos nessas
caixas. Levamos saco de lixo após saco de lixo com nossos
pertences para doação, incluindo brinquedos com os quais eu
havia crescido, mas ainda não estava pronto para me
desfazer. Percebo agora que aqueles dias marcaram o fim da
minha infância. Assim que nos mudamos para o novo
apartamento com paredes brancas - com lembranças de uma
infância feliz e de meu pai, ambos desaparecidos - jurei que
nunca mais me apegaria a nada. Nem uma casa, nem uma
posse, nem uma pessoa.
— O novo lugar será maior, — eu digo. — Você ainda
estará trabalhando em Crompton. Há muitos empregos nos
quais posso vê-la se destacando...
Ela se afasta de mim para encarar o lago. — Não quero
outro emprego. Gosto do trabalho que tenho agora.
Respiro fundo. Talvez eu não devesse ter vindo atrás
dela. Ela precisa de tempo para processar o que
ouviu. Obviamente foi um choque completo para ela - mas
não para todos. Pelas diversas expressões nos rostos dos
funcionários, eles sabiam o que estava por vir, ou pelo menos
esperavam uma mudança significativa. Afinal, o conde não
está ficando mais jovem e não é como se ele tivesse filhos
para passar Crompton. Talvez tenha sido por causa da nossa
conexão física, mas a reação de Kate pareceu ser a mais
dramática de todos.
— Nunca pensei que chegaria a esse ponto, — diz ela. —
Os jardins de flores são tão lindos.
— Eles realmente são, — eu concordo.
Ela gira para me encarar novamente. — Então fique com
eles. Mantenha-os abertos ao público. Fique com a casa de
chá. Você poderia manter os chalés dos funcionários como
estão. Você não precisa mudar tudo.
Ela precisa de tempo para se ajustar. Preciso deixá-la
animada com a mudança. Ou pelo menos aceitando isso.
— Gostaria de mostrar-lhe os planos que elaborei. Posso
mostrar o spa, imagens dos quartos e algumas áreas
comuns. Estou planejando mostrar a todos mais tarde, mas
por que você não vem ver amanhã? Isso te ajudará a ter uma
ideia de como o hotel será incrível.
Ela engole, sua expressão de dor. Luto contra a vontade
de alcançá-la e puxá-la para perto de mim. Eu sei o quão
bem ela se ajusta a este corpo e quero proporcionar-lhe
algum conforto. Mas a última pessoa que ela quer que a
toque agora sou eu.
— Se eu olhar os planos, você olhará os meus planos?
Eu franzo a testa. — Quais planos?
— Se eu fizesse planos. Tipo planos de viabilidade para
os jardins permanecerem abertos, você poderia dar uma
olhada neles?
Enfio as mãos nos bolsos. — Eu não vou mentir para
você, Kate. Os jardins floridos ficam muito perto de casa. Não
quero que os hóspedes do hotel sintam que estão sendo
observados por turistas. E a área da piscina fica logo além
das bordas vermelha e azul.
— E se mudarmos a loja de chá? — ela pergunta. —
Você poderia colocar a piscina lá.
— Venha ver os planos. — Ela veria por si mesma que
as coisas estavam organizadas de certa maneira porque fazia
mais sentido.
— Irei ver os planos se você prometer analisar quaisquer
propostas que eu lhe apresentar com uma mentalidade
objetiva.
Ela não era nada senão tenaz. Eu não pude deixar de
me sentir atraído por isso.
— Vou analisar todas as propostas que você fornecer.
Ela começou a sorrir, e eu tive que desviar o olhar para
não quebrar minha linha de pensamento.
— Não estou dizendo que vou mudar alguma
coisa. Tenho uma equipe de pessoas que pensou tudo isso e
as coisas já foram submetidas ao planejamento. Portanto, é
muito improvável que algo mude.
— Mas você vai olhar? — Ela examina meus olhos como
se quisesse ver a promessa neles. Sou muitas coisas, mas
não sou mentiroso.
— Sim, vou olhar.
Nossos olhos se cruzam por um segundo, dois e depois
três. Sou eu quem desvia o olhar primeiro. Olho para o lago.
— Você gosta daqui, — eu digo.
— Quem não gostaria.
Ela está certa. É lindo. Muito diferente de Pittsburgh,
onde cresci.
— Posso acompanhá-la de volta?
— Não estrague tudo, — ela sussurra.
Apesar da mulher na minha frente ser quase uma
estranha, um baque de responsabilidade atinge meu
estômago e eu balanço a cabeça.
— Eu não vou.
DOZE

Kate

A participação na minha reunião foi melhor do que eu


esperava. A vovó não pôde vir, mas me desejou sorte. Eu
também precisava disso, porque analisando os números da
casa de chá, dos quais eu tinha conhecimento, e dos jardins
de flores, que obtive sob coação, ficou claro que o conde
estava operando com prejuízos consideráveis. Mas a sorte
estava do meu lado porque há quase cinquenta pessoas aqui,
espremidas na Golden Hare. Isso prova que as pessoas não
estão satisfeitas com os planos de Vincent. Ele vai ter uma
luta nas mãos.
George não está feliz comigo assumindo o lugar pela
próxima hora. Ofereci-me para trabalhar o resto do meu
turno de graça, mas realmente o convenci porque ele teria um
público cativo de clientes, prontos para depositar seu
dinheiro assim que nossa reunião terminasse, o que eu havia
programado para coincidir com a abertura do pub e o início
do meu turno.
Subo no balcão, pego uma taça de vinho e bato nela com
a faca que uso para cortar limões, tentando chamar a
atenção de todos.
— Obrigada a todos por terem vindo, — eu digo
enquanto todos os olhos me encaram. — Achei que
precisávamos de uma reunião para discutir os planos de
Vincent Cove para Crompton House. — Ignoro os murmúrios
vindos da multidão. — Como vocês sabem, ele apresentou
seus planos, mas a permissão ainda não foi concedida. O
prazo para contestações termina nesta sexta-feira. Isso não
nos dá muito tempo para elaborar um plano.
— O que você está pensando? — Pergunta Basil.
— Bem, pensei que todos deveríamos repetir um
argumento semelhante. Dessa forma, é mais provável que as
autoridades locais nos levem a sério. Se adotarmos uma
abordagem dispersa, seremos mais fáceis de
ignorar. Precisamos estar unidos. Primeiro, acho que
precisamos falar sobre a perda de empregos.
— Mas ele vai contratar alguns jardineiros e todos os
outros poderão se candidatar a vagas no hotel, — diz Rupe.
— Exatamente, — respondo. — A horticultura não é um
tipo de trabalho não qualificado. É uma paixão. Um
chamado. É preciso treinamento e coração e...
— Honestamente, não me importo com uma mudança,
— diz Amarjit. — Se ele quiser me tirar da jardinagem e me
fazer descarregar a bagagem e transportá-la, ficarei feliz como
Larry. Ouvi dizer que você pode ganhar um bom dinheiro com
gorjetas além do seu salário.
— Ok, mas isso é só você, — eu digo com um tom um
pouco mais mordaz do que pretendo. — Nem todos nos
sentimos assim.
— Ele me disse que provavelmente continuarei se estiver
preparado para fazer algum treinamento no novo sistema de
ar condicionado, — diz Rio, tão entusiasmado que você
pensaria que ele ganhou na loteria.
— A meu ver, — continua Rio, — com o conde, você
nunca sabia se receberia o pagamento no final da
semana. Ele erraria tudo ou ficaria sem dinheiro. — Há uma
inspiração coletiva com a menção da falência do conde. — O
lugar é um show de merda. Minha patroa entrou na casa há
alguns meses para lhe dar uma torta que havia feito e disse
que o lugar estava vazio por dentro. Como se ele já tivesse se
mudado. Acho que ele vendeu todos os móveis tentando
manter este lugar funcionando. Dessa forma, pelo menos
todos saberemos que receberemos no final do mês. Esse cara,
Vincent, é milionário segundo todos os relatos.
— Ouvi dizer que ele foi o primeiro trilionário da
América, — gritou Mindy.
— Isso não existe, — diz Rio, e todos começam a
conversar
Entre si.
Tento assumir o controle da reunião novamente, mas
ninguém me ouve tilintar na taça de vinho.
— Ei, pessoal, vamos nos acalmar, — grito. — Esta
reunião é importante. As pessoas vão perder seus empregos e
o teto sobre suas cabeças.
— Mal posso esperar, — diz Chris, meu vizinho. —
Espero que qualquer novo lugar tenha aquecimento central
que funcione.
— E permita animais de estimação, — diz Sacha. — Não
faz sentido que eu tenha hera crescendo na janela da minha
cozinha, mas eles não me deixam ter um cachorro-salsicha.
— É o cocô, Sacha, — eu digo. — O conde nunca quis
isso em seus jardins.
— Bem, o conde se foi agora, — diz Rio.
Lágrimas se acumulam no fundo da minha
garganta. Como eles podem ser tão irreverentes? E todos
parecem focados em suas próprias necessidades, e não no
panorama geral. Crompton representa centenas de anos de
história. Ela precisa ser salva.
— Kate, por que você não nos conta qual é a sua ideia se
Vincent não conseguir o planejamento? — Basil pergunta.
— Obrigada, estou feliz que você perguntou. Bem, como
você disse, Mindy, Vincent é muito, muito rico. Ele tem
família... — De onde ele disse que sua tia e seu tio eram? —
Localmente. Acho que o convenceremos a reformar a
propriedade e mantê-la como um retiro rural para si.
— Mas ele comprou como negócio, — alguém diz,
embora eu não consiga entender quem foi. — Ele não vai ficar
aqui. Especialmente se ele achar que toda a aldeia está
contra ele.
— Não estamos contra ele, — digo. — Estamos contra a
ruína de Crompton. Sobre ser transformada em hotel.
— Melhor do que um parque safári, — diz Amarjit.
— Ou um museu. O lugar precisa de vida, — diz Basil.
Estou começando a achar que sou a única pessoa que
se opõe aos planos de Vincent.
— Vamos levantar as mãos. Quem aqui é a favor de
Vincent Cove e os planos de hotel?
Mãos disparam para todos os lados. Meu coração bate
forte no peito com tanto vigor que acho que minha camiseta
deve estar se movendo.
— Lembrem-se, se estão com a mão levantada agora,
significa que são a favor de que todos os que estão nas
acomodações dos funcionários sejam despejados...
— E realojados, — grita uma voz.
— E pessoas perdendo seus empregos, — eu digo.
— E sendo retreinados para fazer outros trabalhos, —
diz Rio.
As mãos permanecem no ar. Está claro que a maioria
das pessoas é a favor do que Vincent está tentando fazer. Mas
quero saber quem está na minha equipe.
— Mãos ao alto se você é contra Vincent tentando
destruir Crompton. — Eu levanto minha mão e vejo Sandra
levantar sua mão. Olho ao redor e fica claro que somos as
únicas pessoas que não se deixam levar pelos encantos de
Vincent. — Qual é, pessoal, ele subornou todos vocês ou algo
assim?
— Estamos apenas sendo realistas, querida, — diz
Mindy. — Não há alternativa. Melhor seguir em frente e tirar
o melhor proveito disso.
Meu coração cai no peito e bate nas minhas costelas
enquanto desce. É isso? Todo mundo vai desistir? Os últimos
vinte anos de estabilidade desaparecerão num piscar de
olhos?
— Fazer o melhor disso? — diz Rio. — Esta é uma
oportunidade. Todos nós estamos recebendo uma nova vida
ao lado da Crompton House.
Meu olhar pousa no chão. Eu simplesmente não suporto
ouvir isso.
— Você provavelmente acabará sendo a gerente, — diz
Rio. — Você é uma mulher brilhante, Kate. Poderia ter ido
para a universidade.
— Não quero ser gerente de hotel, — digo.
— Por que não? — pergunta Meghan. — Você é mais do
que capaz de fazer isso... e mais. — Ela está encostada no bar
e diz isso baixinho. A maior parte da sala não deve ter ouvido
falar, mas ainda parece uma traição.
— Ou talvez gerente do restaurante, — diz Basil. — Se
você quiser menos responsabilidade.
Por que as pessoas estão tão focadas em mim? Estou
preocupada com Crompton. Sobre manter as coisas iguais.
— Não quero ser gerente de restaurante, — digo.
Gosto das coisas como elas estão.
— Você não pode imaginar isso? — Amarjit diz. —
Vincent diz que será um hotel cinco estrelas. Aposto que os
almoços dos funcionários serão brilhantes.
— Estou perfeitamente feliz com uma fatia da torta
Bakewell da Sandra, — digo.
— Mas isso poderia ser melhor, — diz Amarjit.
— Eu não quero melhor.
— Mas nós queremos, — diz Basil. — Estou farto das
ervas daninhas rastejando pelas minhas paredes e da falta de
aquecimento central. E como diz o Rio, a incerteza de não
saber se nossos empregos estão seguros ou o que vai
acontecer a seguir. Não será mais assim. Kate, todos
adoramos este lugar, mas não pode ficar como está. Todos os
anos têm piorado progressivamente – não há aumentos
salariais, menos dinheiro para fábricas, rações e
equipamentos, as casas estão cada vez mais degradadas.
Lágrimas ardem em meus olhos. A maneira como Basil
descreve a vida em Crompton é muito diferente da minha
maneira de vê-la. É um lugar tão feliz para mim.
— Ainda estaremos todos aqui, Kate, — diz Basil. — Não
é como se ele estivesse se livrando de nós. E você faz parte
deste lugar tanto quanto qualquer um de nós. Você também
não irá a lugar nenhum.
Ele faz tudo parecer tão simples. Tão óbvio. Eles não
entendem que minha vida fora de Crompton não passava de
miséria. Antes da morte de minha mãe e mesmo daqueles
poucos meses na universidade, nada fora de Crompton
funcionava. Pelo menos, não para mim.
— Certo, o tempo acabou, — George grita atrás de
mim. — Saiam ou peçam uma bebida. Não fiquem
deprimidos.
As pessoas começam a murmurar, obviamente
decidindo se devem ficar para tomar uma bebida, e eu saio do
bar, derrotada.
Meghan se aproxima. — Eu sei que isso é
difícil. Crompton é toda a sua vida, mas isso pode ser bom
para você, — diz ela.
Eu balanço minha cabeça. — Não para mim, mas para
todos os outros, talvez. É nisso que devo me concentrar: isso
fará com que todos que são importantes para mim sejam
felizes.
Meghan e eu saímos do caminho para que as pessoas
possam chegar ao bar. Vou até o caixa e encontro meu
avental. — Você quer que eu faça o seu turno? — Ela
pergunta.
Eu balanço minha cabeça. Quero que esta parte – o
tempo antes da minha vida ser revirada – dure o máximo
possível. Não quero pular turnos.
— Ei, boneca, — Sandra diz enquanto desliza a mão em
volta da minha cintura e aperta. — Isso vai ficar bem. Eu
prometo.
Não há como ela prometer isso.
— Eu te conheço desde que era uma garotinha e você
sempre foi inteligente, feliz e cheia de confiança.
Sandra não me conhecia antes de eu vir morar com a
vovó. Ela só me conhece em Crompton. E em
Crompton sou brilhante, feliz e cheia de confiança. Mas esse
não é o mesmo eu que existiu fora destes terrenos.
— Esta pode ser uma grande oportunidade para
você. Basil está certo. Você é inteligente e pode fazer o que
quiser.
— Parece que as pessoas acham que será uma grande
oportunidade para elas, — digo.
— Você não pode culpá-los, — diz Sandra.
— As pessoas estão preocupadas há anos. Você sabe
que sim, — diz Meghan. — Agora a mente das pessoas está
tranquila. Eles sabem que não perderão seus empregos ou
serão expulsos de suas casas.
— As pessoas não sabem o que vai acontecer. Este hotel
pode ser um desastre.
Sandra suspira. — Talvez. Mas este Vincent parece ser
um bom homem. E ele é muito rico. É mais provável que faça
do lugar um sucesso do que o conde.
Até Sandra está convencida.
— E eu prometo que farei para você uma torta Bakewell
todos os meses pelo resto dos meus dias. Você não precisa
perder isso, posso garantir.
Eu sorrio e aperto suas costas antes de olhar para as
pessoas que ainda estão no bar. Elas estão rindo e brincando,
e nem eu consigo ignorar o burburinho de excitação na
sala. Sem dúvida, há pessoas a bordo do trem do hotel de
Vincent.
A menos que Vincent não obtenha permissão de
planejamento ou haja algum outro grande obstáculo para a
inauguração do hotel, as pessoas obterão o troco que
claramente desejam.
E eu? Vou acabar em algum apartamento alugado, que
não será ao lado da minha avó. Ela provavelmente será
mandada para uma casa. Será a primeira vez que não
morarei com ela ou na casa ao lado dela desde os sete anos
de idade.
Nos últimos vinte anos, desfrutei da simplicidade e da
estabilidade. Eu sei que uma vida boa significa que o
mundo, meu mundo, permanece o mesmo.
Graças a Vincent, tudo está prestes a mudar.
Eu não estou preparada.
Eu nunca estarei.

TREZE

Vincent
Eu não esperava que o pub estivesse tão cheio de
gente. Eu perdi alguma coisa?
Ao entrar, vejo Kate, a outra garçonete e a mulher mais
velha da casa de chá, amontoadas perto do caixa. Kate está
linda – seu cabelo preso em um coque no topo da cabeça,
jeans e uma camiseta que mostra todas as suas curvas. Não
que eu devesse notá-las.
Quando a porta atrás de mim se fecha, todos se viram
para mim e o lugar fica em silêncio.
Ah, sim.
Tenho a sensação de que participei de uma discussão
comunitária sobre mim — ou sobre meus planos para
Crompton.
Kate amarra o avental e puxa os ombros para trás.
— Oi, chefe, — Sacha diz enquanto salta para me ver. —
Eu sei que você está fora do horário de expediente e tudo
mais, mas se importa se eu fizer uma pergunta?
— Vá em frente. — Vou até a mesa onde me sentei na
primeira noite que comi aqui – na noite em que entrei e
peguei Kate antes que ela caísse no chão. Acho que se eu
estiver no lugar errado, ela me dirá. Ela não é tímida.
— Eu realmente quero um cachorro, — diz Sacha. —
Um cachorro-salsicha. Eu deveria dizer Dachshund. O conde
nunca os permitia entrar nos chalés dos
funcionários. Nenhum de nós tinha permissão para animais
de estimação. Eu sei que perguntei sobre isso na reunião,
mas alguma ideia sobre se poderemos ou não ter animais de
estimação no novo alojamento? — Ela pergunta.
— Eu não sei, Sacha. Mas vamos nos certificar de
encontrar um lugar adequado para cachorro-salsicha.
Sacha abre um sorriso.
— Obrigada, chefe. Eu sabia que você era bom.
Concordo com a cabeça em gratidão pelo elogio e Sacha
sai.
Basil, um dos jardineiros mais experientes, é o próximo
visitante da minha mesa. Esta noite não está saindo como eu
esperava. Sim, Kate está aqui, como eu esperava. Mas eu
queria uma tequila, um bife e trinta minutos para mim. Isso
não vai acontecer, mas não consigo afastar a sensação de que
foi por acaso que cheguei nesse momento. Kate pode ter
levado todo mundo ao frenesi na minha ausência, embora
dada sua expressão desamparada, talvez as coisas não
tenham acontecido do jeito dela.
— Como vai você? — Pergunto, recostando-me no banco
onde estou sentado, esticando o braço nas costas.
— Estamos todos bem. A propósito, nada com que você
se preocupe. Você não vai enfrentar um motim nem nada. —
Ele pisca para mim e eu aceno em gratidão. De novo.
— Obrigado, Basil, — eu digo. Não digo a ele que não
estava preocupado. O que Kate poderia fazer? Sim, ela
poderia ter tornado a vida um pouco mais difícil, mas as
pessoas têm memória curta e a praticidade teria vencido para
a maioria delas. Não estou aqui para incendiar
Crompton. Vou criar empregos, trazer negócios para a
região. O que vou fazer beneficiará toda a comunidade. A
maioria deles já entende isso, e aqueles que não entendem,
eventualmente vão.
Observo enquanto Kate se aproxima, com o cardápio na
mão, ignorando cuidadosamente meu olhar.
— Menu, — ela diz enquanto se aproxima da mesa. —
Gostaria de uma bebida? — Ela tira o bloco e a caneta do
bolso do avental e fica pronta para o pedido de bebida mais
complicado que o pub já viu.
— Uma tequila. — Então acrescento: — Por favor. — Eu
sei que os britânicos adoram um por favor.
Ela não diz nada. Ela não anota nada em seu bloco,
apenas vira as costas e volta para o bar. A bunda dela fica
espetacular em jeans.
Talvez seja o desafio, talvez seja porque eu realmente
quero que ela saiba que não precisa se preocupar com o que
vai acontecer com Crompton porque não tenho vontade de
destruí-lo, talvez seja só porque ela tem uma bunda linda,
mas quero falar com ela. Eu gostaria que ela tentasse
entender de onde venho.
A maioria dos trabalhadores de Crompton sai nos
próximos dez minutos. Mas há algumas mesas perto do bar
onde as pessoas estão amontoadas em torno de suas bebidas,
conversando em voz baixa. De vez em quando um deles olha
para mim, e de vez em quando um deles olha para Kate.
Eu rio sozinho e me concentro no cardápio.
Kate volta para minha mesa com uma tequila e seu
bloco.
— Obrigado, — digo enquanto ela coloca a bebida na
base para copos. Ela ainda não olha para mim. — Como foi
sua reunião?
— O que posso trazer para você? — Ela diz, ignorando
minha pergunta.
— Eu quero o filé de costela. Mal-passado. Com um
acompanhamento de brócolis.
— Isso é muita proteína. O brócolis tem mais do que as
pessoas imaginam. — Então ela franze a testa e murmura, —
Caramba, — baixinho, como se estivesse chateada por ter
falado comigo.
— Eu não sabia que o brócolis é uma grande fonte de
proteína, — respondo, sorrindo para ela.
— Bem, você sabe agora. — Ela dá de ombros, arranca o
cardápio da minha mão e gira de volta para o bar.
Pego meu telefone para verificar meus e-mails, mas
antes que eu tenha a chance de abrir minha caixa de
entrada, alguns jardineiros juniores se aproximam da
mesa. Não tenho certeza dos nomes deles — acho que o alto e
esguio é Amarjit, mas mesmo que eu fosse um apostador, o
que não sou, não é uma aposta que eu aceitaria.
— Boa noite, — diz aquele que definitivamente não é
Amarjit.
Pego minha tequila e a levanto na direção dele.
— Só para você saber, a maioria de nós acha que você
estar aqui é uma coisa boa, — Provavelmente-Amarjit diz. —
Algumas pessoas podem não querer admitir, mas era hora de
o conde vender. Eu não acho que o coração dele esteja mais
nisso.
— O saldo bancário dele definitivamente não estava, —
diz o outro. — Um hotel será bom. Mas talvez demore um
pouco. O que vai acontecer conosco enquanto isso?
— Isso vai acontecer rápido para uma reforma desse
porte. Não tenho paciência para mais nada. Doze meses do
início ao fim.
— Doze meses, — diz Amarjit, obviamente surpreso. Ele
não percebe que isso é uma fração do tempo que
normalmente levaria para um projeto como esse ser
concluído.
— Isso não é muito tempo. Grande parte do paisagismo
precisará ser mantida. Será necessário realizar treinamento
para novas funções. E se eu tiver alguns ajudantes dispostos,
haverá outras funções provisórias que precisarão ser
preenchidas.
— Estou pronto para isso, — diz Não-Amarjit.
— Bom, — eu digo.
— Como dissemos, a maioria das pessoas é a favor.
— Fico feliz em ouvir isso.
— Eu disse a Kate que de jeito nenhum você seria
convencido a mantê-la como uma casa de campo para você e
sua família, — diz Amarjit.
Tento não deixar minha surpresa transparecer. Por que
ela pensaria que isso era uma opção? E que família? Ela deve
saber que não sou casado – dormimos juntos.
— Você tem razão. Não há como me convencer disso.
— Bem, o que você precisar de nós, Vince. Apenas nos
deixe saber.
— Não me chamar de Vince seria um começo. Vincent
funciona muito bem.
Não-Amarjit ri. — Com certeza, Vincent.
Amarjit o cutuca. — Vamos deixar o homem em paz. —
Ele levanta o queixo para mim e acena. — Aproveite seu
jantar. E não deixe Kate acabar com você por causa dos
ômegas.
Não posso deixar de sorrir com esse comentário. Kate
claramente tem em mente as necessidades nutricionais de
todos.
Como se a tivesse convocado, Kate aparece com alguns
pratos de comida. Ela larga tudo sem olhar para mim.
— Mostarda? — Ela pergunta, ainda evitando meu
olhar.
— Isso seria adorável.
Quando ela retorna com o trio de mostardas, mergulho
para tentar encontrar seu olhar.
— Sabe, você me achou charmoso quando me conheceu,
— digo, pegando um pote de grãos integrais. Ela não me
trouxe uma colher, mas quando me levanto, ela se vira e volta
para a caixa registradora, onde talheres adicionais estão
guardados. Ela retorna com três colheres de chá.
— Obrigado, — eu digo, sorrindo para ela.
Ela coloca a mão no quadril. — Quando te conheci, você
não era meu chefe. E não estava me despejando.
Posso sentir o gosto amargo na língua – não fresco,
como esteve por tanto tempo, mas opaco nas bordas. Quase
como a memória da amargura.
— Eu não estou despejando...
— E eu não te achei charmoso, — diz ela. — Tive uma
coceira. E você estava disponível para arranhá-la.
Eu não posso deixar de rir. — Bem, estou muito feliz por
ter aliviado sua coceira. Não me importo nem um pouco que
você tenha me usado pelo meu corpo. — Quero acrescentar:
“Use-me novamente a qualquer momento”, mas não o
faço. Ela está chateada e tem razão: agora sou o chefe dela.
— Eu estava falando sério quando pedi que você viesse
ver os planos que traçamos para Crompton House. Você pode
ver por si mesma como as coisas vão ficar. Há um tour de
vídeo simulado. E você pode fazer um tour pela casa como
está agora, para ver o tipo de investimento que vamos fazer
na propriedade.
— Você está tentando me conquistar, — diz ela,
concentrando-se no meu ombro esquerdo.
— Sim, — eu digo. Não era óbvio? — Eu não quero que
você fique infeliz. Apenas venha e olhe. Vejo como é
importante para os outros funcionários da Crompton. Se você
der uma olhada nos planos, poderá lhes dizer o que pensa.
Ela faz uma pausa por um momento, transferindo o
peso de um pé para o outro, os olhos focados na mostarda,
no meu bife – em qualquer lugar, menos nos meus olhos.
— Suponho que poderia ir e... ver se o que você está nos
dizendo é...
— Venha e veja se estou dizendo a verdade.
Nós trocamos olhares pela primeira vez desde que
cheguei e ela respira fundo.
— Ok.
Eu não posso deixar de sorrir. Ela é linda e não consigo
desviar o olhar dela. Ela verá que não estou tentando piorar a
vida dela. Este hotel será um grande investimento para mim e
para a comunidade onde está inserido.
— Ah, e dê uma olhada nisso. — Pego a descrição do
cargo de duas páginas que pedi ao meu vice-presidente de
RH.
— O que é? — Ela pega os papéis.
— Uma descrição do cargo: chefe de relações com
hóspedes do hotel. Você se encaixaria perfeitamente.
— Não tenho nenhuma experiência, — diz ela,
claramente nervosa.
— Nós vamos treiná-la novamente. Você é ótima com as
pessoas. Vi como você deixa as pessoas à vontade no bar e na
casa de chá, como percebe pequenos detalhes e se preocupa
genuinamente com as pessoas. Você seria ótima. Mas pense
nisso. Não preciso de uma resposta agora. Venha ver os
planos amanhã e podemos conversar mais.
Ela não retribui meu sorriso. — Coma seu bife. Você vai
precisar de creatina.
Eu sorrio para ela. — Isso significa que você vai me fazer
exercitar? — Eu sei que não deveria flertar com ela, mas ela é
completamente irresistível.
Ela me lança seu olhar mais cruel, que eu
provavelmente não deveria achar tão sexy quanto acho, e vai
embora. De novo.

QUATORZE

Kate
Trouxe um caderno e uma caneta comigo. Tenho certeza
de que ele achará isso menos intrusivo do que eu fotografar
tudo, mas, se tiver oportunidade, tirarei algumas fotos. Se eu
encontrar algo que acho que os outros funcionários de
Crompton não vão gostar, quero provas. Mesmo que eu tenha
aceitado que Vincent transformar a casa em um hotel é algo
que todos desejam, vejo como meu trabalho garantir que ele
cumpra sua palavra. Se eu encontrar alguma diferença entre
o que ele prometeu e o que faz, serei a primeira a apoiá-lo. Se
o pessoal de Crompton não quiser que eu lidere a sua
oposição aos planos de Vincent, posso pelo menos ser sua
defensora e protetora. Em algum momento ao longo do
caminho, espero me sentir confortável com a mudança que
tenho pela frente. Só não sei se é possível.
Endireito os ombros e pressiono o enorme sino vitoriano
que deve ter sido instalado muito depois da construção da
casa, mas ainda há cem anos.
Eu me preparo para ficar cara a cara com Vincent, que é
provavelmente o homem mais bonito que já vi e
definitivamente o melhor amante que já tive.
As portas duplas se abrem, mas em vez de Vincent, sou
saudada por outro homem – aquele que estava ao seu lado
durante o anúncio. Não consigo lembrar o nome dele. Michael
talvez? Ele tem vinte e poucos anos, cabelos castanhos e um
corpo que a vovó chamaria de magro – magro e branco
leitoso. Ela sempre diz que pessoas magras são mais fortes do
que parecem e extremamente leais. Não tenho coragem de
dizer a ela que há poucas evidências científicas de uma
correlação entre tipo de corpo e caráter.
— Kate, obrigado por ter vindo, — diz ele, todo
sorrisos. Ele sabe meu nome. Vincent o informou sobre
mim. Só Deus sabe o que ele disse: Não quer que a casa vire
hotel, mas dá excelentes boquetes.
É claro que Vincent não receberia visitantes na porta da
frente. Por que ele faria isso quando pode contratar alguém
para fazer isso por ele?
Eu sorrio com força. — Obrigada por me convidar. —
Entro na casa. Antes do anúncio do conde, eu não vinha
aqui há anos e anos. Mesmo na semana passada só
conseguimos ver a sala comprida.
O hall de entrada é exatamente como me lembro de
quando era pequena, embora agora pareça um pouco
menor. A escadaria ampla com o corrimão quase irresistível
que sonhei em deslizar ainda está lá, parecendo
completamente magnífico.
— Ele vai manter o corrimão? — Eu pergunto. — E a
escada?
— Sim, — uma voz familiar ressoa do topo da escada. —
Vai exigir alguma restauração, mas não há grandes obras
planejadas para a escadaria. — Vincent desce as escadas, os
primeiros botões da camisa branca desabotoados, mostrando
um toque de pele morena que sei que é muito boa.
Preciso me concentrar no corrimão. Não na pele dele.
Não nele.
— Devo mostrar-lhe o local antes de ver os planos? —
Vincent pergunta quando chega ao pé da escada onde
Michael e eu estamos. — Você pode se familiarizar novamente
com o layout e pode ser um pouco mais fácil visualizar as
coisas.
Encolho os ombros, reprimindo minha excitação ao ver
a casa novamente, ignorando a agitação em meu estômago
por ter Vincent tão perto.
— Você pode nos deixar, Michael, — diz Vincent e
Michael volta a subir as escadas.
— Vamos começar aqui. — Vincent move o braço para a
esquerda, guiando-me para uma sala onde nunca estive
antes. É forrada do chão ao teto muito alto com estantes
cheias de livros.
— A biblioteca, — diz Vincent. — O plano é mantê-la e
torná-la parte da experiência de jantar casual. O hotel servirá
lanches leves e chá da tarde. Esse tipo de coisa.
É aqui que Sandra quer trabalhar. Eu me pergunto
se devo mencionar isso.
Não, eu decido. Haverá tempo para isso.
Olho para cima, observando as fileiras e mais fileiras de
livros e a luz que entra na sala pelas janelas dos andares
superiores. É uma casa imponente, mas esta sala é muito
aconchegante.
— Esta pode ser minha sala favorita, — diz Vincent. —
Acho que é o vitral. — Ele levanta o queixo para as janelas
com vidros multicoloridos. Eu nunca os notei de fora. — Dá
uma sensação de igreja, o que é completamente apropriado,
dada a importância dos livros.
Eu não posso deixar de sorrir.
— Você não terá uma discussão minha sobre isso.
Vincent encontra meu olhar e há uma suavidade em
seus olhos, quase como se ele estivesse orgulhoso de ter
encontrado algo em comum comigo. Eu desvio o
olhar. Preciso me concentrar nesta turnê e proteger o povo de
Crompton, não nos olhos sonhadores de Vincent Cove.
— E por aqui? — Pergunto, apontando para um arco
com moldura de carvalho.
— Isso dá acesso à sala da manhã, o que é perfeito
porque também serve o chá da tarde. Michael é um grande
homem do chá da tarde, então, sem dúvida, estará atento a
todos os detalhes sobre isso. Ele diz que o chá da tarde é a
melhor coisa de estar no Reino Unido. Você é uma fã?
Por um momento, acho que ele está perguntando se sou
fã de Michael, mas então percebo que ele ainda está falando
sobre chá. — Não posso dizer que já tomei um chá da tarde
formal. Mas Sandra faz a melhor torta Bakewell do mundo. O
bom bolo à moda antiga é mais a minha geleia – desculpe o
trocadilho.
Vincent ri. — Você é uma amante da história e da
tradição. Achei que poderia gostar desse tipo de coisa.
Eu dou de ombros. Ele não precisa saber quão pouco eu
deixo a propriedade. Sempre que menciono a alguém como
raramente saio de Crompton, parece mais estranho do que
realmente é.
— Vamos para a próxima sala. É outra sala de estar que
leva à sala comprida. Eu sei que você esteve lá recentemente.
— Eu pego seu olhar e ele está olhando para mim como
se quisesse que eu respondesse.
— Ah, sim, depois que você reapareceu como o novo
proprietário da propriedade. Eu não estava esperando vê-lo
novamente.
— Deve ter sido uma grande decepção, — diz ele
enquanto andamos pela longa sala, ao longo dos fundos da
casa.
— É mais como um choque. Não é como se você tivesse
mencionado que estava pensando em comprar o lugar.
Ele ri. — Não. Claro que não. Teria mudado alguma
coisa se tivesse te contado?
— Você quer dizer, eu ainda teria dormido com você? —
Pergunto enquanto ele olha para mim, esperando por uma
resposta que não vou lhe dar. — Antes ou depois do meu
ataque de pânico por ter perdido tudo de bom na minha vida?
— Tento dizer isso de uma forma calma, leve, só de
brincadeira, mas não sai assim.
Vincent para e não posso deixar de espelhá-lo.
— Kate, — ele diz. — Não estou aqui para tornar sua
vida miserável. Realmente, não estou.
Eu me viro e começo a andar. — Eu sei que você não
veio aqui com a intenção de me deixar infeliz. — Ele está
fazendo seu trabalho. Em um nível lógico, eu entendo. Agora
que sei que todos os outros acolhem com satisfação a sua
chegada, vejo ainda mais claramente como isso funciona para
eles. Talvez seja egoísta, mas simplesmente não consigo
superar o quão drasticamente isso vai mudar a minha vida,
quando não há nada na minha vida que eu queira mudar.
— Por que você se sente tão diferente do resto da
equipe? — Ele pergunta.
Como ele sabe como os outros funcionários se
sentem? Suponho que os tenha visto no pub. Quando ele
estava lá depois da reunião, vi Basil, Sacha e Amarjit
conversando com ele. Suponho que as pessoas tenham dito a
ele que são a favor. E eu entendo. Aumentos salariais e
segurança no emprego são importantes. Aqueles que moram
na propriedade podem se mudar para casas novas com
comodidades atualizadas. Ao que tudo indica, todos ganham.
Todos menos eu.
— Sempre adorei este lugar, — respondo. — E eu sei
que você não vai destruí-lo e posso ver o que está fazendo
através dos olhos de outras pessoas… Entendo que, da
perspectiva deles, faz sentido, mas...
— Isso não é sobre Crompton, — ele diz, e eu viro minha
cabeça.
— É absolutamente sobre Crompton, — respondo.
Ele estremece, mas não diz mais nada e fico grata. Não
quero sentir a necessidade de explicar ou me desculpar por
que me sinto assim. Vincent Cove não precisa entender o
quão devastadora é para mim a ideia de sair da
propriedade. Ele não pode imaginar o medo que me rodeia
sobre o que a vida me reserva se eu não estiver ao lado da
vovó, vivendo minha vida como tenho vivido nos últimos vinte
anos.
Vincent e eu seguimos para o outro lado da longa sala
até um labirinto de quartos que parecem precisar ser
demolidos. Não há tapetes no chão, apenas tábuas
manchadas, papel de parede rasgado e arquitraves
danificadas. Parece algum tipo de casa assombrada e
deserta. Vincent não usa o estado dessas salas como mais
uma razão para o que está fazendo ser algo positivo, e estou
grata.
— Você verá nas plantas que esta área será unida e
usada como sala de jantar formal, que dará acesso à
extensão.
— Extensão? — Eu digo e instantaneamente desejo não
ter revelado meu choque.
— Sim, uma extensão de dois andares abrigará a maior
parte dos quartos.
— Mais quartos estão sendo adicionados?
— No momento, só há espaço para algumas suítes e
alguns quartos especiais na casa original. A maior parte dos
quartos estará localizada na extensão.
Quero ver esses planos imediatamente. Minha mente já
está girando com imagens de uma monstruosidade vasta,
extensa e moderna pregada nos fundos da casa.
— Podemos terminar a turnê depois de eu ver os
planos? — Eu pergunto. Quero ver do que ele está
falando. Vincent foi muito claro sobre o seu desejo de
restaurar Crompton. Agora a verdade vem à tona: ele está
disposto a construir uma feia extensão a um belo edifício
histórico com fins lucrativos. Certamente os planejadores
locais não vão deixar uma casa senhorial como esta ser
arruinada?
— Com certeza, — Vincent diz, como se a manteiga não
fosse derreter em sua boca.
Vincent lidera o caminho até as escadas em caracol. Eu
o sigo, passando a mão pelo carvalho liso e envelhecido,
definitivamente sem olhar para o traseiro de Vincent.
— Montamos nosso escritório aqui, — diz Vincent,
abrindo uma porta bem à frente das escadas.
A sala está inundada de luz e meus olhos precisam se
ajustar. Olho ao redor e vejo Michael atrás de uma mesa no
outro extremo e uma jovem loira, que parece ter vinte e
poucos anos, sentada atrás de uma das outras duas mesas
modernas em cada extremidade da sala. No meio há uma
mesa grande, coberta de papéis.
— O conde não deixou nenhum móvel? — Eu pergunto,
olhando ao redor. Certamente eles poderiam ter achado a
mobília de escritório um pouco mais adequada.
— A maioria das salas estava vazia quando visitei o local
pela primeira vez, — responde Vincent. — O conde levou
algumas coisas. Ele deixou algumas peças que serão
utilizadas no hotel, grande parte das obras de arte. E os
livros da biblioteca, claro.
O que ele quis dizer com as salas não estavam
mobiliadas? Deveriam estar. Afinal, era aqui que o conde
morava. Então me lembrei que alguém no pub disse a mesma
coisa. Os tempos tinham sido tão difíceis para o conde que
ele vendeu móveis para manter o lugar funcionando?
— Vamos mostrar o vídeo de como ficará o local quando
estiver concluído, — diz Vincent. — Molly tem isso na tela. —
Vincent puxa duas cadeiras até a mesa da loira e ela ajusta
sua grande tela para que todos possamos ver.
O vídeo abre com uma ampla imagem aérea do terreno
que parece ter sido tirada por um drone. Mas os jardins
floridos desapareceram e no seu lugar está o que só posso
presumir ser a extensão – um belo edifício de tijolos
vermelhos que parece tão natural como a própria casa
principal. Há um grande jardim de inverno e, mesmo que eu
me odeie por pensar nisso, uma piscina bastante atraente.
Parece lindo. A maior parte do paisagismo está
exatamente como agora. Mas ainda não é o lugar que
conheço e amo. As mudanças podem ser visualmente
atraentes, mas ainda fazem meu interior se transformar em
uma bola de ansiedade.
— É assim que ficará quando todas as reformas forem
feitas.
— Mas não são apenas reformas, não é? São ampliações
e remoção dos jardins floridos.
— Você está certa, — diz Vincent, para minha
surpresa. — 'Ampliações' não abrange o suficiente. Qual seria
uma palavra melhor?
— Renovação, — diz Molly, e tento não quebrar os
dentes enquanto cerro a mandíbula.
— Vamos apenas dizer que funciona. — Tento manter
minha voz firme.
— Ok, vamos em frente, — diz Vincent. — Depois que
todas as obras acontecerem, é assim que vai
ficar. Obviamente a alvenaria da casa será toda limpa. Os
especialistas nos dizem que isso não acontecia desde que a
propriedade foi construída na década de 1730...
— 1728, — eu o corrijo.
— Sim, não foi limpa desde então. Disseram-nos que é
incrível como está bem preservada, considerando a falta de
investimento.
A alvenaria precisa de investimento?
— Toda a pintura será renovada. As janelas precisarão
ser restauradas. Muitas delas estão apodrecendo e deixando
entrar vazamentos, por isso planejamos encomendar novas
janelas feitas à mão com vidros triplos para garantir que
pareça um hotel de luxo, mas também com eficiência
energética.
Parece bom, e o Rio já mencionou algumas vezes como
as janelas precisam ser reformadas.
— As janelas terão a mesma aparência?
— Exatamente como mostra no vídeo. Você realmente
não será capaz de perceber a diferença.
Nossos olhares se encontram e o fogo furioso que venho
tentando atiçar em minha barriga se extingue. Não sei se é
porque ele está me dando tanto tempo ou porque realmente
parece se importar. De qualquer forma, posso me sentir
derretendo.
A câmera passa pelas portas da frente – que não posso
deixar de notar que são as portas da frente originais, trazidas
de volta à vida – e entra no hall de entrada, convertido em
lobby de hotel. Nenhum detalhe foi perdido neste vídeo: flores
frescas adornam uma grande mesa circular na parte inferior
da escada, e um homem e uma mulher com blazers azul-
marinho combinando estão atrás da recepção.
A câmera vai para a esquerda na biblioteca e foca nos
vitrais que Vincent apontou anteriormente.
— Os vitrais serão restaurados, assim como livros e
estantes. Os pisos provavelmente precisarão ser substituídos,
embora seja necessária mais diligência nisso. Estamos
tentando manter o máximo possível de recursos originais.
A biblioteca está preparada para o chá da tarde, com
pequenos sofás azuis e cadeiras reunidas em torno de mesas
com toalhas brancas e talheres brilhantes.
Os livros alinhados nas prateleiras parecem calorosos e
convidativos. Não há dúvida: o lugar é lindo. Vovó, Sandra,
Basil, Meghan – todos da propriedade vão adorar se for
assim.
A escadaria recém-restaurada parece brilhar, como se
estivesse orgulhosa do carpete verde-musgo e dos retratos
brilhantes pendurados nas paredes.
Parte de mim esperava que fosse um desastre – que
Vincent insistisse que tudo fosse caiado e moderno, mas a
sensação do novo lugar é tradicional e familiar.
E amoroso.
Ainda é um hotel. Ainda não é Crompton que você
conhece , lembro a mim mesma. O aviso perdeu um pouco de
seu vigor diante desta apresentação incrivelmente
cuidadosa. O que não perdeu a sua força é o medo que toma
conta do meu coração de que esta é uma mudança maior do
que alguma vez serei capaz de enfrentar.
À medida que o vídeo continua, sinto que desejo que a
próxima imagem seja melhor e, na maioria das vezes, é. O
spa parece incrível, como coisas que vi no Instagram. As duas
piscinas são surpreendentes – simples e discretas, mas
convidativas e muito luxuosas. O telhado da piscina coberta -
que parece um jardim de inverno visto de fora - faz com que
pareça um palácio. O salão de baile parece algo saído
de Bridgerton, e até o menor quarto parece digno de um
conde.
O lugar parece revivido. Recuperado.
Amado.
Fecho os olhos, me esforçando para não chorar. Não
entre em pânico.
— Kate? — Vincent pergunta, sua voz suave.
Respiro fundo e abro os olhos. Ele está me
observando. Ele olha para mim sem palavras por um longo
tempo e depois olha para Michael e Molly. — Deixe-nos, por
favor.
Por um momento, penso que ele deve estar me
expulsando, até que Michael e Molly se levantam e saem em
fila pela porta.
Ele não gritou. Ele não foi duro ao pedir-lhes que
fossem. Sua voz era baixa, controlada e completamente
autoritária. E foi muito sexy.
Eu me castigo mentalmente por ainda achar esse
homem atraente. Então ele tem um corpo lindo e um sorriso
lindo. Então ele cheira a pinho encharcado pela chuva e pode
silenciar uma sala apenas entrando nela. Então pode me
fazer ter mais orgasmos em uma noite do que todos os
homens tiveram na década anterior. E daí?
Ele está me deixando sem teto, me jogando de volta à
minha vida antes que eu soubesse como ser feliz. Não há
como me permitir gostar dele. É melhor que meus hormônios
se controlem.
— Como posso ajudar? — Ele pergunta.
Balanço a cabeça porque não há nada que ele possa
fazer.
— Parece adorável. — Consigo proferir as palavras,
torcendo e girando os dedos no colo. — Mesmo.
Ele passa a mão no meu braço. — Diga-me como posso
consertar isso, seja lá o que for.
Se ele estivesse planejando demolir o lugar e
transformá-lo num parque temático, seria mais fácil. Eu
poderia odiá-lo então. Eu poderia atribuir minha miséria a
ele.
Mas eu não o odeio.
Nem um pouco.

