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lcool e Segurança no

Á
D
Trânsito (II)
A Infração e Sua Prevenção

ando continuidade ao artigo publicado no número anterior desta te, mas também o conjunto da socieda-
revista, onde se analisaram aspectos do consumo de álcool sobrede.o Como expressaremos ao final deste
condutor individual, no presente trabalho os autores discutem as di- artigo, a dimensão social a que nos refe-
mensões social e normativa da questão. Sugerem que a solução ou con- rimos somente pode ser afrontada com
possibilidade de solução, a partir de um
trole de problema exige o esforço conjunto dos diversos setores da socie-
grande pacto social que reúna todos os
dade, num grande pacto em torno do mesmo objetivo. setores da sociedade em torno de um
mesmo objetivo.

ÁLCOOL E INFRAÇÕES
Maria Helena Hoffmann A palavra "infração" é de ori-
Doutora em Psicologia e Mestre e
Prevenção das Drogodependência
gem latina (infractio de
pela Universidade de Valência-
infringere) e designa o fato que
Espanha. Psicóloga da Escola de viole ou infrinja disposição de
Trânsito-Detran/SC. Profa. da lei, onde há cominação de pena
Universidade do Vale do Itajaí. (Pinheiro e Ribeiro, 1987).
Não resta dúvida de que atu-
Enrique Carbonelli almente o trânsito seria impen-
Doutor em Psicologia. Professor sado sem a presença de normas,
Titular de Psicologia e Segurança de regras que regulam a movi-
Viária da Universidade de mentação e a ocupação do es-
Valência-Espanha. Subdiretordo paço viário. O trânsito é uma
Instituto Universitário de Tráfico y disputa pelo espaço, e todos
Seguridad Vial. devemos obedecer a umas re-
gras mínimas para que esta dis-
Luis Montoro puta seja mais facilmente trata-
Doutor em Psicologia. Catedrático da pelos técnicos de controle
de Psicologia e Segurança Viária (Vasconcelos, 1985). Toda a su-
da Universidade de Valência- pervisão do trânsito (fiscaliza-
Espanha. Diretor do Instituto ção, controle) está baseada num
Universitário de Tráfico y conjunto de leis e dispositivos,
Seguridad Vial. que constam nos códigos e re-
gulamentos de cada país. Em
No primeiro artigo desta sé-
toda a experiência mundial de
rie (Álcool e Segurança no Trân-
trânsito, as normas juntamente
sito: epidemiologia e efeitos) de-
com a fiscalização do seu cum-
finimos a incidência do álcool
primento têm exercido um pa-
nos acidentes de trânsito e nos
pel fundamental, na medida em
detivemos tanto na avaliação
que é muito notável a relação
epidemiológica como na análise porme- condução segura. Entretanto, o álcool
direta entre fiscalização-punição e com-
norizada dos efeitos do consumo de ál- também tem uma dimensão social e
portamento adequado (não infração às
cool sobre o condutor individual, sobre normativa que sem desvincular-se dos
normas) com a diminuição de aciden-
as capacidades atencionais, perceptivas efeitos individuais afeta não somente o
tes, e inversamente entre a impunidade
e de resposta imprescindíveis para uma indivíduo em si e/ou o próprio aciden-
e o comportamento inadequado (infra¬ ca, nos acidentes
ção às normas) com aumento de aciden- de trânsito, é de
tes. Um sistema normativo é condição fato grave. Infe-
indispensável para a fluidez e seguran- lizmente, as esta-
ça no trânsito, sendo esta, sempre rela- tísticas não de-
cionada (e medida) aos índices de aci- monstram em
dentes. que proporção
O Código Nacional de Trânsito con- real os acidentes
sidera infração a inobservância de qual- são devidos em
quer preceito deste Código, de seu Re- sua totalidade,
gulamento e das Resoluções do Conse- ou em parte, aos
lho Nacional de Trânsito (CONTRAN). efeitos do álcool
Portanto, a infração é de inteira respon- sobre o condutor,
sabilidade do condutor. porque inúmeras
A ação de dirigir, estando sob a in- circunstâncias
fluência de bebidas alcoólicas, é consi- são desconheci-
derada uma infração de trânsito e se das ou são escon-
encontra perfeitamente definida na cau- didas, devido às
sa dos acidentes e nos regulamentos de posições das par-
circulação ou normativas equivalentes tes envolvidas
dos países europeus, como também no (acidentados,
Brasil. Entretanto, esta infração é uma indiciados-teste¬
das que mais leva o condutor a cometer munhas), fato
outras, podendo culminar, assim, no aci- este conhecido
dente. Então, quando o condutor come- como conspiração
te uma infração estando alcoolizado, na do silêncio.