QUINZE

Kate
Transfiro a lata de muesli para o quadril esquerdo, bato
na porta da vovó e abro o trinco.
— Bom dia, — eu grito. — Trouxe mais muesli para
você. —
Parece que a vovó está lá em cima, mas ainda consigo
ouvi-la gemer.
Ela não é uma grande fã do meu muesli.
— É bom para você. Fibra. Fósforo. Além dos ômegas e
proteínas das nozes e sementes. — Coloco a lata na mesa,
tiro duas tigelas do armário e ligo o botão da chaleira.
— Estarei aí em um minuto.
Uma pontada de tristeza me atinge no peito. Quantas
semanas me restam para tomar café da manhã com a
vovó? Para me distrair, comecei a servir nosso café da manhã
e preparar uma xícara de chá para cada uma de nós. A vovó
toma o dela como se fosse um chá aguado e eu estou
bebendo verde, ao qual espero converter a vovó em algum
momento.
— Espero que você não tenha me dado nada desse lixo
verde, — ela diz enquanto entra na cozinha vestida de
jardinagem. — Eu quero uma xícara de chá normal.
— O chá está pronto. E sua tigela de muesli também
está aí. Você quer leite ou iogurte grego com ele? Você sabe
que o iogurte é melhor para as bactérias intestinais.
Ela suspira. — Vou aceitar o iogurte se você me der um
tempo de tentar controlar o que coloco em meu corpo.
— Não é controle. Informação. Estou tentando
ajudar. Você precisa cuidar de si mesma. — Pego um iogurte
na geladeira e uma colher na gaveta e deslizo-os sobre a
mesa.
A vovó se senta. — Se eu ousasse dizer tal coisa a você,
estaria interferindo.
— Você absolutamente não faria isso. Você leu alguma
coisa? Li algo ontem que o café agora faz bem. — Gosto de ler
sobre as pesquisas mais recentes sobre os benefícios
curativos e preventivos de certos alimentos e escolhas de
estilo de vida. Uma das razões pelas quais a vovó é tão
saudável na idade dela é toda a jardinagem. As pessoas
oferecem assentos para ela onde quer que vá, mas geralmente
é menos provável que ela precise de um. Ela é uma
inspiração. Só estou tentando ajudá-la a se ajudar ainda
mais.
— Como foi ontem? — Ela pergunta.
Decido fingir que não ouvi a pergunta.
— Adicionei ainda mais coisas boas neste último
muesli. Você nunca vai adivinhar qual é o ingrediente
secreto.
— Não tenho certeza se quero saber.
— Cogumelo em pó.
A vovó congela, a colher pairando no ar.
— Cogumelos psicodélicos?
— Não, cogumelos juba de leão. Você não acreditaria em
todas as coisas incríveis que pode fazer – tudo, desde reduzir
a inflamação até proteger contra a demência. É realmente um
fungo para todos os fins.
Ela abaixa a colher sem provar minha nova receita.
— Cogumelos com muesli não me parecem
adequados. E você não respondeu minha pergunta. Como foi
ontem? Como estão os planos?
Suspiro, em parte porque estou decepcionada por ela
não ter provado o novo muesli, mas mais por causa do
encontro desastroso.
— Você não consegue nem sentir o gosto do cogumelo.
— O muesli está uma delícia e como uma colherada para
provar.
— Vou provar se você me contar sobre os planos para o
hotel, — diz ela. Concordo com a cabeça e espero enquanto
ela prova o muesli. Como previsto, ela dá de ombros. — Você
está certa, não consigo sentir o gosto de nada.
Esperançosamente, isso significa que ela comerá todos
os dias.
— Estou esperando, — diz a vovó. — Você gosta deste
Vincent Cove?
— Não importa se eu gosto de Vincent ou não, — digo. A
vovó não sabe que dormi com ele. Ela não precisa saber. E
não é grande coisa, mas eu simplesmente não quero que ela
ou qualquer outra pessoa pense que tenho algo contra ele
pessoalmente, quando a verdade é exatamente o oposto. Eu
gostaria de ter algo extremamente pessoal – ou seja, eu –
contra Vincent. Ou pelo menos teria feito isso se ele não
tivesse comprado Crompton. Então, novamente, se ele não
tivesse comprado Crompton, não estaria aqui para alimentar
meus sonhos de vê-lo nu novamente – o que eu
definitivamente não farei.
— Ok, então como são os planos?
— Eles são... impressionantes. Obviamente os jardins
floridos desapareceram. Existem vastas extensões, mas, para
ser honesta, parece realmente maravilhoso.
Olho para cima e encontro vovó sorrindo para mim.
— Este pode ser um novo capítulo para você, — diz
ela. — Você poderia conhecer novas pessoas se se
mudasse. Pode até encontrar um namorado.
— Eu não quero um namorado. Estou feliz com a forma
como as coisas estão.
Ela desliza a mão sobre a minha. — As coisas têm sido
as mesmas há muito tempo.
— Mas se não está quebrado, por que consertar?
A vovó esfrega o polegar no meu, como faz há vinte e
sete anos. — Querida, está quebrado. — Não tenho certeza do
que ela está se referindo: a mim ou a Crompton. Sua voz é
gentil quando ela continua. — O conde deveria ter vendido o
lugar há anos. Ele não podia se dar ao luxo de continuar
assim. Suponho que ele estava segurando algo quase com
tanta força quanto você.
— Por que eu não seguraria com força? Estou feliz
aqui. Não é normal que as pessoas queiram ser felizes?
Vovó acena com a cabeça. — Claro. Mas não existe
apenas uma maneira de ser feliz. Ficar parada nem sempre é
o melhor caminho.
Pego os papéis que Vincent me deu ontem e os coloco
sobre a mesa. — Ele já me ofereceu um emprego como chefe
da equipe de relações com hóspedes do hotel.
Rejeitei a ideia quando ele a mencionou, mas depois do
meu turno, li a descrição. Não há dúvida de que o papel é
uma promoção. E envolve muitas das coisas que gosto no
meu trabalho atual: muita interação com as pessoas,
melhorar o dia das pessoas. Mas devido à natureza
transitória dos hotéis, é improvável que eu realmente conheça
alguém, como conheço os clientes habituais da casa de
chá. Tem um casal que vem todos os dias de julho e agosto e
faz isso há seis anos. Eles parecem parte da mobília
agora. Não haveria nada parecido no hotel.
— Isso é maravilhoso, minha querida, — diz a vovó. —
Quando você começa?
— Eu não aceitei.
Vovó me lança um olhar de decepção.
— Sinto muito, — eu digo. — Você está decepcionada
comigo.
— Oh, meu Deus, não com você, minha querida. Por
você. Você não está nem um pouco animada com a ideia de
ser chefe de uma equipe de relações com hóspedes em um
hotel cinco estrelas? Eu teria pensado que um trabalho como
esse seria ideal para você. Você seria fantástica nisso. Você
ama tanto a propriedade que pode falar sobre ela com
carinho real e genuíno e viveu na região a maior parte da sua
vida. Não há ninguém melhor para ajudar os hóspedes a
desfrutar de Crompton e das aldeias vizinhas.
— Ele só está me oferecendo o emprego para me colocar
do lado dele.
— Duvido que isso seja verdade e mesmo que seja, quem
se importa? Você tem que aproveitar essas oportunidades
quando elas surgirem na vida. Você seria boa no trabalho e
ele claramente sabe disso. Francamente, fico confiante de que
o homem sabe o que está fazendo se pode ver o seu potencial.
Olhando de fora, o trabalho de relações com hóspedes é
uma boa oportunidade para mim. Mas não é um futuro que
alguma vez imaginei para mim.
— Não sei. Ainda estou esperando que...
Antes que eu tenha a chance de terminar a frase, Sacha
invade a porta da frente da vovó.
— Há coisas sobre habitação na biblioteca. — Ela olha
de mim para a vovó. — Então, vamos ou o quê?
— Ir aonde? — Eu pergunto.
— Para a biblioteca. Na casa. Eles fixaram alguma...
informação ou algo assim. Aparentemente há um homem
respondendo a perguntas.
— Que tipo de perguntas? — Vovó pergunta.
— Eu não faço ideia. — Sascha está praticamente
vibrando de excitação. — Mas talvez eu vá comprar meu
cachorro-salsicha.

Ainda estou me habituando a nova política de portas


abertas na casa. Quando o conde morava na residência, era
compreensivelmente proibido. Agora a porta está aberta toda
vez que passo. Suponho que não seja mais uma casa, apenas
um escritório. Um negócio. Um lugar onde as pessoas vêm
para trabalhar, não para construir uma vida.
Passamos pelas portas do saguão. As coisas parecem
tão monótonas e vazias quanto quando Vincent fez o tour.
— Nossa, faz muito tempo que não passo por essas
portas, — diz a vovó. — Parece que precisa urgentemente de
algum cuidado terno e amoroso.
— Pelo menos ele vai ficar com a escada, — murmuro.
— Claro, — diz a vovó. — O lugar está listado. Eles não
vão deixá-lo escapar impune de nada que destrua a história
do lugar.
Tento não revirar os olhos.
— Aqui, — diz Sacha, praticamente puxando a camisa
da vovó.
Vozes chegam ao corredor vindas da biblioteca, e a porta
se abre quando nos aproximamos. Nosso trio fica cara a cara
com Vincent.
Meu coração desleal palpita ao vê-lo. Deve ser a altura
dele. E aqueles antebraços perfeitos expostos sob as mangas
da camisa enroladas. É como se ele estivesse tentando me
torturar.
— Bem-vindas, — diz ele, seu tom cheio de charme e
calor. A sensação soporífica que tenho quando ele está
próximo retorna. — As notícias correm rápido. Entrem,
entrem e deixem-me apresentá-las a Beck. Ele é o
desenvolvedor do terreno atrás do estacionamento da vila e,
para minha sorte, eu o conheci há cerca de dez anos, no meio
do caminho até uma montanha. Mantivemos contato.
Por que ele é tão afável? Por que não pode ser mais
vilão? Eu poderia odiá-lo então.
Uma linda mulher loira vem em nossa direção com uma
saia vermelha justa e batom vermelho combinando e, em um
instante, me sinto como uma caipira desmazelada com
minhas galochas e o suéter tricotado à mão que meu vovô me
fez antes de morrer. Sem dúvida, Vincent está acostumado a
estar rodeado de mulheres assim e, apesar de tudo, não
posso negar que um pedaço de ciúme se aloja em meu
coração.
— Oi, — ela diz, sorrindo para nós três. — Eu sou Stella
e estarei trabalhando com Vincent e sua equipe no design do
hotel. Hoje estou fazendo trabalho noturno, ajudando meu
marido Beck, que está construindo as casas na aldeia. Ele
está tentando causar uma boa impressão, então claramente
precisa da minha ajuda.
Vovó ri e até eu não consigo deixar de sorrir. Ela está
sendo tão legal.
Além disso, ela é casada com alguém que não é
Vincent. Meu ciúme desaparece.
— Então você vai comprar essas casas atrás do
estacionamento? — pergunto a Vincent.
— Bem, nem todas elas, — responde Vincent. — Onze
delas. Para abrigar as pessoas das onze casas dos
funcionários.
É realmente tão fácil para ele comprar onze casas?
— Você tem esse tipo de dinheiro por aí?
Ele solta uma meia risada. — É um investimento. Você
vai me pagar o aluguel.
— É um bom investimento? — Eu pergunto. — Você vai
ganhar muito dinheiro conosco?
— Não, de acordo com meu diretor financeiro.
— Então, por que está fazendo isso?
— Porque eu não saio por aí deixando as pessoas
desabrigadas. Eu não sou esse cara.
Ele olha para mim como se fôssemos apenas nós dois na
sala. Juro que se fosse, ficaria tentada a beijá-lo.
— Claro que não, — diz a vovó. — Agora, o que você tem
para nos mostrar?
Vincent pega o braço da vovó e a leva até uma cadeira
perto de uma mesa que contém vários exemplares de
literatura.
— Qual é a sua visão para o interior da casa? —
pergunto a Estela. — Eu vi o vídeo.
Seus olhos brilham de excitação e ela junta as mãos.
— Mal posso esperar para começar. Eu faço muitos
interiores modernos em Londres, porque Beck constrói e
reforma muitos projetos novos e é isso que as pessoas
querem. Mas a Crompton House será diferente. Eu realmente
quero usar Vincent como minha musa. — Ela ri. — Aposto
que muitas mulheres já disseram isso antes de mim. Mas,
falando sério, quero criar a sensação de uma casa de campo
inglesa. Portanto, deveria ser exatamente o que um
americano imaginaria que uma casa de campo inglesa deveria
ser: mais luxuosa do que a real, mas completamente clássica
e em sintonia com a arquitetura georgiana. Vou realmente
pressionar Vincent para restaurar as molduras e arquitraves
que estão danificadas ou podres. Posso usar esses elementos
para ancorar o resto do design.
Ela faz uma pausa e eu sorrio para ela. Ela está me
dizendo tudo que quero ouvir.
— Você já trabalhou com Vincent antes? — Eu
pergunto.
Ela balança a cabeça. — Não, eu trabalho
principalmente com Beck. Foi assim que nos conhecemos. —
Ela estreita os olhos. — Tipo isso. É uma longa história. —
Seu sorriso é tão largo quando ela fala sobre o marido que
olho para ele.
— Vocês têm filhos? — Eu pergunto.
— Sim, uma filha. Ela tem três anos. Chegaremos ao
número dois em breve. É muito - o trabalho nos ocupa
muito. E temos uma vida social agitada. Provavelmente não
tão agitada quanto a de Vincent.
Uma dor surda envolve meu coração e não consigo
entender por quê. É a menção às crianças, Vincent, ou à
agitada vida social?
— Você é Kate, certo? — Ela pergunta.
Estou um pouco surpresa por ela saber meu nome.
— Sim, — eu digo.
— Vincent está tentando impressioná-la, — ela diz
conspiratoriamente. — Ele quer que as pessoas saibam que
não está aqui para destruir nada. Ele vai honrar a casa
porque as pessoas estão investindo para que ela seja trazida
de volta à sua antiga glória.
— O que te faz pensar que ele está tentando me
impressionar?
Ela sorri. — Exatamente como seu nome aparece
quando estamos discutindo as coisas. — Ela faz uma
pausa. — Você é solteira?
— Felizmente, — respondo. O que ela quer dizer com
meu nome aparece? Quero perguntar mais a ela, mas não
faço isso.
— Eu acho que Vincent é da mesma maneira. Tentei
apresentá-lo a algumas amigas, mas ele não parece
interessado.
Eu dou uma combinação atraente de bufar e rir.
— Realmente? — Vincent parece um sedutor
consumado... ou pelo menos foi comigo. Ele não era? — Você
acha que ele é confiável? — Eu pergunto. — Quero dizer... ele
me ofereceu um emprego. No hotel. Quando estiver
pronto. Você acha que eu deveria trabalhar com ele?
Estou realmente considerando sua oferta de
emprego? Com o resto dos aldeões da Equipe Vincent, que
outra escolha eu tenho?
— Meu marido não trabalha com pessoas que não sejam
confiáveis, — diz ela. — Ele é um cara legal. E não é como se
Vincent fosse ficar por aqui e ser o gerente do hotel, não
é? Seu contato direto só irá até certo ponto.
A dor surda em meu coração se aprofunda e mudo meu
peso de um pé para outro.
— Eu acho que não.
— Você sabe em que ele não é bom? — ela diz.
Meu corpo enrijece, quase em lealdade a ele. — Em que?
— Detalhes. É muito difícil fazê-lo tomar decisões sobre
o design das coisas. Ele só quer que eu siga em frente, mas é
difícil sem um pouco de orientação. Tento usar Michael como
intermediário, mas ele está muito ocupado. Só espero que
isso não atrapalhe as coisas.
— O que você quer dizer? — Eu pergunto.
— Vincent está focado nas coisas que ele – e o gerente
de projeto – consideram prioritárias. Neste momento, isso
significa a autorização de planeamento, a nomeação do
empreiteiro principal, a organização da habitação para os
funcionários que vivem na propriedade. Eu entendo,
realmente entendo. Mas preciso que ele me diga que posso
encomendar os tapetes para a biblioteca e para a sala de
estar, porque levarão cerca de dez meses para serem
fabricados. O mesmo vale para o material de todas as
cortinas da casa e extensões. Com a quantidade que
precisamos, os prazos de entrega são horríveis.
Antes que eu possa fazer mais perguntas, Vincent se
aproxima.
— Kate, posso pedir a Beck que lhe mostre as plantas
das novas casas? — Ele pergunta. — Ou melhor ainda,
podemos fazer uma visita ao local. Acabei de mencionar isso
para Sacha, mas ela está ocupada, assim como sua avó. Você
tem tempo?
— Visitar as novas casas? — Não tive tempo para pensar
em deixar a propriedade. Não estou nem um pouco
preparada.
Beck se junta a nós. — É um pouco lamacento lá
embaixo, mas temos uma totalmente construída, então você
poderá ver o espaço, em vez de apenas olhar para uma
planta. As fundações foram lançadas em algumas das outras.
Talvez me sinta melhor se vir as novas casas. Melhor
ainda, talvez eu ainda consiga ver Crompton do novo
conjunto habitacional. Se eu pudesse olhar pela janela e ver a
propriedade, talvez não me sentisse tão... desamparada.
— Vai ser divertido, — diz Stella. — E você já está com
suas galochas.
Olho para os meus pés e depois volto para Vincent.
— Você vai? — Eu pergunto.
Ele dá de ombros. — Absolutamente.
Não é grande coisa. Apenas alguns minutos de
carro. Não é como se eu nunca tivesse estado na aldeia
antes. Só que não consigo me lembrar da última vez que fui à
aldeia. Desde que o primo de Meghan começou um serviço de
entrega de compras, não tive que sair da propriedade
regularmente. Por mais que tente, não consigo me
lembrar por que saí pela última vez, muito menos quando.
Em breve, entrarei e sairei pelos portões de Crompton
todos os dias.
Fazer um treino hoje só pode ajudar.

DEZESSEIS

Vincent
É o sorriso falso que me alerta sobre a ansiedade de
Kate. Não a conheço há muito tempo, mas pelo que vi, ela
não finge nada. Geralmente. Mas agora, enquanto descemos
para o canteiro de obras de Beck, ela está sorrindo como se
os cantos de sua boca estivessem separados por algum torno
invisível. Ela está totalmente fingindo.
— Você está bem? — Eu pergunto.
Ela está segurando as bordas do assento como se
esperasse que o carro decolasse a qualquer momento desde
que passamos pelos portões de Crompton.
— Tudo bem, — ela diz, seu sorriso ainda firme.
— Pensei que você tivesse dito que era atrás do
estacionamento, — diz ela quando chego ao semáforo da
vila. Sua voz parece mais fina que o normal. Tensa.
— É, — eu respondo.
— Bem, acabamos de passar pelo estacionamento.
— Vou virar à esquerda aqui e a entrada do local fica
um pouco mais abaixo.
— Quanto falta? — Ela pergunta.
O semáforo fica verde e eu viro à esquerda, minha visão
periférica completamente consumida por Kate e seu óbvio
desconforto. Embora eu pudesse ser cego e ainda sentir sua
ansiedade. É a ideia de se mudar ou eu? Talvez ela não goste
de carros.
— Estamos quase lá, — eu digo. A entrada do local fica
a cerca de trezentos metros dos semáforos. Diminuo a
velocidade, me preparando para virar.
— É mais longe do que eu pensava. — Ela se vira para
olhar atrás dela. — Achei que seria logo atrás do
estacionamento.
— Já tem uma fileira de casas lá, — digo, então gostaria
de não ter feito isso, porque ela deve saber que há uma fileira
de prédios ali. Ela morou neste lugar a vida toda.
— Há? — ela pergunta. — Oh, sim. O veterinário e a
lavanderia estão lá.
Não me lembro das lojas naquela faixa de prédios. Tudo
o que sei é que a o empreendimento de Beck começa por trás
disso.
— Aqui estamos, — digo, parando em frente ao escritório
local.
Ela abaixa a cabeça, tentando ter uma boa visão do lado
de fora, em vez de apenas sair.
— Não tenho certeza se conseguirei ver a propriedade
daqui.
Não acho que ela esteja falando comigo. É como se
estivesse conversando consigo mesma.
— Vamos sair e ver.
Saímos do carro e ela dá alguns passos para trás em
direção ao lugar de onde viemos. — Acho que não posso ver,
— ela diz novamente, com uma ponta de pânico em sua
voz. — Você pode ver? — Ela vira a cabeça e olha para mim,
esperando pela minha resposta.
— Fica além das árvores, — eu digo. Você não consegue
ver nenhuma parte da propriedade além da área arborizada
na parte inferior das terras de Crompton. — Acho que
algumas dessas árvores marcam os limites da propriedade.
— Onde? — Ela corre até mim como se eu estivesse
carregando um binóculo que ela quer usar.
Eu aponto. — Lá.
— Você acha que essa é a propriedade?
Por que ela está tão preocupada em ver a
propriedade? Ela sabe que não está longe. Estávamos no
local há menos de cinco minutos.
— É muito longe para caminhar, — diz ela. — Existe um
caminho para que não tenhamos que seguir a estrada? Talvez
você possa construir uma. Ou pagar um ônibus entre a
propriedade e essas casas. As pessoas não dirigem. Eu não
dirijo. Precisamos ser capazes de chegar facilmente a
Crompton.
Sua fala acelera a cada palavra que ela diz, como se
soubesse que está ficando sem palavras e precisa pronunciá-
las o mais rápido que puder. Pego o braço dela – é um
instinto, como embalar um bebê chorando ou dar tapinhas
em um cachorro amigável. Meu instinto diz que ela está em
pânico e precisa de calma.
Ou distração. — Por que não visitamos a casa
finalizada?
Ela balança a cabeça um pouco freneticamente e
começa a torcer e puxar os dedos. O que aconteceu com a
mulher confiante e corajosa que conheci na casa de chá? É
como se ela tivesse desaparecido totalmente.
O gerente do local sai do escritório quando nos
aproximamos.
— Olá, meu nome é Ziad. Kate e Vincent, presumo?
Um arrepio percorre minha espinha com a maneira
como ele diz nossos nomes juntos, como se estivéssemos
ligados ou algo assim.
— Trouxe uma das nossas valiosas funcionárias para
dar uma olhada em uma das casas, — digo. — Beck disse
que você tem uma pronta.
— Nós absolutamente temos. Não está mobiliada nem
nada, mas acabamos de terminar a cozinha na semana
passada e ontem aplicamos uma camada de tinta nas
paredes. Deixe-me te mostrar.
Ele sobe uma ligeira inclinação e eu me viro para Kate.
— Preparada?
Ela olha entre mim, o carro, as árvores ao longe e depois
acena com a cabeça.
Enquanto seguimos Ziad, Kate fica para trás. A certa
altura, ela leva a mão ao rosto e pode estar enxugando as
lágrimas com a manga do suéter.
— Você está bem? — Eu pergunto. É uma pergunta
estúpida porque ela claramente não está bem, mas quero
saber o que está errado e quero resolver.
— Tudo bem. Quantas casas existem no
empreendimento? — Ela pergunta a Ziad.
Ziad para e se vira. — Vinte e oito. É uma mistura de
duplexes de um quarto e casas de dois e três quartos. — Ele
aponta o polegar por cima do ombro. — Esta é uma casa de
dois quartos. Temos onze delas. Vamos entrar.
É um grande declive até a primeira casa e Ziad entra
primeiro, depois se vira e pega a mão de Kate para ajudá-la a
subir.
Seguimos pelo corredor até a sala nos fundos da
casa. Na verdade, é melhor do que eu esperava por
dentro. Não é uma nova construção padrão.
Há detalhes que dão um toque especial.
— Não sei se você viu as plantas do local, mas as vinte e
oito casas foram projetadas juntas para parecerem grandes
estábulos vistas de fora. É por isso que tem ferragens pretas
por toda parte e as portas de estábulo na cozinha e na porta
dos fundos. É uma casa peculiar, não uma caixa
padrão. Beck queria telhados de palha em algumas delas,
mas o conselho recusou. Risco de incêndio.
Eu me concentro em Kate. Ela gosta disso? Odeia? Ela
vai direto para a janela. — Definitivamente não consigo ver a
propriedade daqui, — diz ela. — As janelas não estão voltadas
para o lado certo. Posso escolher qual casa quero?
— Absolutamente, — eu digo sem hesitação. Quero fazer
tudo o que puder para tentar aliviar um pouco da devastação
que ela claramente sente por ter que se mudar das
acomodações dos funcionários.
— Existe alguma com vista para a colina? — ela
pergunta. Olho para Ziad.
— Eu teria que pensar, — diz ele. — Provavelmente. —
Ele aperta os olhos. — Eu não tenho tanta certeza. Você quer
que eu vá buscar a planta do local?
Kate começou a andar de um lado para o outro da sala.
— Sim, isso seria ótimo. Talvez nos dê alguns minutos
para dar uma olhada também.
Ziad acena com a cabeça e sai.
— Por que não damos uma olhada lá em cima? —
sugiro.
Ela balança a cabeça, mas não fala. Deixei que ela nos
levasse para cima. Não demora muito para olhar os dois
quartos e o banheiro, então Kate vai para o quarto dos fundos
e pressiona as mãos no vidro. — Não há vista. Não consigo
ver nada.
Eu sigo seu olhar. Vejo apenas terras agrícolas, com
árvores ao longe. Há bastante vista, mas não a vista que ela
deseja. Ela não consegue ver Crompton.
— Podemos dar uma olhada na planta do local quando
Ziad a trouxer de volta.
— É tão longe. — Kate coloca a mão no peito. — Não
consigo recuperar o fôlego. — Ela se inclina, com as mãos nos
joelhos. — Não consigo respirar, Vincent.
Ela está hiperventilando. Olho ao redor para ver se há
algum tipo de bolsa onde ela possa soprar, mas não há nada.
Eu ando em sua direção e ela se endireita, com pânico
em seus olhos.
— Acho que vou desmaiar. — Sua voz está mais alta que
o normal, oscilando a cada palavra.
— Estou aqui, — eu digo. — Você não vai
desmaiar. Vamos sentar.
Ela parece horrorizada. Provavelmente porque o chão
está imundo, mas é melhor isso do que cair.
Eu pego suas mãos e a guio até o chão para que
fiquemos sentados um de frente para o outro, com os joelhos
se tocando. — Olhe para mim, — eu digo.
— Não consigo respirar, — ela diz novamente.
— Apenas fique focada em mim, — eu digo, mantendo
um aperto firme em suas mãos. Não sei o que estou fazendo,
só estou tentando fazer com que ela pare de pensar no que
quer que a esteja causando essa espiral.
— Veja como nossas mãos estão unidas, — eu digo. —
Eu estou com você.
Ela olha para nossas mãos unidas e depois volta para
mim, balançando a cabeça.
— Eu quero que você respire fundo.
Ela respira fundo, mas é um começo.
— Mais tempo desta vez. Olhe.
Ela olha para cima e eu começo a inspirar. Ela me
espelha.
— Então solte.
Ela me copia e entramos em ritmo, inspirando e
expirando juntos. Dentro e fora. Seu corpo começa a
relaxar. Seus ombros caem, seus braços ficam pesados nos
meus e sua respiração fica mais longa e profunda.
— Sinto muito, — diz ela. — Eu simplesmente não saio
da propriedade com muita frequência. E quando faço isso,
nunca me sinto eu mesma.
Eu já tinha percebido que ela não passava muito tempo
fora da propriedade – afinal, ela mora e trabalha lá. Mas um
ataque de pânico depois de percorrer apenas alguns
quilômetros na estrada? Eu tenho que me perguntar quantas
vezes ela realmente sai do terreno.
— Não se desculpe, — eu digo.
Quando ela se acalmar, quero falar com ela. Ela está
certa sobre o transporte: precisamos providenciar o
transporte entre os chalés dos funcionários e a
propriedade. Kate vê detalhes que Michael e eu não vemos –
não apenas porque ela conhece a propriedade, mas porque é
uma parte essencial da comunidade que cresceu em torno
dela e por causa dela.
Se ela estiver disposta, gostaria de contratá-la para
ajudar Michael. Ele precisa de alguém como ela – alguém com
uma perspectiva diferente, cuja atenção aos detalhes não
será prejudicada por responsabilidades mais urgentes. E isso
pode ajudar Kate também. Se ela estiver dentro, ajudando a
moldar as coisas e levar o projeto adiante, poderá começar a
olhar para o futuro.
Coisas boas podem acontecer depois que seu mundo
desmorona.
Eu sou uma prova disso.

DEZESSETE

Kate
Estou sentada à mesa da cozinha da vovó, folheando a
página do Instagram de Crompton, quando digo: — Recebi
outra oferta de emprego ontem à noite. — Desliguei meu
telefone. Vovó tricota. Não tenho certeza do que será quando
ela terminar, mas com certeza será colorido.
— Outra? — O barulho das agulhas não vacila. É uma
trilha sonora rítmica e reconfortante para muitas de nossas
conversas e é exatamente o que preciso agora. Tanta coisa
está mudando ou prestes a mudar. Pelo menos o tricô da
vovó é sempre igual.
— Uma provisória. De Vincent... Cove. — Acrescento o
sobrenome dele porque ele não é apenas “Vincent” para
todos. Ele ainda é Vincent Cove para todos os outros. Eu me
pergunto se eu teria dormido com ele se soubesse o que
estava fazendo em Crompton. Provavelmente não, a menos
que eu pudesse prever quão bom seria. Não deveria ter sido,
porque éramos estranhos, mas foi tão... não sei uma palavra
para descrever isso além de íntimo. Parecíamos saber o que o
outro estava pensando, o que precisávamos, o que
queríamos. Era como se nos conhecêssemos há muito
tempo. Ou talvez apenas em algum nível molecular, eu sabia
que sempre o conheceria. Ou estava esperando por ele. Ou
alguma coisa.
Foi a mesma coisa ontem, durante meu ataque de
ansiedade – algo que a vovó definitivamente não precisa
saber. Ela se preocupa demais comigo do jeito que
está. Vincent parecia saber exatamente como me
acalmar. Como se fosse um encantador de Kate ou algo
assim. A visita às novas casas ontem foi avassaladora. Não
ajudou o fato de o empreendimento estar um pouco mais
longe da vila do que eu imaginava. Estou surpresa com o
quão calmo Vincent estava. Ele me acalmou. Me fez sentir
segura.
— Ah, sim, isso tem algo a ver com o trabalho de
relações com hóspedes? — Vovó pergunta.
Eu também não aceitei esse trabalho. Ainda.
— Ele quer que eu ajude seu assistente, Michael. Ele
acha que tenho muita atenção aos detalhes e penso nas
coisas de uma maneira diferente porque sou local. Ele diz que
serei um trunfo para sua equipe. Fiz uma sugestão sobre ter
um transporte da aldeia para a propriedade. Ele diz que
minhas ideias são boas e não quer que detalhes importantes
sejam perdidos porque é um projeto muito grande.
— Uau, — diz a vovó. — Essa parece uma posição muito
responsável. Você aceitou?
— Estava mais focada nas novas casas. Você deveria ir e
dar uma olhada no local também. Ele diz que você pode
escolher a que quiser.
A vovó suspira e larga o tricô. — Na verdade, eu queria
falar com você sobre isso.
Meu coração começa a bater em meus ouvidos. Isso
parece ameaçador. — Sobre o que?
— Eu não acho que vou me mudar para as casas que
aquele homem legal, Beck, está construindo.
Meu pulso está acelerado e tenho que lutar contra a
vontade de ficar de pé. Sair da propriedade já será ruim o
suficiente. Mas a vovó está falando em nos tirar totalmente
da aldeia?
— Então para onde iremos?
— Acho que uma dessas casas combina perfeitamente
com você. Mas acho que preciso de outra coisa. Não consigo
subir escadas tão bem como antes. Eu gostaria de ter tudo no
mesmo andar.
— E a duplex?
— Muito pequena.
— Poderíamos perguntar a Beck sobre a possibilidade de
construir um bangalô para você.
Vovó ri. — Ele não vai fazer isso. E, de qualquer forma,
não quero o incômodo do meu próprio jardim e...
— Eu farei sua jardinagem. Você não terá nenhum
problema.
— Marquei uma consulta para ver alguns apartamentos
que estão sendo construídos em Wayton.
Meu estômago embrulha como se alguém tivesse aberto
um buraco no mundo e colocado uma bigorna nele.
— Wayton? São seis quilômetros de distância.
— Eles parecem muito bonitos. E posso comprar um
com minhas economias e a quantia que o Sr. Cove
gentilmente me ofereceu.
— Uma quantia? Que quantia?
— Falei com ele esta tarde. Disse-lhe que não estava
interessada nas propriedades que o Sr. Wilde estava
mostrando. Expliquei sobre Wayton e foi então que ele disse
que me daria uma quantia fixa para a compra de um. Ele não
quer comprar um apartamento, o que é completamente
compreensível.
A ansiedade dá um nó na minha garganta e minha
respiração fica superficial. Está acontecendo de novo. Respiro
fundo e tento me concentrar no que a vovó está dizendo.
— Quando você ia me contar sobre isso?
— Estou lhe contando agora. De qualquer forma,
nenhuma decisão foi tomada ainda. Ainda estou para ver o
lugar. Mas conheço algumas pessoas que já fizeram
depósitos...
— Pessoas das casas dos funcionários?
— Não, não, — ela diz. — Amigos que tenho em outras
aldeias. O mundo é maior que Crompton, minha
querida. Seria bom estar mais perto deles.
— Você não vai sentir falta dos seus amigos da
propriedade Crompton? Você não vai sentir falta de morar ao
meu lado?
— Bem, espero que você me visite. — O sorriso dela é
travesso. Até agora, o sorriso dela sempre me fez sentir
segura, como se fôssemos uma equipe com uma piada
interna: nós contra o mundo. Mas agora tudo que posso fazer
é me perguntar se verei esse sorriso com tanta frequência.
— Fica a seis quilômetros de distância. Existe algum
ônibus que vai para Wayton?
— Você costumava ter carteira de motorista. Você
poderia comprar um carro, — diz a vovó.
Sempre que sugeriu isso antes, eu sempre garanti a ela
que não havia absolutamente nenhuma necessidade de eu ter
um carro. Eu nunca ia a lugar nenhum além de uma curta
distância. Nunca houve necessidade. Mas agora? A vovó
estaria a uma viagem de carro de distância. E ela está
envelhecendo.
— Visitar não é a mesma coisa que morar ao lado.
— Você está bastante correta. Não é a mesma coisa. É
diferente. Pode ser melhor. Este é apenas um capítulo
diferente, minha querida. Eu sei que é assustador. Mas você
já pensou que talvez seja a hora? Crompton te ajudou a se
curar. Isso te manteve segura. Talvez agora seja a hora de um
pouco de aventura. E talvez um novo emprego seja o início
dessa nova aventura. Dois novos empregos. — Ela ri.
— A mudança deve acontecer de forma incremental, —
eu digo. — Não devo perder minha casa, meu emprego e
minha avó, todos juntos.
Ela se estende por cima da mesa e aperta minha mão.
— Você não está me perdendo. Estarei a apenas alguns
quilômetros de distância. E há uma nova invenção chamada
telefone. Ouvi dizer que é terrivelmente fácil de usar.
Raramente preciso telefonar para a vovó. Mas se ela
morar a seis quilômetros de distância, não vou poder
aparecer só para avisar que estou em casa.
— E você vai vir a Crompton três vezes por semana para
supervisionar os jardineiros?
Ela faz uma pausa e olha para mim. — Talvez. Mas
tenho sessenta e oito anos. Eu também posso aproveitar a
oportunidade para me aposentar.
O sangue pulsando em meus ouvidos fica silencioso
como se estivesse congelado em estado de choque.
— Se aposentar?
— No meu próximo capítulo. Você pode pensar nisso
como uma oportunidade de virar a página e começar um novo
capítulo.
— Mas eu gosto desse em que estou agora.
— Mas está chegando ao fim, minha querida. Às vezes é
nossa escolha virar a página. Às vezes a vida escolhe por
nós. De nenhuma forma isso significa que o próximo capítulo
não será melhor. Mais emocionante.
— O meu é emocionante, — murmuro. Vovó se
aposentando? Tudo está desmoronando.
— Você passou pelo caos. E pode ter um capítulo
semelhante em seu futuro. Não há garantias. Mas, no
momento, o que vejo são oportunidades incríveis se
alinhando para você. Se não pegar uma delas, ou pelo menos
descobrir o que quer em seguida, ficará com tudo o que as
outras pessoas não querem. Nenhuma decisão ainda é uma
decisão. Você pode uivar para a lua pelas próximas semanas
enquanto todos os outros fazem planos e aceitam a mudança
em Crompton, ou pode lamentar que esta parte da sua vida
tenha acabado e começar a planejar a próxima. Decida o que
você quer. Trabalhe em direção a algo melhor.
Tudo começa a ficar confuso. A ideia de que a vovó não
estará na casa ao lado ou trabalhando ao alcance de um
grito. O fato de não estar rodeada de pessoas que me
conhecem há toda a minha vida. Cantar junto em musicais
com Sandra não será mais uma coisa. Nem verei as glicínias
florescerem toda primavera.
É uma sensação terrivelmente triste. Quando encerrei o
último capítulo da minha vida, foi um alívio ter terminado e
segui em frente com prazer. Mas seguir em frente quando
você não quer? Quando você nunca pensou que teria que
fazer isso? Quando achou que havia encontrado seu lugar
feliz e queria ficar nele para sempre? É muito mais difícil do
que qualquer coisa que já fiz.
— Eu sei que as coisas não deram certo na
universidade. Mas isso foi há muito tempo e agora será
diferente. Você é diferente.
Não quero pensar na última e única vez que deixei
Crompton desde que cheguei aqui em tempo integral, aos sete
anos. As lembranças apenas provam o que já sei ser verdade:
o meu lugar é aqui, em Crompton.
E se Crompton é o meu lugar, então tenho que
aproveitar as oportunidades que Vincent está me dando – a
chance de garantir que tudo aconteça no prazo e de acordo
com o planejado. Talvez eu até consiga influenciar a forma
como as coisas são feitas nesta nova versão do meu
mundo. Embora o medo ainda prenda meu coração como um
torno, uma pequena voz interior está ficando cada vez mais
difícil de ignorar. É aquela que sussurra que se eu for
corajosa, talvez consiga ficar conectada a Crompton – e
certificar-me de que continue sendo o porto seguro que
sempre foi para mim.

DEZOITO

Vincent
Embora eu tenha uma mesa no quarto onde Michael e
Molly trabalham, passo a maior parte do dia na sala de
reuniões improvisada, “outro quarto”, que fica ao lado do meu
quarto. Tudo que preciso é de um laptop e, o mais
importante, do meu telefone.
Meu telefone vibra e alguém bate na porta da sala de
reuniões ao mesmo tempo.
— Entre, — eu digo, aceitando simultaneamente a
ligação.
— Olá. — É Brad, do escritório de Nova York, na
linha. Assim que ele responde, Kate entra pela porta.
Ela literalmente tira o fôlego dos meus pulmões. Seu
cabelo está preso em um rabo de cavalo e ela está usando
maquiagem – só um pouco de blush e brilho labial, mas eu
nunca a vi maquiada antes. Ela me pega desprevenido. Não a
visita dela – eu estava esperando por isso. Mas do jeito que
estou feliz por ela estar aqui.
Ela força um sorriso.
— Eu vou chamá-lo de volta. — Sem esperar resposta,
cancelo a ligação e fico de pé. — Entre. Sente-se.
Ela está vestindo um blazer azul, camiseta branca e
jeans, e por algum motivo eu a imagino em uma varanda no
sul da França, rindo de óculos escuros, a brisa quente
levantando seus cabelos. Eu tirando fotos dela. Sinto uma
profunda sensação de paz.
Eu preciso me controlar.
— Você tem um minuto? — Ela pergunta.
— Para você? — Eu digo. — Sempre.
Ela sorri de novo e dessa vez é um pouco menos forçado,
embora eu saiba que ela acha que estou falando
besteira. Mas não estou. Eu realmente lhe daria um minuto a
qualquer hora do dia. Sempre que a vejo, ela me faz sorrir, e
não apenas porque me lembro da nossa conexão na cama -
embora isso seja difícil de esquecer. Mas a lealdade dela, o
humor dela, o jeito que ela fala comigo como se eu fosse
apenas Vincent. Não o chefe dela, nem um bilionário, nem
alguém cujo valor é determinado por quantos cheques ele
pode assinar.
Ela se senta do outro lado da mesa, na cadeira em
frente à minha.
— Isso é da sala de jantar? — Ela olha ao redor da
mesa, que parece que poderia ter estado nesta casa o tempo
todo. É de mogno altamente polido e acomoda cerca de trinta
e cinco pessoas. Eu provavelmente deveria ter uma base para
copos embaixo da minha garrafa de água.
Não tiro os olhos dela. — Eu não faço ideia. Michael
preparou tudo.
— Pelo menos você é honesto, — diz ela.
— Sou sempre honesto. — Quero que ela saiba disso e
se sinta confortada por isso.
— Você estava falando sério sobre o trabalho de que
falou ontem? — Ela pergunta.
— Absolutamente. Você seria perfeitamente
adequada. — Eu não estou mentindo, mas definitivamente
tenho um motivo oculto. A última coisa que quero é fazer com
que alguém - qualquer um, mas especialmente Kate - sinta
que estou tirando sua casa. Ela claramente adora Crompton
e quero que ela ame ainda mais o novo Crompton Hotel. Se
ela se juntar à equipe, espero que ela passe a amar o que
estamos fazendo. Ela irá dominá-la e adorará, assim como faz
com o lugar atual.
Ela estreita os olhos. — Você sabe que não tenho
nenhuma qualificação real para fazer nada. Abandonei a
universidade e nada do que aprendi no A Level vai me
ajudar... a auxiliar alguém.
— Você conhece a propriedade, é ótima com as pessoas,
se preocupa com os detalhes. E sei que você trabalha
duro. Essas são as qualificações que esta função
exige. Também ajuda que você seja uma das poucas pessoas
neste mundo que não se importa que eu seja... — vacilo, sem
saber como terminar a frase. — Você fala comigo como se eu
fosse normal.
— Você não é normal? — Ela pergunta, então inclina a
cabeça como se estivesse considerando a pergunta. Se não
me engano, pode haver uma sugestão de sorriso nos cantos
de sua boca.
— Talvez normal não seja a palavra certa. Mas você não
tem medo de me dizer o que está pensando e não se importa
em ser honesta comigo sobre... bem, qualquer coisa.
— E isso é incomum?
Fixo meu olhar nas pontas afiadas de seu arco de
Cupido, que contrastam com a suavidade macia de seus
lábios.
— Vincent? — Ela me tira do transe em que me pegou.
Eu limpo minha garganta. — Sim. Alcancei uma certa
quantidade de riqueza e poder, e com isso surge um pedestal
onde as pessoas tentam esconder coisas de você – seja
porque estão envergonhadas ou porque não querem
incomodá-lo ou porque têm medo de ofendê-lo.
— Mas Michael...
— Michael... ele é mais acessível do que alguns, mas
ainda há um elemento dourado com o qual ele pinta o
lírio. De qualquer forma, ele está se afogando. Ele precisa de
ajuda.
— Quero manter os turnos na casa de chá e no pub.
— Como você se encaixa depende de você, — eu digo.
— Mas meu trabalho é ajudar Michael, então não
depende só de mim, não é? Ele ficará feliz com ajuda apenas
vinte horas por semana?
— Ele ficará, — eu digo. Vinte horas do tempo dela serão
melhores do que nada, do ponto de vista de Michael.
— E não farei isso pelo mesmo salário da casa de
chá. Além de tudo, é apenas uma coisa de curto prazo e não
posso cantar músicas de shows durante meu turno...
— Pelo contrário, insisto que cante músicas de shows
enquanto estiver no escritório.
Um pequeno sorriso surge em sua boca. — Quero um
valor mensal equivalente a cinquenta mil por ano, rateado
por vinte horas semanais, — desabafa. — Eu sei que é muito,
mas você precisa de mim neste projeto – você mesmo disse. E
cinquenta mil não é tanto se olhar o quanto você está
investindo...
— Feito, — eu digo.
Ela cobre a boca com a mão como se tivesse medo de
que, se dissesse mais alguma coisa, eu mudasse de
ideia. Mas não vou. Eu teria pago mais.
Eu vou.
— Deixe-me mostrar sua mesa.
— Minha mesa? — Ela pergunta.
— Fica bem ao lado da minha. — Mandei Michael e
Molly arranjarem tudo ontem, depois que ofereci o emprego a
Kate. Eu sabia que ela aceitaria eventualmente.
— Ainda estarei concorrendo ao cargo de relações com
hóspedes quando o hotel abrir? — Ela pergunta atrás de mim
enquanto saio da sala de reuniões e volto para o escritório.
— Sim. Esse trabalho é seu se quiser, desde que esteja
preparada para fazer o treinamento.
— Eu estou, — ela diz.
Não sei o que a fez mudar de ideia e, principalmente,
não me importo. Estou satisfeito por ela estar aqui agora,
com um sorriso no rosto em vez da carranca que eu estava
acostumado a ver ultimamente.
— Michael, Molly, Kate vai se juntar à equipe como
assistente de Michael. Kate, esta é a sua mesa.
— Você tem a mesa pronta? — Ela pergunta. — Só por
precaução... onde?
— No caso... aqui, — eu digo. Ela se vira para olhar para
mim e não consigo identificar sua expressão, mas sinto isso
profundamente em minhas entranhas. É parte gratidão, parte
incredulidade, e tenho que lutar contra o instinto de passar
meus braços em volta de sua cintura e puxá-la para mim.
Ela vai até a mesa, circulando-a, como se pudesse
mordê-la se ela chegasse muito perto.
— Então ninguém mais senta aqui? — Ela pergunta.
— Nós configuramos isso para você, — diz Michael. —
Vincent disse que você se juntaria a nós.
Ela pressiona o dedo no furador e abre o laptop.
— O laptop. Isso é meu?
— Sim, — Michael diz. — Ele está conectado em rede ao
nosso para que possamos compartilhar arquivos facilmente.
Ela assente. — E eu vou trabalhar aqui. Diariamente.
— Contanto que faça seu trabalho, não me importo com
o horário que você cumpre, — digo. — Tenha em mente que
talvez seja necessário realizar reuniões em Londres com
Stella ou com o gerente do projeto.
Ela congela. — Prefiro ficar no local.
— Você não gosta de Londres? — Talvez ontem não
tenha sido um caso isolado. Talvez ela não consiga sair de
Crompton por causa de sua ansiedade.
Ela limpa a garganta. — Acho que é melhor me ter
aqui. A casa é meu foco. É aqui que eu deveria estar.
Ela não está errada, mas há mais em sua resposta do
que isso.
— Faça funcionar, — eu digo.
— Eu vou, — ela responde, e eu acredito nela. Com sua
paixão por Crompton, sua clareza e foco nos detalhes, bem
como sua capacidade de se comunicar comigo tão... bem, tão
claramente, é a receita perfeita para concluir a reforma de
Crompton no prazo.
— Alguém está trabalhando em um site? — Ela
pergunta. — E as redes sociais?
— Um site? Para o hotel? — Michael pergunta.
— Sei que faltam dez meses, mas precisamos despertar
o interesse pelo local. Percebi no plano do projeto que não há
fluxo de relações públicas e marketing previsto para entrar no
ar até seis meses antes. Não custa nada começar na frente,
não é?
Eu tenho que reprimir um sorriso.
Ela está absolutamente certa.

DEZENOVE

Vincent
Talvez seja só eu, mas a atmosfera do escritório mudou
com Kate trabalhando aqui. Nas últimas semanas, houve
mais movimentação. Mais energia. É mais do que eu poderia
desejar. O que essa mulher tem feito trabalhando em uma
cafeteria?
A presença dela também significa que eu passava mais
tempo trabalhando na sala de reuniões. Quanto mais tempo
passo com Kate, mais ela me distrai. Ela precisa fazer o
trabalho dela e eu preciso fazer o meu, então a evito.
Eu gosto dela e isso me deixa desconfortável.
Acabei de encerrar uma ligação de um contato meu
sobre uma oportunidade em potencial no Arizona quando
ouço uma batida suave na porta, que agora reconheço como a
batida de Kate. Não respondo por que não preciso. Fiel à sua
tradição, sem esperar resposta, Kate abre a porta.
— Oi, preciso resolver algumas coisas com você. — Ela
está usando um suéter rosa claro e jeans e ela
parece... atraente é a única maneira que posso descrevê-
la. Mas quase não há um dia em que ela não pareça
atraente. Quando não quero puxá-la contra mim e sentir
suas mãos em meus cabelos. E não há um dia em que não a
ache completamente fascinante.
A maneira como ela inclina levemente a cabeça quando
está pensando me deixa totalmente hipnotizado. A maneira
como ela fica completamente imóvel quando se sente um
pouco perdida. A maneira como posso saber se ela trabalhou
no turno do pub na noite anterior por causa do tom cinza sob
seus olhos. É apenas uma dica, mas me parabenizo por ter
percebido. É como se ela fosse um quebra-cabeça de mil
peças e eu fosse o único que soubesse resolvê-la.
Como lê-la. Como desbloqueá-la.
Isso me faz sentir especial – como se tivesse sido
escolhido. E é irritante. Porque não sei se é algo neste ar
britânico que estou respirando, mas nunca senti isso antes.
Sobre qualquer pessoa.
Porra. O que ela fez comigo naquela noite no pub? É
como se tivesse plantado algo em meu cérebro que me fixasse
exclusivamente nela.
— Estou prestes a fazer uma ligação com Nova York, —
explico. — Vou para o escritório quando terminar. — Sinto-
me mais seguro no escritório, onde há outras pessoas –
pessoas cuja presença impede meu instinto de tocá-
la. Quando somos só nós dois, o ar fica mais denso e juro que
consigo ouvir o coração dela batendo. Seu perfume parece
encher minha cabeça com o cheiro de rosas e baunilha e eu
não consigo pensar direito.
— Vou esperar, — ela diz e se senta. Ela não está mal-
humorada ou frustrada. Ela é simplesmente prosaica e
firme. Ela não vai se mover até conseguir o que quer. E cabe
a mim tomar algumas decisões.
Eu adoro isso.
Adoro a determinação dela e o jeito que ela não
desiste. Eu amo sua intensidade silenciosa. Quando a
contratei, esperava totalmente que ela chegasse e batesse o
punho na mesa e exigisse de mim o que precisava e isso teria
sido ótimo - o que achei que queria. Ela com certeza foi
bastante vocal quando se tratava de todas as coisas com as
quais não concordou quando descobriu que comprei
Crompton. Foi por isso que a sugeri para este trabalho em
primeiro lugar. Mas ela me surpreendeu. Ela é como uma
escavadeira quieta e determinada; ela não grita para as
pessoas saírem do seu caminho, mas se não saírem, serão
esmagadas.
Não faz sentido tentar fazê-la mudar de ideia e voltar
mais tarde, quando eu terminar minha ligação.
— O que você precisa?
Ela sorri vitoriosa e eu olho para meu laptop para me
distrair da forma como o cabelo dela está caindo em seu
pescoço.
— Planos de plantio. Você está feliz com isso agora?
— Eles fizeram o que eu pedi com o campo de golfe?
— Fizeram, — diz ela.
— Então estou bem com os planos de plantio.
— Ótimo. — Ela desliza um pedaço de papel para
mim. — Basta assinar na linha pontilhada.
—O que estou assinando?— Eu pergunto.
— Que você está bem com os planos de plantio.
— Eu acabei de dizer que estou bem. Por que você
precisa que eu assine alguma coisa? — Ela está
brincando? — Você acha que vou mudar de ideia e dizer que
não concordo com eles ou algo assim? — Eu tinha uma
assistente que queria registrar tudo o que eu dizia para que
tivesse um “registro preciso” de cada interação nossa. Ela não
durou muito. Eu não trabalho assim. As pessoas da minha
equipe confiam em mim ou... não fazem parte da minha
equipe.
Ela balança a cabeça. — Não. Você nunca faria isso.
Sua declaração me atinge profundamente. É alívio? Não
tenho certeza, mas parece uma revelação: ela me conhece.
— Exatamente, eu nunca faria isso. Então por que você
está me perguntando?
— Porque as pessoas nem sempre aceitam
necessariamente minha autoridade.
— Mas Stella...
— Não Stella.
— O primeiro-ministro?
Ela olha para seu colo. — Acho que nosso gerente de
projeto vê isso como um desrespeito porque posso obter
respostas suas, ele não pode.
— Ridículo, — respondo, meu tom afiado.
Ela inclina a cabeça e sorri como se eu estivesse sendo
incorrigível, e tenho que me impedir de sorrir de volta para
ela, de estender minha mão, guiá-la ao redor da mesa e puxá-
la para meu colo.
— Você mesmo me disse que é um homem poderoso e
que as pessoas não estão totalmente à vontade com você.
— Mas você está, — eu digo. Fazemos contato
visual. Fazemos uma pausa, esperamos, ficamos olhando e
me pergunto se deveria dizer alguma coisa, mas nenhum de
nós diz. Ela desvia o olhar primeiro.
— Eu sou diferente. — Ela ajeita a ponta do papel que
acabou de colocar sobre a mesa.
— Você certamente é.
Ela não está olhando para mim, mas há um momento
extra antes de ela falar novamente, como se eu a tivesse
confundido um pouco.
— Para eles, você é o chefe deles, um bilionário, alguém
que pode impedi-los de conseguir outro emprego novamente.
Nunca pedi validação de ninguém em minha vida, mas
algo em mim quer perguntar, e o que sou para você? Mas não
pergunto.
— Eu sei. — Pego o pedaço de papel e assino.
— Obrigada, — ela diz. — E encontrei alguém em quem
você pode querer pensar para gerente de hotel.
Eu olho para ela. — Você fez o quê?
— Eu sei que você deixou isso para a agência de
recrutamento, mas eles não encontraram ninguém de quem
você goste até agora, não é? Simplesmente comecei a
pesquisar artigos do setor e no LinkedIn e encontrei alguém
que acho que você vai gostar.
— Quem é essa? Você?
Ela inclina a cabeça para trás e ri. Não posso deixar de
sorrir porque foi a coisa mais alegre que aconteceu comigo
durante toda a semana. Não consigo imaginar que Kate seja
uma pessoa fácil de fazer rir, e o fato de ter conseguido isso
me enche de certo orgulho. — Não, bobo, — ela diz.
Alguém já me chamou de bobo antes?
— Ela trabalha na Ásia há uma década, mas treinou no
Four Seasons, nos EUA.
— Fale com a agência de recrutamento. Tenho certeza
de que eles devem tê-la considerado.
— Acho que não. Ela não tem experiência gerencial.
Eu arregalo meus olhos.
— Kate, vamos lá. Preciso de alguém muito experiente.
Ela balança a cabeça. — Você tem um hotel na zona
rural da Inglaterra. Não vai atrair alguém que está subindo
em uma das grandes redes.
— Eu não vejo...
Ela levanta a mão, com a palma voltada para mim, para
me impedir de falar. Fico em silêncio por causa do choque
mais do que qualquer coisa. Acho que ninguém nunca fez
isso comigo na minha vida.
— Eu acompanhei a carreira dela. Ela é excelente. Mais
do que capaz. E ela tem quarenta e poucos anos. Ela quer
voltar para o Reino Unido. Ela nasceu aqui e seus filhos têm
oito e seis anos; ela quer que eles terminem os estudos no
Reino Unido.
Eu suspiro. — Você falou com ela? Isso não fazia parte
do cargo. Temos muito tempo para encontrar um
gerente. Precisamos construir o hotel antes de contratá-lo.
Ela dá de ombros. — Assim que tivermos a permissão de
planejamento, teremos uma data de inauguração. A equipe
precisa ser treinada. Eles precisam ser recrutados. Não temos
ninguém para administrar e organizar todos esses fluxos de
trabalho. Você precisa de alguém com muita energia. Alguém
com fome de sucesso.
— Eu preferiria alguém experiente. Alguém com um
histórico de sucesso.
— Eu não acho que é disso que você precisa.
Nem me preocupo em responder porque o que ela está
dizendo é ridículo.
— Qual é o incentivo para alguém com um histórico de
sucesso na indústria hoteleira de luxo vir trabalhar
aqui? Você não tem uma marca estabelecida que ficará bem
no perfil de alguém no LinkedIn e há poucas oportunidades
de promoção. Você precisa de alguém que procure uma
função de longo prazo, tanto quanto um próximo passo.
Fico sentado em silêncio, absorvendo o que ela
diz. Ninguém havia dito isso antes. Os recrutadores apenas
balançaram a cabeça quando eu lhes disse que precisava de
um gerente experiente e bem-sucedido. Talvez Kate esteja
certa e eu esteja pensando tudo errado.
— Quem é sua sugestão?
Ela tira o tablet e o passa para mim. — Olga é muito
experiente, mas não está no cargo mais importante. Mas ela
administrou pessoas e trabalhou em estreita colaboração com
gerentes de nível superior.
— Então, por que ela não teve um emprego de
destaque? Deve haver alguma coisa faltando.
Kate suspirou. — Ela é uma mulher. Além disso, ela tem
filhos. Ela não se encaixa no molde.
— Você está me dizendo que ela não teve um cargo
importante porque o mundo hoteleiro é sexista?
— Provavelmente. Ou talvez ela não quisesse isso até
agora. Você pode perguntar a ela quando entrevistá-
la. Amanhã às dez. Verifiquei sua agenda com Michael.
Kate se levanta e pega seu iPad.
— Você é incrível, — eu digo. — Você fez tudo que achei
que faria e muito mais.
Nossos olhos se cruzam e um frisson de eletricidade
passa entre nós.
Ela engole em seco e diz: — Obrigada por confiar este
trabalho a mim.
— Obrigado por fazer isso tão bem.
Ela sai e levo vinte minutos para me concentrar
novamente – para pensar em algo, qualquer coisa, que não
seja ela.
Beck e eu estamos almoçando no pub e sentados no que
hoje considero minha mesa usual. Kate não está de serviço,
embora ainda esteja aqui algumas noites por semana, apesar
do aumento de salário que negociou comigo.
— É bom trabalhar com você. Você teria pensado que
isso aconteceria quando te conheci no alto de uma
montanha, tantos anos atrás? — Ele pergunta.
— Trabalhar com você não é surpreendente. Comprar de
você novas construções de dois e três quartos em
Cambridgeshire simplesmente não foi como pensei que
aconteceria.
Ele ri e olha o cardápio. — Sim, eu também não.
— Então você abandonou Mayfair, o lugar onde fez seu
nome?
— De jeito nenhum. Esse material residencial de alto
volume é uma espécie de proteção no caso de o mercado de
Londres afundar. Tenho que ver como será, mas estou
pensando em montar outra divisão. Habitações de alta
qualidade na periferia de grandes aldeias. Pequenos
empreendimentos. Ninguém mais está fazendo isso.
— Faz sentido diversificar.
— Que é o que você parece estar fazendo. A vida no
interior da Inglaterra combina com você. Você não sente falta
de Nova York?
Honestamente, não senti falta de Nova York.
— Nova York ainda está lá, — eu digo.
Nossa garçonete se aproxima e fico um pouco
decepcionado quando ela não faz uma recomendação de
cardápio, completa com informações nutricionais.
— Vou querer uma cerveja de gengibre, — digo. — E a
salada Cobb.
— Parece bom. Eu quero o mesmo, — Beck diz para
nossa garçonete.
— Então você acha que vai se estabelecer aqui? — Ele
pergunta. — Você claramente gosta de estar no Reino Unido.
Eu rio. — Acho que não vou me estabelecer em lugar
nenhum. Aqui está bom por enquanto. Estou mais perto da
minha família, embora não os tenha visto tanto quanto
gostaria. Mas vou subir daqui a algumas semanas. Acho que
em algum momento voltarei para Nova York. Ou talvez eu
passe algum tempo em Londres. Depende da próxima
oportunidade. Você já pensou em investir e empreender em
outros países além do Reino Unido?
— Agora que temos filhos – ou uma filha – não quero
viajar. Eu quero vê-la crescer. Quero ficar com Stella quando
não estiver trabalhando. Se viajarmos, quero que viajemos em
família. Tenho uma vida boa e quero aproveitá-la. Eu não
descartaria isso no futuro, mas não estou procurando nada
fora do Reino Unido. Por que? Você tem algo em mente?
Eu ri. — Não foi uma pergunta importante, apenas
pensei que você deveria conseguir oportunidades em lugares
mais distantes, mas sei que você está firmemente baseado no
Reino Unido.
— Sim, estive em Dubai por alguns anos, mas Stella
odiou e não quis viajar comigo. Não quero estar em nenhum
lugar onde ela não esteja.
— Stella é ótima.
— Ela é. E tem muitas amigas solteiras, se você quiser
uma companhia. Na verdade, ela me disse para te dizer
isso. Eu não costumo brincar de casamenteiro.
— Obrigado, cara. Eu... eu realmente não estou saindo
com ninguém desde que cheguei aqui.
— Não parece com você.
— Quero dizer, eu não fiz voto de celibato nem
nada. Simplesmente... — Não posso dizer que nunca fiquei
tanto tempo sem sexo, mas é difícil lembrar de uma época
mais celibatária na minha vida. — Na verdade, estou
trabalhando com alguém que...
— Eu tenho que pará-lo. Não sei se você sabe isso sobre
Stella, mas se eu não contar a ela tudo sobre a vida
romântica dos meus amigos, ela vai cortar minhas
bolas. Então imagine que você está falando com nós dois.
Eu rio. — Nada do que vou dizer deve ser escondido de
Stella. Na verdade, eu não ia dizer muita coisa, só que nunca
percebi quão... atraente é alguém que faz um bom
trabalho. — Eu estremeço. Isso não pode estar certo. — Não
sei se estou sendo idiota. Trabalho com pessoas competentes
o tempo todo, é só...
— Você está falando sobre Kate? — Ele pergunta.
Eu olho para cima e encontro seu olhar.
— Como você sabe?
— Porque ela é muito boa no que faz. E... é atraente. Há
uma energia entre vocês dois.
— Uma energia? — Eu pergunto, intrigado.
— Quase como se vocês estivessem se comunicando sem
falar. Só vi vocês juntos algumas vezes, mas há uma conexão
aí.
— Fizemos sexo. Talvez seja isso que você está
vendo. Antes de fazer um lance em Crompton. Quando vim
dar uma olhada.
— Mas não desde então?
Eu balanço minha cabeça. — Ela trabalha para mim
agora.
— Minha esposa trabalha para... não, a quem estou
tentando enganar? Minha esposa e eu trabalhamos
juntos. Torna o sexo melhor, eu acho.
— Vocês sempre trabalharam juntos? Não me lembro
como vocês se conheceram. — Beck era solteiro quando o
conheci, mas não demorou muito para conhecer Stella.
— Ela me chantageou para conseguir um emprego. —
Ele sorri com a lembrança.
— Mesmo?
— Tipo isso. Eu precisava de algo dela. Foi um
pagamento. Mas concordar com os termos dela foi o melhor
acordo que já fiz.
— Eu realmente nunca te vi se estabelecendo.
— É um clichê, mas eu nunca conheci ninguém antes
de Stella com quem quisesse me estabelecer. Tenho certeza
de que isso vai acontecer com você.
— Tenho certeza que não. Eu realmente não me
comprometo com nada.
— Bem, isso é apenas besteira. Você se compromete
com todo tipo de coisa – edifícios, investimentos, sua
família. Você simplesmente não encontrou uma mulher com
que deseja se comprometer. Isso é tudo.
É tão simples assim? Nunca me formei na faculdade,
nunca morei em um apartamento por mais de dezoito meses -
talvez até um ano. Beck não é como eu. Estou programado
para seguir em frente.
— Talvez.
— Mas você gosta de Kate? — Ele pergunta.
— Sim, — eu digo. — Trabalhar juntos torna tudo
complicado. Há toda aquela coisa de abuso de poder, então…
— Sim. Isso torna tudo mais complicado. Mas você não
será o chefe direto dela para sempre. E ela é adulta. Ela tem
mais de vinte e cinco anos e seu córtex pré-frontal está
totalmente desenvolvido.
Eu rio. — Sim. Tudo isso é verdade. — Beck está
certo. Há uma energia entre nós que nunca tive com ninguém
no escritório. Talvez seja porque não dormi com ninguém com
quem trabalhei antes. Ou talvez Kate seja diferente. Talvez eu
a queira mais do que jamais desejei alguém antes.
— Mas uma coisa eu diria, — diz Beck. — Não
desperdice uma oportunidade porque está com medo.
— Com medo?
— É fácil tornar-se excelente nas coisas em que já
somos bons. Você ficou bom em ganhar dinheiro cedo,
certo? Você ganhou milhões antes de terminar a
universidade. E se tornou excelente nisso. E você é excelente
em identificar oportunidades de investimento. — Ele dá de
ombros. — Você entende o que estou dizendo. Tenho certeza
de que pode pegar mulheres, sem problemas. Mas talvez você
pudesse ser bom em outras coisas, coisas nas quais ainda
não é bom, se praticasse.
— Você quer dizer como surfar? — Eu pergunto.
Ele ri. — Talvez surfar. Talvez levar uma mulher para
jantar e conversar com ela sobre coisas e não apenas flertar o
tempo suficiente para levá-la para a cama. Talvez explorar
uma conexão que claramente tire você da sua zona de
conforto. — Ele faz uma pausa, me dando tempo para
entender o que ele está dizendo. Acho que a expressão no
meu rosto revela que seu conselho não foi exatamente no
alvo. — Convide-a para jantar, cara. Isso é tudo que estou
dizendo.

VINTE

Vincent
Jantar. Jantar. Jantar. É tudo em que consigo pensar
desde que conversei com Beck ontem à noite. Ele fez parecer
que eu poderia simplesmente convidar Kate para sair, que ela
aceitaria e que não seria grande coisa. Se isso fosse verdade,
por que não consegui encontrar um único momento para
convidá-la hoje?
Eu sou um maricas. Essa é a razão.
Olho para o meu relógio e percebo que ela
provavelmente já saiu por hoje. Com isso em mente, pego
meu laptop e volto da sala de reuniões para o
escritório. Michael sempre tem a versão mais atualizada do
plano do projeto pregada na parede, e eu gostava de verificá-
lo em cópia impressa de vez em quando para ter certeza de
que nada havia escapado.
Abro a porta, coloco meu laptop na mesa e quase pulo
três metros no ar quando Kate diz: — Ei.
Eu viro minha cabeça. Ela está em sua mesa.
— Eu não sabia que você usava óculos, — eu digo. A
armação preta combina com ela, enfatizando seu nariz
pequeno e maçãs do rosto salientes.
— Eles são novos, — diz ela. — Não estou acostumada a
ficar olhando tanto para telas. Acho que isso cobrou seu
preço rapidamente.
Esta é a minha oportunidade. Tecnicamente, estamos
fora do horário, então não sou o chefe dela neste
momento. Posso convidá-la agora.
— Você não vai trabalhar no pub esta noite?
Ela balança a cabeça. — Amanhã à noite. Esta noite
estou tentando resolver um problema aqui.
Dou alguns passos até a mesa dela.
— Posso ajudar em alguma coisa?
— Irei até você quando estiver pronto para tomar a
decisão.
Sento-me no canto da mesa dela.
— Pergunte-me agora.
Ela pausa o que está fazendo e tira os óculos.
— Ok. — Há um tom em sua voz, como se ela estivesse
esperando uma briga. Talvez ela consiga uma. Eu
provavelmente deveria adiar o convite para jantar até
estarmos em território neutro, ou pelo menos até não
estarmos no escritório. Eu poderia ir ao pub amanhã à noite,
quando sei que ela está trabalhando.
— É sobre as molduras do salão de baile. — Ela parece
relutante em continuar.
— Ok.
— Você sabe que se eu não conseguir a resposta que
quero, vou persegui-lo até conseguir o que quero. — Sua
expressão está vazia. Ela não está brincando.
— Eu sei disso, — respondo, com a mesma expressão
séria.
— Stella quer substituir completamente as molduras do
salão de baile. Houve uma inundação ali e está bastante
danificada, principalmente no canto noroeste. Acho que
deveríamos fazer um molde personalizado das molduras
circundantes e substituir apenas as seções que precisamos
substituir.
— Presumivelmente, o ponto crítico é o custo.
— E o tempo, — ela diz. — Acho que podemos alterar o
cronograma para acomodar as coisas. Mas é mais caro. E as
molduras não ficarão tão nítidas como ficariam se fossem
todas novas.
— Mas você quer preservar o que está lá. — Ela
assente.
— A história.
— Eu concordo, — eu digo, e me levanto.
— Você concorda? — Ela parece chocada, mas não
deveria estar. Quase sempre concordo com ela. Às vezes,
demoro um pouco.
— Contanto que você consiga economizar em outro
lugar, o que não deve ser difícil, dado o orçamento para as
malditas cortinas. — Afasto-me para revisar o plano do
projeto preso na parede atrás da mesa de Michael.
— Exatamente. — Sua voz é animada, e tenho que
desviar o olhar para não sorrir para ela como um idiota. Seu
prazer é completamente contagiante. — Acho que basta
trocar o tecido no escritório e cobriremos os custos. — Ela faz
uma pausa e torce o nariz. — E talvez mudemos as opções de
tapete lá também.
— Você vai dar um jeito, — eu digo.
Ela fica em silêncio e então a sinto parar ao meu
lado. Ela não está me tocando, mas está o mais perto possível
sem me tocar.
— Obrigada, — ela diz.
— Você não precisa me agradecer por lhe dar um
trabalho no qual é ótima. E de qualquer forma, você já me
agradeceu. — Olho para ela, mas seu olhar está fixo no plano
do projeto.
— Não é por isso, — diz ela, com a voz suave, pouco
acima de um sussurro.
— Então o que?
Ela faz uma pausa por um instante, depois dois. — Por
sempre ser o homem que você diz que é.
Meu coração bate forte no peito e, pela primeira vez na
vida, fico atordoado e em silêncio.
Ela se vira para mim e eu continuo olhando para a
parede, preocupado que, se eu olhar para ela, não serei capaz
de me impedir de lhe dizer todas as coisas sobre ela das quais
simplesmente não me canso.
— Vincent Cove, você pode olhar para mim, por favor?
— E lá vai. Respiro fundo e me viro.
Ela coloca a palma da mão no meu peito e o calor
queima minha camisa. Quero rasgar o tecido e pressionar a
pele dela contra a minha.
— Vincent. Tenho sido tão paciente quanto estou
preparada para ser. — Eu franzo a testa em confusão.
— Você vai me beijar?
Um sorriso aparece nos cantos da minha boca.
— Beijá-la? Isso não parece muito... profissional.
Seu olhar desvia do meu, como se ela estivesse
aceitando a derrota.
Eu não deveria ter dito isso. Não é hora de provocar,
nem de fingir que não estive desesperado para beijá-la desde
que a conheci e em todos os momentos desde então.
— Mas é só nisso que penso, — digo e deslizo minha
mão sobre a dela para mantê-la me tocando. — A primeira
coisa que penso de manhã e a última coisa que passa pela
minha cabeça à noite.
Ela olha para cima. — Me beijar? — Eu aceno
lentamente.
— Então por que você não fez isso? Eu te vejo todos os
dias.
— Mas, por enquanto, sou seu chefe e... as coisas estão
complicadas. — Eu não detalho. Não digo a ela que não posso
oferecer nada além do aqui e agora. Que não sou o tipo de
homem que faz promessas sobre o futuro. Ou mesmo
considera um futuro fora do meu trabalho. Ela não está
fazendo essas perguntas.
— Não pense demais nisso.
Eu rio, porque é exatamente isso que tenho feito.
— Eu queria convidá-la para jantar.
— Tipo um encontro? — Ela pergunta, sorrindo para
mim.
— Sim. Tenho um amigo em Cambridge que abriu seu
próprio restaurante. Obteve a sua primeira estrela Michelin
este ano.
Seu sorriso murcha, seu olhar atinge meu peito e ela
congela. O que mudou tão de repente?
— Poderíamos jantar mais perto de casa? — Ela
murmura.
— O que? — Eu rio. — No Golden Hare?
Ela olha para cima, com dor nos olhos. Ela está falando
sério. E sou um idiota insensível.
— Se é para lá que você quer ir, é para lá que quero
levá-la.
— Você sabe que não sou eu mesma quando estou
muito longe de casa.
Como eu poderia ter esquecido?
— Deixa comigo, — eu digo. — Vou me certificar de que
nosso primeiro encontro seja no local.
Ela relaxa novamente e o sorriso volta. Enfio meus
dedos em seu cabelo, me curvo e passo meus lábios sobre os
dela. Suas mãos deslizam sobre meus ombros e eu respiro
fundo, saboreando o momento, guardando-o na memória. Eu
circulo minha outra mão em volta de sua cintura e a puxo
contra mim. Tenho pensado nisso há muito tempo e agora
estou aqui. Ela está aqui. Ela está em meus braços,
exatamente onde eu a queria há semanas. A sensação de
suas mãos em mim e a maneira como minha pele aquece sob
seu toque, a maneira como ela se ajusta ao meu corpo...
Parece certo.
Ela fica na ponta dos pés e assume o beijo. No início é
pequeno, casto e perfeito. Então ela abre a boca e não posso
deixar de gemer com o convite para mais.
Como tive tanta sorte?
Nossas línguas pressionam e nossas respirações se
misturam, nossos corpos estão tão próximos, mas não o
suficiente. Sua pele é tão lisa, tão macia, tão delicada, e
enquanto minha barba por fazer roça nela, tenho um desejo
primordial de deixar uma marca para que ela nunca se
esqueça de como isso é bom.
Suas mãos percorrem meu corpo, subindo pelas minhas
costas, passando pelos meus ombros e depois descendo pela
minha cintura até o cinto. Seus dedos se prendem ao couro
como se tentassem encontrar uma maneira de entrar.
Interrompo nosso beijo e me afasto.
Ela congela e olha para mim como se eu tivesse acabado
de dar um soco nela.
— O que? — Ela pergunta.
Por que parei as coisas? Eu a quero. Ela claramente me
quer. Por que estou me segurando?
— Quero levá-la para jantar, — digo.
— Ótimo, — ela diz como se eu tivesse acabado de pedir
para ela imprimir uma cópia da citação do tapete. — Já
podemos ficar nus?
— Aqui? — Eu pergunto e olho para cima e ao redor.
— Você é tímido? — Ela olha para o lustre dramático
acima de nós. — Ou romântico? Você prefere a luz de velas e
Bach tocando suavemente ao fundo?
— Acho que nunca fui acusado de ser romântico. — Não
adiciono o “mas” silencioso que ecoa na minha cabeça.
— Seu quarto? — Ela sugere.
O que vem se construindo entre nós não muda há muito
tempo e agora está indo rápido demais. Quero desacelerar
tudo e entender as coisas. Ela dá um passo à frente e enfia o
dedo entre os botões da minha camisa, encontrando minha
pele e adicionando combustível ao estopim do meu desejo por
ela.
— Kate, — eu resmungo.
Ela inclina a cabeça. — Ou aqui? — Ela dá um passo
para trás e desliza para a mesa.
Se eu transar com ela aqui, nunca mais poderei me
concentrar no escritório. Mas tenho que transar com ela.
Agora mesmo.
Pego a mão dela e a puxo da mesa e para fora do
escritório.
Meu quarto então.