realidade ele está cometendo uma du- O Brasil con-
pla infração. O álcool é um fator que vive com muitas
contribui para a infração das normas, carências, e entre elas a de estatísticas Ajzen e Fishbein, 1980; Ajzen, 1988). É
porque altera a percepção do indivíduo, sobre a participação de condutores uma teoria geral explicativa e preditiva
originando um sentimento de rendimen- alcoolizados no trânsito (CET, 1991) e dos processos de formação e mudança
to melhorado, ao mesmo tempo que di- a notável inexistência de pesquisas e es- de atitudes.
minui a capacidade crítica e dificulta as tudos mais aprofundados sobre este tipo A partir da consideração de que o ho-
relações lógicas e a associação de idéias de infração. Entretanto, a falta de esta- mem pode controlar os impulsos e o
se torna superficial. Desta forma, o con- tísticas adequadas não nos impedem de comportamento mediante a razão,
dutor embriagado não tem condições de saber que este problema é grave. Segun- Feishbein e Ajzen constroem um mode-
prever as situações (direção defensiva) do dados fornecidos pela reportagem da lo para a predição da mudança de com-
porque está com sua liberdade de esco- revista IstoÉ (1992), os abusos mais co- portamento, mediante a modificação
lha comprometida. muns do estilo brasileiro de conduzir das crenças ou base informativa,
Entre as infrações mais comuns, co- são: 1) Passar o semáforo em vermelho; subjacente às atitudes e normas subje¬
metidas pelos condutores sob os efeitos 2) Dirigir alcoolizado; 3) Estacionar em tivas, que condicionam e determinam a
do álcool, estão: velocidade inadequa- fila dupla; 4) Estacionar em local proi- intenção do comportamento e o com-
da; sair fora das zonas de circulação, o bido; 5) Parar sobre a faixa de seguran- portamento em si. Geralmente, come-
que resulta em atropelamento de pedes- ça; 6) Dirigir com excesso de velocida- ter uma infração é uma ação voluntária
tres; circular em direções contrárias ou de; 7) Dirigir sem o cinto de segurança e, portanto, se encontra mediada pela
por direções proibidas; baixo ou nulo e, 8) Transportar crianças no banco di- intenção de realizar essa ação.
respeito à sinalização; iluminação e si- anteiro. Só não se sabe se esta é tam- A atitude para uma determinada
nalização incorreta das manobras; diri- bém a ordem de freqüência em que su- ação, define-se como o conjunto de
gir pela contra-mão ou ultrapassagens cedem estas infrações. crenças que o indivíduo ou grupo tem
inadequadas, com independência dos Tanto no Brasil quanto na Espanha em relação às conseqüências dessa ação
comportamentos desrespeituosos e a verificação do estado de embriaguez e o peso que confere a cada uma dessas
provocativos em relação aos demais usu- do condutor se faz mediante o teste com possíveis conseqüências. Por exemplo,
ários (Homel, 1988). aparelho de ar alveolar, denominado uma pessoa pode começar a utilizar o
E sabido, que durante a noite o nú- bafômetro, ou como preferem utilizar cinto de segurança porque acredita fir-
mero de condutores que dirige muitos especialistas na área "álcool memente que com isto atenuará a gra-
alcoolizados é maior, como também é sensor". vidade de um possível acidente. O com-
maior o número de acidentes provoca- ponente afetivo-avaliativo é considera-
dos pelo álcool. Se durante o dia culcula- MODELO PREVENTIVO do como característica específica da ati-
se que em 24% dos acidentes está pre- GERAL tude, e é o que a distinguiria dos de-
sente o álcool, comprovou-se que du- mais conceitos do modelo. A avaliação,
rante a noite - especialmente nos fins favorável ou desfavorável, se apresenta
de semana - 76% dos acidentes estão Na análise preventiva sobre o con-
como uma predisposição para a realiza-
relacionados direta ou indiretamente sumo de álcool entre os condutores vem
ção, ou não, da ação.
com esta substância. sendo utilizado o modelo de Fishbein e
Ajzen, a Teoria de la Ação Racional Por sua vez, a norma subjetiva é de-
O problema de embriaguez alcoóli- finida pelas crenças dos indivíduos e
(Fishbein, 1967; Fishbein e Ajzen, 1975;
grupos de referência dos mesmos e pela E para que isto realmente funcione, a de, devido ao valor explicativo propor-
importância que estes conferem a ditas punição (castigo) tem que deixar de ser cionado pela possibilidade de atribuir
crenças. Dito de outra maneira, a nor- uma palavra escrita na lei e passar a ser pesos relativos aos determinantes da in-
ma subjetiva se origina na percepção do percebida pelo condutor como um fato tenção, assim como para as característi-
indivíduo de que outras pessoas ou ins- passível de execução. Se cada vez que cas que definem cada um destes
tituições, importantes para ele, pensam um condutor cometer uma infração (por determinantes no modelo.