VINTE E UM

Kate
É como se meu corpo se desconectasse do meu cérebro
sempre que ele está por perto. Eu tentei tanto permanecer
profissional. Não desejá-lo. Dado que estou no quarto dele,
com suas mãos nas minhas nádegas, minha pele vibrando
por estar tão perto dele, eu diria que perdi oficialmente a luta.
— Eu tentei tanto ficar longe de você, — ele diz,
levantando minha saia, me pressionando contra a porta atrás
de mim. — Não sei o que há de errado comigo.
— Eu sei, — digo, meus dedos se atrapalhando com os
botões de sua camisa. — Só precisamos tirar isso de nossos
sistemas. — Pelo menos espero que seja isso: apenas algum
tipo de falha de ignição química que se corrigirá após um
orgasmo. Ou talvez dois.
Sua pele está quente e tensa e meu estômago revira ao
senti-lo e ao pensar que estamos a poucos minutos de
estarmos pressionados um contra o outro.
Ele mergulha e dá beijos no meu pescoço. O raspar de
sua barba por fazer é como o raspar de um fósforo contra a
lixa, acendendo minha luxúria. Por que perdemos tanto
tempo tentando evitar um ao outro quando poderíamos estar
fazendo isso o tempo todo?
Pressiono minhas mãos contra seu peito, e ele inclina a
cabeça para trás e respira fundo, como se apenas o toque da
minha mão tivesse o potencial de levá-lo ao limite se ele não
se firmasse.
O que há com esse homem?
É ele? Ou nós juntos que parecemos tão explosivos?
— Você precisa ficar nua, — ele grita e afasta minhas
mãos. Ele mexe nos botões da minha blusa e depois
resmunga antes de simplesmente rasgar o tecido e tirar o
sutiã.
Já vi isso acontecer em filmes, mas nenhum homem
com quem fiquei esteve tão desesperado para me deixar nua
a ponto de rasgar minha roupa. É ainda mais sexy na vida
real - talvez porque eu possa ver os tendões do pescoço dele
se contraírem com o esforço e o ardor nos olhos. Ele me
quer. Seriamente. Tudo isso aumenta meu desejo e quando
suas mãos seguram meus seios, não posso fazer nada além
de choramingar.
É como se o barulho derramasse um balde de água fria
sobre ele e inesperadamente ele dá um passo para trás.
— O que? — Pergunto como se tivesse sido arrancada de
um sono profundo.
Ele tira a camisa. — Não assim, — diz ele, descartando a
camisa e passando as mãos pelos cabelos. — Eu quero
aproveitar o meu tempo. Quero estar totalmente
consciente. Quero que você saiba exatamente o que estou
fazendo.
— Estou consciente, — digo. Ele está parando as
coisas? Porque vou ficar extremamente chateada se não tiver
um orgasmo quando sair deste quarto.
Ele coloca as mãos em meus quadris e é alívio que sinto
ao seu toque. Ele me vira e por um momento, acho que estou
prestes a senti-lo entre minhas coxas, quando ele abre o zíper
da minha saia e a empurra no chão.
— Eu quero ver toda você. Não quero foder como
animais, embora seja exatamente isso que meu corpo esteja
me dizendo que preciso agora. Se vamos fazer isso, então não
é uma foda rápida. Vai ser o melhor sexo que você já teve –
que eu já tive.
Eu me viro e passo minha mão em seu rosto. — Já é. —
Ele fecha os olhos e dá um beijo na parte interna do meu
pulso. — Não tenho certeza se deveria lhe dar um feedback
formal depois da primeira vez – feliz em preencher um
questionário on-line desta vez – mas, para que conste, você
me tocando é melhor do que qualquer coisa que já senti
antes. Seus beijos, a maneira como você entende meu corpo,
tudo. É tudo melhor do que qualquer coisa que já
experimentei.
Seu olhar passa dos meus olhos para a minha boca,
desce pelo meu corpo e volta para cima, quase como se
estivesse procurando as palavras certas. — Você é incrível.
Eu não posso deixar de sorrir. É quase como se esse
americano confiante e inabalável fosse... meio estranho.
Ele dá meio passo à frente, me prendendo contra a
porta, segurando meu rosto e me beijando como se quisesse
provar que estou certa. Como se ele quisesse que eu tivesse
certeza de que seus beijos são os melhores que já provei, os
beijos mais apaixonados e indutores de arrepios que já
experimentei.
A paixão aumenta entre nós e pressiono minha mão em
seu peito.
Ele não quer que seja frenético e explosivo. Ele quer as
coisas de uma maneira diferente. Então é isso que ele vai ter.
Eu tiro minha calcinha antes de enganchar meus dedos
em sua cintura e me agachar para poder tirar suas calças e
boxers.
— Você é linda, — ele diz enquanto eu me levanto. Ele
dá um beijo em meus lábios. Sua expressão é quase de dor e
parte de mim quer ir mais fundo – entender o que está por
trás disso.
— É melhor agora que ambos estamos nus? — Eu
pergunto, pegando sua mão na minha.
Ele acena com a cabeça e nos leva até sua cama. — Eu
só precisava encontrar algum autocontrole.
A cama é alta e eu sento na beirada, puxando-o entre as
pernas. — Eu quero que você seja exatamente você mesmo
comigo. Se sente que não pode resistir a mim, tudo bem. —
Eu sorrio para ele.
Ele ri. — Você pode brincar, mas é um problema.
— Para mim também, — confesso.
É alegre entre nós, mas só estamos dizendo a
verdade. Minha mente salta para pensamentos sobre o
futuro. Como vou me sentir quando ele for embora? O que
acontecerá com Crompton?
— Você está bem? — Ele pergunta.
Eu assinto. Não posso pensar em nada além de Vincent
e eu e aproveitar esse momento entre nós agora.
Ele alcança entre minhas pernas e instantaneamente
fico líquida. O que há na maneira como ele me toca?
Sua ereção se estende contra sua barriga na minha
frente e eu passo meus dedos por seu comprimento. Ele
rosna, meio desejo, meio desaprovação, e dá um passo para
trás. De novo.
— Vincent, — eu digo enquanto ele vira as costas. Mas
ele não está me provocando ou me torturando. Ele
obviamente está procurando preservativos.
— Esta cama, — ele diz. — Imaginei você nela desde a
primeira noite em que dormi aqui.
Ele encontra o que procurava e retoma sua posição
entre minhas pernas.
— Desejo concedido. — Eu sorrio para ele.
Ele balança a cabeça, o canto da boca subindo
ligeiramente. — Você tem ocupado muito do meu cérebro. —
Habilmente, ele abre a camisinha e a estica sobre sua
ereção.
— Você quer dizer, o cérebro em seu... — Aponto para
seu pênis enquanto ele segura a base.
— Meu…? — Ele pergunta enquanto passa a cabeça
pelas minhas dobras. Suspiro, aliviada por isso finalmente
estar acontecendo. — Você realmente deveria ser capaz de
nomeá-lo já que estou prestes a te foder.
Meu estômago revira com suas palavras cruas. Mal
posso esperar.
— Talvez eu consiga depois que você me foder, — eu
digo, e todo o meu corpo lateja. Não tenho certeza se é porque
ele está me provocando ou porque estou ansiosa pelo que
vem a seguir ou porque estou prestes a gozar.
Ele segura meu olhar e se dirige para mim. Não é duro
ou cortante, apenas determinado e implacável. Quando ele
finalmente para, eu suspiro, exalando respirações curtas e
agudas.
— Oh, querida, estamos apenas começando e você já
precisa recuperar o fôlego.
Ele falou assim comigo da primeira vez? Talvez pareça
mais intenso porque o conheço agora. Porque amanhã ele vai
me olhar com os mesmos olhos que me olha agora, só que
atrás de uma mesa.
Estabilizo minha respiração e, assim que me sinto
tranquila, ele começa a movimentar os quadris, empurrando
para dentro e para fora, enchendo-me até o limite e depois me
deixando desolada a cada pressão e puxão. Enrolo meus
dedos em torno de seus ombros, agarrando-o como se minha
vida dependesse disso, tentando resistir ao inevitável por
mais alguns momentos. É inútil. Meu orgasmo tem
aumentado e diminuído, esperando pela sensação dele há
semanas. Agora ele está aqui, entre minhas coxas, liderando
uma banda até meu clímax.
— Vincent! — Minha voz sai sem fôlego e
desesperada. Estou tão perto e se ele não parar, só vou durar
mais alguns segundos.
— Estou aqui, Kate. Solte-se.
Não sei se é a permissão dele que faz meu orgasmo subir
pela minha espinha ou se foi o que veio antes: estou aqui,
Kate. As palavras giram em meu cérebro enquanto pressiono
meus dedos em sua pele. Ele passa as mãos pelas minhas
costas e me puxa para perto e percebo que todo o meu corpo
está em convulsão.
O que ele fez comigo?
Ele diminui a velocidade, mas não para, empurrando-se
para dentro de mim, através do meu orgasmo, mantendo-nos
juntos, ligados, amarrados.
Seguro suas bochechas e puxo seu rosto para o meu,
pressionando meus lábios contra os dele, roubando beijos
molhados enquanto nós dois caímos de volta na cama.
— Isso é bom demais, — diz ele. Sua mandíbula aperta
enquanto mudamos, o novo ângulo faz com que bombas de
prazer detonem dentro de mim.
— Tão bom, — eu digo.
Seus olhos ficam escuros e o vinco entre as
sobrancelhas se aprofunda à medida que ele aumenta o
ritmo. É como se ele estivesse me estudando, observando
microrreações às quais ele responde com mudanças de
velocidade, pressão ou posição.
Ele está sempre pensando em mim. Em nós. Este
homem poderia ter qualquer coisa, quem ele quisesse, e está
me escolhendo. Escolheu me beijar, me fazer feliz, me fazer
gozar. O pensamento é inebriante.
Dobro minhas pernas de cada lado dele e as envolvo em
sua cintura.
Ele geme enquanto continua a empurrar para dentro de
mim.
— Preciso mais de você, — diz ele, e levanta uma perna
mais alto, empurrando mais fundo, mais rápido e com mais
força. Eu vou junto, espiralando, outro orgasmo fazendo meu
sangue girar em minhas veias. Não consigo ver, ouvir ou
sentir nada além dele.
— Pooorra, — ele diz enquanto empurra novamente, e
eu sinto a pulsação profunda e constante de seu clímax.
Não sei se é o som do coração dele batendo ou o meu,
mas por alguns segundos, minutos ou até horas, é tudo que
consigo ouvir.
Até que finalmente ele diz: — O que você está fazendo
comigo?
Todo o meu corpo ainda está pulsando, mas de algum
lugar recebo energia para me mover. Nós mudamos. Ele tira a
camisinha e eu sento em cima dele.
— Sou ganancioso por você, Kate. Não tenho certeza
se já fui ganancioso por alguma coisa na minha vida antes. —
Meu coração está centímetros mais alto no meu
peito. Eu pressiono minhas mãos em abdominais duros.
— Estou aqui, — eu digo, repetindo suas palavras para
ele. Ele fecha os olhos em uma piscada longa e preguiçosa.
— Então aqui é o único lugar onde quero estar.
E como venho dizendo há semanas: tudo seria perfeito
se pudéssemos ficar exatamente aqui para sempre.

VINTE E DOIS

Kate
A vovó vai ouvir isso eventualmente e, francamente, não
será assim, já que a notícia chegará a ela cinco minutos
depois de eu me sentar com Vincent. Melhor eu mesma
contar a ela, em vez de Sandra ou Basil darem a notícia.
— Vincent Cove me convidou para jantar, — digo
enquanto folheio meu telefone, sentada à mesa da cozinha da
vovó.
Desta vez, o clique das agulhas falha, mas ela cobre bem
e volta a tricotar. — O que você disse?
— Eu disse que Vincent Cove me convidou para jantar.
— A audição da vovó normalmente é aguçada como a de um
morcego.
— Quero dizer, o que você disse a Vincent, — diz a vovó.
— Oh, entendi. Eu disse sim. — Respondo como se não
fosse grande coisa. No que diz respeito à vovó, eu não
namoro. Ela não precisa saber sobre o encontro casual com o
barman australiano que trabalhou atrás do bar alguns verões
atrás, ou sobre o estranho ocasional que me encontrou no
pub. Não eram nada sérios - certamente não valiam a pena
mencioná-los à vovó.
Vincent é diferente. Vincent, ela ouviria falar.
Ela para de tricotar e coloca as agulhas na mesa.
— Estou muito feliz por você.
— Não é grande coisa, — asseguro a ela.
— Não precisa ser, — ela responde.
— E não é como se ele fosse meu chefe direto para
sempre.
— Não. E quem se importa se ele é? Você só vive uma
vez, minha querida.
— E não é como se isso fosse se transformar em algo
sério. Não comece a planejar o casamento. Provavelmente vou
odiá-lo depois de passar duas horas ininterruptas em sua
companhia. — É improvável que isso seja verdade. Quanto
mais conheço Vincent, quanto mais tempo passo com ele,
mais gosto dele. Sim, estou atraída por ele - o cara é gostoso,
não há como negar. Mas gosto da mente dele, da forma como
o cérebro funciona. Ele está focado nos resultados
financeiros, nos lucros e no seu investimento. Mas ele
também é um homem que cumpre sua palavra e tem um
senso de responsabilidade para com Crompton e as pessoas
daqui. Não posso deixar de gostar mais dele por ver esse lado.
— Apenas divirta-se. Você vai para Cambridge? — Ela
pergunta.
Eu zombei. — Vamos ao Golden Hare. — Foi isso que
Vincent disse, não foi? Ele sabe que não quero sair da
propriedade.
A vovó desanima visivelmente.
— O que? Conheço o cardápio e terei todas as minhas
necessidades nutricionais satisfeitas.
A vovó levanta uma sobrancelha. — É assim que estão
chamando agora?
Eu a ouvi mal? — O que você disse?
— Nada. Mas por que não se aventurar em Cambridge?
— Por que faríamos isso? É quase meia hora para
chegar lá. Não conheço os restaurantes de lá e não tenho
certeza se vou gostar.
— Seria uma boa mudança.
— Mas pode não ser. Pode ser uma mudança terrível.
— Se for, durará apenas duas horas.
— Você continua me dizendo que a vida é curta. Por que
eu perderia duas horas, não, três horas, quando você leva em
conta a viagem, na eventualidade de algo ser bom, quando
posso garantir o bom quando estou no pub?
A vovó olha para baixo com uma expressão de decepção.
— Você não acredita que estou feliz em Crompton. Eu
não preciso sair. Tudo que quero e preciso está aqui.
Ela balança a cabeça. Achei que ela ficaria encantada
por eu ter um encontro, o que não acontecia há muito
tempo.
— O que Vincent disse quando você falou que queria ir
ao Golden Hare?
— Ele estava bem com isso. Claro.
— E se houver um segundo encontro? — Ela
pergunta. — Você vai à casa de chá?
Reviro os olhos. É claro que não iríamos à casa de
chá. Mas não tenho certeza para onde iríamos e a ideia me
aperta no peito.
— Marangon's, — digo, falando sobre o restaurante
italiano em Watley.
— Fechou há dois anos, — diz a vovó.
— Sério?
Ela não responde, mas pega o tricô e começa de novo.
— Basil estava me contando tudo sobre um curso que
está fazendo online. É ao vivo, em uma sala de aula virtual.
Graças a Deus pela mudança de assunto.
— No Zoom? — Eu pergunto.
— Teams, — ela diz. — Acho que algumas escolas
fizeram assim durante o bloqueio.
— Sim, acho que sim. — Volto a navegar pelo meu
telefone.
— Significa que você não precisa ir a lugar nenhum, na
verdade. — Algo me diz que não mudamos de assunto.
— E eu estava conversando com Sacha, cuja filha de
uma amiga, Aurora, fazia terapia online. Consultou uma das
melhores psicólogas e nunca saiu da sala de
estar. Aparentemente foi maravilhoso. Ela teve problemas
para superar uma paixão antiga. A terapia a ajudou
tremendamente.
— Bom para Aurora. Apesar de ela ser uma perfeita
estranha para mim, estou feliz por ela. Eu realmente estou.
Meu tom é afiado e defensivo. Eu me arrependo
instantaneamente.
As agulhas da vovó continuam a estalar no silêncio
entre nós.
— Sinto muito, vovó. Eu não deveria falar com você
desse jeito.
— Tudo bem. Eu sei que é um assunto espinhoso.
— Não é realmente espinhoso. Eu simplesmente não
preciso de terapia.
— Bem, se você diz que não precisa disso, é isso. Mas é
uma opção se decidir que o mundo fora de Crompton é aquele
que você deseja conhecer.
— Você está agindo como se eu nunca saísse do
terreno! Ainda tenho quatro turnos no pub todas as semanas.
Sua expressão é de pena, mas ela me entendeu mal. Eu
estou feliz. Não preciso da pena dela.
— E em breve irei para trás do estacionamento da
vila. Estarei a pelo menos cinco quilômetros de Crompton.
— Se você diz, querida. Mas se dinheiro for um
problema, ficarei feliz em pagar para você conversar com
alguém. Você teve muito que enfrentar quando criança e
ninguém pode julgá-la pelas escolhas que você fez.
— Eu escolhi me fazer feliz, — digo simplesmente. Não
costumamos falar ou mesmo fazer alusão à vida antes da
morte de minha mãe. Ou, se fizermos, nos concentramos nos
momentos felizes quando estive em Crompton. Mas a vida
fora da propriedade com a minha mãe nem sempre era
feliz. Era estressante e tensa. Lembro-me de ter vindo a
Crompton e de ter ficado aliviada ao descobrir que era
exatamente o oposto. Eu costumava deixar bilhetes debaixo
do travesseiro para as fadas, pedindo que me deixassem ficar
para sempre.
E então minha mãe morreu e eu fiquei.
A eu adulta sabe que não fui a causa da morte da minha
mãe, mas durante muito tempo carreguei a culpa de pensar
que, por querer tanto ficar com a vovó, desejei que mamãe
morresse. Sei que não devo desejar uma vida diferente da que
tenho agora - uma onde tudo e todos em minha órbita sejam
familiares. Ou eram.
Até Vincent.
Agora eu o quero. Mas ele não vai ficar. Tenho que
afastar os pensamentos de qualquer outro cenário, porque
ele vai embora.
E eu vou ficar.
Não posso desejá-lo aqui.
Eu não vou.
Mas uma das coisas que posso me confortar é que, quer
Vincent esteja aqui ou não, as folhas das árvores da
propriedade – nenhuma das quais Vincent está cortando –
ficarão amarelas, depois laranja e vermelhas no outono, antes
de cair. Elas brotarão e crescerão novamente na próxima
primavera. Posso não estar trabalhando na casa de
chá. Posso não estar morando na propriedade, mas estarei
aqui, todos os dias, recebendo as pessoas em Crompton e
observando as árvores mudarem com o passar das estações.
Minha avó se levanta e vai em direção à chaleira.
— Você gostaria de uma xícara de chá?
A questão é um limpador de palato perfeito. — Sim, por
favor. Comprei um pouco de verde e coloquei no seu
armário. Os estudos dizem que os benefícios antioxidantes
são incríveis, além de poder proteger o cérebro contra a
doença de Alzheimer.
— Mesmo? — Vovó diz. — Vou experimentar. Talvez eu
possa trocar pelo menos uma xícara dos meus normais por
verde.
A alegria floresce em meu coração e eu paro. — Isso é
ótimo. Estou tão feliz que você vai provar. Deixe-me preparar.
— Podemos fazer isso juntas, e você pode me contar
tudo sobre como acabou aceitando jantar com Vincent Cove.
— Ela envolve o braço em volta da minha cintura. — Sinto
muito se pulei essa parte.
— Está tudo bem, vovó. E quero garantir que você não
precisa se preocupar com nada. Você me deu uma infância
maravilhosa neste lugar mágico. Eu simplesmente amo isso.
— Eu sei que você ama. Mas você pode amar mais de
um lugar. Assim como não preciso desistir do meu chá
normal, só porque estou experimentando o chá verde. Estou
aberta à ideia de que posso gostar ainda mais de chá verde.
Eu entendo o que ela está dizendo. Talvez fosse bom se
fôssemos jantar em outro lugar que não fosse o pub. Em
algum lugar um pouco mais privado, onde absolutamente
todo mundo não saiba tudo sobre mim, mesmo que isso
exigisse uma viagem de carro para chegar lá. Uma noite não
pode fazer mal, não é? O problema é que é mais fácil falar do
que fazer. Logicamente ela está certa. O problema é que a
lógica não substitui o medo.
Vovó me puxa pela cintura e me dá um beijo na
têmpora. — E quanto a Vincent? Ele acha Crompton mágico?
Eu rio. — Ele acha que é uma boa oportunidade de
negócio. Mas nunca se sabe, posso convencê-lo da magia em
algum momento.
— Ele já foi casado?
Eu balanço minha cabeça. — Acho que não, mas não
discutimos isso. — Passamos muito tempo na presença um
do outro. E fizemos sexo. Mas não compartilhamos muito
sobre nosso passado. De certa forma, é um alívio. — Suponho
que é disso que se trata o jantar. Conhecer um ao outro. Mas
não é nada sério, não se preocupe. Não estou prestes a ter
meu coração partido.
— Oh, não me preocupo com isso, — ela responde. — Na
verdade, isso pode lhe fazer bem. Você é mais forte do que
pensa, sabe.
O que a vovó não percebe é que não quero ser forte. Ser
forte é superestimado.
— Não há perigo disso. Mas é bom ser convidada para
jantar por... um homem assim.
— E ele é de Nova York. Ouvi dizer que ele tem família
aqui.
— Sim. Uma tia, um tio e cinco primos. Eles estão
divididos entre Londres e Norfolk.
— E Crompton é o meio caminho entre todos
eles. Imagine ser tão rico que você poderia escolher comprar
uma casa senhorial porque fica a meio caminho entre dois
lugares onde gostaria de estar.
— Tenho a impressão de que Vincent é rico o suficiente
para comprar tudo o que deseja.
— Só posso ter esperança, — diz a vovó, e não sei bem o
que ela quer dizer, mas entendo o tom dela bem o suficiente
para não perguntar.

VINTE E TRÊS

Vincent
Não sei por que, mas sinto um tremor no estômago que,
em teoria, associo ao nervosismo.
Mas não fico nervoso.
É só jantar, mas tomei banho depois do trabalho. E vesti
uma camisa e calças limpas. Provavelmente é elegante
demais para o que planejei, mas não quero deixar Kate
desconfortável se ela estiver bem arrumada. Além disso,
quero que ela saiba que vale a pena me vestir bem para uma
noite com ela, não importa para onde vamos.
Começo a descer as escadas da Crompton House.
— Você está saindo? — Michael diz lá de baixo.
— São quase sete horas, — eu digo. — Isso pode esperar
até amanhã?
— Claro, — ele responde quando passo por ele e vou
para a porta da frente. — Divirta-se no seu encontro.
Não olho para trás, mas levanto a mão em
agradecimento. Eu não esperava que mantivéssemos isso em
segredo. Afinal, vamos jantar na frente de toda a aldeia. Só
não tenho certeza de como Michael sabe.
Enquanto fecho as portas da casa atrás de mim, Basil
está cuidando da planta que cresce na frente da casa. Não
quero dizer a ele que quero cortar completamente. A primeira
impressão da casa deve ser limpa, nítida e acolhedora.
— Boa noite, Basil, — digo ao passar.
— Boa noite, Sr. Cove. — Ele não me chama de Vincent,
apesar de eu tentar convencê-lo. — Aproveite o jantar com
Kate.
É evidente que é seguro dizer que todas as pessoas que
trabalham no Crompton Estate sabem que vou levar Kate
para jantar.
— Farei isso.
Os chalés dos funcionários ficam a poucos minutos a pé
da lateral da casa e posso vê-los assim que viro à esquerda. O
nervosismo aumenta quando a casa de Kate aparece.
Eu poderia realmente estar nervoso por levar uma
mulher para jantar? Certamente isso é impossível.
Chego à porta da frente, mas Kate abre antes que eu
tenha chance de bater. Não consigo evitar o enorme sorriso
que surge em meu rosto. Este é o meu lado favorito de Kate:
direta e descaradamente. Não há jogos, não há necessidade
de me deixar esperando, nem de fingir que não estava me
observando.
— Você está tão lindo, — ela diz e meu coração dispara
em sua direção como um cachorrinho aproveitando sua
atenção.
Finalmente quebro o contato visual e olho para ela. Ela
está usando um vestido de verão branco com sapatos baixos
rosa, o cabelo está solto e as pontas claras se enrolam como
se tentasse encontrar os últimos raios do dia.
Ela parece um anjo.
— Você está linda. — Sem pensar, pego a mão dela e
pressiono os lábios nos nós dos dedos, como se eu fosse o
conde de Crompton há oito gerações.
Ela ri do gesto, e não posso deixar de rir também. O que
estamos fazendo? Eu me sinto como uma criança. Todo o
tremor no meu estômago foi eliminado pela alegria, pelo calor
e pela felicidade.
— Ao jantar, — eu digo, estendendo a mão. Ela desliza a
palma da mão contra a minha e sinto algo. Não consigo
definir um nome, mas é um conforto fácil e leve. Sempre foi
assim com Kate, mesmo quando a vi cantando músicas de
shows pela primeira vez e a apresentei à minha família.
— Aposto que você realmente queria ir para algum lugar
diferente da Golden Hare, — diz ela. — Você comeu muito no
pub recentemente.
— Não vamos ao pub. — Antes que ela tenha a chance
de entrar em pânico, acrescento: — Mas vamos ficar na
propriedade. Eu a guio até os fundos da casa.
— Onde estamos indo? — Ela pergunta.
— Achei que um piquenique seria legal, — digo.
Ela aperta minha mão. — Realmente? Isso soa
maravilhoso. Eu conheço o local perfeito.
— Eu configurei algumas coisas. Acho que você vai
gostar da vista.
Dobramos a esquina da casa e o lago aparece, junto com
o mirante temporário que mandei erguer. Apenas três lados
estão abertos, com o lado voltado para a casa coberto –
minha modesta tentativa de privacidade. Não adiantou nada,
já que o mundo inteiro parece saber do nosso encontro.
— O que é isso? — Ela diz. Ela tenta chamar minha
atenção, mas se eu olhar para ela e vê-la sorrindo tanto
quanto acho, meu coração pode entrar em combustão. Então
mantenho meu olhar focado para frente.
— Achei que você poderia jantar à beira do lago.
— Essa é uma ideia maravilhosa. — À medida que nos
aproximamos, ela vê as flores decorando o telhado do
mirante. — Elas são do jardim?
Eu balanço minha cabeça. — Não, mas consegui
rastrear os mesmos tipos de flores. Ou Molly rastreou. Minha
ideia. Ela executou.
— Vincent Cove, você é muito romântico.
Sob o mirante há uma mesa posta para dois. A
decoração da mesa é uma elaborada exposição floral entre
vidros e porcelanas.
— Isso é lindo. Devo dizer, ainda mais bonito. O lago,
esta vista, é meu lugar favorito em Crompton.
— Eu achei que poderia ser. A página de Crompton no
Instagram te denuncia. — Puxo a cadeira dela e ela se senta.
— Suponho que sim. Mas não lamento. — Ela passa a
mão pela mesa, observando o mirante e o lago. — Isto é
perfeito.
Sento-me em frente a ela. — É por isso que você não
gosta de sair daqui? Porque é lindo?
Ela parece um pouco envergonhada e eu gostaria de não
ter dito nada. Eu só quero saber tudo sobre ela.
— Você provavelmente está acostumado com lugares
muito mais glamorosos, certo? Qual deles é o seu favorito?
Não sei se ela está deliberadamente tentando mudar de
assunto, mas não vou pressioná-la. — Gosto de conhecer um
lugar novo. Gosto de descobrir quais são as cafeterias, quais
parques são os melhores para percorrer, quando um lugar
inicia o dia. Como em DC, é incrivelmente cedo. Nova York é
um pouco mais tarde. Arizona, muito mais tarde. Em cada
cidade o ar tem sempre um cheiro um pouco diferente e o sol
se põe de uma forma diferente. Acho que gosto de todas as
informações sensoriais.
— É Nova York que tem o seu coração? — Ela pergunta.
— Onde quer que eu coloque meu chapéu… — eu digo.
— Então nenhum lugar parece um lar para você? E a
casa da sua tia e do seu tio?
Os cabelos da minha nuca se arrepiam. — Bem, eles se
mudaram desde que ficava com eles quando criança, mas
gosto de passar um tempo com eles, com certeza.
— Mas não é o seu espaço seguro?
A palavra seguro ecoa na minha cabeça. Eu viro e repito
silenciosamente para mim mesmo.
— Vincent?
— Desculpe, hum, não. Acho que não tenho um espaço
seguro. Eu realmente não me apego a lugares.
— Ah, — ela diz. — Então você se movimenta muito?
— Aonde quer que o trabalho me leve. — Ocorreu-
me desistir completamente de ter qualquer tipo de base. Eu
poderia simplesmente viver em quartos de hotel. De qualquer
forma, é o que faço na maior parte do tempo.
— Você era um pirralho do exército ou algo assim?
Não é a primeira vez que alguém me confunde com um
pirralho do exército. Se ao menos a explicação fosse tão
simples.
— Ou algo assim, — eu digo. — Você se mudava muito?
Para minha sorte, nossa conversa é interrompida
quando o garçom traz duas tequilas e duas taças de
champanhe. Apenas para cobrir todas as bases.
— Mas você sempre se senta na mesma mesa no Golden
Hare, — ela diz, sorrindo para mim. — Talvez seja assim que
se sente em casa. Você cria rotinas e padrões de uma forma
que as pessoas normalmente não
fariam. Quando normalmente as pessoas voltam para casa,
para a mesma cidade, para o mesmo apartamento, para as
mesmas pessoas.
Eu rio. — Eu não tinha pensado nisso assim. Isso
significa que você não gosta de rotina e padrões – se sempre
viveu no mesmo lugar, perto das mesmas pessoas?
— Talvez. Nunca pensei nisso, mas na verdade acho que
não. Tenho muitas rotinas e padrões. Eu os acho
reconfortantes. Crompton foi meu lugar de calma e certeza
enquanto crescia, quando havia pouca coisa na minha vida
que fosse calma e certa.
Estreito os olhos, querendo ouvir mais.
Levantamos nossos copos. — A uma noite adorável, —
diz Kate.
— Já é minha fav... — começo a dizer, depois me
interrompo. — Segunda noite favorita desde que vim para
Crompton.
Um delicado rubor passa pelas bochechas de Kate.
— Minha também.
A tequila derrete na minha garganta e estico as pernas,
roçando as de Kate e descansando ali – nos conectando. O
silêncio entre nós é tão confortável que é como se nos
conhecêssemos há anos.
— Você estava falando sobre sua mãe quando disse
coisas porque não era calmo e certo? — Eu quero ouvir mais.
Ela faz uma pausa antes de dizer: — Minha mãe era...
ela dizia que tinha sangue cigano. Isso parecia ser um
problema para ela ser uma bagunça desorganizada.
— Ela cresceu em Crompton?
— Não, embora meus avós tenham se mudado para cá
antes de eu nascer. Minha mãe deixou de morar com eles e
foi para a casa do namorado assim que pôde. E depois no
sofá de um amigo e com outro namorado, e depois em uma
casa compartilhada com outras dez pessoas. A vida dela
sempre foi assim. Ela prosperava no caos. Por não saber o
que viria a seguir.
— E isso não mudou quando ela teve você?
— Talvez tenha piorado. Acho que ter uma filha, alguém
ligada a ela, fez com que ela desejasse mais a liberdade. Só
me lembro de minha vida ser muito diferente da vida dos
meus amigos. Eu faltava à escola, chegava tarde às festas,
mudava de escola, faltava à ginástica. Minha vida carecia
de... estrutura. — Ela move os saleiros e pimenteiros como se
fossem peças de um tabuleiro de xadrez: para frente, para
trás, para a esquerda e para a direita. Seus dedos são
delicados, mas deliberados.
— Então você gosta que tudo continue igual em
Crompton. — As coisas estão começando a se encaixar.
Ela olha para cima e sorri e é tudo luz e brilho. — Bem,
funcionou até você chegar aqui. Embora eu não esteja te
comparando com minha mãe.
Ofereço um meio sorriso em troca. — Não acho que eu
prospere no caos. — Eu realmente nunca considerei isso
antes, mas nunca fui comparado a alguém assim antes. —
Como você disse, tenho padrões e rotinas no mundo em que
estou.
— E você não é irresponsável, — diz ela.
Não tenho certeza se é uma pergunta. — Tipo, como?
— Quero dizer, você é responsável. Você é exatamente o
oposto da minha mãe. Você nunca chega atrasado ao
trabalho ou indisponível se Michael ou eu precisarmos de
você. Não é como se você fosse perder uma consulta
importante no hospital ou algo assim. Você faz o que diz que
vai fazer. E isso é... legal. — Ela sorri, mas desta vez é menor,
cheia de calor e repleta de alívio e segurança. Não é o sorriso
que me cumprimentou na casa de chá ou no Golden Hare – é
mais íntimo do que isso. Um sorriso reservado apenas a
alguns afortunados. De alguma forma, eu entendo
inerentemente o quanto sou sortudo.
Esse sorriso é um gancho que me prende por dentro. —
A mudança não precisa ser um caos, — eu digo.
Ela respira fundo e acena com a cabeça. — Eu sei. E
ainda vou trabalhar na propriedade e a vila fica a apenas
cinco minutos de distância e... vai ficar tudo bem.
— Poderia ser melhor do que bem, — eu digo.
— Assim eu continuo sendo informada.
Eu não quero dar um sermão a ela. Não cabe à mim. Por
mais que ela não goste de mudanças, não posso ficar muito
tempo no mesmo lugar - somos lados opostos da mesma
moeda. Não estou em posição de atirar pedras no meu
próprio telhado de vidro.
— Isso explica… muito sobre você.
Ela ri, e eu adoro o modo como seus olhos mudam de
sérios para brilhantes. — Estou tentando pensar sobre isso
de uma maneira diferente. Eu amo Crompton. Acho que é o
lugar mais lindo do mundo e quando for um hotel, muito
mais gente virá e verá porque escolhi estar aqui.
Eu concordo. — Você poderá mostrar a eles como
aproveitar o que desfruta há tanto tempo. A única coisa é
que, quando eles te conhecerem, talvez nunca mais queiram
ir embora.
Nossos olhares se cruzam e, por um momento, não
consigo imaginar estar em outro lugar que não seja aqui pelo
resto da minha vida - porque eu iria a qualquer lugar quando
estar aqui, com ela, é tão bom?
— Vincent Cove, as pessoas sabem quão doce você é?
— Doce? Não tenho certeza se já fui chamado assim
antes. — Idiota foi como a última mulher com quem dormi se
referiu a mim, pouco antes de eu deixar Nova York.
— Então só posso pensar que a maioria das pessoas não
tem tanta sorte quanto eu e não consegue ver esse seu lado.
Sinto um puxão por dentro de novo e quero dizer algo
igualmente elogioso que diga a ela que sinto o mesmo, mas
nossa garçonete vem com nosso primeiro prato.
— Ah, isso é diferente. Parece... incrível, — diz ela,
olhando para o prato. — Quando você disse piquenique,
pensei que comeríamos sanduíches de manteiga de
amendoim e um pouco da torta Bakewell da Sandra.
— Não exatamente, — eu digo. — O amigo de quem lhe
falei, que mora em Cambridge? Bem, peguei emprestado o
chef dele para passar a noite.
Seus olhos se arregalam. — Nossa, suponho que vale a
pena conhecer pessoas.
— Infelizmente, isso significa que você não dará
informações sobre minhas necessidades nutricionais essa
noite.
Ela ri. — Ufa. Eu tenho uma noite de folga. Que benção.
— Sobre o que é isso? — Eu pergunto a ela. — A
comida? Você nutre algum desejo de ser nutricionista ou algo
assim?
— Não, na verdade nunca pensei sobre isso. — Ela faz
uma pausa. — Eu simplesmente gosto que as pessoas
cuidem de si mesmas. E gosto quando posso ajudar.
É claro que ela não está sendo mandona ou
provocadora, como um estranho aos seus comentários
poderia pensar. Ela está tentando ajudar as pessoas a
fazerem as melhores escolhas para si mesmas.
— As pessoas sabem quão doce você é, Kate?
— Diga isso a uma mulher que veio aqui há alguns
meses, que pediu frango por minha recomendação, mas não
me disse que era alérgica a amendoim. Ela teve que ser
retirada do pub em uma maca.
— Jesus.
— Boas intenções não importam se você matar alguém.
— Ela morreu? — Pergunto, tentando disfarçar meu
choque.
— Não, ela está bem. Acontece que foi apenas um
ataque leve. Ela achou que tinha superado a alergia ao
amendoim e usou a Golden Hare para testar sua teoria.
— Uau. Talvez “legal” não seja mais a palavra que eu
usaria para você. Mais... potencial assassina.
Ela ri. — Posso adicionar isso ao meu perfil do
LinkedIn. E você? Já tentou matar alguém? Aposto que você é
tão rico que poderia mandar matar alguém se quisesse.
É esse o tipo de homem que ela pensa que sou?
— Nunca encontrei uma lista de preços, mas talvez
encontre. Posso dizer honestamente que nunca tentei matar
ninguém ou mandar matar alguém em meu nome. Não tenho
certeza se já briguei antes.
— E os inimigos? Você deve ter ganhado muito no seu
tempo.
— Você acha? Porque sou um idiota? — Estou
recebendo uma chicotada dessa garota.
— Não, bobo, — ela diz, e como um idiota, a atração
dentro de mim fica mais forte. — Porque você é poderoso e
rico e outras coisas. Pessoas como você não fazem inimigos?
Pessoas como eu? A pergunta me pega de surpresa. Ela
se vê como alguém inerentemente diferente de mim, mas
estou aqui sentado pensando em como somos parecidos.
— Talvez? — Eu digo. — Mas nunca foi meu objetivo
ganhar dinheiro às custas de outras pessoas. Posso ser
ingênuo, mas... — paro. Não tenho certeza do que ela está
tentando chegar. — Posso ser um idiota, — confesso. —
Tenho certeza de que irritei as pessoas. Mas não tento
machucar as pessoas deliberadamente ou aceitar algo dado
de má vontade.
Ela começa a falar, mas se detém e depois estende a
mão para a minha por cima da mesa.
— Eu me sinto mal, — diz ela. — Eu não estava
tentando dizer que você é um idiota. Eu não estaria jantando
com você se pensasse isso.
Eu balanço minha cabeça. — Tudo bem. Tenho certeza
de que as pessoas pensaram pior de mim.
— Uma das desvantagens de passar todo o meu tempo
em Crompton é que tendo a presumir que o mundo lá fora é
pior do que é. Eu me sinto segura quando estou nesta
bolha. Nada pode dar errado...
Tiro minha mão da dela e coço a nuca.
— Até eu chegar. Certo? — Esta noite estava indo para o
ralo rapidamente.
Ela me olha nos olhos, sua expressão séria.
— Isso é terrível. Estou dizendo as coisas erradas o
tempo todo. Eu sou a idiota e, se não tomar cuidado, seremos
inimigos no final da noite. — Ela se levanta e acho que está
prestes a sair correndo quando diz: — Vamos começar de
novo.
— OK? — Estou confuso, mas ela está certa: esta noite
tomou o caminho errado e eu gostaria de voltar aos trilhos.
Ela vira os ombros para trás, sacode as mãos e respira
fundo antes de se sentar à minha frente novamente. — Eu
sou Kate Saunders. Tenho vinte e sete anos e acho você
completamente atraente.
Eu não posso deixar de rir. Ela sorri e me sinto como
um adolescente, como me senti no início da noite - como
sempre me sinto quando estou perto dela.
Começo a falar, mas ela se inclina e coloca os dedos
indicadores em meus lábios.
— E não apenas porque você tem um rosto bonito e um
corpo incrível. Gosto que você seja um homem de
palavra. Que se preocupa com o povo de Crompton. Você está
comprando propriedades para alugar para aqueles de nós
desalojados pelas reformas; você está investindo na
reciclagem de pessoas. Você é um bom homem, Vincent Cove,
e eu sei disso, apesar de praticamente acusá-lo de ter
conexões com a máfia ou o que quer que estive falando.
Suas palavras apagam todo o desconforto e irritação. É
bom que ela me diga o que pensa em termos tão claros. Ela
começa a se inclinar para trás, mas eu pego sua mão e
enrosco meus dedos nos dela.
— Eu acho que você tem um rosto bonito e um corpo
incrível também.
— Tão poético, — ela brinca.
— São suas palavras!
Ela franze a testa como se não estivesse assumindo
absolutamente nenhuma responsabilidade por elas e eu
balanço a cabeça, tentando não rir.
— Gostei de como você lidou com aquele obstáculo na
estrada lá atrás.
— Sim, qualquer um pensaria que sou profissional
nessa coisa de namoro, — diz ela.
— Você não é?
— Bem, se não contarmos Basil, então não.
Fecho os olhos e franzo o rosto. — Por favor, desdiga
isso.
— Ele é um amante incrível. Usa boné na cama.
— Pare. — Esfrego as mãos no rosto. — Você é a pior.
— Estou brincando sobre Basil. Mas não as coisas que
eu disse sobre você. — Ela olha para mim, seu olhar suave,
mas determinado. — Desculpe. Eu estraguei tudo?
Eu balanço minha cabeça. — Nunca.
Nossa garçonete chega com nossa comida e vinho.
— Falando em Basil, parece que é impossível guardar
um segredo por aqui, — eu digo. — Michael e Basil sabiam
que íamos jantar esta noite.
— E amanhã de manhã, as pessoas podem somar dois
mais dois.
— Isso te incomoda? — Eu pergunto. Não tenho certeza
de como me sentiria se todos ao meu redor soubessem tudo
sobre minha vida.
— Quero dizer, não estamos fazendo nada ilegal. Essas
pessoas se preocupam comigo e querem que eu seja feliz,
então não, mas posso imaginar que chegará um momento em
que isso acontecerá.
— Quando estou com meus primos é parecido. Todos
estão nos negócios de todos e isso não vem de um lugar
ruim. E é bom, porque você se sente parte de alguma coisa,
mas tenho o luxo de desaparecer se isso se tornar
opressor. — Me recosto na minha cadeira. — Ha. Na verdade,
nunca pensei sobre isso. Sempre me senti na periferia
quando os visito. —O formigamento na minha nuca
voltou. — Eles são muito receptivos e eu definitivamente me
sinto parte da família, mas obviamente não sou irmão ou
filho deles – sou sempre um pouco distante. Mas talvez eu
tenha me colocado lá. Sempre senti... Sempre me senti um
estranho. Acho que foi por isso que acabei na faculdade de
medicina.
Os olhos de Kate se arregalam. — Espere, você é
médico?
— Não, eu desisti. Eu estava fazendo investimentos, já
naquela época, e tive sorte algumas vezes. Percebi que a
medicina não era para mim.
— Uau, — ela diz.
— Sempre amei meus primos. Eu queria morar com eles
no Reino Unido – passava os verões aqui e odiava voltar para
os Estados Unidos. Eu queria ser igual a eles, e são todos
médicos. Bem, dois dos meus primos já não o são. Mas eu via
o estudo de medicina como um cartão de sócio.
— Se isso te faz se sentir melhor, você não parecia um
estranho quando vi todos vocês na casa de chá.
— Eles são ótimos. Nunca me tratariam
deliberadamente de maneira diferente. Mas eu sou primo
deles. O sobrinho deles. Isso é apenas um fato. Na verdade,
vou lá em algumas semanas. Você deveria ir comigo.
— Onde? — Parece que acabei de dizer a ela que JFK
entrou no Golden Hare com Marilyn.
— Para Norfolk. Minha tia e meu tio estão comemorando
seu aniversário de casamento. Eles farão uma celebração
familiar. Vou subir para vê-los. — De repente, percebo por
que ela está chocada - não porque estou pedindo para ela ir
comigo, mas porque estou pedindo para ela deixar Crompton.
— Pense nisso, — digo, tentando suavizar o convite.
Ela assente. — Eu vou.
— Não é grande coisa se você não quer sair de
Crompton.
— Com você, — ela diz.
— Comigo.
— Não sei se consigo, — diz ela. Sua voz é um
sussurro. — Mas acho que nunca quis tanto.
Meu coração bate contra minhas costelas. Quero pegá-la
em meus braços e prometer mantê-la segura. Não é uma
sensação com a qual estou acostumado, mas há muitas
coisas extraordinárias em Kate e Crompton.

VINTE E QUATRO

Kate
Não é como se eu não visse os olhares demorados ou
não ouvisse as perguntas abertas. Eu simplesmente não
respondo a nada na manhã seguinte ao meu encontro com
Vincent.
É bom que as pessoas se importem. Mas ninguém
precisa de um lugar na primeira fila para ver o que está
acontecendo entre nós. Porque é casual e divertido e ele irá
embora em breve.
Exceto que... estar com ele é melhor do que jamais me
senti com alguém antes. E não quero admitir isso para
ninguém. Nem para mim mesma.
Pego meu laptop e bloco de notas e me levanto. —
Vincent está na sala de reuniões? — Eu pergunto a Michael.
— Acho que sim, — diz ele.
Não o vi esta manhã - bem, pelo menos desde que saí da
cama dele, mas isso não é incomum. E é melhor de certa
forma. Porque se ele estivesse no escritório, sentado à mesa à
minha frente, não tenho certeza se conseguiria me
concentrar. Já é ruim o suficiente. Ainda posso senti-lo em
cima de mim desde a noite passada. Seus dentes em meu
pescoço, a pressão de sua mão em minha bunda, o arrasto
dele entre minhas coxas. Pelo menos com ele na sala ao lado,
há meia chance de eu conseguir fazer alguma coisa hoje. Mas
primeiro preciso saber a decisão dele sobre algo.
— Obrigada, — digo e fecho a porta atrás de mim.
Bato na porta da sala de reuniões e, como sempre, não
espero uma resposta antes de entrar.
O que não é normal é o sorriso de Vincent quando
entro.
— Ei, — ele diz.
— Bom dia, — respondo, tentando injetar um pouco de
formalidade na sala.
Ele se levanta e dá a volta na mesa.
Antes que eu possa recuar ou dizer para ele ficar longe
de mim, ele me prende contra a parede, dando beijos em meu
pescoço.
— Isso não é muito profissional. — Posso me sentir
ficando líquida sob seu toque. Embora eu tenha vindo aqui
com um propósito real e importante, não consigo imaginar
um cenário em que pediria a ele para parar de me tocar.
Não consigo mover os braços porque estou segurando
um laptop, então estou impotente enquanto ele passa a
língua do meu pescoço até a clavícula e desce pelo meu peito.
— Vincent, — eu digo. Pareço sem fôlego e aperto as
coxas, tentando manter um mínimo de controle. —
Precisamos de limites. Regras. Não podemos fazer isso aqui e
agora.
Ele afasta a boca e passa as mãos pelos meus lados.
— Eu sei, mas não posso, já faz horas desde que te
toquei assim.
— Vincent, — eu digo, mas não é uma advertência. Mais
um grito de socorro.
Ele faz uma pausa, pressionando sua testa contra a
minha. — Diga-me quais são as regras.
Meu coração está batendo forte contra meu esterno,
tentando sair e ficar com Vincent sozinho. — Não aqui. Não
durante o horário de trabalho. Encontro você no lago esta
noite. Podemos dar um passeio.
Ele respira fundo como se estivesse tentando reunir
toda a sua vontade e depois dá um passo para trás. — Você
tem razão. — Ele enfia as mãos nos bolsos como se não
confiasse se elas estivessem livres e volta para sua cadeira. —
Jesus. Quero bebê-la como um copo de água gelada.
— Não tenho certeza se isso é um elogio. — Deslizo meu
laptop sobre a mesa e me sento. — Embora seja bom manter-
se hidratado. — Abro meu computador. — Quero falar com
você sobre os jardins de flores.
— Não tivemos essa conversa? Você pensou sobre ir
para Norfolk comigo?
Meus olhos se arregalam. — Regras. Aqui não. Agora
não.
— Estou fazendo uma pergunta, não tentando tirar sua
calcinha.
Eu me mexo um pouco no assento, consciente da renda
na borda da minha calcinha. Esse cara é mais do que uma
distração. — Vamos apenas guardar as coisas pessoais para
depois do trabalho. — Se eu começar a pensar em Norfolk e
em como vou dizer a ele que não posso ir, vou me desviar do
curso.
— Se você insiste, — ele diz.
— Eu insisto. Como eu disse, quero falar com vocês
sobre os jardins floridos. Eu criei algo que acho que você...
tolerará. — Pego o pacote de apresentação debaixo do meu
laptop e deslizo para ele. — Por favor, vá para a página um.
— Eu sei que Vincent não vai aceitar algo que não faça
sentido financeiro – nem mesmo que eu seja um copo de água
gelada. Espero ter encontrado um meio-termo. — Este é um
plano de dois vírgula cinco hectares de terra nos limites da
propriedade Crompton. Os jardins atualmente abertos ao
público têm dez hectares, o que representaria cerca de vinte e
cinco por cento do tamanho.
Estou grata por ele não me interromper. Ele teria o
direito de me expulsar. Ele me ouviu falar sobre esses jardins
por semanas e semanas e tem sido consistente em suas
recusas. Gentil, mas consistente.
— Atualmente esta área é um campo aberto, por isso
exigiria uma remodelação completa. A vantagem deste terreno
– delineado em vermelho no slide – é que ele confina com
uma pequena estrada secundária.
Estou propondo transformar a área em uma série de
pequenos jardins que homenageiem aqueles que estão na
casa há centenas de anos.
— Por favor, vire a página para o slide dois. — Eu olho
para cima do meu computador para ver se Vincent está
absorvendo isso. Ele está virando a página diligentemente e
estudando o slide, e meu coração bate mais alto no peito. —
Proponho financiar a manutenção contínua dos jardins
através de voluntários e da venda de bilhetes. Os atuais
jardineiros de Crompton estão todos preparados para oferecer
seu tempo livre para criar e manter o jardim. Na verdade,
achamos que haverá mais voluntários do que realmente
precisamos. Porque você está preocupado com a privacidade
e exclusividade da propriedade para os hóspedes do hotel,
propomos não permitir visitantes através da propriedade
Crompton, mas permitir-lhes o acesso pela estrada B apenas
três dias por semana. Quatro dias por semana, os jardins
serão reservados para uso exclusivo dos hóspedes do hotel.
— A casa é visível dos jardins? — Vincent pergunta.
Estou preparado para a pergunta. — A casa é visível de
uma parte do terreno. Uma fileira de sebes altas ou uma
parede decorativa manterão total privacidade para os
hóspedes do hotel.
— Mas, presumivelmente, se os hospedes estiverem no
campo de golfe ou simplesmente caminhando pelos jardins,
os visitantes dos jardins poderão vê-los.
— Em algumas áreas, sim, — admito.
— A menos que pudéssemos fazer mais algumas
triagens.
— As coberturas seriam as mais eficazes. Poderíamos
isolar toda a área. Mas custaria mais dinheiro do que orcei.
— Quantas pessoas ele realmente acha que terão seu jogo de
golfe interrompido por pessoas visitando um jardim de
flores? Não digo nada, mas penso o mais alto que posso.
— Tudo bem, — diz Vincent. — E quanto ao custo inicial
para criar o novo jardim? — Ele vira outra página do pacote
de apresentação. — Há um lago aqui, um paisagismo difícil,
muitas plantações, obviamente.
— Angariação de fundos. Não conseguiremos fazer tudo
de uma vez, mas achamos que conseguiremos chegar lá. — A
parte de arrecadação de fundos será difícil. Mas onde há
vontade, há um caminho. — Também pensei que seria uma
boa ideia retirar mudas e sementes das plantas dos jardins
atuais, para replantar no novo local. Um jardim histórico irá
espelhar o que você está fazendo com a casa – pegar algo
antigo e transformá-lo em algo que funcione para os dias
atuais.
Ele não responde, o que considero um bom sinal – não é
como se ele estivesse zombando das minhas ideias ou
descartando-as antes que eu tenha a chance de
terminar. Então continuo minha apresentação e mostro-lhe
detalhadamente os planos do jardim. Analiso as finanças em
termos de quanto custará em manutenção e os piores
cenários em termos de número de visitantes.
— Uma última coisa na última página. — Espero ele
virar.
— Esses trailers Airstream podem ser convertidos em
uma espécie de casa de chá. — Ele ri e balança a cabeça.
— Você pensou em tudo.
— Você tem alguma pergunta? — Eu pergunto.
Ele me olha diretamente nos olhos e, de repente, sinto
sua boca no meu pescoço, sua coxa entre minhas pernas,
suas mãos por toda parte.
Respiro fundo e desvio o olhar.
Ele ri, e tenho certeza de que ele sabe exatamente o que
está acontecendo no meu cérebro.
— Fale com Michael e peça para ele colocá-la em contato
com meu diretor financeiro em Nova York. Quero ver se existe
uma maneira de criar uma instituição de caridade para a
qual possamos doar aquele terreno. Isso fará com que as
finanças pareçam mais saudáveis.
— Você doaria aquele terreno?
Ele sorri. — Não pense que estou sendo mole com você –
isso pode ser bom para mim. A aprovação do planejamento
provavelmente será mais fácil se houver um aceno adicional
em direção à preservação histórica de algum tipo. Também
pode significar mais deduções para o hotel. Fale com ele e
volte para mim.
— Eu vou.
— Não estou prometendo nada, — avisa.
Pego meu laptop e me levanto. — Eu sei. Mas obrigada
por me ouvir.
Ele não precisava passar por isso e me levar a sério. Ele
poderia ter ficado irritado por eu me recusar a desistir. Ele
tem outras coisas em que se concentrar. Mas Vincent Cove é
um bom homem. E finalmente estou começando a entender o
quão sortuda sou por conhecê-lo.

VINTE E CINCO

Kate
Concordei em encontrar Vincent para um passeio
noturno e sei que ele vai me perguntar sobre Norfolk. Eu
gostaria de ter uma resposta para ele – ou melhor, gostaria de
ter a resposta que ele deseja.
Bato na porta da vovó e entro. Ela está sentada à mesa
da cozinha, tricotando.
— Olá, como foi o trabalho? — Ela pergunta, sorrindo
para mim. — Devo colocar a chaleira no fogo?
— Parece bom.
— Como foi o jantar ontem à noite? — Ela pergunta
enquanto abro a torneira fria.
— Tivemos cinco pratos, — respondo.
— Não é bem o que eu queria dizer.
Respiro fundo, fecho a torneira e coloco a chaleira no
suporte e ligo. — Foi agradável. Eu gosto dele, mas…
A vovó não me pede para dar mais detalhes. Pego duas
canecas do armário e o chá verde do balcão e começo a
preparar nossas bebidas.
— Ele quer que eu vá com ele visitar sua família em
Norfolk.
Ela assente. Ela sabe que não pode dizer: — Que lindo,
querida. Quando vocês vão?
— É gentil da parte dele me convidar,— eu digo.
— Muito bom, — ela concorda.
— Mas… já faz muito tempo que não vou tão longe.
— Sim, — diz a vovó.
Sei que sou uma mulher de 27 anos e viajar algumas
horas de carro não é grande coisa para a maioria das pessoas
da minha idade, mas é para mim.
— Parte de mim quer ir. — Gosto de Vincent e acho que
seria divertido passar mais tempo com ele. Seria bom vê-lo
com sua família novamente. — Eu simplesmente não acho
que posso.
— Quanto tempo ele está sugerindo que você vá? —
Vovó pergunta.
— O fim de semana. — Na verdade, ele não me disse o
número exato de noites que ficaríamos fora. Mas “o fim de
semana” definitivamente implica uma viagem de vários dias.
— E então você voltaria, — ela diz.
Concordo com a cabeça e despejo a água quente da
chaleira e levo as duas canecas para a mesa. — Fiz chá verde
e não perguntei. Desculpe.
— Isso é adorável. E bom para mim. Obrigada.
Encosto-me na cadeira e tomo um gole de chá. Ainda
está muito quente e estremeço um pouco com a queimadura.
— Como você acha que se sentiria se fosse? — Ela
pergunta.
— Se eu fosse e ficasse tudo bem, eu sentiria... alívio.
— De que forma poderia não ficar tudo bem?
Suspiro e coloco minha caneca na mesa. — Bem, esse é
o problema. Não sei. Se eu ficar aqui em Crompton no fim de
semana, sei exatamente como será. Eu sei que será
adorável. — Vou passar meus lençóis e talvez roubar uma
rosa da lateral da casa da vovó para colocar no vaso que fica
no parapeito da janela da minha cozinha. Posso tomar uma
bebida com Meghan e passear até o lago, ver se consigo
encontrar algum sapo. Cada momento de cada dia não seria
imutável, mas o que eu fizer será definido dentro de certos
parâmetros. Sem surpresas. Sem emergências ou desastres.
— De que forma você acha que um fim de semana em
Norfolk poderia ser maravilhoso? — Vovó pergunta.
Fecho os olhos e um filme passa na minha
cabeça. Imagino-me caminhando pela praia segurando a mão
de Vincent. Imagino a família dele reunida em volta da
fogueira, jogando charadas e comendo um assado no jantar
no domingo, antes de sermos forçados a nos despedir. Só tive
a oportunidade de ver esse tipo de coisa em filmes. Mas
Vincent está me oferecendo a oportunidade de estar lá, de
vivenciar isso pessoalmente. — Há muitas maneiras pelas
quais isso poderia ser maravilhoso. Eu acho... que gostaria de
tentar.
Vovó larga o tricô e segura minhas duas mãos nas
dela. Seus olhos estão vidrados e sua voz falha quando ela
fala. — Isso é maravilhoso, minha querida.
— Você acha que eu posso? Eu quero.
Ela fecha os olhos e respira fundo antes de abrir os
olhos e sorrir para mim.
— Querer é um começo. Querer é um ótimo começo.
— E eu posso voltar, — eu digo.
— Em apenas alguns dias, — diz a vovó.
— Por que você acha que mamãe era como era? — Eu
pergunto. — Você acha que ela não gostava de ficar presa a
uma filha, então acabou compensando demais?
— Ela te amava, — diz a vovó. — Eu sei que ela
amava. Mas não acho que ela entendesse como ser outra
pessoa além da pessoa que era. Mesmo quando criança, ela
ficava entediada facilmente, odiava ir para a cama, ir para a
escola, fazer qualquer coisa que tivesse que repetir
indefinidamente. Tentar fazer com que ela escovasse os
dentes ou mesmo tomar banho regularmente era uma
batalha. A maioria das crianças consegue evitar coisas de que
não gosta, mas não é que ela não quisesse escovar os dentes,
era mais que ela não queria ficar presa a nada. Nem mesmo
cuidando de si mesma.
— Você não é assim. Vovô não era assim. De onde isso
veio?
A vovó balançou a cabeça. — Eu não sei, minha
querida. Algumas pessoas simplesmente nascem de uma
certa maneira.
— É por isso que ela não gostava de ir às consultas do
hospital?
— Eu acho que sim. Era mais fácil lidar com isso
quando ela era criança, porque eu a forçava a fazer algumas
coisas, mas quando adulta... havia pouca esperança de que
ela conseguisse lidar com sua condição sozinha.
— Você sabia disso?
— Seu avô acompanhava os compromissos e implorava
para que ela fosse até eles. Ele ficou arrasado quando ela
morreu – nós dois ficamos obviamente – mas acho que ele
achou que deveria ter feito mais. Não sei por que aceitei isso
com mais facilidade. Talvez eu tenha sentido isso no meu
ventre ou algo assim, mas só vi isso acontecendo assim que
recebemos o diagnóstico. Tive muito tempo para lamentar
minha filha antes de ela morrer.
A epilepsia da minha mãe não deveria ter sido fatal. Se
ela tivesse cuidado de si mesma, poderia ter vivido uma vida
longa e feliz. Se ela tivesse feito as consultas no hospital,
tomado a medicação regularmente... ela poderia ter
sobrevivido. Uma pequena voz no fundo da minha cabeça
acrescenta por mim. Ela poderia ter vivido por mim .
Tento estabilizar minha respiração para não chorar –
não por minha mãe, já que minha dor por ela já passou, mas
por meus avós. Eles me salvaram, mas isso não compensa o
sofrimento que suportaram por causa das escolhas da minha
mãe.
— Sempre me preocupei mais com você depois da morte
dela, — continua a vovó. — Eu ainda o faço.
Eu sei por que ela se preocupa. Embora não falemos
muito sobre isso, está sempre lá, enterrado um pouco abaixo
da superfície. Só agora é que considerei alguma mudança. A
culpa fica presa na minha garganta ao pensar em preocupar
a vovó todos esses anos.
Eu engulo. — Mas e se eu disser sim para Norfolk e não
conseguir? E se eu chegar lá e algo acontecer ou
simplesmente não conseguir lidar com isso e precisar voltar
para casa?
— Então você volta para casa, — ela diz.
— Vincent vai pensar que sou uma lunática.
— Se ele fizer isso, sua opinião não importa. Você
deveria falar com ele, no entanto. Diga a ele como se
sente. Diga a ele com o que você está lutando.
Não tenho certeza sobre isso. Confidenciei-lhe algumas
partes sobre a importância de Crompton para mim e por que
sou tão apegada a ela. Não fui tão clara sobre a extensão do
meu apego. Ou seja, como não gosto de sair. Nunca.
— Confie nele, — ela insiste. — Se ele for metade do
homem que acho que é, será solidário.
Eu sei que ele é um bom homem, mas o que tenho a lhe
dizer certamente mudará a forma como ele me vê. Ele poderia
ser solidário, mas querer rescindir o convite quando ouvir o
que tenho a dizer. Mas como não posso sair de Crompton
sem falar sobre as variáveis em Norfolk, e como Vincent é o
único que pode me tranquilizar... parece que terei uma
conversa difícil.
VINTE E SEIS

Vincent
Ela está sentada em um cobertor à beira do lago, de
frente para a água. Mal posso esperar para ouvir o que ela
está pensando. Não sei se é porque não tenho todas as
distrações de Londres ou Nova Iorque, mas uma mulher
nunca ocupou tanto o meu cérebro como Kate. Nós nos vimos
ontem à noite e não me ocorreu não vê-la esta
noite. Provavelmente não passei tanto tempo com nenhuma
mulher em tão pouco tempo como passei com ela. E tudo que
eu quero é mais.
Ela me ouve chegando e se vira, dando-me um sorriso
enorme e acolhedor que posso sentir em meus ossos.
Eu me curvo e a beijo na bochecha.
— Trouxe um piquenique, — diz ela. — É muito menos...
incrível do que ontem à noite, mas espero que você não tenha
comido.
Eu balanço minha cabeça. — Não, terminei uma ligação,
me troquei e saí direto. Isso é ótimo. — Olho dentro da bolsa
que ela trouxe e sento ao lado dela.
— Como vai você? — Seguro sua nuca e me inclino para
beijá-la novamente.
Ela sorri durante o beijo como se isso a fizesse
feliz. Estou feliz por estar fazendo-a feliz.
Quando foi que fiquei tão sentimental?
Terminamos o beijo e ela olha em volta, provavelmente
para ter certeza de que ninguém viu.
— Primeiro, cerveja de gengibre! — Ela segura duas
garrafas de vidro e um abridor de garrafas. — Você é
responsável por isso.
Pego as garrafas e tiro as tampas enquanto ela
desempacota a comida. — É apenas um pouco de queijo,
biscoitos e frutas.
— Obrigado, — eu digo. — Está perfeito. E sentado
aqui... a vista. Você. A vida é boa.
Ela sorri e respira fundo. — Quero falar sobre Norfolk.
Entrego a ela a garrafa de cerveja de gengibre e seu
olhar fixa-se firmemente na garrafa. — OK.
Minha mente começa a se inundar com possíveis coisas
sobre as quais ela quer falar e empurro todas elas para fora e
a escuto.
— Eu contei um pouco sobre minha mãe. Bem, mesmo
antes de ela morrer, Crompton era o meu porto
seguro. Depois, tornou-se uma espécie de bote salva-
vidas. Sentia que enquanto estivesse aqui, estaria
segura. Feliz. Construí minha vida em torno disso. Por não
sair do lugar onde fui feliz.
— Isso faz sentido, — digo, passando a mão pelo braço
dela.
— Levei isso ao extremo. No início, aventurei-me apenas
pela aldeia e tudo bem, mas cerca de um ano depois da morte
da minha mãe, fomos para Cambridge e vovô teve o primeiro
derrame. Não aquele que o matou, mas ele acabou no
hospital. E não deixei a propriedade por um longo tempo.
— Entendi.
— Eu fui para a escola, é claro. Primeiro na aldeia e
depois, quando tinha doze anos, mudei-me para a escola
secundária, a cerca de seis quilómetros de distância. — Ela
faz uma pausa, obviamente se sentindo desconfortável.
— Você não precisa falar sobre isso se não quiser, mas
quero ouvir tudo o que tem a dizer. Leve o tempo que
precisar.
Ela desliza os dedos dentro do punho da minha camisa
e olha para mim. — Além da escola, nunca fui a lugar
nenhum. Quando eu estava na sexta série, consultei um
terapeuta. Eu queria ir para a universidade, mas não tinha
certeza se conseguiria sair de Crompton. Mesmo assim, me
inscrevi. Entrei. E de algum lugar encontrei coragem para
ir. E então, durante o meu primeiro período letivo, o vovô teve
outro derrame. — Ela engole em seco e olha para o
cobertor. — Dessa vez ele não sobreviveu.
Acariciei seu rosto, desejando poder tirar sua dor.
— De qualquer forma, larguei a universidade e nunca
mais voltei. Nesse ponto, meu cérebro associava estar longe
de Crompton com... dor. Desastre. Tristeza. O vento mudou e
em algum lugar aqui, — ela bate na cabeça, — eu me
convenci de que, se saísse, algo ruim aconteceria.
Meu coração bate descontroladamente em meu
peito. Ela realmente nunca sai deste lugar. É mais do que
apenas uma preferência por casa – o que ela descreve é uma
maldita deficiência. — Você não precisa ir para Norfolk, — eu
digo. Devo encorajá-la a ir?
— A questão é que, pela primeira vez… em muito tempo,
quero ir para algum lugar fora de Crompton. Não sei se é a
perspectiva de ter que sair da propriedade, de a casa se
transformar em hotel ou... — Ela olha para mim, a luz do sol
em seu rosto deixando sua pele luminosa. — Ou você. Mas eu
gostaria de ir para Norfolk.
Eu a puxo para meu colo, passo meus braços em volta
de sua cintura e enterro meu rosto em seu pescoço. Não sei
exatamente como isso funciona, mas estou grato por ela ter
confiado em mim, me contado tudo o que contou.
— Mas... — Ela pressiona as mãos contra meu peito e
eu olho para cima. Cerro os dentes para me impedir de beijá-
la. — Não tenho certeza se consigo.
Meu peito desaba, expulsando o ar dos meus pulmões.
— Posso te ajudar.
— Você ajudaria? — Ela pergunta.
Quero lhe dizer que faria qualquer coisa por ela. Graças
a Deus ela começa a falar novamente antes que as palavras
escapem.
— É só que... talvez eu não consiga chegar até o fim. E
se eu chegar lá, talvez precise voltar mais cedo. Mas adoraria
encontrar sua família novamente. Adoraria ver o mar, sentir a
areia sob os dedos dos pés. Mais do que tudo isso, eu
realmente gostaria de passar o fim de semana com você.
Meu peito se expande e posso respirar novamente. — Se
não chegarmos até o fim, não chegaremos até o fim. Se
precisarmos sair mais cedo, sairemos mais cedo. Teremos um
ótimo fim de semana, aconteça o que acontecer.
Ela pressiona sua bochecha contra a minha. —
Obrigada, — ela sussurra.
Enfio meus dedos em seu cabelo e dou um beijo em sua
boca. — Você tem um gosto tão bom.
— É a cerveja de gengibre, — diz ela.
Eu rio. — Não é a cerveja de gengibre. É você. É tudo
você. Você é muito boa. — Não consigo encontrar palavras
para descrever, mas tudo o que ela faz me faz gostar mais
dela, cada palavra que pronuncia me dá vontade de ouvir
com atenção. Cada vez que ela me toca, me incendeia. É
como se ela tivesse sido feita para mim.
— Você é muito bom, — ela diz de volta e depois desliza
a língua na minha boca. Eu gemo com seus beijos quentes,
doces e molhados e passo minhas mãos em suas costas.
— A desvantagem de morar perto do escritório é que sei
que Michael ainda está trabalhando no andar de cima, então
não podemos voltar para casa.
Ela ri. — E eu moro ao lado da minha avó. Talvez não
seja que eu queira ir para Norfolk. Talvez esteja apenas com
tesão e gostaria de um pouco de privacidade.
Eu gemo novamente. — Minha tia e meu tio esperam
que fiquemos com eles. — Eu balanço minha cabeça. — Vou
reservar um hotel.
— Tem certeza? Não quero ofendê-los.
— Claro que tenho certeza. Pode até ser mais fácil para
eles. Todos os meus primos estarão lá, aparentemente. Eles
vão ter a casa cheia do jeito que estão. — Os arrepios na
minha nuca voltam.
— Quanto tempo levará para chegar lá? — Sua voz é
alegre, mas a maneira como seus dedos mexem nas bordas
da minha camisa me diz que a pergunta é importante.
— Menos de trinta minutos, — digo, esperando que essa
seja a resposta certa.
— Mas você disse que era fora de Blakeney. Isso deve
levar pelo menos duas horas.
— De carro provavelmente, mas pegaremos um
helicóptero.
— Um helicóptero? — Ela engasga com as palavras. — O
que você está falando?
— Eles vão querer que cheguemos na sexta-feira. Tenho
chamadas a tarde toda. Vamos pegar um helicóptero. Isso é o
que normalmente faço em Londres.
— Parece caro, — ela diz, se mexendo no meu colo para
que suas costas fiquem contra a minha frente. Ela começa a
empilhar queijo e fatias de maçã em um biscoito, devolvendo-
o para mim antes de montar outra pilha para si mesma.
— Parece rápido. Além disso, se você quiser partir,
poderemos voltar a Crompton num piscar de olhos.
Ela estende a mão para trás dela, acariciando a parte de
trás da minha cabeça. — Eu realmente quero fazer isso.
— Eu literalmente vou segurar sua mão o tempo todo.

VINTE E SETE

Vincent
Apesar da coleção de vozes na videochamada,
o ruído das hélices do helicóptero corta a sala e estou ansioso
para encerrar esta reunião. Todo mundo está excitado. A
permissão de planejamento foi concedida oficialmente há
alguns dias e é a nossa primeira reunião para definir o plano
operacional.
Kate estava certa sobre a gerente do hotel, como está
sobre a maioria das coisas - não que eu vá dizer isso a
ela. Olga ainda não se mudou para Crompton, mas conseguiu
participar desta chamada. Ela está nos conduzindo através
de seus fluxos de trabalho no plano do projeto.
— Tenho vários contatos em vários hotéis cinco estrelas
em Londres e providenciarei para que cada um dos chefes de
departamento acompanhe seus colegas durante o
treinamento.
É uma ótima ideia. Alguns dos chefes de departamento
nunca terão trabalhado num hotel cinco estrelas. Eles
precisam entender como as coisas funcionam na prática, não
apenas na teoria. Isso não me impede de pensar em como
Kate, como chefe da equipe de relações com hóspedes, lidará
com uma viagem a Londres. Apesar de Cambridge estar tão
perto de Londres, ela nunca mencionou ter estado lá. Talvez a
nossa viagem a Norfolk seja o começo de alguma coisa. Eu
adoraria levá-la para a Sicília. E Paris. Até Nova York.
Deus, o que está acontecendo comigo? Estamos
namorando há apenas algumas semanas e já estou
imaginando férias com ela.
— Ótima ideia, Olga. Acho que faz sentido se Michael
participar das reuniões do seu fluxo de trabalho. Eu não
preciso participar disso.
Michael me lança um olhar. Ainda não discuti isso com
ele, mas ele está pronto para deixar de ser meu
assistente. Preciso do cérebro dele na profundidade das
operações.
Eu verifico meu relógio. São quase seis horas e preciso
ir.
— Vou deixar Michael presidir o resto desta
reunião. Aproveitem seus fins de semana.
Como eu sabia que ele faria, Michael competentemente
direciona o foco da reunião de volta para a atualização de
Olga e eu saio pela porta.
Kate está esperando no final da escada. — Deixei minha
mala aqui. Você disse para deixá-la perto da porta e eu deixei
e agora ela sumiu. — Há uma expressão de pânico em seus
olhos.
— Está tudo bem. Pedi a Molly que a levasse ao hotel
hoje cedo para que pudesse desfazer as malas para nós e nos
situar.
— Vamos passar duas noites. Levarei menos de dez
minutos para desfazer as malas.
Eu dou de ombros. — Você precisa de uma dose rápida
de tequila?
— Não, acho que gostaria de estar sóbria quando
encontrar sua família. — Eu estremeço.
— Não tenho certeza se é uma ótima ideia, mas vamos
em frente.
A porta da casa se abre e o piloto aparece para nos levar
até o helicóptero.
Assim que as portas se fecham, o silêncio nos
envolve. Inclino-me e aperto o cinto de segurança de Kate.
— Está quieto, — ela diz. — Achei que teríamos que
colocar... — Ela aponta para as orelhas. — Coisas em nossas
cabeças.
— Sem coisas, — eu digo, tentando não sorrir muito
com o quão sexy ela fica em shorts azul marinho e uma
camiseta branca.
Entrelaço nossas mãos enquanto decolamos. Eu
provavelmente deveria ter perguntado a ela se o helicóptero
estava bom, mas conhecendo Kate, ela teria falado
imediatamente se a perspectiva a assustasse. Assim, pelo
menos ela não fica horas presa no carro, preocupada com o
que vem pela frente e com o que vai deixar para trás. — Já se
juntou ao clube da milha?
— Algumas vezes, na verdade, — diz ela, encolhendo os
ombros brevemente, como se estivesse super relaxada. Mas
ela não pode me enganar: sua mão livre está segurando o
braço como se ela estivesse em uma montanha-russa. — Só
quando eu voo em particular. Obviamente.
— Obviamente, — eu digo, acariciando sua mão,
tentando ajudá-la a relaxar. — É muito mais fácil
assim. Transforma uma viagem de duas horas e meia em
trinta minutos.
— É assim que você vive? — Ela pergunta. —
Helicópteros e pessoas te ajudando com sua
bagagem? Pessoas desfazendo as malas para você – essa é a
coisa mais maluca que já ouvi.
Eu rio. — Comparado com a maioria das pessoas que
têm muito, vivo bastante modestamente.
Ela olha ao redor da cabine do helicóptero e fica claro
que ela não está impressionada ou maravilhada. Ela está
apenas observando. — Bem, não pelos meus padrões.
— Você viveu a maior parte de sua vida em uma
propriedade que mais parece um castelo do que uma
residência particular. Não acredito que demonstrações de
riqueza sejam realmente surpreendentes para você.
— É diferente. Em parte porque não vivo assim e não é
como se o conde me convidasse para jantar em sua casa. E
em parte porque não acho que o conde tivesse muito...
dinheiro. Embora ele tivesse pessoas em helicópteros
visitando-o.
— Você tem razão. É diferente. Como você está se
sentindo? — Eu pergunto.
— Surpreendentemente, tudo bem, se eu não olhar para
baixo.
— E sobre sair?
Ela balança a cabeça como se estivesse tentando se
convencer de que está bem. — A vovó vai me mandar
mensagens regularmente e sabe que não deve ignorar se eu
mandar uma mensagem para ela. E do jeito que eu vejo... —
Ela entrelaça os dedos nos meus. — Estou levando um
pedaço de Crompton comigo em você. — Ela olha para
mim. — Você é basicamente um chaveiro muito grande.
Eu rio. — Já fui chamado de coisa pior. Isto me
lembra. Eu tenho algo para você. — Enfio a mão no bolso
interno da jaqueta e retiro uma caixa plana e azul.
Kate estreita os olhos com desconfiança. — Um
presente?
— Parece que você acha que pode ser uma bomba, — eu
digo.
Ela ri. — Estou apenas surpresa. Este é o meu rosto
chocado. — Seja qual for a expressão, ela é completamente
linda.
Ela pega a caixa de mim. — Devo abri-lo agora?
Concordo com a cabeça e observo enquanto ela
desamarra a fita branca. Ela levanta a tampa e remove a
moldura prateada. É um tríptico: três pequenas molduras
articuladas que se abrem numa série de três imagens.
— Estas são minhas fotos, — ela sussurra.
— Eu sei que elas estão no seu Instagram, então você
pode vê-las no seu telefone, mas achei que gostaria de colocar
isso na mesa de cabeceira do hotel. Dessa forma, você pode
levar um pouco mais de Crompton enquanto viaja. Assim
como seu chaveiro enorme.
Ela sorri e alcança meu rosto. — Isso é... “atencioso”
não parece ser uma palavra grande o suficiente. É uma das
coisas mais legais que alguém já fez por mim.
O calor penetra em meu estômago e dou um beijo em
sua têmpora. — Eu quero que você aproveite este fim de
semana. Mas se não fizer isso, preciso que me prometa que
vai me dizer. Podemos sair a qualquer momento. Você não vai
ofender ninguém. Essas pessoas são da família.
Ela se inclina e dá um beijo na minha bochecha. —
Fale-me sobre eles. Você deve amá-los muito se quis vir para
o Reino Unido para estudar e… comprar uma casa senhorial
para ficar mais perto deles.
— Sim, — eu digo. — Eles são mais uma família para
mim do que meus próprios pais em muitos aspectos. — Não
admito isso – nem para mim mesmo – com muita frequência.
— Diga-me como? — Ela pergunta.
— Meu pai era jogador. Não me lembro de ter sido um
problema antes de completar oito anos. Ele sempre me levava
ao treino de futebol no sábado e tínhamos noites de cinema
em família nas sextas à noite - ele fazia pipoca e nós três
sentávamos debaixo de um cobertor no sofá assistindo filmes
da Disney. Meus pais trabalhavam, mas ambos eram muito
presentes. — Minhas lembranças mais vívidas do meu pai
eram no meu quintal. O sprinkler ligado, me perseguindo
pelo quintal com uma pistola d'água, jogando futebol e
frisbee. Ele parecia tão feliz. Minha mãe também.
— Parece bom, — ela sussurra, me trazendo de volta ao
momento.
— Era. E então, no meu oitavo aniversário, minha mãe
atendeu uma batida na porta e a vida nunca mais foi a
mesma. Ainda me lembro da sensação de pânico que tive
naquela época, quando a ouvi discutindo com o cara na
porta. Acordamos cedo e ela estava preparando panquecas
para mim e, como era meu aniversário, seriam de
chocolate. Ela as deixou na panela enquanto atendia a porta
e... não consigo lembrar o que o homem disse, ou acho que
não entendi. Mas minha mãe nunca gritava e ela estava meio
gritando, meio soluçando. Eu nunca a tinha visto assim. Fui
até a cozinha, desliguei o fogão e meu pai desceu as escadas
correndo, gritando com o cara na porta. Então mamãe
começou a bater com os punhos no peito do papai.
Minha garganta aperta e respiro. Já faz muito tempo
que não penso naquele dia. Kate solta o apoio de braço e
passa a mão sobre meu peito. — Eu sinto muito. Eu não
queria chateá-lo.
Eu cheguei a um acordo com o que aconteceu naquele
dia. E tudo bem quando acaba bem, certo? Tenho uma vida
ótima e provavelmente está tão boa por causa daquele dia.
— Não estou chateado. Eu quero te contar. — Não sei o
que há com Kate, mas quero compartilhar isso com
ela. Quero compartilhar tudo com ela.
— Meu pai tinha apostado a casa toda no jogo, — digo.
Kate pressiona a boca no meu ombro e isso me dá
conforto de uma forma que eu não percebi que precisava.
— Saímos naquele dia. Fiquei na casa de um vizinho
naquela noite. Eles tinham filhos da minha idade. Minha mãe
não ficou. Não sei para onde ela foi. — Esfrego minha testa
com o polegar e o indicador. — Voltamos no dia seguinte e ele
havia sumido. Então fizemos as malas e nos
mudamos. Nunca mais vi meu pai.
— Ah, Vincent, — diz Kate. — Sinto muito. Não consigo
imaginar como deve ter sido isso. Toda a sua vida mudou em
um instante.
—Acho que você pode imaginar, na verdade. Você deve
ter se sentido da mesma forma quando sua mãe morreu?
Eu me pergunto se foi por isso que gravitei em torno de
Kate. Nós dois tivemos nossos mundos abalados mais ou
menos na mesma idade.
— Nunca disse isso a ninguém, mas não senti a dor que
a maioria das pessoas espera que uma criança sinta quando
a mãe morre. Me sinto péssima por dizer isso e pior ainda por
sentir isso, mas senti mais alívio do que qualquer outra
coisa. Fui morar com minha avó e meu avô em Crompton. Eu
sabia exatamente como seria meu dia. Eu sabia que ia tomar
Weetabix no café da manhã, ser levada para a escola na hora
certa e ser pega exatamente às três e meia. Eu sabia que
jantaria às cinco em ponto. Era a mesma coisa todos os dias
e eu adorava. A vida melhorou para mim depois que ela
morreu.
Eu rio, mas não é uma risada cheia de alegria. Mais
ironia e frustração. — Foi exatamente o oposto para
mim. Depois que saímos de minha casa, voamos para o Reino
Unido e viemos ficar com minha tia, meu tio e meus
primos. Foi o melhor verão de todos os tempos. Senti falta do
meu pai, mas aceitei que ele não estava conosco porque não
estávamos em casa. Só quando voamos de volta para a
América, nos mudamos para um apartamento apertado de
dois quartos – sem meu pai – e comecei uma nova escola, é
que percebi que a vida nunca mais seria a mesma.
— Eu sinto muito.
— Mas eu não posso ficar com raiva, posso? Eu vivo
uma vida ótima. Estou feliz. Sou bem-sucedido.
— É claro que você pode ficar com raiva. E triste e...
tudo mais.
Aperto a mão dela, grato por ela estar aqui, ao meu lado,
me ouvindo, viajando comigo.
— Talvez seja isso que te motiva? Você não quer ficar em
um apartamento apertado de dois quartos.
— Talvez, — respondo. — Acho que é por isso que não
me apego aos lugares. Nunca morei em lugar nenhum
quando adulto por mais de um ano.
— Uau, — ela sussurra. Ela está se perguntando quanto
tempo vou ficar em Crompton?
Porque eu estou.
Eu não quero dizer isso em voz alta. Mas…talvez desta
vez seja diferente.
— E a sua mãe? — Ela pergunta, quebrando o
silêncio. — Você nunca fala sobre ela.
— Não somos próximos. Ela se casou novamente. Mora
na mesma rua de onde saímos quando eu tinha oito
anos. Não aceita nenhum dinheiro de mim.
Nossa conversa é interrompida por um anúncio do
piloto. — Vamos pousar agora.
— Essa é a casa. — Aponto para a confusão de prédios à
frente e rio. — Meu tio vai xingar por causa do barulho e o
cachorro vai enlouquecer.
Um sorriso surge em seu rosto e não tenho certeza se é
porque estou rindo ou por causa da situação que estou
descrevendo. Talvez ambos.
— Lembre-se, se estiver pirando, é só me
avisar. Deveríamos ter um código ou sinal privado ou algo
assim.
— Como o que? Eu deveria piscar para você?
— Talvez eu não veja. Que tal me dizer que recebeu uma
mensagem da sua avó?
— Mas isso pode ser verdade e não uma emergência. Eu
poderia fazer uma dança de galinha? Começar a latir como
um cachorro? Começar a cantar músicas de shows? Ou...
espere, isso é radical... talvez eu devesse pedir uma conversa
particular com você?
Eu rio. — Sim, isso pode ser louco o suficiente para
funcionar. Embora você tenha uma voz muito bonita para
cantar. Você pode cantar para mim sempre que quiser.