que realizará ou não uma ação. A per- exemplo dirigir alcoolizado), houver Precisamente este foi o modelo uti-
cepção que ele tem sobre o que espe- como conseqüência a punição (multa, lizado na pesquisa centrada no estudo
ram que ele faça, converte-se na norma apreensão, do veículo, suspensão da das infrações de trânsito, dentro do Pro¬
que vai reger seu comportamento sem- carteira de habilitação, orientação pre- jeto DRIVE (Carbonell e Rothengatter,
pre que essas pessoas ou instituições ventiva, avaliação médica, psicológica, 1990), e mais especificamente, na aná-
sejam uma referência subjetivamente teórica e prática, etc), maior será o grau lise das atitudes de condutores e polici-
importante, e para as quais, ais de trânsito frente a elas,
de alguma maneira, se sen- assim como o grau de acei-
te obrigado a agradar ou a tação e uso dos procedimen-
não defraudar. Assim, por tos automatizados de con-
exemplo, alguém pode não trole do trânsito.
utilizar o cinto de segurança Para a avaliação da ati-
porque se o fizer, o resto dos tude em relação à infração,
companheiros no carro caço- o grupo-alvo desta pesqui-
ariam dele. Outros exem- sa, condutores e policiais de
plos, associando beber e di- trânsito, avaliou um questi-
rigir seriam: - o dictum da onário de 26 infrações em
hospitalidade, que impõe ao relação a sua periculosidade
hospedeiro oferecer mais be- ou gravidade para a Segu-
bida aos seus convidados, rança Viária numa escala
mantendo os copos sempre Likert de 7 níveis. Da mes-
cheios; - o costume de retri- ma forma, os condutores
buição, que impõe à visita avaliaram estas mesmas in-
que coma excessivamente e frações quanto à probabili-
"encha a cara", para de- dade de serem surpreendi-
monstrar que está divertin¬ dos pela polícia cometendo-
do-se e gostando da festa; - as (norma subjetiva de pres-
a idéia de masculinidade, são social). O "Questionário
que não pode ser ofendida sobre infrações de trânsito"
pela esposa, mesmo que esta foi respondido por uma
(geralmente bebe menos) amostra de 500 condutores
esteja em melhores condi- de toda a Espanha, além de
ções de dirigir; - a educação, outras amostras proporcio-
ou as boas maneiras, que im- nais na Noruega, Irlanda e
pedem o dono da casa de su- Holanda.
gerir que o amigo está "em-
balado" demais para dirigir Aqui se apresentam al-
o carro com segurança. guns resultados referentes à
amostra espanhola de con-
Finalmente, o grau de dutores, diretamente relaci-
controle percebido atende aos onados com o tema deste
fatores externos que o indi- trabalho. Em termos gerais,
víduo ou grupo entendem foi constatado que eles ma-
que condiciona o comporta- nifestaram uma clara ten-
mento em forma de conse- dência em considerar como
qüências externas. De fato, graves as infrações em ge-
alguém pode utilizar o cinto ral, já que todas obtêm pon-
de segurança para evitar tuações superiores a 4;
uma multa. Em outras palavras, é ne- de controle por ele percebido. exceto, e isso não supõe nenhuma sur-
cessário desenvolver mecanismos para Definitivamente, a intenção do com- presa, o "estacionamento em lugar ex-
que, de alguma forma, as pessoas per- portamento está determinada pela nor- pressamente proibido por um sinal".
cebam que há mais controle externo. ma subjetiva, pelo controle percebido e Este resultado foi similar aos demais
Não basta criar normas e leis; aliás, elas pela atitude com respeito ao mesmo, países nos quais foi administrado o ques-
já existem, e por inúmeras vezes numa proporção determinada para cada tionário, sendo que os condutores no-
reformuladas. A aplicação real destas, é caso específico, em função do peso que ruegueses foram os que consideraram
que deve ser enfatizada de maneira efe- cada sujeito, ou grupo, confere a estes as infrações em geral como de maior gra-
tiva e eficaz, de modo a atingir, conse- elementos. vidade. A amostra espanhola ficou situ-
qüentemente, o condutor infrator, quer Este modelo deu resultados interes- ada numa posição intermediária com
dizer, ele tem que perceber que de fato santes em outros âmbitos, especialmen- respeito aos demais países.