VINTE E OITO

Kate
Lembro-me de Carole assim que a vejo. Ela tem um
rosto gentil e cabelos arrepiados por causa das hélices do
helicóptero. Ela está usando um avental coberto de fotos do
rosto de um homem e está sorrindo de orelha a orelha, como
se ver eu e Vincent fosse como avistar um arco-íris duplo
depois de uma tempestade. Olho para Vincent enquanto
atravessamos a grama para cumprimentá-los e ele aperta
minha mão. — Eu estou bem aqui. Lembre-se disso.
— Vincent e Kate! — Ela pega minha mão de Vincent. —
Eu me lembro de você, minha querida, da casa de chá. Jacob,
esta é Kate. Kate, este é Jacob, meu filho mais velho. A noiva
dele acabou de ir ao banheiro. Ela está passando muito
tempo lá... de qualquer forma, estamos muito satisfeitos por
tê-la aqui.
Eu sorrio, apesar de não ter certeza se vou vomitar por
causa da onda de adrenalina, nervosismo ou algo assim.
— Olá, Carole. Que bom vê-la de novo.
Ela me envolve em um abraço. — Vamos entrar.
— Maldito helicóptero, — a voz de um homem ressoa
quando entramos pela pequena porta que leva a um grande
salão de jantar com piso de terracota vermelha e paredes
brancas.
— John, diga olá para Kate, — diz Carole.
— Não está com este, não é? — diz o homem, acenando
para Vincent na porta.
Não tenho certeza de como reagir. Ele não gosta de
Vincent?
— Sim, Kate está com Vincent, como você bem sabe, e
estamos muito satisfeitos por ela poder se juntar a nós, não
estamos? — Carole diz.
— O que é mais uma boca para alimentar? — John diz.
— Tenho algo de que você pode gostar, — diz
Vincent. Então, num sussurro teatral, ele me diz: — O
problema com John é que ele gosta de vinho.
Vincent se vira e fala com alguém atrás dele. Talvez o
piloto?
— Ainda tenho bastante malbec, — John grita para ele.
Quando Vincent se vira, ele está segurando uma caixa
de madeira. — Mas você já experimentou o pinot noir?
Os olhos de John brilham maliciosamente. — Você é um
menino travesso, jovem Vincent, e é exatamente por isso que
te amo mais do que meus próprios filhos.
Eu não posso deixar de rir.
— O suborno sempre ajuda a deixar John de bom
humor, — diz Vincent, agarrando minha mão.
— Carole, experimentamos o pinot noir quando
estivemos lá? — John pergunta a sua esposa.
Viramos à direita em uma cozinha. Vincent tem que se
abaixar para passar sob a viga. É uma sala calorosa e
acolhedora, com uma mesa de pinho surrada e cheiro de
coisas deliciosas no fogão.
— Você está se tornando um esnobe do vinho, — Carole
diz a Vincent.
— Ele sempre foi um esnobe e não apenas em relação ao
vinho, — diz Jacob. — Dica rápida para um fim de semana
na casa dos Cove: ignore tudo o que meu pai diz, coma tudo o
que minha mãe cozinha e não deixe o cachorro sair.
— Merda, — Carole diz. — Onde está o cachorro?
— Quem estamos esperando e para quando? — Vincent
pergunta. — Ah, e nós trouxemos isso para você. — Vincent
entrega a Carole um buquê de flores dos jardins de Crompton
que colhi na hora do almoço.
— De onde elas vieram? — Eu pergunto. — Achei que
tinha esquecido delas.
— Molly os enviou, — responde Vincent.
Tento não parecer chocada. Normalmente vejo Vincent
em circunstâncias muito diferentes. Sim, ele é o chefe, e sim,
comprou toda a propriedade Crompton, então é claro que sei
que ele é rico. Eu simplesmente não percebi o quão rico. Não
até hoje com o helicóptero, a auxiliar. Ele está tão confortável
em tudo isso.
— Esse é a lacaia que te deixou o carro na entrada? —
John pergunta.
— Essa é minha assistente que me ajuda com coisas
pessoais, — diz Vincent. — Por razões legais, não me refiro a
Molly como uma lacaia.
— Vamos abrir este vinho? — John diz.
Jacob saiu da sala e voltou, desta vez seguido por uma
mulher bonita com longos cabelos castanhos. Eu a tinha
visto na casa de chá? — Kate, esta é minha noiva, Sutton.
Sutton e eu nos beijamos na bochecha. — Lembro-me
da primeira vez que vim aqui. É muito impressionante, não é?
Eu apenas sorrio. Isso é muito. Mas é ótimo. Todo
mundo está me tratando como se eu viesse aqui há anos. Não
parece tão esquisito, tão assustador e estranho quanto eu
esperava.
Do nada, Jacob começa a distribuir taças de
champanhe para todos.
— Pensei que íamos experimentar o pinot noir? — John
pergunta. — Eu não quero maldito champanhe.
— Honestamente, espere algumas horas e você nunca
mais vai querer sair, — continua Sutton. — Carole e John
são bruxos secretos e eu juro que há algo no ar aqui que te
faz querer voltar assim que sair.
— Bruxos. — John resmunga. — Se fôssemos bruxos,
eu estaria expulsando todos vocês daqui. Carole e eu
teríamos o lugar só para nós. Só permitiríamos que Vincent
subisse se ele trouxesse um bom vinho. — Ele se vira para
mim. — É claro que você também seria bem-vinda. Ouvi dizer
que você também não é médica?
— Você esperava que eu fosse médica? — Eu pergunto.
— Absolutamente não. Há muitos de nós sob o mesmo
teto. — Ele dá de ombros. — Embora o número tenha
diminuído recentemente. Meu filho Zach empacotou a
medicina e está escrevendo livros agora. — Ele ri. — Você
pode imaginar? Ele é muito bom nisso. O que você faz?
— Trabalho em Crompton, na casa de chá, e agora
também sou assistente do assistente de Vincent. Espero que,
quando o hotel abrir, eu trabalhe na equipe de relações com
os hóspedes.
— Ela vai chefiar nossa equipe de relações com
hóspedes, — esclarece Vincent.
— Um pequeno brinde, — diz Jacob. — Para a calmaria
antes da tempestade.
— O que isso significa? — Carole diz. — Que
tempestade?
— Só neste fim de semana. Parece que a cada poucos
meses um de nós traz uma mulher aqui e aumenta nossa
equipe. Desta vez é Vincent. Da próxima vez talvez seja Beau.
— Quem ficaria com Beau? — John pergunta. — Elas
teriam que estar desesperadas.
John não é nada elogioso em relação aos filhos, mas
tenho a sensação de que é uma espécie de encenação. Eles
claramente o amam muito. Não admira que Vincent queira
fazer parte de tudo isto. Parece uma comunidade ou um
clube com requisitos de adesão muito exclusivos, embora
excêntricos.
— Ele tem um rosto bonito e poderia vender areia para
os árabes, — diz Jacob. — Ele vai conseguir alguém para se
casar com ele.
Meu estômago revira. É isso que as pessoas estão
pensando? Que Vincent e eu estamos a caminho do
casamento? Não me permito pensar na próxima semana
quando se trata de Vincent, muito menos no resto da minha
vida.
— Como vai aquela casa em Crompton? — John
pergunta, interrompendo minha linha de pensamento. — É o
poço de dinheiro que eu disse que seria?
— Vamos iniciar as obras na próxima semana, —
responde Vincent. — Acho que saberemos então.
— Bem, Vincent, — diz John. — Você tem ótimo gosto
para vinhos, mulheres e oportunidades de investimento.
Vincent me lança um olhar de preocupação. — Por
mulheres, você quer dizer Kate, certo?
Dou um passo mais perto dele e circulo minha mão em
suas costas. Ele não precisa se preocupar tanto. Eu não sou
feita de vidro. Também não sou cega para quão bonito
Vincent é e como isso, combinado com ele ser mais rico do
que qualquer pessoa que já conheci, significa que ele deve ter
seu quinhão de admiradoras femininas. Eu não sou uma
idiota. Mas também não quero pensar em nada além do aqui
e agora. Não quero ficar pensando no que significa o fato de
Vincent ter me trazido para uma ocasião familiar. Não quero
especular quanto tempo ele ficará em Crompton. Estamos
juntos agora e isso é tudo que importa.
John franze a testa como se Vincent estivesse sendo um
idiota. — Claro que quero dizer Kate. Nunca conheci
nenhuma de suas outras mulheres, não é?
Vincent congela ao meu lado e não posso deixar de rir.
— Relaxe, — eu sussurro para ele. — Eu não estou
pirando e você também não deveria.
— Vamos levar nossas bebidas para o jardim, — diz
Carole. — Zach e Ellie devem chegar a qualquer
minuto. Jacob, você pode pegar outra garrafa na geladeira?
— Prontamente, — ele diz. — Vou levar dois copos. Dax
e Beau só virão mais tarde.
— Graças a Deus, — diz John enquanto se senta ao
redor de uma enorme mesa redonda de teca sob um gazebo
cheio de jasmim. — Três de vocês são suficientes.
Todos nós nos sentamos, Vincent de um lado meu,
Sutton do outro. — E quanto a Nathan e Madison? — Vincent
pergunta.
— Eles só chegarão amanhã à noite, — diz John. — Eles
têm seu próprio parasita humano para lidar agora.
Carole está sentada ao lado de John e o chuta de
brincadeira. — É da nossa neta que você está
falando. Precisamos fazer algo em relação aos
assentos. Nossa família está crescendo e quero que todos
possam se unir.
— Precisamos nos mudar para uma maldita mansão, —
diz John.
— O pobre Vincent está tendo que ficar no Blakely
Hotel. Não gosto disso, — diz Carole. — De jeito nenhum. Ele
deve sentir que há espaço suficiente para ele. Porque há.
Olho para Vincent e um pequeno sorriso surge no canto
de seus lábios.
— A culpa foi minha, Carole, — digo. — Espero não tê-la
ofendido. A verdade é que não saio de casa com muita
frequência e estava um pouco nervosa por vir aqui. Não
passei uma noite fora de Crompton Estate desde que estava
na universidade. Vincent achou que seria mais fácil eu ficar
num hotel.
— Oh, querida menina, — Carole diz e meu coração
parece inchar com o amor que ela está enviando para mim. —
Não estou nem um pouco ofendida. Obrigada por me contar e
estamos muito honrados por você ter decidido vir nos
visitar. Esta não será a última vez, garanto que você voltará.
— Ela olha para Vincent. — Eu sei isso. E da próxima vez
você pode ficar.
— Para qual universidade você foi? — John me
pergunta.
Isso é seguido por um gemido de — Paaai, — de Jacob e
murmúrios de todos os outros.
— O que? — John pergunta, sua expressão ofendida. —
Eu só perguntei à garota onde ela estudou.
Há outro coro de mulheres ao redor da mesa e não posso
deixar de rir.
— Eu desisti no meu primeiro semestre, — eu digo. —
Mas eu deveria estudar física em Cambridge.
— O que? — Vincent pergunta. — Eu não sabia disso.
Eu dou de ombros. — Você não sabe tudo sobre mim.
Ele dá um beijo em minha bochecha e sussurra em meu
ouvido: — Mas eu quero.
Meu interior se dissolve. Estou tão feliz por ficarmos em
um hotel esta noite.
— Vincent disse que você morou em Londres durante
anos. O que te fez vir para Norfolk? — Eu pergunto.
— Podemos falar sobre você ir para Cambridge? —
Vincent pergunta.
Eu rio. — Não. Não há nada a dizer.
— Vincent está chateado por não ser o mais inteligente
no relacionamento, — diz Jacob.
— Vincent nunca foi o mais inteligente no
relacionamento. Foi por isso que Cambridge o expulsou.
— Cambridge te expulsou? — Eu pergunto. — Eu não
sabia que foi para lá que você foi.
Vincent pega um dos pistaches que foram colocados em
tigelas sobre a mesa e o joga em Jacob. — Cambridge não me
expulsou. Assim como Harvard não expulsou Bill
Gates. Pessoas realmente inteligentes não precisam de
universidade.
— É assim que eles demonstram amor, — diz Sutton
para mim. — Não sei se funciona da mesma forma na sua
família, mas demorei um pouco para me acostumar. Agora
me sinto um pouco excluída se não me insultam pelo menos
duas vezes por dia.
Eu sorrio, absorvendo tudo. É legal. É quente e
aconchegante e estar aqui é muito especial.
Olho para John, que está rindo, claramente gostando de
seus filhos e seu sobrinho provocando um ao outro. É uma
família tão gloriosa e feliz. Isso me lembra muito
Crompton. Não as brincadeiras e as zombarias, mas o
vínculo, o elo inextricável que você não pode ver, não pode
tocar, mas não pode negar. Está por toda parte, cercando
essas pessoas como um anel de aço invisível.

VINTE E NOVE

Vincent
As estrelas aqui em Norfolk são uma das minhas coisas
favoritas. Nunca consigo vê-las em Londres.
— Ela é ótima, — diz Jacob.
Estamos sentados ao redor da fogueira depois do jantar
de aniversário, derretendo marshmallows e bebendo vinho,
como já fizemos centenas de vezes antes. Esta noite parece
diferente. Melhor. Sempre gosto de vir a Norfolk, mas ter Kate
aqui tornou tudo excepcional. Até o vinho tem um gosto
melhor.
— Linda, — diz Dax. — Aquelas pernas.
Lanço-lhe um olhar de desaprovação. Embora suas
pernas fiquem fantásticas em seus shorts.
Kate entrou com Sutton e Ellie para tentar encontrar
um pouco de conhaque.
Ou pelo menos acho que foi o que disseram.
— Você tem minha aprovação, — diz Zach.
— Oh, a única coisa que sempre quis, — eu digo, meu
tom cheio de sarcasmo.
— Ela é realmente adorável, — diz Beau. — Gentil, mas
também engraçada. E uma campeã de charadas.
Kate realmente se jogou no fim de semana. Não houve
nenhum sinal externo de que ela estava nervosa ou
desconfortável. Na terceira vez que perguntei se ela estava
bem, ela riu de mim e disse que me diria se não estivesse. É
como se ela conhecesse minha família há anos. E é como se
eu a conhecesse a vida toda. Parece tão fácil. Tão certo.
— Você acha que vai ficar no Reino Unido? — Jacob
pergunta. — Você terá o hotel e agora conheceu Kate.
— E nós, não se esqueça de nós, — diz Beau.
Eu rio e tomo um gole do meu vinho, para me dar
alguns momentos para pensar sobre sua pergunta.
— Eu não fico em lugar nenhum por muito tempo.
— Talvez você nunca tenha tido um motivo para isso até
agora, — diz Jacob.
Meu peito aperta como se alguém tivesse enrolado uma
corda em volta de mim e estivesse puxando. — Não me apego
aos lugares. Ou pessoas.
— Isso não é verdade, — diz Jacob. — Você é apegado a
nós. Nós somos sua família.
— Apegado? Mais como relutantemente tolerado. — Não
é verdade e eles sabem disso. Mas é estranho admitir que sou
apegado a eles. Os Coves e o Reino Unido foram a única luz
num período muito sombrio da minha vida e não posso
deixar de ser atraído de volta para essa luz, para a sua força
vital.
— Você nos ama, — Jacob diz, sua voz séria, ignorando
completamente o bastão de brincadeira que entreguei a
ele. — Nós te amamos. Somos uma família. Nós nunca te
decepcionaremos. Nunca te abandonaremos. Você pode ter
certeza de nós.
Parece que uma pedra se alojou na minha
garganta. Concordo com a cabeça, incapaz de pensar em algo
para dizer.
— Você sempre foi mais que um primo, — diz Beau. —
Parece que você é um de nós. Um irmão.
— Porra, cara, pare, sim? — Eu me ajeito em meu
assento. — Você vai me fazer chorar na frente da mulher que
estou tentando impressionar.
— Ela está impressionada, — Sutton diz atrás de mim.
Viro a cabeça, me perguntando se Kate também está
atrás de mim, mas ela não está, graças a Deus.
— Eu a amo, — diz Sutton. — Ela é tão engraçada. Não
está nada impressionada com a parte do empresário
bilionário que você é. Ela é exatamente quem você
precisa. Você quer que eu pergunte sutilmente que tipo de
anéis ela gosta?
O calor percorre meu corpo e olho para trás, para a
casa. Não quero que Kate ouça isso.
— Absolutamente não. Estamos apenas saindo. Você
sabe como eu sou. Tenho uma garota em cada porto.
— Mulher! — Sutton diz. — E você é supostamente um
mulherengo, mas adivinhe? Nunca conheci nenhuma dessas
mulheres. Não estou dizendo que elas não existam, só estou
dizendo que ninguém jamais esteve em Norfolk. Você nunca
trouxe nenhuma para jantar. Kate não é qualquer
mulher. Ela é a mulher.
Olho para Jacob em busca de apoio. Mas ele está
apenas balançando a cabeça, o que não ajuda em nada.
— Ela é ótima, — eu digo. — Mas nós estamos... — O
que estamos fazendo? Não estamos falando sobre o
futuro. Não estou nem pensando no futuro. Eu estava? Quer
dizer, eu gosto da Kate e quero que isso continue, mas... não
fico em lugar nenhum por muito tempo. — Estamos apenas
aproveitando as coisas como elas são.
— Encontramos alguns! — Ellie grita. Todos nós
olhamos para as duas vindo da casa.
— O conhaque está no armário de bebidas, — diz
Beau. — Por que demorou tanto?
— Não foi o conhaque que não conseguimos
encontrar. Foram passas.
— Passas de uva? — Eu pergunto.
Ellie coloca um prato branco grande de lasanha na mesa
atrás da fogueira e Kate derrama conhaque nele.
— Vamos lá pessoal. Ou vocês são muito covardes? —
Kate pergunta.
— O que você está fazendo? — Beau pergunta.
Todos nos reunimos em volta da mesa para ver o que
está acontecendo. Kate me entrega uma pequena caixa de
passas. — Ok, espalhe-as. Elas têm que ser espalhadas.
Ela está sorrindo de orelha a orelha e não posso deixar
de me contagiar com seu entusiasmo.
— Isso é uma garrafa inteira de conhaque? — Beau
pergunta.
Salpico as passas na tigela e elas sobem à superfície.
— Ok, agora acenda, — Kate diz para Ellie.
— Vamos colocar fogo na casa? — Zach pergunta.
Ellie acende a tigela de conhaque e as chamas azuis
tremeluzem e cobrem a tigela.
— Agora você tem que escolher uma passa e colocá-la
na boca para apagá-la.
— O que? — Eu pergunto. — Você aprendeu isso em
Cambridge? — Kate dá de ombros.
— Minha avó me ensinou.
— Você só pode estar brincando comigo, — diz
Sutton. — Essas chamas estão quentes.
— Só não bata na tigela por acidente. Na verdade, não
queremos causar um incêndio.
— Não vou colocar minha mão nessa tigela. Já vi
queimaduras por fazer coisas assim, — diz Jacob.
Kat dá de ombros. — Eu vou primeiro. — Sem hesitar,
ela estende a mão para a tigela e pega uma passa, as chamas
lambendo sua mão. Ela puxa rapidamente e coloca na
boca. — Pronto.
Ela olha para mim e sorri, e eu me inclino para dar um
beijo em seus lábios. — Você é... surpreendente.
Ela ri. — Isso é um elogio?
— Absolutamente, — respondo. — Eu adoro te ver
assim. Você está tão feliz.
— Estou sempre feliz. Ou na maioria das vezes, pelo
menos. Especialmente se eu estiver com você.
Não consigo pensar em um elogio melhor. E eu sinto
exatamente o mesmo. Tudo parece certo. Como se Kate se
encaixasse aqui. Como se eu me encaixasse aqui.
— O mesmo aqui. — Eu a beijo novamente, ignorando
intencionalmente as especulações sussurradas e as fofocas
dos meus primos. Tudo o que sei é que estou mais feliz do
que nunca, desde que me lembro. E isso é bom. Eu penso.
A felicidade não pode ser uma coisa ruim. É o que as
pessoas passam a vida perseguindo.
Exceto que nunca o fiz.
TRINTA

Kate
Tentei persuadir Vincent a tirar os sapatos, mas ele não
aceitou. Não vou desperdiçar a oportunidade. Nunca vi o mar
antes, então, enquanto estou aqui, quero saber qual é a
sensação da areia entre os dedos dos pés. É macia, sedosa e
quente do sol. Eu poderia ficar aqui por horas, afundando os
dedos dos pés sob os grãos de areia e conchas de milhões de
anos e depois levantando, observando meus pés parecerem
uma baleia rompendo as ondas. É como mágica.
Olho para trás. Vincent está encostado no quebra-mar,
me observando, seus óculos escuros o fazem parecer mais
legal do que o normal – o que é bem difícil, considerando que
Vincent está no topo da árvore fresca em um dia normal.
— É uma sensação maravilhosa, — eu grito.
Ele se levanta e tira os óculos, apertando os olhos sob a
luz do sol enquanto olha mais atentamente para mim. Então
ele tira os tênis e as meias e vem em minha direção.
Mas ele não para quando chega até mim. Ele pega
minha mão e me puxa em direção às ondas.
— Você mudou de ideia, — eu digo.
— Você nunca caminhou em uma praia antes. — Não é
uma pergunta. Estamos negociando fatos. — Devíamos
remar, — diz ele.
Eu não posso deixar de sorrir. Vincent Cove não me
parece um remador.
— Você rema? — Eu pergunto. — Não consigo imaginá-
lo fazendo muita coisa só por diversão.
Ele levanta as sobrancelhas, me dando um olhar
significativo.
— Você sabe que isso não é verdade.
— Bem, fora a questão do sexo.
— Eu vou remar. Hoje. Por você.
A areia fica mais fria, úmida e dura. Parece que estou
andando em cimento molhado. — Isso é areia movediça?
Estou um pouco preocupada com a maneira como
nossos pés afundam tão rapidamente a cada passo que
damos.
— Apenas areia normal, — diz ele. Ele não parece
preocupado – como se definitivamente não estivesse
preocupado que nossas vidas pudessem estar em perigo a
qualquer momento. Acho que deveria confiar nele. Ele passa
mais tempo nas praias do que eu, não que o banco de areia
seja especialmente alto.
Faço uma pausa e olho para os meus pés. Conchas
jazem como confetes ao nosso redor, pedras pretas e lisas
projetando-se da areia como se pudessem ser animais
adormecidos, cochilando na areia estriada.
— É como se alguém tivesse desenhado isso. — Solto a
mão de Vincent, me curvo e conto as cristas com a ponta do
dedo. Levanto-me e viro, olhando para onde a areia encontra
as ondas e a água encontra o céu. — É como se alguém
tivesse projetado toda essa paisagem para ser completamente
perfeita.
Olho de volta para Vincent, que está olhando para mim
do mesmo jeito que eu olho... para tudo.
— Acho que sim, — diz ele.
— Quem fez? Deus?
— O universo. Natureza. Tempo.
E pensar que quase não vim aqui e vi tudo isso com
meus próprios olhos. Uma coisa é ver as coisas em uma tela,
mas é uma versão barata da realidade do ouro maciço. A
brisa salgada, as pedras escorregadias e molhadas, o grito
das gaivotas lá em cima, tudo acompanhado pela banda
sonora das ondas que inspiram e expiram, constante como o
próprio tempo. Eu precisava estar aqui para que tudo
penetrasse em minha alma.
— Tenho muita sorte de estar aqui. — Estou sempre
grata por estar em Crompton. Não passa um dia sem que eu
considere minha vida lá garantida, mas isso... isso também é
maravilhoso.
Vincent envolve seus braços em volta de mim, nos
conectando da cabeça aos pés. Nós dois olhamos para as
ondas. — Tenho muita sorte de estar aqui. — Ele me beija na
cabeça e então seguimos alguns metros até o início da
água. Estou usando um vestido de verão que vai até os
joelhos, mas Vincent está com a calça jeans enrolada até um
pouco acima do tornozelo.
— Devemos nadar nus? — Eu pergunto.
— Pergunte-me novamente quando sentir a temperatura
gelada.
Eu rio. — Pode ser divertido.
— Vou levá-la ao Mediterrâneo, ou melhor, às Ilhas
Cayman. Então podemos mergulhar nus.
Meu coração gira ao mesmo tempo que meu estômago
revira. O Mediterrâneo? As Ilhas Cayman? Nunca entrei em
um avião antes da viagem de helicóptero outro dia. Suponho
que essa seja a vida de Vincent, sempre viajando de um lugar
para outro. Ele é tão completamente diferente de mim que
não tenho certeza de como acabamos aqui juntos. Mas não
posso me arrepender enquanto durar.
A água não parece muito fria no início. Damos um passo
à frente no momento em que ela está se afastando de nós,
deixando para trás uma fina camada de água que bato com
os dedos dos pés antes que finalmente desapareça também.
— Atenção. — Vincent me puxa para trás quando uma
grande onda se aproxima. Ela quebra alguns metros à nossa
frente, mas a água corre em nossa direção mais rápida e mais
alta do que a anterior. Esta chega até o meio da panturrilha e
é mais fria do que eu esperava.
— Você vai se molhar, — eu digo, sorrindo
vertiginosamente para Vincent.
Ele dá de ombros. — Vale a pena vê-la sorrir assim.
Mantenho seu olhar e sinto a água subindo até meus
joelhos. A calça jeans de Vincent está molhada, mas ele não
parece se importar.
— Cuidado, você vai me fazer desmaiar. — Não vou dizer
isso a ele, mas Vincent tem o hábito quase regular de me
fazer desmaiar. Ele é tão atencioso. Tão gentil. Tão bom.
— É isso, Kate. Há algo em você que me faz querer ser
tudo menos cuidadoso.
Ele se abaixa e pega algo da areia. — Aqui, — diz ele,
entregando-me uma pedra cinza lisa. — Você deveria ter uma
lembrança da sua primeira viagem à praia.
Pego a pedra e olho para a palma da mão. De alguma
forma, suas bordas cinza-escuras foram moldadas em um
coração e fragmentos brancos de quartzo, como raios,
estendem-se através dela, enterrados na pedra como se ela
fosse destinada a ficar apenas por um momento, mas nunca
mais fosse embora. — Você plantou isso aqui? — Eu
pergunto.
— Acabei de encontrar, mas é linda. — Ele olha para
mim, e o peso do significado envolve meus ombros como uma
capa.
Viro-me para ele e fico na ponta dos pés. Ele gentilmente
se curva para que eu possa beijá-lo. As ondas empurram e
puxam abaixo de nós enquanto deslizamos nossos lábios e
línguas em um beijo que parece mais sério, mais importante
do que tudo o que aconteceu antes. Posso sentir o gosto do
mar em sua pele, sentir o sal em seus cabelos. É como se ele
e este lugar fossem um símbolo do mundo fora de Crompton,
de uma vida além daquela que tenho estado tão contente em
viver até agora.
Este homem... o que o trouxe para minha vida? O
universo? Natureza? Tempo?
Seja o que for, estou grata.
TRINTA E UM

Vincent
Correr em Crompton é uma paixão recém-descoberta. E
no calor do verão, o único horário para correr é pela
manhã. Eu estabeleci uma espécie de rotina em que me
levanto com Kate quando ela sai para voltar para sua casa
por volta das cinco. Nesse horário, o ar ainda está fresco, e
fico com o lugar todo só para mim. Não há jardineiros. Não
há turistas. Os jardins de flores fecharão no final da
temporada de verão em duas semanas e não reabrirão até
que sejam transferidos para os limites da propriedade do
hotel.
Mas hoje é a última manhã da minha rotina. Hoje me
mudo porque estão começando as demolições e serão cavadas
as fundações das ampliações. Vou ficar no pub por alguns
dias antes que uma propriedade na vila fique
disponível. Molly organizou tudo. Eu nem vi o novo
lugar. Estou voltando para casa, pensando em onde correrei
amanhã, quando vejo alguém à frente. À medida que me
aproximo, reconheço Basil. Ele acordou cedo.
— Bom dia, Basil.
Ele se levanta de onde estava ajoelhado no chão e tira o
chapéu para mim. — Ouvi dizer que você queria que o
jasmim da frente da casa fosse removido. Pensei em fazer isso
mais cedo para não incomodar as pessoas indo e vindo.
— Isso é muita consideração da sua parte, Basil.
— Opa, — diz ele, avistando uma folha perdida. Ele se
curva e tira o pedaço do cascalho, depois se endireita,
fechando os olhos. — A primeira folha amarela. O outono está
a caminho. Sempre começa aqui perto da casa, — diz. —
Você nunca precisa de um calendário em Crompton,
senhor. Você só precisa prestar atenção ao que o espólio lhe
diz. — Ele assente. — Mas descobrirá isso por si mesmo ao
longo dos anos.
Instintivamente, começo a dizer que não estarei aqui ao
longo dos anos. Eu me paro porque não sei quando vou
embora. Tivemos a permissão de planejamento. Nomeamos o
empreiteiro principal. Michael está trabalhando junto com o
gerente de projeto e liderará os chefes do fluxo de
trabalho. Tudo está funcionando sobre trilhos.
Eu não sou necessário aqui.
Então, o que estou fazendo? Por que estou ficando?
Tudo parece tão confortável.
Ter minha família por perto.
Kate.
Tudo parece bom - bom demais.
Eu gosto daqui. Estou me apegando. Não era isso que
deveria acontecer. Eu não me apego. Por qualquer coisa ou
alguém. Nunca. É assim que minha vida é. É assim que eu
sobrevivo.
— Acho que sim, — respondo e aponto o polegar para a
casa. — Tenho que tomar um banho. Encontro você mais
tarde.
Subo as escadas com pensamentos percorrendo meu
cérebro. Estou ocupado. Mas eu poderia estar ocupado em
qualquer lugar.
Este é o meu investimento, então posso fingir que estou
aqui só para garantir que tudo corra bem. Mas tenho
investimentos em todo o mundo.
O fato é que gosto daqui. Gosto de estar aqui com
Kate. Acordar com ela, jantar com ela, roubar beijos durante
o dia quando ninguém está olhando. Deixá-la nua à noite.
Minha necessidade pela próxima coisa, pelo próximo
projeto, pelo próximo desafio esfriou.
Estou me apegando.
A Crompton.
A minha vida aqui.
A Kate.
A compreensão transforma meu sangue em gelo e meu
coração se esforça para sair do peito. Eu não posso fazer
isso. Não posso me preocupar em perder algo ou
alguém. Jurei para mim mesmo que nunca deixaria isso
acontecer novamente. De novo não.
Chego ao topo da escada e pego meu telefone. Eu faço
uma ligação.
— É tarde, — diz Simon.
Eu o ignoro. — O que está acontecendo com a coisa do
Arizona?
Ele suspira. — Pode estar acontecendo. Talvez não. As
coisas pararam.
— Mas parecia um ótimo investimento.
— Provavelmente será, se algum dia decolar. Você
geralmente não é tão impaciente. Encontrou uma paixão pelo
desenvolvimento imobiliário?
Eu o ignoro novamente. — Ajudaria se eu aparecesse?
— Talvez, — ele diz. — Eu simplesmente não consigo
fazer com que eles se comprometam.
— Posso estar lá amanhã.
Desligo o telefone e vou para o chuveiro. Eu poderia
esperar até que Michael e Molly chegassem, mas perderei
tempo. Se tenho que estar no Arizona amanhã, preciso partir
o mais rápido possível. Vou apenas arrumar algumas coisas,
colocá-las no carro e ir até o aeroporto.
Já passou da hora de avançar para o meu próximo
projeto. Não posso correr o risco de ficar. Ficar e esperar que
tudo seja arrancado. Eu sei que desta vez não haverá tudo-
bem-quando-acaba-bem. Desta vez, isso me quebraria. Eu
preciso continuar me movendo.

TRNTA E DOIS

Kate
A mensagem de Vincent me pedindo para encontrá-lo na
frente da casa foi estranha. Eu o deixei há uma hora e são
apenas seis. O que há de tão urgente?
Meu cabelo ainda está molhado do banho, mas pelo
menos estou vestida, então subo a colina até a casa
principal. Vincent sai pela porta da frente carregando uma
mala.
Onde ele está indo?
Acelero o passo e encontro-o no porta-malas do carro
enquanto ele joga a mala no banco de trás.
— Ei, — eu digo.
— Eu tenho que ir embora, — ele diz, sem me olhar nos
olhos. Ele fecha o porta-malas. — Estou indo para o Arizona.
— Arizona? — Eu pergunto, mas ele não diz nada. Em
vez disso, ele joga uma bolsa no banco de trás e bate a porta.
— Está tudo bem? — Eu pergunto.
Ele se vira e passa as mãos pelos cabelos. — Sim.
Dou um passo em direção a ele e ele dá um passo para
trás. Meu coração começa a bater forte no meu peito.
— Vincent? Qual é o problema? Aconteceu alguma
coisa? Sua mãe está bem?
— Ela está bem. É uma oportunidade de negócio. É por
isso que estou indo embora.
Respiro fundo, mas meu coração não volta ao normal. É
como se soubesse algo que eu não sei. — Então nada sério.
Ele me olha nos olhos pela primeira vez. — É
potencialmente um investimento muito bom.
— Tudo bem, — eu digo. — Isso soa bem. Quando você
estará de volta?
Nunca vi Vincent Cove parecer desconfortável, mas ele
praticamente se contorce com a minha pergunta. Ele olha por
cima do meu ombro, para os portões de Crompton.
A compreensão surge e meu coração cai no estômago.
— Ah, — eu digo. — Você não vai voltar.
— Está tudo preparado aqui, — diz ele, como se fosse
uma explicação perfeitamente razoável.
Eu sabia que isso poderia acontecer. Que ele
partiria. Isso nunca foi uma coisa de longo prazo, mas
entender que está acontecendo. Bem. Agora.
É como se alguém estivesse me rasgando lentamente ao
meio e não sei como vou sobreviver. Tento manter minha
respiração estável.
Levanto a mão até a testa, tentando proteger os olhos do
sol nascendo no céu atrás dele.
— Então você dará o fora, — eu digo, esperando não
revelar quão devastada estou. — Porque nunca fica em lugar
nenhum por muito tempo.
Nós nos encaramos.
Quero que ele diga alguma coisa. Diga que entendi
errado, que ele voltará em alguns dias e... o quê? Viveremos
felizes para sempre? Porque é isso que acontece em
Crompton?
Apesar de saber que é inútil, quero pedir-lhe que
fique. Eu não peço. Fazer isso não seria justo. Isso é o que ele
faz. Eu sei disso desde o início. Preciso deixá-lo ir. Porque é
isso que o fará feliz. E quero que ele seja feliz, mesmo que
isso me deixe triste.
— Certo, — ele diz.
— Certo. Cá estamos nós, — eu digo, meu tom
endurecendo, pressionando para baixo a tristeza que está
ameaçando transbordar.
— É verdade, Kate. Isto não é pessoal. Esta é apenas a
minha vida. Nunca fico no mesmo lugar por muito
tempo. Fiquei em Crompton por mais tempo do que
normalmente o faria. Provavelmente é por sua causa.
Suas palavras me fazem sentir dor e raiva ao mesmo
tempo. — Talvez. — Mas não sou suficiente para fazê-lo
ficar. — Talvez você devesse ter ido embora antes... — Antes
que eu começasse a ansiar por acordar com o braço dele
esticado sobre mim, como se ele não suportasse não me
tocar, mesmo durante o sono. Antes de ele me fazer um
piquenique à beira do lago, como se fizesse qualquer coisa
para me fazer feliz. Antes que ele começasse a parecer parte
da minha vida. Minha felicidade.
Ele concorda. — Talvez.
Talvez se eu não estivesse tão feliz, tão enraizada em
Crompton, se estivesse mais aberta a viajar, as coisas fossem
diferentes. Talvez então ele pudesse imaginar uma vida
comigo. Mas ele está certo em partir. Melhor agora do que
daqui a alguns meses, porque não consigo imaginar como
será a nossa vida juntos. Ele não quer ficar e eu não quero
sair.
Onde isso nos deixa senão separados?
— Você comprou Crompton para ficar mais perto de sua
família, — eu digo. — Você não vai voltar quando visitá-los?
Ele estreita os olhos. — O que você quer dizer?
— A razão pela qual você comprou Crompton, — eu
digo. — Sua família – Carole e John, Jacob, Nathan...
— Sim, eu sei quem é minha família. Não preciso de
desculpa para visitá-los. Comprei Crompton como
investimento.
— Talvez, — eu digo, embora não acredite nele. Por que
outro motivo ele compraria uma casa senhorial entre Londres
e Norfolk? Então, novamente, por que precisaria de uma
desculpa para visitá-los? Eles o amam. Eles não o tratam
como primo e sobrinho. Eles o tratam como um irmão e um
filho.
— O Arizona parece um bom investimento, mas não
creio que isso aconteça a menos que eu esteja lá.
— E você não tem motivo para voltar. — Minha voz falha
na última parte, mas dou de ombros, fingindo que estou
apenas relatando fatos, em vez de sentir pena de mim
mesma. Não quero terminar as coisas com uma nota
ruim. Engulo minha tristeza e respiro. — Foi incrível, Vincent
Cove.
Ele coloca as mãos em meus braços. — Sim.
Sim. Isso é tudo que ele consegue fazer? Sei que ele
gostou do nosso tempo juntos porque sei que Vincent não faz
nada que não queira e passa todas as noites e todo o seu
tempo livre comigo. Ele queria fazer isso.
E agora quer ir embora.
— Sim, — eu digo a ele. — Boa viagem, meu lindo
estranho. — Eu me viro e volto para minha casa. Para o lugar
onde moro há vinte anos e amei a vida inteira. Enquanto eu
estiver aqui, nada poderá me machucar.
TRINTA E TRÊS

Kate
Bato na porta da vovó, minhas lágrimas secam e a
determinação endurece. Ela é a única pessoa que quero ver
agora. Entro e a encontro na mesa da cozinha, tomando
chá. A visão dela me acalma, mesmo que só um pouco.
— Bom dia, minha querida. Estou esperando para ouvir
todas as suas novidades.
Ela acha que vim contar sobre Norfolk. Eu sei que ela
está muito orgulhosa de eu ter conseguido ir.
— Eu me diverti muito. — Eu a beijo na bochecha e vou
até a chaleira. — Posso pegar outro para você? — Ela balança
a cabeça e eu começo a preparar uma xícara para mim. —
Sua tia e seu tio são tão adoráveis. E conheci todos os seus
primos. Eles estão todos muito investidos na vida um do
outro. Eles tratam Vincent como um irmão. E Norfolk. É tão
lindo, vovó. Vi o mar e até remei um pouco.
Seus olhos estão vidrados e ela tira um lenço de papel
da manga e enxuga os olhos. — Lágrimas de felicidade,
minha querida. Lágrimas de felicidade.
— Fiquei um pouco nervosa no helicóptero. É meio
turbulento. Mas, honestamente, quando chegamos lá, eu
realmente não pensei em nada além de como todos eram
adoráveis, em que lugar lindo estávamos e em como Vincent
era atencioso e dedicado. — Faço uma pausa e tento
estabilizar minha respiração. Eu não quero me perder. A vovó
está tão feliz em me ver feliz. Não quero estragar tudo para
ela. — Achei que teria alguma ansiedade ou dificuldade para
dormir ou algo assim, mas fiquei bem. Melhor do que
bem. Eu estava feliz.
— Estou tão orgulhosa de você, minha querida. — Ela
junta as mãos e sorrimos uma para a outra. — Você está
bem? Você parece um pouco... subjugada.
Não posso dizer a ela que ele se foi agora. — Só uma dor
de cabeça, — consigo dizer. Eu tenho que resolver
isso. Encontrar um rosto corajoso e colocá-lo. Afinal, eu sabia
que isso iria acontecer. Ele é apenas o investidor. Continuei
dizendo a todos que ele não ficaria. Eu sabia que ele não
poderia. É só que... ele já existia há tempo suficiente para eu
me acostumar.
— Conte-me mais sobre Norfolk.
Eu não queria falar sobre o passeio de helicóptero. A
fogueira. A caminhada pela praia. Eu não queria me lembrar
de como ele estava tão preocupado com a minha
felicidade. Tão desesperado para me deixar confortável que
emoldurou imagens de Crompton que eu poderia colocar na
minha mesa de cabeceira.
Meu coração balança pesado no peito, como se a
gravidade tivesse ficado mais forte e estivesse consumindo
toda a minha energia só para ficar de pé.
— Tem certeza de que está bem? — Vovó pergunta.
— Sim, apenas uma forte dor de cabeça. E pensei,
precisamos de algumas caixas. Falta apenas um mês para
nos mudarmos. Preciso começar a embalar. — Eu levanto
como se fosse começar imediatamente.
— Você não pode ficar e me contar sobre seu fim de
semana?
Olho para o meu relógio. — Perdi totalmente a noção do
tempo. Mas foi adorável.
— Não parece que você acabou de ter um lindo fim de
semana fora. O que foi? Se você não me contar, vou presumir
o pior.
Eu tenho a pior cara de pôquer.
Ela vai descobrir de qualquer maneira.
— Vovó, você promete guardar um segredo?
— Claro minha querida. Você sabe que pode me contar
qualquer coisa. Você está grávida? Dores de cabeça podem
ser um sinal precoce.
Se fosse só isso.
— Eu não estou grávida, vovó. Vincent foi embora. Foi
para o Arizona. Ele não vai voltar. É um pouco chocante. Isso
é tudo.
Ela pousa a caneca. — O que? Para onde ele foi? Vocês
brigaram?
Eu balanço minha cabeça. Isso teria sido mais fácil. Se
eu o odiasse. Se ele tivesse me magoado.
— Então por quê?
— Porque é isso que ele faz. Sempre soube que ele iria
embora. É que fiquei pensando que seria em algum momento
no futuro. Não hoje.
Eu não deveria ter considerado um dia com ele
garantido. Eu sabia que ele nunca ficaria. Ele até me disse:
onde quer que colocasse o chapéu, era a sua casa. E
qualquer que fosse o motivo, ele colocou o chapéu de volta na
cabeça e decidiu que moraria no Arizona, a oito mil
quilômetros de mim.
— Cada vez que saio de Crompton, algo terrível
acontece, — digo. Talvez tivesse sido melhor se tivéssemos
ficado aqui e não ido para Norfolk. Minha voz está trêmula,
mas pelo menos tenho uma solução. Eu só preciso ficar
aqui. Bem aqui. Não mudar nada. Eu era feliz antes de
Norfolk. Eu tinha uma perspectiva sobre mim e Vincent e
sobre as mudanças que aconteciam na propriedade.
— Querida, você disse que se divertiu muito em
Norfolk. Ir para Norfolk não fez com que Vincent
desaparecesse. Assim como você não causou a morte do vovô
indo para Cambridge. Mas venho lhe dizendo isso há quase
dez anos e acho que você nunca me ouviu.
— Mas o vovô estava preocupado comigo.
— Nós dois estávamos. Mas ele estava velho e doente,
meu amor. Você partir não o matou.
— Mas se eu não tivesse ido embora...
— Ele estava doente. Você é uma mulher muito
inteligente. Você deve saber que sua partida não o matou. E
Vincent não voou para o Arizona porque você saiu da
propriedade e foi para Norfolk. Não é assim que a vida
funciona. Você criou sua própria superstição pessoal e se
enganou fazendo-se acreditar.
Foi isso que eu fiz? Misturei todas essas experiências de
vida terríveis e inventei uma superstição para me dar uma
sensação de controle sobre eventos incontroláveis? Faz
sentido. E acho que sempre soube disso até certo ponto, mas
estar em Crompton realmente me deixa feliz.
— Essa superstição não serve para você, — continuou a
vovó. — Crompton foi um parceiro reconfortante e forte
depois que sua mãe morreu. A vida antes disso tinha sido
desafiadora para você e é totalmente compreensível que
precisasse de um bote salva-vidas nessas
circunstâncias. Mas você está segura agora. Você chegou à
terra firme. O bote salva-vidas sempre estará aqui, mas você
não precisa dele. É hora de explorar. Soltar-se. Há muito para
ver e fazer por aí. Você tem uma vida para viver, minha
querida. Você precisa esticar os braços e espremer cada
grama dela.
Eu respiro estremecendo. A vovó está certa. Em algum
nível, sempre soube a verdade que ela articulou tão
bem. Embora Crompton sempre pareça seguro para mim,
aventurar-me em lugares mais distantes não causa coisas
ruins. Eu sei isso. Eu sei disso. É hora de começar a viver
como eu acredito.
— A partida de Vincent não tem nada a ver com minha
ida para Norfolk. — Parece tão óbvio quando digo as palavras
em voz alta, mas elas liberam algo em mim – algo que está
trancado dentro de mim há muito tempo.