será punido, caso cometa uma infração. te naqueles relativos a problemas de saú- A comparação dos itens entre si dá
como resultado que as infra¬ dentes: o consumo de álco-
ções mais perigosas, segun- ol e o excesso de velocida-
do os condutores espanhóis, de (Quadro 1. Representa-
são as seguintes: (a) não ção de tendências realiza-
parar depois de estar envol- das por ajuste às pontua-
vido em um acidente de ções obtidas).
trânsito; (b) ultrapassar No Quadro 1, relativo
onde está especificamente ao consumo de álcool, en-
proibido por um sinal; (c) contramos uma representa-
dirigir estando sob a influ- ção na qual se observam al-
ência do álcool, com um ní- gumas questões: (a) o con-
vel de 1,2 g/l ou mais de sumo elevado de álcool é
álcool no sangue; (d) diri- considerado em quase to-
gir com freios defeituosos; das as idades como mais
(e) passar um semáforo com grave que o consumo mo-
sinal vermelho, supondo derado, exceção feita na
que o tráfego transversal faixa superior de idade de-
não se pôs em movimento. vido a dificuldades na inter-
Outras pesquisas nos pretação das taxas de álco-
mostram que as infrações de ol no sangue; (b) os grupos
trânsito que mais contribu- de maior risco se encon-
em para as causas de aciden- tram nas três primeiras fai-
tes na Europa (Opheusden, xas de idade, especialmen-
1989) são, nesta ordem: (a) te no que se refere às bai-
velocidade inadequada, e xas taxas de álcool, já que
dentro desta, especialmen- estes níveis (próximos ao
te a excessiva em relação ao permitido) influenciam nos
contexto, (b) não respeito às processos perceptivos,
prioridades (incluindo se- atencionais e na capacida-
máforos), (c) estado do con- de para tomar decisões; (c)
dutor (principalmente com o grupo de maior discrimi-
relação à influência do álco- nação é a faixa de idade en-
ol e da fadiga), (d) ultrapassagens ina- tre 36 e 45 anos. Destas observações,
com relação à Espanha nos indicadores
dequadas, (e) não manter as distâncias conclui-se a necessidade de ações espe-
relativos à Segurança Viária.
de segurança. cíficas diferenciadas, por exemplo, uma
A análise diferencial na amostra de eventual campanha de prevenção do
Uma comparação do ranking de cau- condutores segundo sexo, idade e nível consumo de álcool, sobre os diversos
sas de acidentes na Europa, com a or- de experiência na direção é especial- grupos, centrando a atenção nas duas
denação resultante da avaliação dos con- mente relevante quanto a consideração primeiras faixas de idade no que diz res-
dutores espanhóis, mostra evidentes dis- das vias e possibilidades de intervenção peito ao consumo em geral, na terceira
crepâncias. Por exemplo, chama a aten- em cada uma destas infrações. faixa sobre os níveis baixos, e na última
ção que o excesso de velocidade, prin- Em relação aos condutores, as dife- faixa, previamente, sobre a compreen-
cipal causa de acidentes e mortalidade renças são claras em função do sexo: as são dos indicadores de álcool para po-
na Espanha, não é considerado, pelos mulheres tendem a considerar as infra- der obter dados válidos sobre as atitu-
condutores, uma das infrações mais gra- ções como mais graves para a Seguran- des diante destas infrações.