TRINTA E QUATRO

Vincent
Fodido Arizona.
Estou no meu quarto de hotel, olhando para a vista do
campo de golfe e da piscina. As rochas vermelhas à esquerda
estão salpicadas de verde, um forte contraste com o
exuberante campo de golfe esmeralda e a piscina azul-
petróleo. O sol bate em tudo.
Está fresco.
É novo.
É lindo.
É bom estar na estrada novamente. Estou mais do que
pronto para novos pores do sol, novas vistas das janelas do
meu quarto e novas oportunidades.
Devo me encontrar com Simon no restaurante com vista
para o campo de golfe ao meio-dia para discutir meu
investimento em uma vila para aposentados.
Pego o telefone para o serviço de quarto. Normalmente
minha primeira bebida em um novo quarto de hotel é uma
cerveja de gengibre, mas hoje quero variar.
— Posso pedir um chá gelado? — Eu pergunto.
— Certamente senhor. Vou enviar para você
imediatamente.
Eu exalo. Sim, é aqui que eu deveria estar. Eu me sinto
bem. Fiz meu trabalho em Crompton. Não precisava passar
tanto tempo lá, mas teria que voltar para o jantar de
aniversário de John e Carole de qualquer maneira. Fazia
sentido partir depois disso.
A conversa com Kate foi difícil. Mas ela sabia que
Crompton não era minha casa. Ela pertence a esse lugar, não
eu. Vou para o chuveiro, não querendo pensar no fato de que
fui um idiota por levá-la para Norfolk e depois partir.
Sempre gosto de uma bebida gelada e um banho para
me instalar em um novo lugar.
A campainha da minha suíte toca no momento em que
coloco uma toalha na cintura. Pego uma pequena toalha no
corrimão e esfrego-a no cabelo no caminho para chegar à
porta.
— Bom dia senhor. Eu trouxe sua bebida. — O garçom
atravessa a sala e coloca a bebida em um porta-copos sobre a
mesa ao lado do sofá.
Assim que vi o chá gelado, quero uma cerveja de
gengibre. Caramba, quando me tornei uma criatura de
hábitos? Kate observou meus hábitos e meu amor pela
rotina, mas acho que nunca pensei muito nisso.
— Vocês tomam cerveja de gengibre? — Eu pergunto.
— Seu assistente ligou antes, Sr. Cove. Sua geladeira
está totalmente abastecida com sua marca favorita. Você
gostaria que eu lhe servisse um copo?
— Tudo bem, eu posso fazer isso. — Dou uma gorjeta ao
cara e o deixo sair.
Por que pedi um chá gelado quando o que quero é uma
cerveja de gengibre?
Pego meu telefone novamente e mando uma mensagem
para Jacob dizendo que tive que deixar o Reino Unido
inesperadamente. Kate pareceu se dar bem com Sutton e
Ellie. Talvez uma delas ligue para Kate e verifique como ela
está. Não que ela vá ficar arrasada com a minha partida ou
algo assim. Não é como se estivéssemos...
Pego o copo de chá gelado e tomo um gole. Não. Eu
definitivamente quero uma cerveja de gengibre.
Porra.
Vou até a geladeira e pego uma garrafa, abrindo-a com
mais força do que o necessário. Bebo o primeiro gole direto da
garrafa. Sim. Isso é o que eu quero. Um banho e uma cerveja
de gengibre, como sempre.

Simon já estava sentado quando cheguei ao


restaurante.
— Você já pediu? — Eu pergunto.
— Não. Estava esperando por você.
— O que há de bom aqui? — Eu examino o menu.
— Nenhuma ideia. Nunca comi aqui.
Pedimos uma quesadilla para mim e tacos para ele.
— Então, quando veremos o terreno? — Eu pergunto.
— Bem, eu não esperava que você chegasse aqui tão
rápido, então ainda estou tentando organizar isso.
— Mas está à venda. Oficialmente.
— Como eu disse ao telefone, eles não conseguem
decidir o preço e aparentemente um acionista está
protelando. Espero que possamos ver esta semana em algum
momento.
— Então, é bom que eu esteja aqui. Eu posso ver isso
com você.
— Certo, — ele responde, seu tom incerto. — Quero
levar um agrimensor conosco. Obviamente, teremos que fazer
alguns testes de solo. Não saberemos até então quão fácil
será a construção.
— Ótimo, — eu digo. — E então poderemos nos mover
muito rapidamente porque eu terei visto. Você fez a análise
do preço de espera em comparação com o empreendimento?
— Fiz. Terminei esta manhã e é por isso que não enviei
para você por e-mail. Posso enviar agora. — Ele pega seu
telefone.
— Funciona?
Ele dá de ombros. — É limítrofe. E você corre o risco de
um dos grandes jogadores se estabelecer ao lado. Como eu
disse, não está claro quem comprou aquele terreno. Mas se
for uma marca grande, não conseguiremos licença para outra
operação. Teríamos que vender. Ou mudar completamente de
faixa.
— Certo, — eu digo. Eu me lembro dele me falando
sobre esse risco. Devo ter colocado isso no fundo da minha
mente. — Envie-me o que você tem sobre os proprietários do
terreno ao lado, e pedirei à minha equipe para fazer algumas
pesquisas. O que você sabe sobre outros concorrentes para o
lote em que estamos interessados?
— Não muito, — diz ele. — Comecei a verificar, mas ao
mesmo tempo não quero chamar a atenção para o fato de que
está chegando ao mercado. Não queremos acabar numa
guerra de licitações antes mesmo de sabermos o preço.
— Ninguém gosta de uma guerra de lances.
— Honestamente, Vincent, você poderia ter poupado a
viagem. Até conseguirmos a visita inicial ao local, não há
nada que possamos fazer. Antes disso, o mais importante é
descobrir quem comprou o terreno vizinho.
Achei que vir aqui fosse urgente. Ou eu só queria
acreditar que sim? Eu não queria perder uma oportunidade,
o que era muito possível quando minha cabeça estava cheia
de Crompton... e Kate.
— Eu estava passando, — eu digo. É mentira, mas ele
não precisa saber que preciso arrancar algumas raízes que
estavam cavando sem eu perceber. — Vou ficar por aqui
alguns dias, ver se consigo descobrir alguma coisa sobre
quem é o dono do terreno ao lado. E também tenho algumas
outras coisas para resolver no estado. Tenho um
investimento numa fábrica de semicondutores em Tucson. Eu
poderia passar por lá e conversar com um dos sócios.
— É sempre bom matar mais de um pássaro com uma
pedra, — diz ele. Certo. Exceto que não há pássaros no
Arizona.
Fiquei assustado. E fugi.
Eu não vi isso até agora. Crompton me irritou e apertei o
botão de ejeção de emergência antes que pudesse entender
bem o porquê.
Eu sou um idiota.
Percebo que o silêncio durou muito tempo. Simon está
olhando para mim como se eu estivesse usando uma
maquiagem de palhaço no rosto.
— E... ah... então tem o golfe, — eu digo. Simon ri.
Como se algum dia eu viesse ao Arizona - ou fosse a
qualquer lugar - para jogar golfe. Só estou tentando salvar a
aparência. Olho para o meu telefone e vejo que Jacob
respondeu.
Como está Kate?
Apenas a visão do nome dela cria uma onda de calor no
meu peito. Partir foi... talvez não fácil, mas familiar. Estou na
estrada novamente e é na estrada que me sinto
confortável. Voar de cidade em cidade é quando me sinto
mais como eu. Já sou assim há muito tempo e isso me
convém muito bem. Ou... convinha.
Quando Simon vai ao banheiro, respondo a Jacob.
Você pode pedir a Sutton para ver como ela está? Eu
digito.
Eu sou um idiota. Esperava partir sem um
arranhão. Não fizemos promessas um ao outro. Nenhum de
nós esperava um feliz para sempre. Então por que me sinto
tão mal?
Abro o Instagram e dou uma olhada na página de
Crompton. Kate não postou mais nenhuma foto desde que
saí. A última era uma vista para o lago. A mesma visão que
tivemos quando nos sentamos juntos no primeiro encontro e
novamente no dia seguinte.
Quero entrar em contato, comentar e dizer que sinto
falta dela, mas não quero piorar as coisas. Não quero que ela
pense que sou capaz de voltar e ficar para sempre.
Porque eu não sou.
A dor quente e lancinante no meu peito não diminui. É
como se meu corpo a quisesse, mesmo que minha mente
saiba que é impossível.
Ela merece ficar em Crompton porque é isso que a fará
feliz.
Ela merece um homem que possa lhe prometer para
sempre.
Ela merece mais do que eu.

TRINTA E CINCO

Kate
Nos últimos dois dias, a equipe de Crompton assistiu
com entusiasmo à montagem de uma tenda gigantesca do
outro lado da casa, longe dos jardins que ainda estão abertos
ao público por mais algum tempo. Houve muita especulação
sobre o que poderia ser, mas quando o piso e o ar-
condicionado, juntamente com mesas e cadeiras de
conferência foram transportados para lá, ficou claro que a
tenda seria algo oficial e não divertido. É basicamente um
escritório enorme. Quando passei por aqui esta manhã,
Michael estava grudado em seu laptop. É o novo escritório
agora que começaram as obras de construção da antiga casa.
Desde que Vincent mudou o papel de Michael para se
concentrar em Crompton, ele não precisa mais de uma
assistente. O que é bom, porque o treinamento para a função
de Gerente de Relacionamento está prestes a começar.
Michael está tomando as decisões. Vincent se foi. Estou
de volta à casa de chá e retomei alguns turnos no Golden
Hare.
É quase como se Vincent nunca tivesse estado aqui.
— Você está pronta? — Pergunto a Meghan, que está
sentada ao meu lado em uma das cadeiras da cozinha que
colocamos do lado de fora da minha porta para que
pudéssemos observar as idas e vindas dos construtores e dos
caminhões de entrega, e um poodle miniatura que parece veio
do nada.
— O conde não aprovaria o cachorro.
Eu rio. — Não, ele não iria. Mas é tão fofo. Deve
pertencer a um dos construtores.
— Você acha que Sacha está se rebelando e é dela?
— Não. Embora eu espere que ela consiga um quando se
mudar para sua nova casa.
— Ontem fui às novas casas com alguns dos outros dos
chalés. — Meghan não mora na propriedade, mas na aldeia.
Isso me pega de surpresa.
— Você foi? Como foi?
— Bom. Estou pensando em alugar uma.
Meu coração dispara no peito.
— Isso seria incrível. Poderíamos ser vizinhas.
—Isso me tiraria da situação horrível em que estou no
momento por causa da cooperativa. E se eu conseguir um
emprego de tempo integral no hotel, posso até desistir do
pub. — Ela está sorrindo enquanto fala e está claramente
animada.
— Vai demorar um pouco até que o hotel abra
corretamente, — eu digo. — Mas eles podem nos contar mais
na reunião. — Não tenho ideia se as coisas estão ou não
dentro do cronograma.
Ontem à noite toda a equipe recebeu um e-mail de
Michael nos pedindo para irmos a uma reunião na tenda para
conhecer o novo gerente geral do hotel. A maior parte da
equipe atual da Crompton ainda não foi procurada para
empregos. Somos só eu, Basil e os outros chefes de
departamento vindos de outros lugares - pessoas que se
mudarão para cá nos próximos meses. O restante do quadro
aguarda a lista de vagas e datas de abertura.
— Devemos ir? — ela diz. — Podemos conseguir bons
lugares.
Levamos minhas cadeiras da cozinha de volta para
dentro e eu tranco minha casa. Bato na janela da vovó
enquanto passamos e aceno para ela. A vovó vai trabalhar
como voluntária nos novos jardins de flores, mas não aceita
emprego no hotel. Não tenho coragem de dizer a ela que
Vincent pode mudar de ideia sobre os novos jardins, agora
que não está aqui. Não que eu achasse que ele tivesse dito
sim por mim. Mas com Crompton fora de vista, ele poderá
priorizar outros projetos.
— Você teve notícias dele? — Ela pergunta enquanto
subimos a encosta até a frente da casa.
Hesito, porque recebi um comentário na foto do lago no
Instagram. Tenho certeza de que foi ele. — Não, — eu digo
finalmente. Se ele comentou, não significa nada. Se ele quiser
se comunicar comigo, tem meu número.
Ele não vai usá-lo, é claro. Seu chapéu está em outro
lugar agora. Eu só tenho que me acostumar com isso.
— Eu me sinto bem. — É apenas meia mentira. Sinto
falta dele. Não é um sentimento com o qual estou
acostumada. Todas as pessoas de quem gosto no mundo, vejo
o tempo todo. Sentir falta dele parece uma pedra gelada,
pesando no meu estômago.
Acho que isso nunca vai me deixar. Acho que uma parte
de Vincent Cove ficará comigo para sempre. E apesar de ser
desconfortável, a falta dele – é melhor do que não estar lá. Eu
não vou desejar que isso desapareça. Conhecer Vincent e
passar aquelas semanas juntos foram alguns dos momentos
mais felizes da minha vida. É doloroso agora, mas estou
muito feliz por ter passado esse tempo com ele.
— Você acha que ele vai voltar?
Não acho, mas não quero que Meghan pense que
Vincent perdeu o interesse em Crompton como negócio. Ele
sabe como ganhar dinheiro sem precisar supervisionar as
coisas pessoalmente. — Imagino que sim.
— Você está nervosa com seu novo emprego? — Ela
pergunta.
— Estou animada. — É verdade. Mal posso esperar para
contar aos hóspedes tudo sobre Crompton e deixá-los tão
entusiasmados com o lugar quanto eu.
— Sei que ainda não tenho trabalho definido, mas
também estou animada. Parece que isso pode ser algo
realmente ótimo.
— Concordo. — Aceno para Sandra, que vem da outra
direção. — E o melhor de tudo é que posso trabalhar com
pessoas fantásticas que conheço, amo e estimo.
Meghan passa o braço pelo meu e encontramos Sandra
na tenda. — Chegamos todas adiantadas, — diz Sandra. —
Eu quero um assento na frente para poder dizer a este
gerente geral que quero um emprego servindo chá.
— Você vai ser a caixa de chá do hotel, não é?
Ela revira os olhos. — Earl Grey2, não fofoca.
Todas nós passamos pela porta da tenda.
— Na minha época, se uma barraca tivesse zíper, você
era chique. Agora olhe para este lugar. Tem luzes e tudo
mais, — diz Sandra.
Eu rio. — Este não é o tipo de barraca com a qual você
passa uma semana de verão na praia. Embora tenha ar-
condicionado, é o único tipo de barraca que eu gostaria para
esse tipo de viagem. — Penso em Vincent e me pergunto se
ele já acampou. Talvez antes de seu pai o abandonar. A vida
dele teria sido completamente diferente antes de ele partir –
quase exatamente o oposto da minha antes da morte de

2Earl Grey é uma mistura de chá e aditivos que foi aromatizada com a adição de óleo
essencial de bergamota.
minha mãe. Gostaria que tivéssemos tido a oportunidade de
conversar mais, compartilhar mais, curar mais – juntos.
Assim que nos sentamos na primeira fila, Michael chega
com Molly e uma mulher que reconheço pela foto de seu perfil
no LinkedIn. Sem pensar, pulo de pé. — Olga, que prazer
conhecê-la. Meu nome é Kate. Estou ansiosa para ser sua
chefe de relações com hóspedes.
Olga me dá um sorriso caloroso e aperta minha mão. —
Eu ouvi muito sobre você. Você poderá me ensinar muito
sobre esse lugar maravilhoso.
— Estou ansiosa para isso. Estamos todos muito
entusiasmados por você estar aqui. — Eu a apresento a
Sandra e Meghan. Enquanto elas conversam animadamente
com Olga, observo pessoas que me conhecem há toda a vida
entrando na tenda. Há uma sensação palpável de excitação
no ar e estou contribuindo para isso.
Não estou mais furiosa porque o conde vendeu o
lugar. Ele provavelmente deveria ter feito isso há dez
anos. Não estou nervosa que meu mundo vai virar de cabeça
para baixo, porque isso já aconteceu quando Vincent entrou
na minha vida. Embora eu tenha um coração gravemente
ferido, há marcas de dedos em volta da minha alma – estar
com ele me mudou profundamente.
Eu já existia antes de Vincent. Ele me trouxe à vida.
— Testando, testando, — diz Michael ao microfone na
frente da tenda.
— Um maldito microfone também, — diz Sandra. —
Você acredita nisso? — Qualquer um pensaria que uma nave
alienígena acabou de pousar na nossa frente.
— Sandra, você não tem trezentos anos, — eu digo. —
Você já viu um microfone antes.
— Não em uma barraca, não, — ela responde.
— Bem, aqui está sua nova experiência do dia, — eu
digo. — Acho que haverá muito mais por vir, então aperte o
cinto.
Assim que todos chegam, Michael fala um pouco sobre
os horários de inauguração do hotel. Ele não tem dúvidas de
que abrirão conforme programado, daqui a nove meses. Ele
nos mostra imagens de como será o interior e o exterior do
hotel, que já vi, e fala muito sobre como o aspecto luxuoso do
hotel começa na aparência, mas se concretiza no serviço. Em
seguida, ele apresenta Olga, que fala sobre as vagas que
estarão disponíveis. A equipe de relações com convidados terá
seis membros, inclusive eu. Depois ela fala sobre horários de
treinamento.
— Michael está certo ao afirmar que o serviço que os
hóspedes recebem em nosso hotel irá diferenciá-lo de outros
hotéis concorrentes e também garantirá o Santo Graal dos
hoteleiros – clientes fiéis. Se impressionarmos as pessoas,
elas voltarão. Se voltarem, o hotel terá sucesso, e o sucesso
alimenta o sucesso.
Ela fala sobre como o hotel será uma bênção para as
empresas locais e cidades vizinhas. Posso sentir a excitação
crepitando no ar quando as pessoas percebem que temos a
chance de fazer algo espetacular no hotel. Tal como uma
pedra atirada para o centro de um lago, o nosso sucesso
poderá ter um efeito cascata que vai muito além da
propriedade.
— O fundamental é a consistência, — continua Olga. —
Isso significa que o serviço que nossos hóspedes recebem da
equipe de relações com os hóspedes é tão experiente e
sofisticado quanto o da nossa equipe de limpeza, dos
mordomos, das equipes do restaurante, dos jardineiros, das
equipes de manutenção. Não pode haver elos
fracos. Precisamos fornecer um serviço excepcional, qualquer
que seja a função que desempenhamos no hotel.
Ela faz uma pausa e parte de mim pensa que ela está
prestes a apresentar Vincent. Ele falará sobre todos os hotéis
incríveis em que se hospedou, talvez compartilhe anedotas
sobre interações que ficaram gravadas em sua memória. Mas
assim que meu coração começa a acelerar, Olga continua.
— Já falei com vocês sobre como os chefes de
departamento – alguns dos quais estão aqui hoje –
acompanharão as pessoas que realizam seus trabalhos em
outros hotéis de luxo. Eles trarão esse conhecimento de volta
para você, de volta para nós, e todos nós poderemos nos
beneficiar. Mas a primeira coisa que precisamos fazer
é entender o luxo. Precisamos ver um serviço excepcional e
saber como é antes de podermos fornecê-lo. Por esse motivo,
os chefes de departamento irão a Londres na próxima
semana para pernoitar no Four Seasons em Park Lane.
Paro de respirar.
Nunca estive em Londres antes.
Norfolk é tão longe da propriedade quanto estive desde
que me mudei para cá. E embora Londres esteja
aproximadamente à mesma distância, esta será uma
experiência muito diferente.
Não sei se posso ir.
— O Four Seasons é conhecido por seu serviço
excepcional em todo o mundo. E os chefes de departamento
poderão ver e experimentar por si próprios. Quero que vocês
aprendam com isso, tenham ideias e fiquem entusiasmados
com isso. Então quero que vocês voltem e compartilhem com
suas equipes.
Este é um requisito de trabalho – o primeiro da minha
nova função. Se eu quiser ficar em Crompton e ser chefe de
relações com hóspedes, é isso que tenho que fazer.
Há três meses, se você tivesse me dito que eu deixaria
Crompton para ir para Norfolk, eu teria dito que seria
impossível. Talvez uma viagem a Londres com os outros
chefes de departamento – a maioria dos quais conheço desde
sempre – não seja tão impossível. Agora não. Não desde que
Vincent me mostrou do que sou capaz. Não desde que
descobri o quão forte realmente sou.

TRINTA E SEIS

Kate
Na última semana, tentei agir como se tudo estivesse
bem.
Mas não está bem.
Vincent se foi.
Ele não ligou para dizer que mudou de ideia. Ele não
apareceu no meio da noite com um buquê de rosas e mil
desculpas. Nem realizou nenhuma das outras fantasias que
passaram pela minha mente em momentos de silêncio. Meu
coração ainda dói, ainda parece pesado no peito. Todo o meu
corpo está oprimido pela tristeza porque um homem tão
brilhante não está mais em minha vida.
Mas continuo colocando um pé na frente do outro,
esperando que o bálsamo da consistência de Crompton me
cure.
A ligação de ontem de Sutton foi um choque. O fato de
ela querer passar por aqui hoje era ainda mais
importante. Olho para cima quando a campainha da porta da
casa de chá toca, mas é Viola. Ela sempre visita os jardins
aos domingos. Não costumo trabalhar aos domingos, mas a
conheci quando fiz cobertura para Sandra.
A campainha toca novamente e desta vez é
Sutton. Estou um pouco nervosa. Não fiz novos amigos desde
que abandonei a universidade, mas gosto dessa mulher. Dou-
lhe um pequeno sorriso quando ela se aproxima da mesa e
me envolve em um abraço. O puxão na minha garganta me
pega desprevenida. Sutton é apenas mais uma prova do que
estou perdendo sem Vincent em minha vida.
Trocamos cumprimentos, pedimos bebidas e depois
voltamos para a nossa mesa. Assim que nos sentamos,
Sutton pega meu braço.
— Como vai você?
Ela sabe que ele se foi.
— Estou bem, — digo, mas a falha na minha voz me
denuncia. — Eu sempre soube que ele não ficaria por muito
tempo.
Ela suspira. — Achei que ele poderia ter mudado de
ideia. Vê-lo com você foi tão... revigorante. Nunca vi esse lado
doce de Vincent. Não me interprete mal, ele é simpático e
otimista, mas foi muito atencioso e preocupado com a sua
felicidade. Foi adorável.
Eu tenho que respirar fundo. Não quero me perder na
frente das pessoas.
— Ele é adorável, — consigo dizer.
— Você teve notícias dele? — Ela pergunta.
Balanço a cabeça, baixando o olhar para o chá.
— Eu não esperava. Como vai você? — Eu pergunto.
— Jacob disse que ele vai mudar de ideia, — diz ela,
ignorando minha pergunta.
— Não, — respondo, encontrando seus olhos. — Não
faça isso. Não me dê esperança quando sei que não há
nenhuma. Eu entendo que... as coisas que aconteceram
quando ele era criança... isso o feriu. Entendo. Eu entendo
muito bem. — Deixei escapar uma risada superficial. — Que
irônico que Vincent realmente tenha me ajudado a curar
algumas das minhas feridas. — Eu engulo, piscando para
conter as lágrimas. — Sempre serei grata a ele por isso.
Sutton pega meu braço. — Você quer dizer levá-la para
Norfolk?
— Sim, esse foi um ótimo exemplo. Mas apenas estar
com ele mudou as coisas. Sinto falta dele. — Minha voz falha
novamente e faço uma pausa. — Sempre sentirei falta
dele. Eu só tenho que me acostumar com isso. Mas agora
acredito que o futuro pode ser mais brilhante. Não tenho
mais medo de que as coisas mudem e mudem tanto.
— Você já pensou em entrar em contato? — Ela
pergunta.
Pego minha xícara e tomo um gole de chá verde. — Não,
— eu digo. — Não porque não queira ouvir sua linda voz ou
saber sobre seu dia, mas porque não sou o que ele quer. É
melhor que ele seja livre para perseguir algo que fará por ele
o que ele fez por mim: curá-lo.
— Você pode ser essa pessoa, — diz Sutton. Mas eu sei
que não sou.
Ela deve ver a expressão no meu rosto porque levanta
um dedo para me impedir de dizer qualquer coisa em
contrário.
— Apenas me escute. Eu tenho uma teoria. Vincent
parece ter fobia de compromisso. Nós duas sabemos que isso
vem desde a infância. Mas acho que ele está desesperado
para não se importar com ninguém, caso o
abandonem. Assim como o pai dele fez.
Deixo as palavras dela serem absorvidas.
— Sim, isso faz sentido, — digo. Meu coração começa a
acelerar, do trote ao galope. — Mas isso não muda nada.
— A menos que ele precise de algum tipo de garantia
que você não o abandonará.
Meu coração dispara em um galope. — Garantia. Como
uma garantia? Ou uma promessa ou algo assim? Como isso
funcionaria? Até os casamentos podem terminar em
divórcio. Não há garantias na vida.
Seus ombros desmoronam e ela suspira. — Eu sei. Não
sei como você poderia convencê-lo de que não o decepcionará.
É isso que Vincent precisa de
mim? Compromisso? Sempre pareceu que ele queria
exatamente o oposto: sua liberdade para vagar. Mas talvez o
que ele realmente anseie seja conforto e segurança.
— Ele me deixou antes que eu pudesse abandoná-lo. —
Digo isso em voz alta no instante em que a compreensão
surge.
— Eu penso que sim. — Sutton não precisa confirmar
isso. Tudo se encaixa no lugar.
Minha mente corre através de possibilidades. Não sei
como vou convencê-lo de que não vou a lugar nenhum, mas
pela primeira vez desde que ele partiu, a esperança floresce
em meu peito.

TRINTA E SETE

Vincent
Chego cedo para almoçar com Jacob e Beau. Voei de
Tucson para Londres durante a noite e, apesar do banho, a
névoa dos olhos vermelhos não me abandonou. Se eu tivesse
ficado no hotel, teria adormecido.
Meu telefone vibra com a chegada de um e-mail. É o
plano de treino da Olga, endereçado a Michael. Estou apenas
recebendo cópias e normalmente não me daria ao trabalho de
abri-lo, mas há todas as chances de este e-mail conter
alguma pista sobre como Kate está. Aceitarei qualquer notícia
que puder obter.
Abro o documento e procuro o nome dela. Nada
aparece. Depois digitalizo o documento para os chefes de
departamento. Encontro seu novo título em uma seção do e-
mail sobre Experiência de Serviço, que estabelece o plano
para os chefes de departamento viajarem para Londres e se
hospedarem no Four Seasons – o hotel em que estou
hospedado atualmente – amanhã à noite.
Kate e eu estaremos no mesmo hotel ao mesmo tempo.
A adrenalina surge em minhas veias e então meu
estômago embrulha. Como ela vai lidar com a vinda para
Londres? Ela estará longe de Crompton e não terá como
voltar rapidamente se descobrir que não consegue. Uma
mistura de medo e proteção cresce em mim. Não sirvo para
ela, mas isso não significa que deixei de me importar com ela.
Preciso fazer algo para ajudar.
Antes que eu possa agir, Jacob chega. — Ei, você está
horrível, — diz ele. — Você está envelhecendo, não consegue
lidar com esses olhos vermelhos como antes.
Eu nem me preocupo em ficar de pé. Não foi só o voo
que me cansou. Não tenho dormido. Não corretamente. Não
desde que deixei o Reino Unido.
— Que bom te ver também, — eu digo. — Onde está
Beau?
Jacob inclina a cabeça na direção da porta. Olho ao
redor do restaurante e o vejo conversando com uma
garçonete. Claro que ele está. Ele nunca conheceu uma
mulher de quem não gostasse.
— Como foi o Arizona? — Jacob pergunta.
— Uma merda, — eu respondo.
— Não é a resposta que eu esperava. Mas não estou
surpreso. Sem dúvida você começou a se divertir muito com
Kate, decidiu que estava se apegando e se separou. Agora se
arrependeu?
Passo a mão pelo cabelo. — Jesus, já estamos fazendo
aquela coisa difícil de amor? Eu nem pedi uma bebida ainda.
Justo nesse momento, a garçonete se aproxima. Antes
que eu possa dizer qualquer coisa, Jacob pede três
margaritas.
— Margaritas? Vamos beber durante o dia?
— É meu dia de folga. O de Beau também. E parece que
você precisa de uma bebida ou de uma boa noite de sono. Dei
uma olhada no cardápio e dessas duas coisas, só tem
bebidas.
Beau finalmente chega à mesa e me dá um tapa nas
costas antes de se sentar.
— Você parece uma merda. Alguém quer uma cerveja?
— Jacob acabou de pedir margaritas para nós.
Beau ri. — Feliz por seguir esse fluxo.
— Eu estava dizendo a Vincent que ele é um idiota, —
diz Jacob.
— Apenas de forma geral ou por um motivo específico?
— Beau pergunta.
— Porque ele terminou com Kate.
— Ela era ótima, — diz Beau. — Quente. Então ela está
solteira agora?
— Não seja um idiota, — eu digo.
— Ele está brincando, — Jacob diz. — Mas algum outro
cara não estará. Ela é linda, engraçada, inteligente e...
— Eu não estava brincando, — Beau responde, mas está
sorrindo. Ele está brincando, mas isso não ajuda a afastar a
lama de pavor em minhas entranhas ao pensar em outra
pessoa com Kate. — Você não deveria ter tanta fobia de
compromisso.
Ele não precisa me dizer. Mas saber disso e fazer algo a
respeito são duas coisas diferentes. — Kate está melhor sem
mim...
— Ele não tem fobia de compromissos, — diz Jacob,
interrompendo.
Beau começa a rir assim que nossa garçonete reaparece
com nossas bebidas. Rapidamente fazemos pedidos para o
almoço e então Beau levanta o copo.
— Aos irmãos Cove.
Os cabelos da minha nuca se arrepiam.
— Vamos, irmão, — diz Beau, e apesar da minha
frustração e confusão sobre como o almoço começou, sorrio
com o título.
Todos batemos nossos copos e tomamos um gole.
— De volta à sua piada. — Beau acena para Jacob. —
Sobre como Vincent não tem fobia de compromisso.
Jacob dá de ombros. — Eu não acho que ele tenha. Ele
é uma criatura de compromisso. Está totalmente
comprometido com nossa família. Está sempre por perto se
precisarmos dele. Ele se compromete com os negócios em que
investe, e você trabalha com a maior parte da sua equipe há
uma década, não é?
— Claro. Mas isso é... diferente.
— Eu não acho. Não é o compromisso que te faz fugir. É
medo. Algumas coisas você tem medo e algumas coisas com
as quais você está bem. E pelo que posso ver, remonta à
época em que seu pai foi embora. Você foi forçado a deixar
um lar onde era feliz e agora está com medo de se apegar
novamente. Você simplesmente não quer se comprometer a
morar em um lugar porque tem medo de que ele seja levado
embora - o que eu não entendo. Quero dizer, você poderia
comprar a maioria das casas na América ou no Reino Unido
em dinheiro e adquiri-las imediatamente. Suas empresas
também não podem forçá-lo a sair. Você tem o controle aí. A
mesma coisa com sua equipe. Seu problema não é o
compromisso – é o medo de que aquilo com que você se
comprometeu seja de alguma forma tirado.
O pavor desliza pelo meu peito e envolve minhas
costelas. Desisti da Kate porque sou um idiota. Não tenho
certeza se precisava disso confirmado, mas ouvir isso não é
bom.
— Talvez você esteja certo. Mas conhecer o problema
não o resolve.
— Ele está certo, — diz Beau. — Mas acho que você
sabe disso. O que você não percebe é que isso é
besteira. Como Jacob disse, você está completamente
comprometido com todo tipo de coisa. Nós – sua família. Seus
negócios. Aposto na sua cabeça que você diz a si mesmo que
não se comprometeu com a universidade. Mas você só
desistiu porque estava ganhando muito dinheiro fazendo
outras coisas. Por que desejaria ser médico?
Eu não digo a ele o motivo. Não digo, porque queria ser
aceito por John e Carole como um de seus filhos. Parece muito
brega, patético ou ridículo. Grife isso.
— Você também sempre pede cerveja de gengibre como
primeira bebida depois de sair do avião, — diz Jacob. — E
você usa o mesmo tipo de cueca desde que estava em
Cambridge.
— É estranho como você sabe disso, — eu digo.
— Você se comprometeu com a Calvin Klein, — diz
Beau. — Só não com uma mulher bonita, engraçada e leal.
Eu gemo com a comparação. — Não diga isso.
— É normal não querer se machucar, — diz Jacob. —
Mas se você nunca correr o risco, terá que fazer o
sacrifício. Você está preparado para correr o risco com Kate
ou vai se contentar como um solitário miserável?
— É um ou outro, hein?
— Parece certo, — diz Beau.
— E se ela me deixar?
— Então isso vai quebrá-lo, — diz Jacob. — Mas cara,
você já está quebrado sem ela. E sabe disso.
“Quebrado” é uma boa palavra para definir como me
sinto. Não tive uma boa noite de sono desde que saí de
Crompton; nem tenho conseguido me concentrar. Até a
comida não tem o mesmo sabor.
— Mas você sabia com Sutton que ela era... isso para
você, certo? Que você queria se casar com ela e ficar com ela
para sempre.
Jacob assente. — Absolutamente. E acho que você sabe
disso sobre Kate.
Eu sei?
— É por isso que você voltou a Londres tão
rapidamente. Você nem voltou para Nova York, não é? —
Beau pergunta.
Considero a pergunta retórica. — Eu nunca pensei duas
vezes em uma mulher depois que nosso tempo juntos
terminou, mesmo que isso me torne um bastardo. Kate...
bem, é diferente. Eu sinto falta dela. Sinto falta do
entusiasmo e do otimismo dela e de como um sorriso dela
vale cada milhão que ganhei. E quando penso no futuro, a
ideia de ela não fazer parte dele me enche de uma sensação
de pavor. Como se eu tivesse falhado.
— Então você sabe, — diz Beau. — Porque se eu
sentisse isso por uma mulher, eu me casaria com ela.
Meu coração se fechou em punho e está batendo na
parede torácica, bum, bum, bum.
Casar com ela?
— Não se casar com ela, — diz Jacob. — Amá-
la. Aproveitá-la. Valorizá-la e alimentá-la.
— Ela não vai querer se casar com um homem como eu,
— digo. — Eu viajo o tempo todo. Mesmo que eu comprasse
uma casa e tivesse uma base, ainda precisaria viajar. Ela não
gosta de sair de Crompton.
— Não dê desculpas idiotas, — diz Beau. — Você
encontrará uma maneira se valer a pena.
— Quando você se tornou tão romântico? — Jacob
pergunta.
— Apenas dizendo como vejo, — Beau responde.
É realmente assim tão simples? Correr o risco e
encontrar um caminho? É assim que sempre abordo os
negócios, mas Kate é mais importante do que qualquer coisa
na minha vida profissional. Jacob falou sobre risco e
recompensa, o que levanta a questão: o que estou disposto a
arriscar por Kate? E depois da maneira como estraguei tudo,
será suficiente?

TRINTA E OITO

Kate
Olá Olga, acho que estou com uma intoxicação
alimentar. Estou vomitando. Não poderei viajar com o resto
dos chefes de departamento hoje. Eu realmente sinto
muito. Sem mais, Kate.
Aperto enviar, coloco meu telefone no sofá e cubro o
rosto com as mãos.
Nunca me senti tão fracassada. A intoxicação alimentar
era apenas uma meia mentira.
Durante dois dias seguidos, fiquei doente com a ideia de
deixar Crompton e ir para Londres. Literalmente doente:
arfando e vomitando. Estou com dor de cabeça para provar
isso.
Embora todos os chefes de departamento saiam de
Crompton para a estação em trinta minutos, ironicamente, o
vômito parou. Mas a náusea ainda está lá.
Acho que nunca percebi a extensão dos meus problemas
até me deparar com a perspectiva de embarcar em um trem
para Londres pelo que é, segundo todos os relatos, uma
oportunidade fenomenal. É apenas uma viagem de trem. Por
que não posso fazer isso? Eu administrei um helicóptero com
Vincent.
Esta é a minha vida agora?
Eu quero ir para Londres. Quero o cargo de chefe de
relações com hóspedes. Sempre achei que não saia muito da
propriedade porque não quero, mas e
agora? Eu quero ir. Quero esse trabalho. Quero compartilhar
a emoção de ir para um hotel chique em Londres e entender
mais sobre o mundo em que estou prestes a entrar.
Mas o terror? Não vai me deixar sair. Por que Norfolk foi
tão fácil?
Vincent.
Tudo era fácil com Vincent.
Sinto muita falta dele. Flashes do nosso fim de semana
em Norfolk passam pela minha cabeça. A fogueira. A festa. A
praia.
A praia.
Subo correndo e vasculho minha mesa de cabeceira. Eu
definitivamente coloquei aqui. Sinto antes de ver: as bordas
lisas e frias. Eu pego e tiro da gaveta. Que a lembrança que
tenho para lembrar do nosso tempo juntos é um coração feito
de pedra parece irônico, mas guardo esse pensamento e, em
vez disso, concentre-me no peso dele na palma da minha
mão. Quão sólido é. Traço os veios de quartzo branco contra
a rocha cinza-escura. É lindo – o melhor presente que alguém
já me deu. O tríptico de fotos de Crompton que deixei ao lado
da cama de Vincent na noite anterior à sua partida está em
segundo lugar, mas isto... quando a encontramos, esta pedra
parecia ter sido feita para nós. Na época, pensei que era o
quartzo branco que inesperadamente se enroscou no coração
impenetrável de Vincent, ou talvez fosse o contrário.
Viro o coração repetidamente na palma da mão.
Se Vincent me pedisse para ir a Londres, eu iria. Eu
faria qualquer coisa por ele.
Consegui ir para Norfolk com ele e acabei me divertindo
muito. Era só porque eu queria estar com ele? Ou que ele
acreditou em mim?
Se eu imaginasse que estava indo para Londres para
encontrar Vincent, será que apenas pensar nele me faria
embarcar naquele trem?
TRINTA E NOVE

Kate
Concentro-me em Vincent e nas memórias que criamos -
repetindo cada conversa e beijo - durante todo o caminho até
Londres.
Caminhando até a casa com minha mala para entrar na
minivan, pensei na primeira vez que ele entrou na casa de
chá.
Saindo dos portões de Crompton, lembrei-me de ele me
pegar antes de eu cair no chão no pub.
A viagem de trem até Londres foi nosso piquenique à
beira do lago. A viagem de metrô pela cidade? Ele me
beijando.
Ao fazer o check-in no hotel, relembrei a maneira como
ele olhou para mim na praia de Norfolk.
Finjo que estou fazendo isso por ele. Talvez eu esteja.
Agora, sozinha no meu quarto de hotel, meus níveis de
ansiedade começam a aumentar novamente. Olho-me no
espelho do banheiro. — Você pode fazer isso, — eu digo. —
São vinte e quatro horas e então você voltará para Crompton.
— Saber que meus colegas chefes de departamento estão
aqui torna a respiração um pouco mais fácil, mas apenas um
pouco.
Limpo a mancha de rímel sob os olhos e volto para o
quarto para desfazer as malas. O porteiro colocou minha
mala no bagageiro e até se ofereceu para descompactá-
la. Olga pediu-nos que anotássemos o que mais nos
impressionou durante a nossa estadia. Eu deveria anotar os
detalhes sobre como abrir minha bolsa antes de desfazer as
malas, para não esquecer. Tiro os sapatos e tiro o caderno da
bolsa. Recuando, afundo na confortável poltrona azul-
marinho de frente para a sala.
Rabisco a coisa sobre o porteiro. Quão educado ele era,
mas ao mesmo tempo amigável e caloroso. Ele estava
interessado, me perguntando meus planos para o dia sem
parecer intrometido. E a experiência do check-in – eles
pareciam já me conhecer.
Olho ao redor. O que eu particularmente gosto no
quarto? Algo na minha mesa de cabeceira chama minha
atenção: um porta-retrato tríptico, igual ao que Vincent me
deu no caminho para Norfolk.
Isso é uma coincidência. Será que ele teve a ideia de me
presentear com as fotos de sua estadia em um hotel chique?
Levanto-me e atravesso a sala, olhando para a
moldura. À distância, parecem fotos que tirei da propriedade
Crompton. À medida que me aproximo, vejo que é
a moldura exata, as fotos exatas que tirei em Norfolk.
Meu coração troveja no meu peito. Quem colocou isso
aqui? Quem sabia? Pego a moldura e a estudo
atentamente. Não há dúvida – é a mesma. Um segundo
quadro no mesmo estilo tríptico fica atrás do primeiro.
Meu estômago revira e então bate no chão. Três
fotografias diferentes: uma da Crompton House, uma da
minha casa e uma da vovó.
Eu desabo na cama.
Vincent fez isso. Não há outra explicação. Mas como?
Pego o telefone e disco zero.
— Bom dia, senhorita Saunders, como podemos ajudá-
la?
— Oi. Obrigada. Humm. Há fotografias ao lado da minha
cama. Quem as colocou lá?
— Você é uma hóspede que voltou? — Ela pergunta.
— Não, esta é a minha primeira estadia.
Meu comentário é recebido pelo silêncio do outro lado.
— E você está no quarto quatro-um-
dois. Hmmm. Ocasionalmente, colocamos fotografias em
algumas de nossas suítes para os hóspedes que retornam…
— Vocês colocam? — Eu pergunto, um pouco confusa,
meu coração afundando um pouco. Esta poderia ser apenas
mais uma comodidade de luxo do hotel? Mas essas fotos
exatas? Isso é muita coincidência, certo?
— Gostamos que as pessoas sintam que estão em um
lar longe de casa.
Isso vai para o bloco de notas. Talvez minha equipe
pudesse fazer algumas investigações nas redes sociais para
ter a mesma consideração com nossos futuros hóspedes.
— Mas, na verdade, — continua a mulher, — já que esta
é sua primeira estadia... Com licença, enquanto verifico uma
coisa. Tenho uma nota sobre sua reserva. Por favor, espere
na linha.
Minha respiração está irregular, como se eu estivesse
correndo por quilômetros. Afinal, poderia ser Vincent? E se
sim, por quê? Desde o meu almoço com Sutton, tenho
tentado descobrir o que posso fazer ou dizer a Vincent para
fazê-lo sentir que pode contar comigo para nunca deixá-lo.
Porque ele poderia.
Estou em branco até agora. O trabalho tem me mantido
ocupada. Agora não estou mais trabalhando na casa, peguei
mais turnos no pub e comecei com o treinamento de
relações. E, claro, ainda estou trabalhando na casa de
chá. Durante todas essas horas e nos momentos
intermediários, não pensei em outra coisa além de
Vincent. Mas não encontrei uma solução. Como posso fazê-lo
acreditar que não vou abandoná-lo?
— Obrigada pela sua paciência, — diz a mulher ao
telefone. — Vejo que essas fotos foram um pedido especial na
sua reserva. Acredito que seu marido as mandou para serem
colocadas em seu quarto.
O calor percorre meu corpo. Meu marido. —
Oh. Obrigada.
Desligo, atordoada. As fotografias são obra de
Vincent. Acho que ele está sendo bem informado por Michael
e Olga; ele sabia que seria um desafio para mim vir para
Londres e ficar longe de Crompton.
Vincent é um bom homem. Atencioso, doce e sensível. O
homem com quem quero estar pelo resto da minha vida.
E de repente, eu entendo. Entendo exatamente o que
posso fazer para que Vincent perceba que o quero para
sempre. Só preciso criar coragem para sair do meu quarto de
hotel e colocar meu plano em ação.
Então estarei pronta.
QUARENTA

Kate
Saio dos elevadores no quarto andar do hotel e volto
para o meu quarto, o alívio correndo em minhas veias com a
ideia de estar abrigada em segurança lá dentro. Eu o vejo
antes que ele me veja. Coloco a mão no peito e respiro.
Ele está aqui.
E estou pronta.
Vincent se apoia na parede oposta ao meu quarto,
olhando para o chão. Ele parece mais magro do que quando o
vi pela última vez, embora só tenham se passado algumas
semanas.
Graças a Deus descobri como fazê-lo ficar. Pelo menos,
espero que tenha.
Ele olha para cima quando me aproximo. A visão de seu
rosto bonito causa um curto-circuito na minha respiração por
um segundo e tenho que me lembrar de expirar.
— Ei, — eu digo enquanto paro na frente dele. Quero
pular essa parte e avançar para a parte em que ele está me
segurando, mas não quero assustá-lo. — Você colocou as
fotos no meu quarto.
Ele assente. Seus olhos procuram os meus e posso dizer
que ele está procurando pistas, tentando descobrir o que
dizer. — Eu estava me perguntando... se poderíamos
conversar? — Ele pergunta.
— Vamos fazer isso, — respondo. Espero que ele não
tenha vindo aqui para se desculpar e me dizer como as coisas
nunca teriam funcionado entre nós. Meu objetivo parece
muito diferente. — Sempre quis ir ao Hyde Park. Ouvi dizer
que é maravilhoso.
Ele estreita os olhos como se estivesse se perguntando
se me ouviu mal. — Ok.
Eu me viro e volto para o lugar de onde vim. Ele aperta o
botão para descer e esperamos, ambos de frente para as
portas do elevador.
— Sinto muito por ter saído tão abruptamente, — diz
ele.
— Eu sei. Agradeço e aceito suas desculpas. — Não
sinto nenhuma raiva dele. Doeu que ele tenha ido embora,
mas entendo por que ele o fez.
Antes que ele possa responder, as portas do elevador se
abrem e entramos. Juntamo-nos a um casal de idosos parado
na parte de trás do elevador.
— Definitivamente há o frio do outono no ar, — diz a
mulher.
— Você quer que eu volte e pegue seu casaco? — O
homem pergunta a ela.
— Eu estava pensando que você poderia querer voltar e
pegar o seu, — ela responde.
— Não vou sentir frio, mas se você quiser, pode esperar
por mim no saguão enquanto vou buscar o seu.
— Acho que vou ficar bem. — Ela pega a mão dele e ele
dá um beijo em sua bochecha.
Eu sorrio e quero fazer perguntas. Há quanto tempo eles
estão casados? Onde eles se encontraram? Eles sempre
cuidaram um do outro assim?
Mas não tenho chance porque estamos no térreo e as
portas dão para o saguão.
— Sabe quando você disse que sabe? — Vincent diz
enquanto nos dirigimos para a saída.
— Sim, — eu digo.
— A parte em que eu pedi desculpas e você disse “eu
sei”?
— Trinta segundos atrás? Sim eu lembro.
Ele insiste em abrir a porta para mim, apesar do
porteiro fazer o possível para abri-la para nós dois, e saímos
para a tarde de Londres. A mulher no elevador estava
certa. O frio do outono está no ar. Meu coração acelerado faz
um ótimo trabalho em me manter confortavelmente aquecida.
— O que você quis dizer? — Ele pergunta.
Caminhamos um pouco e paramos em um
cruzamento. — Só isso... eu sei que você sente muito.
— Você sabe?
Concordo com a cabeça, mantendo meu foco no Hyde
Park. Eu realmente não quero ter essa conversa em meio à
agitação do trânsito e das pessoas. Preciso encontrar
algumas árvores. Espero me sentir mais confortável. Mais em
casa debaixo de um velho carvalho.
Atravessamos em silêncio e entramos no parque, que é
maior do que eu esperava. E menos organizado. Suponho que
me acostumei com jardins formais. Mas isto também é lindo –
este pequeno pedaço de natureza selvagem no meio da cidade
de concreto e pedra.
— Eles estavam certos, no elevador. O outono está
chegando. — Eu me curvo e pego uma folha amarelada.
— Eu realmente sinto muito, — diz ele. — Eu surtei e
inventei uma desculpa idiota sobre o trabalho. Eu voei para o
Arizona.
Viro-me para encará-lo sob um carvalho gigante. Ele
parece tão perturbado. Quero alcançar e acariciar seu rosto,
confortá-lo, fazê-lo se sentir melhor. Mas não posso. Preciso
de algumas garantias.
E ele também.
— Eu te amo, — eu digo.
Ele respira fundo e leva o punho ao peito.
Depois de um instante, ele responde. — Não era isso que
eu esperava que você dissesse. Mas essa é parte da razão pela
qual eu te amo. — Ele me ama? Eu quero engolir essas
palavras inteiras. — Você nunca diz o que espero que diga.
Ele vai dar um passeio selvagem esta tarde.
— Fico feliz em ouvir o resto das razões pelas quais você
me ama, — digo. — Vamos sentar?
Ele olha para a grama sob seus pés. — Aqui?
Eu rio. — Podemos encontrar um banco, se você
preferir.
Ele me encara com uma expressão que diz que aceita
meu desafio e se senta. — Você tem o coração mais gentil de
todos que conheço, — diz ele. — Você é ferozmente leal e é a
mulher mais engraçada que já conheci. Quando estou com
você, não quero apenas ser um homem melhor,
sou um homem melhor - e sinto que estou roubando essa
frase de Jacob, mas é exatamente como me sinto. Fico mais
feliz, mais relaxado, mais motivado, mais gentil, mais
atencioso quando você está por perto. E isso é porque você
é todas essas coisas. Não apenas para mim, mas para todos
que encontra. Desde o momento em que te conheci, você não
se preocupou completamente com minha riqueza ou meu
trabalho. Você diz o que quer e o que precisa e isso é
revigorante e... também é completamente assustador.
Eu levanto minhas sobrancelhas. — Assustador?
— Porque eu nunca quero ficar sem você. Nunca me
senti assim. — Suas palavras são chuva fresca de verão.
— Ah, — eu digo.
— Quando você está perto, parece que estou em casa.
Meu coração se estica no peito como se estivesse
tentando subir e sair de mim e cair no colo de Vincent.
— Eu conheço esse sentimento, — eu digo.
Ele suspira e então se move para ficar mais perto de
mim. — Eu me sinto um idiota gigante, mas se você me
perdoar e nós nos amarmos, então quero que funcione entre
nós. Eu sei que você vai tentar me dizer que não. Que você
não vai deixar Crompton. Mas se não se importar que eu
viaje, posso ficar lá e podemos fazer videochamadas e
telefonemas e voltarei para casa com você sempre que puder.
Estremeço quando ele diz que voltará para casa para
mim. É um alívio saber que ele não está tentando ir
embora. Que ele entende que o que há entre nós é vale a
pena desculpas estranhas e conversas atrapalhadas. Eu dou
a ele um pequeno sorriso. Este homem é a melhor pessoa que
conheço. O melhor homem que alguma vez conhecerei.
— Você me ensinou tantas coisas, Vincent, mas o mais
importante de tudo é que não é o lugar que me faz sentir
segura, feliz e amada. São as pessoas. É por isso que gostei
tanto de Norfolk. Eu estava com você. Você me dá raízes tão
profundas quanto este carvalho. Não importa onde esteja no
mundo, eu irei com você. E se estiver com você, estarei
segura e feliz.
Ele fecha os olhos e posso sentir o alívio percorrer seu
corpo.
— Mas há uma coisa que precisamos resolver antes de
podermos ficar juntos, — Eu digo.
Ele abre os olhos, estreitando o olhar.
— Você precisa ter certeza de mim, — eu digo. — Você
precisa saber que não vou a lugar nenhum. Eu entendo que o
que aconteceu com você e seu pai te deixa assustado. Não é
nenhuma surpresa. Mas preciso ser capaz de curar essa
ferida para você, Vincent.
— Você o fez, — ele diz, estendendo a mão para mim.
Mas coloco minha bolsa sobre os joelhos e tiro a sacola
de presentes que comprei mais cedo.
— Eu comprei isso, — digo, entregando-lhe o
presente. — Há um para cada um de nós. O seu pode não ser
do tamanho certo.
Sua carranca se aprofunda e ele olha para a caixa e
depois para mim.
— Abra, — eu digo.
Ele tira a fita e puxa da caixa preta. Ele me lança outro
olhar confuso.
Eu levanto meu queixo em um encorajamento
silencioso.
Um sorriso surge em sua boca quando ele abre a
caixa. Duas alianças de ouro estão aninhadas juntas no
veludo preto.
— Estaremos juntos para sempre, — digo. — Eu quero
casar com você. Quero que sejamos a família um do outro, a
âncora um do outro neste mundo em constante mudança. A
única promessa que preciso de você é que, se achar que as
coisas estão mudando entre nós, fale comigo sobre isso. Não
saia correndo em uma viagem de negócios quando as coisas
ficarem difíceis ou quando se sentir vulnerável. Preciso de
uma chance para poder explicar como não vou a lugar
nenhum e nunca irei.
Ele engole em seco e assente. — Eu prometo.
Eu rastejo em seu colo, minhas pernas montadas nele,
nossos rostos ficam a apenas alguns centímetros de
distância, e envolvo meus braços em volta de seu
pescoço. Ele não retribui e eu recuo.
— Só mais uma coisa. — Ele está mexendo no
bolso. Movo-me um pouco para que ele possa acessá-lo
melhor. — Eu comprei algo para você.
Ele mostra outra caixa de anel preta, exatamente igual à
minha. — Deve ser do mesmo lugar onde você comprou o
seu. O amigo de Beck é dono do lugar, na verdade. Ele é
joalheiro.
— O que é? — Eu pergunto, olhando para a caixa.
Ele ri. — Por que você não abre? — Eu a tiro dele.
— Nada aí dentro vai te morder. Eu prometo.
— Promessa de mindinho? — Eu sorrio para ele.
Ele balança a cabeça. — Eu te amo.
Desta vez posso acariciar seu rosto e sua pele contra a
minha parece exatamente certa. — Eu também te amo.
Finalmente abro a caixa para revelar um enorme anel de
diamante. A pedra pode realmente ser tão grande quanto
uma bolota. — Isso é grande. — Eu olho para ele.
— Se você não gosta...
— Eu amo isso. Quer dizer, eu realmente adoro isso. É
possível que eu ame isso quase tanto quanto amo você. — Ele
ri e isso me aquece de dentro para fora. Olho do anel de volta
para ele. — E caso você esteja se perguntando, eu te amo
muito.
Ele tira o anel da caixa, pega minha mão e desliza o anel
no meu dedo anelar esquerdo. Se encaixa como uma luva.
— Então você estava planejando propor casamento e eu
cheguei antes de você, — eu digo, balançando os dedos,
admirando a forma como a luz do sol reflete no
diamante. Parece que pertence a esse lugar.
— Eu queria uma maneira de mostrar a você que não
vou fugir de novo. Percebi como fui idiota e como nunca mais
quero deixá-la ir. Eu não tinha certeza se você me levaria a
sério.
— O suborno é sempre uma boa opção. Você sabe...
para referência futura. — Deslizo minhas mãos sobre seu
cabelo e dou um beijo em seus lábios. — Eu senti sua falta.
Ele segura meu rosto entre as mãos. — Você nunca
mais vai sentir minha falta.
Não precisamos de uma cerimônia de casamento para
nos comprometermos um com o outro, embora eu
proclamasse com prazer meu amor na frente de todos os
nossos familiares e amigos. Sentados sob os galhos de um
carvalho no Hyde Park, realizamos a única cerimônia que
importa. Trocamos promessas, trocamos eu te amo e
concordamos em passar o resto da vida juntos.
Vincent é minha casa agora – e eu sou a dele.

QUARENTA E UM

Vincent
Como eu tive tanta sorte? Observo Kate na janela,
olhando para o horizonte de Londres. Tiro os sapatos e paro
atrás dela.
— Você gosta da vista?
Ela se vira em meus braços e fica de frente para mim.
— Sim.
Eu me curvo e dou um beijo em seu pescoço. — Você
cheira a flores frescas de verão, — eu digo. Combina
perfeitamente com ela. Ela é como o verão perpétuo – todo
calor e cor.
— Gosto da ideia de nunca mais sentir sua falta, — diz
ela. — Nunca sentir falta do seu corpo porque posso tê-lo
todas as noites. — Ela passa as mãos pelos meus ombros e
pelos meus braços, como se estivesse tentando se lembrar de
como pareço.
— É todo seu.
Ela passa o dedo pelos botões da minha camisa. — E o
meu é seu.
Eu inalo, tentando deixar suas palavras serem
absorvidas.
— É bom estar… conectada assim. — Seu olhar voa
para o anel em seu dedo anular esquerdo. — Você acha que
as pessoas vão nos julgar por agirmos tão rapidamente?
— Eu não me importo, — eu respondo. — Você?
— Suponho que não. — Ela passa a mão em meu
pescoço e olha para mim.
Sim, eu a quero nua agora. Sim, quero estar o mais
próximo possível. Sim, eu quero lamber, chupar, empurrar,
puxar – foder. Mas também quero ficar aqui e olhar para esta
mulher incrível pelo resto da minha vida.
— Acho que precisamos experimentar a cama. — Ela sai
dos meus braços e se dirige pela área de estar para o outro
lado do quarto, onde fica a cama. — Olga diz que precisamos
entender o luxo. — Ela puxa a camisa pela cabeça e abre o
zíper da calça jeans. — É por isso que estamos aqui. Ela diz
que temos que aproveitar todas as instalações. — Ela se vira
enquanto eu ando em sua direção, tirando minhas roupas
enquanto avanço.
— Parece um bom conselho. Podemos começar pela
cama. Depois o chuveiro. Sofá. Chão. Talvez até encostado na
janela.
Ela cora e é adorável. — Qualquer lugar que não seja a
janela funciona para mim. Minha agorafobia3 melhorou, mas
isso é um passo longe demais. — Ela está só de calcinha e
não sei onde procurar. Esta mulher vai ser minha esposa. Ela
é minha para sempre e eu sou dela.
— Você é linda, — eu digo. — E gentil, engraçada,
inteligente e sexy e estou feliz por podermos ficar juntos para
sempre.
Sua boca se curva em um sorriso. — Igualmente.
Eu me despi completamente. Ela dá um passo em
minha direção, fica na ponta dos pés e coloca as mãos atrás
do meu pescoço. — Você é lindo, — ela diz. — E gentil e
engraçado e inteligente e sexy e estou feliz por podermos ficar
juntos para sempre. E sei que temos o resto de nossas vidas,
mas gostaria que o resto de nossas vidas começasse agora.
Eu me inclino para beijá-la, pressionando a parte
inferior de suas costas para que possamos nos unir, assim
como fizemos naquela primeira noite juntos. Nossas línguas
deslizam juntas e é tão brega, mas parece que estamos nos
movendo como uma pessoa, ou como se ela tivesse sido
projetada apenas para mim. Ela é incrível e eu vou me casar
com ela. Como diabos tive tanta sorte?

3Medo de lugares e situações que possam causar pânico, impotência ou


constrangimento.
Eu rompo nosso beijo para pegar uma camisinha.
— Nós temos que usar? — Ela pergunta. — Fui testada
e... tudo. Quer dizer, estou bem.
— Eu também, — digo, um pouco rápido demais. Ela
não precisa saber que fiz o teste uma vez por mês até
conhecê-la. Desde ela, não houve mais ninguém.
Nunca mais haverá.
Meu pau fica tenso com a ideia de estar dentro dela em
breve, mas vou me forçar a ser paciente. Quero me
concentrar em Kate.
Eu nos levo até a cama e a deito de costas. Ela se apoia
nos cotovelos, solta o gancho do sutiã e o descarta, e eu tiro
sua calcinha.
Alisando minhas mãos sobre suas coxas, abro suas
pernas e lambo entre elas e para cima, para cima, até seu
clitóris, sobre sua barriga e entre seus seios. Ela estremece
debaixo de mim, seus gemidos baixinhos parecendo agarrar e
liberar meu pau como um punho. Eu pego seu mamilo em
minha boca, circulo e chupo. Ela salta embaixo de mim, os
dedos no meu cabelo, a perna envolvendo a minha.
— Vincent, — ela chama. — Quero você. Todo você.
Ela levanta meu queixo de seu peito e trocamos
olhares. — Você é um amante generoso, sempre pensando em
mim, mas agora, desta vez, quero que seja sobre nós. Quero
você em mim, em cima de mim, dentro de mim.
Eu grunho. — Kate. — Eu balanço minha cabeça. —
Não sei quanto tempo vou durar se... — Ela coloca os dedos
sobre meus lábios. — Nem eu.
Esfrego as palmas das mãos no rosto e respiro fundo. —
Estou prestes a perder pontos aqui, — digo.
— Bem, eu já concordei em me casar com você. E a
etiqueta exige que eu devolva o anel se cancelar tudo antes do
casamento, e isso não vai acontecer, então parece que estou
presa a você, não importa o que aconteça.
Eu rio, circulo a base do meu pau e ancoro minha mão
em seu quadril. Eu pressiono nela, lentamente, com cuidado,
tentando não ficar intimidado com quão bem ela parece.
Em quão bons somos. Juntos.
Eu começo a me mover. A princípio hesitante, porque
quero tentar fazer isso durar, mas não adianta.
Ela é muito gostosa. Ela está apertada e molhada e o
jeito que bufa meu nome, agarra meu peito – eu só quero
estar mais perto, chegar mais perto.
Ela é irresistível.
Não sei se é o ritmo implacável, mas passa apenas
alguns segundos antes de senti-la apertar ao meu redor.
— Vincent, — ela grita. — Oh, Deus.
Ela está perto e graças a Deus, porque posso sentir
aquele estrondo do meu orgasmo à distância e ele está vindo
em minha direção em alta velocidade.
Ela liga as pernas em volta da minha cintura e eu fodo e
fodo e fodo e enquanto ela arqueia as costas, meu clímax
ruge na estação como um trem de carga.
— Kate, — eu grito. — Kate.
Suas mãos seguram meu queixo e eu abro os olhos para
encontrá-la olhando para mim. Não preciso ouvi-la dizer isso
para saber que ela me ama.
Dou um beijo em seus lábios e caio em cima dela.
Minha respiração volta ao normal e eu me afasto
dela. Ela rola e dá um beijo na minha barriga.
— A seguir, tomar banho, — diz ela.
Não sei se consigo me mover, mas sou impotente para
resistir a essa mulher. Ela me pega pela mão e me leva até o
banheiro. — Sente-se aqui, — ela diz apontando para o banco
de mármore em uma das extremidades do gigantesco
chuveiro.
Exausto, faço o que ela pede. Levanto a cabeça quando
Kate liga a água e uma chuva quente cai do teto.
— Uau. É como se estivesse chovendo, — diz ela.
Seu corpo praticamente brilha debaixo d'água. Ela se
inclina e dá um beijo em meus lábios. Eu alcanço seus
quadris, mas ela se afasta, ajoelhando-se aos meus pés.
Praticamente posso sentir o sangue correndo para meu
pau, como se cada molécula estivesse correndo para chegar
lá primeiro.
— Kate, — eu digo, balançando a cabeça.
— Eu quero. Você gosta de me dar prazer. Gosto de te
dar prazer. — Ela circula meu pau em sua mão e eu gemo.
Mas eu não a impeço. Ela lambe, beija, arranha e chupa
e eu não consigo tirar os olhos dela. A língua, as mãos, a
forma como os seios se movem. A água correndo por seu
corpo.
— Foda-se, — eu grito enquanto ela me leva
profundamente em sua garganta e geme. Eu gozarei. De
novo. Eu não consigo parar. Ela é muito…
Eu me movo, querendo que ela se mova para que eu
possa chegar ao clímax. Ela agarra minhas coxas, recusando-
se a ceder.
— Kate, — eu cuspo.
Ela pega minha mão e a coloca em sua cabeça e pronto
– estou perdido. Minhas bolas apertam e eu me esvazio
profundamente em sua garganta.
Quando recupero a consciência, estendo a mão e a pego
em meus braços, puxando-a para perto do meu peito. Nossos
corpos se encaixam perfeitamente, como duas peças de um
quebra-cabeça. Onde quer que ela esteja, é minha casa. E sei
que sou a dela.
Minha noiva.
Minha esposa.
Minha parceira.
Seja qual for o seu título, ela é a mulher que passarei o
resto da minha vida amando.

EPÍLOGO

36 dias depois

Vincent
Apesar de não precisar de outra cerimônia depois da
nossa troca de votos no parque, eu queria uma. Kate foi
indulgente comigo e concordou. Quero todas as pessoas que
amo juntas em um só lugar para que eu possa comemorar a
oportunidade de passar o resto da minha vida com Kate e ter
um futuro que nunca pensei que fosse possível para mim.
E eu não quero esperar.
Vinte e nove dias depois de nosso reencontro no Hyde
Park, estamos no cartório de Marylebone e fazemos votos
legais.
Uma semana depois, todos os nossos amigos e
familiares se reúnem em Crompton para uma
celebração. Montamos uma enorme marquise, completa com
pista de dança e mesas para almoço. Apesar de ser setembro,
tivemos uma explosão de sol neste fim de semana e Kate
insistiu que todos os lados da tenda fossem removidos para
que pudéssemos ver melhor o terreno.
A tenda tem vista para o lago, até a floresta – a nossa
vista favorita. Flores enfeitam o interior da marquise,
enrolando-se em suportes e pingando do telhado. É
lindo. Não há outro lugar onde poderíamos querer
comemorar.
Não há corredor, nem cerimônia, nem damas de honra
ou padrinhos. Apenas sol, champanhe, comida, música,
dança e risadas.
Não é convencional, mas se adapta perfeitamente a nós
dois.
— Você está tão linda, — digo à minha noiva, que está
usando um vestido branco de contas e uma coroa de flores
colhidas recentemente dos jardins de Crompton. Nós
balançamos juntos na pista de dança. — Como uma fada das
flores.
Ela sorri para mim e brinca com a rosa na minha lapela
que ela mesma colheu no jardim esta manhã.
— Quanto você bebeu?
— Você é mágica, — insisto.
— Quem imaginaria que você se transformaria em um
marshmallow tão sentimental?
— Isso é o que você faz comigo. — Eu a beijo na testa.
Beck e Stella estão à nossa frente na pista de dança. Ele
pisou no pé dela e ela está rindo dele. Kate segue meu olhar.
— Você está se perguntando se vai pisar no meu pé
depois de alguns anos juntos?
— Não, — eu respondo. — Não pretendo dançar depois
desta noite.
Ela ri e não posso deixar de sorrir para ela porque vê-la
feliz é minha maior conquista.
— Devíamos combinar um jantar com eles, — diz ela. —
Eu realmente gosto de Stella.
— Sim, vamos fazer isso. Também quero ouvir a história
de Beck sobre como eles se conheceram. Aparentemente tudo
começou com chantagem.
— Tudo está bem quando acaba bem, suponho. — Ela
me leva para fora da pista de dança em direção à vovó, que
está sorrindo para nós dois.
— Vocês formam um casal muito bonito, — diz ela. Kate
é puxada por alguém e eu me sento ao lado da vovó.
— Ela é boa demais para mim, — eu digo.
— Ela diria o mesmo sobre você. É por isso que vocês
são perfeitos um para o outro. — Ela dá um tapinha no meu
joelho. — Vocês só precisam ter certeza de cuidar um do
outro.
— É o meu trabalho mais importante. Cuidar dela,
garantir que ela esteja feliz e sinta meu amor. Eu não me
importo com muito mais. Amá-la me deu uma perspectiva.
— Vocês terão seus altos e baixos, — diz a vovó. — Só
precisam se lembrar que é um jogo longo.
— Você acha que ela está realmente bem em ir para
Nova York? — Eu pergunto. Vou fechar meu escritório
lá. Quero falar pessoalmente ao pessoal. Estou oferecendo-
lhes outros empregos, mas alguns deles teriam que se
mudar. Não adianta ter um escritório lá quando minha casa é
com Kate, na Inglaterra.
— Ela está bem se disser que está bem. Você estará lá e
eu também.
— Espero que você sempre viaje conosco.
— De vez em quando farei isso, até que esses velhos
ossos se recusem a cooperar. — Ela faz uma pausa e balança
a cabeça. — Ver Kate tão feliz tirou um peso dos meus
ombros que eu não sabia que carregava. A preocupação
desapareceu agora. Por tantos anos, eu me culpei. Não sabia
o que poderia fazer para que ela se sentisse bem novamente.
— Ela te adora, — eu digo. — Você fez tudo certo.
— Ninguém faz tudo certo. Mas agora eu a vejo e estou
muito feliz - mas também aliviada - com as coisas se
encaixando para ela. Apenas me faça um favor? Grande parte
de sua vida tem sido sobre se esconder para Kate. Deixe-a
explorar por conta própria um pouco. Ela te ama e estou
muito feliz por ela viajar com você a negócios. Ela também
precisa de algo para si mesma.
— Concordo, — digo, no momento em que Kate volta e
se joga no meu colo. — Você contou à vovó sobre a inscrição
que fez ontem?
Kate olha para mim e depois para vovó. — Acho que ela
gostaria de saber, — digo.
— Não sei se isso vai dar em alguma coisa, — ela diz, —
mas me candidatei novamente para Cambridge. Mandei um
e-mail para meu antigo tutor para lhe avisar e ele respondeu
dizendo que estava feliz em apoiar minha inscrição. Se eu
entrar, começo no ano que vem.
Os olhos da vovó ficam vidrados e ela agarra nossas
mãos. — Essa é uma notícia fantástica.
— Só viajarei durante as férias da universidade, —
digo. — No resto do tempo estaremos aqui.
— Em Crompton? — Vovó pergunta.
— Continuamos conversando sobre isso, — diz Kate. —
Vincent quer pegar um pedaço da propriedade e construir
uma casa para nós dois, mas não tenho tanta certeza. Se vou
estudar, faz mais sentido estar em Cambridge. Se eu entrar.
— Beck está construindo algumas moradias em Mayfair
que vamos ver. Seria bom ter uma base em Londres também.
— E Norfolk? — Kate diz. — E também queremos estar
perto de você, vovó.
— Para sua sorte, não tenho emprego, — diz a vovó. —
Para que eu possa ir visitá-la onde quer que você esteja.
Kate e eu trocamos um olhar. Kate tem sido clara que
para onde quer que vamos, a vovó vai. Isso me cai bem. A
vovó agora também é minha família.
— A casa de Londres tem um anexo para a vovó, — diz
Kate. — Quero dizer, literalmente tem o seu nome nela.
— Não se preocupe comigo. Eu simplesmente me
adaptarei ao seu redor. Agora, Vincent, apresente-me aos
seus irmãos.
Como se fosse uma deixa, Beau se aproxima, com um
sorriso tão largo quanto a África. Ele pega a mão da vovó e
beija os nós dos dedos. — Eu sou Beau Cove. Irmão de
Vincent. Presumo que você seja a vovó? Ouvi coisas
maravilhosas.
— O charme da sua família é excepcional, — diz a vovó
para mim e ri. — Você é casado?
— Ainda não, — ele responde. — Você gostaria de
dançar?
— Beau está flertando com a vovó? — Kate pergunta
enquanto o observamos acompanhá-la até o meio da pista de
dança.
— Ele não sabe como desligar isso.
— Isso vai colocá-lo em muitos problemas, — diz ela.
— Beau está acostumado a problemas, — eu digo. Eu
me preocupo com ele às vezes. Ele parece tão sem leme –
sempre perseguindo a próxima aventura. Eu me pergunto o
que será suficiente para ele.
Kate desliza os braços em volta do meu pescoço e
olhamos para nossos amigos e familiares rindo, dançando e
comemorando neste lindo lugar.
Como tivemos tanta sorte?
— Tenho um presente de casamento para você, —
sussurro em seu ouvido.
— Já tenho tudo que quero aqui.
Eu sorrio porque sei que ela está dizendo a
verdade. Kate me fez ver que as coisas mais importantes da
vida não são financeiras. É por isso que espero que ela goste
do meu presente.
Pego meu telefone e vou até a página que estou
procurando. — Você sabe que tudo o que eu tenho é seu.
— Se você diz. — Ela passa os dedos no meu cabelo. Ela
mal está ouvindo.
— Mas eu queria que isso estivesse em seu nome. Os
papéis estão todos elaborados. Você apenas precisa assiná-
los.
Ela estreita os olhos para mim e olha para o meu
telefone, que eu estendi em sua direção.
— O que está em meu nome?
— Esse lugar. Crompton.
Ela congela. — Você quer que eu seja a dona? — Sua
boca se abre em um sorriso.
— Sim. Quero dizer, e seu de qualquer maneira agora
que estamos casados, mas é tão especial para você, eu queria
que fosse seu especificamente.
Ela segura meu rosto em sua mão. — Obrigada. — Ela
faz uma pausa. — Você é muito especial, Vincent. Não porque
seja um presente tão extravagante – o que é. Mas porque você
está sempre pensando em mim. Você está sempre colocando
minha felicidade em primeiro plano. Eu quero fazer isso por
você também.
Eu aperto a mão dela na minha.
— Você faz. Diariamente. Apenas sendo você.

6 semanas depois disso

Kate
Todos nós ficamos olhando para a casa de Carole e John
da entrada.
Continuo olhando para as nuvens pesadas e cinzentas
que ameaçam acima. Dou quatro minutos até que comece um
pé d’água.
— Precisamos de pelo menos mais quatro quartos, — diz
Carole.
— Quatro? — John grita. — Você tem um monte de
crianças secretas que eu não conheço?
— E uma sala de jantar maior, — diz Carole.
— Não podemos simplesmente aumentar a sala de
jantar, — diz John.
— É por isso que estou pensando que seria melhor
demolir a casa inteira e construir algo novo. O que você acha?
— O que eu acho? — John diz, seu rosto ficando mais
vermelho a cada segundo. — Eu acho...
— Eu não quis dizer você, eu quis dizer Vincent. E
Jacob. Ampliar ou demolir?
— Nathan tem uma casa na mesma rua. Não
precisamos todos ficar com você toda vez que visitamos.
Carole estende a mão pelas costas e desamarra o
avental com fotos de Jacob. — Era disso que eu tinha
medo. Se todos vocês tiverem casas por perto, ninguém vai
querer ficar. E adoro quando comemos juntos, sentamos ao
redor da fogueira e depois caímos na cama. — Ela enrola o
avental em uma bola e joga no chão. — Quero que meus
netos rastejem na minha cama de manhã e quero aconchegá-
los à noite.
John se aproxima dela e esfrega suas costas. —
Ei. Nossos meninos não vão a lugar nenhum, por mais que
eu gostaria que fossem.
Reprimo uma risada e olho para Sutton. O comentário
de John nem sequer é registrado por Vincent e Jacob.
— Eu tenho uma ideia, — Vincent diz e eu aperto sua
mão, querendo que ele saiba que concordo com tudo o que
ele vai dizer. — Por que você não adiciona uma nova casa
aqui na frente? Você tem muito espaço. Em seguida, conecte-
a à casa antiga e converta a casa antiga em um bloco de
quartos que poderá ser usado quando estivermos todos
aqui. No resto do tempo, você pode usar a casa nova, que
podemos garantir que tenha uma enorme sala de jantar.
— Um bloco de quarto? — John pergunta. — Não vamos
transformar o local num albergue da juventude.
— É uma boa ideia, — diz Carole. — Porque os netos
começaram a chegar e precisam de espaço.
— Meu Deus, — diz John. — Nunca há paz.
— Por que você não vai dar uma olhada nos seus feijões,
John? Deixe isso comigo e com os meninos, — diz Carole.
John resmunga. — Típico. Dispensado de discutir
minha própria casa. — Ele não discute e imagino que esteja
secretamente satisfeito por não ter que se envolver com o que
quer que Carole queira fazer com a casa. John ama seus
filhos tanto quanto Carole. Ele apenas tem uma maneira
diferente de mostrar isso. — Dog, — ele grita. — É melhor
você não ter encontrado nenhuma merda de raposa ou eu
vou te esfolar vivo.
— Não mate o cachorro, pai, — diz Jacob.
— Farei o que bem entender, — ele responde. — Esta é a
minha casa... — Dog vira a esquina pela lateral da casa e
dispara em nossa direção. — Vamos. Vamos verificar o
feijão. — John segue em direção à sua horta, deixando nós
cinco olhando para a casa.
— Nós sempre viremos visitar, mãe, — diz Jacob. — Eu
não acho que Sutton teria se casado comigo se não fosse pela
família. Você faz parte do pacote.
— É verdade, — diz Sutton. — Não vamos parar de
visitar de jeito nenhum.
— Mas quando todos vocês tiverem bebês, precisaremos
de mais espaço, — diz Carole. — São coisas pequenas, mas
ocupam muito espaço. Vocês descobrirão.
— Sim, vamos, — diz Jacob. — Em cerca de sete meses
e meio. — Eu suspiro, e Carole vira a cabeça para olhar para
Jacob.
Vincent dá um tapa nas costas de Jacob. — Parabéns.
— Íamos fazer um grande anúncio no jantar, — diz ele.
— Mas meu futuro marido tem a paciência de uma
criança, — acrescenta Sutton.
Envolvo Sutton em um abraço e Carole se junta a nós.
— Estou tão feliz por você, — eu digo.
Eu me afasto de Sutton e Carole e olho para
Vincent. Ele pega minha mão e pressiona os lábios nos nós
dos meus dedos.
O teste de gravidez que fiz esta manhã deu positivo, mas
não vamos estragar o anúncio de Sutton e Jacob. Voltaremos
a Norfolk em algumas semanas e então poderemos dizer a
todos. Liguei para a vovó mais cedo e por pelo menos cinco
minutos ela não conseguiu falar, então meio que soluçou pelo
resto da nossa conversa. Ela nunca pensou que seria
bisavó. Nunca pensei que seria mãe ou esposa.
Mas o homem ao meu lado mudou tudo.
E eu não poderia estar mais feliz.

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