ves. Entretanto, este resultado, mesmo ça Viária. Entre as infrações, as mulhe-
não sendo muito diferente dos obtidos res consideram como de maior gravida- No Quadro 2, são mostradas as dife-
em outros países europeus (Bruin, Vaa de aquelas relativas aos elementos de renças na consideração da gravidade das
e Ostvik, 1989), mostra que as diferen- segurança passiva (cinto de segurança, infrações por parte dos condutores, em
ças são significativas. Mesmo assim, re- luzes insuficientes ou freios defeituo- função do seu nível de experiência, le-
sulta curioso que deixar de usar o cinto sos). Também consideram mais grave vando em conta a freqüência do uso do
de segurança nas estradas é considera- certas infranções que implicam um esti- veículo, sendo esta, medida com o cri-
do menos grave do que dirigir um veí- lo mais agressivo de direção, como: di- tério número de kilómetros ao ano. Diri-
culo com excesso de carga ou ultrapas- rigir "colado" ao veículo que vai em fren- gir estando sob os efeitos da fadiga mos-
sar uma fila utilizando a pista destinada te sem tempo de parar ou mudar de pis- tra uma clara correspondência entre o
a ônibus-táxi. ta, sem sinalizá-lo previamente. Final- nível de experiência e a gravidade no
Dirigir estando sob os efeitos do ál- mente, entre as infrações, também apa- momento de considerar esta infração, o
cool, excedendo muito o limite permiti- rece que as mulheres consideram o abu- que indiretamente vem verificar alguns
do (1,2 g/l ou mais - veja Quadro 1), so do álcool mais grave que os homens. aspectos existentes no modelo de saú-
encontra-se entre as três infrações mais As diferenças observadas a partir da de aplicado ao trânsito, proposto por
graves segundo os condutores espa- idade são muitas e em muitas ocasiões Reig (1987). De acordo com este autor,
nhóis, superando nesta valoração outros também altamente significativas. Nesta um maior conhecimento do risco obje¬
países como a Irlanda e aproximando- ocasião vamos apresentar unicamente tivo, e neste caso postulamos que quan-
se muito da Noruega e, inclusive, da dois exemplos, dada à relevância social to maior exposição e experiência maior
Holanda (Bruin, Vaa e Ostvik, 1989), na direção deste tipo de comportamen- conhecimento, pode melhorar a avalia-
países estes que levam muita vantagem to e da alta incidência na causa de aci- ção subjetiva do risco, reduzindo assim
adequada do risco ob- mente a probabilidade associada de so-
jetivo. Em todo caso, frer ou causar um acidente.
estas análises coinci-
dem com as anteriores
CONCLUSÃO
em relação à necessida-
de de uma intervenção
modulada pela variável Com relação as falhas humanas o ál-
nível de experiência. cool é, sem dúvida, um dos maiores fa-
Quanto ao estudo tores de risco na condução de um veí-
diferencial da probabi- culo, pelo grande número de alterações
lidade de ser surpreen- psicofísicas que provoca nos conduto-
dido cometendo uma res. Beber e dirigir são, inegavelmente,
infração, em função atividades incompatíveis, pois a tarefa
das variáveis sexo, ida- de dirigir um veículo automotor impli-
de e experiência apare- ca uma integridade dos reflexos, uma
ce o seguinte: com re- perfeita coordenação motora e princi-
lação à variável sexo palmente a manutenção da autocrítica.
também as mulheres Dispomos de alguma alternativa efi-
determinam uma mai- caz para este desafiante problema? Que
or probabilidade de ser podemos fazer para tratar de diminuir
descobertas cometen- esta terrível taxa de mortalidade? A res-
do uma infração, sen- posta para estas perguntas é um dos
do mais patente nos objetivos que os profissionais de diver-
casos como: dirigir sem sas áreas vêm buscando, através de pes-
o cinto de segurança, quisas e estudos correlacionados com
com luzes insuficien- este tema. Há um consenso dentro da
tes, com excesso de ál- área de prevenção dos problemas asso-
cool, ou a ultrapassa- ciados ao álcool e a direção de veículos
gem em lugar expres- de que esta não é uma tarefa fácil. Ao
samente proibido. A que parece, nem as determinações de
variável idade não uma taxa de alcoolemia nem as legisla-
mostra diferenças sig- ções vigentes - sejam estas repressivas
nificativas. A variável ou permissivas - conseguiram pôr um
experiência, por sua fim ao elevado número de vidas huma-
vez, apresenta alguns nas perdidas que supõe anualmente os
resultados interessan- acidentes de trânsito.
tes: em termos globais, Existem muitos fatores implicados no
os condutores infre- problema, um deles é o econômico. É
quentes e os profissio- sabido que a existência de uma norma
a incidência de decisões arriscadas ou nais consideram a detenção cometendo não garante necessariamente o seu cum-
potencialmente perigosas. uma infração como de maior probabili- primento nem sua aceitação no decor-
dade de ocorrer. Os condutores infre- rer do tempo. Para consegui-lo se deve
A situação levantada para o resto de
quentes superam todos os grupos em: acrescentar dois elementos: (1) Por um
comportamentos representados no Qua-
não parar depois de um acidente, luzes lado, a educação, com o fim de que o
dro 2 é muito diferente. Assim, dirigir
insuficientes, freios defeituosos, dirigir próprio cidadão assuma e entenda o
alcoolizado ou os excessos de velocida-
sem a categoria de habilitação adequa- porquê da norma e assim aceite sua apli-
de são considerados como mais graves
da, estacionar em lugar proibido e diri- cação. Sabemos que a educação não é
pelos condutores profissionais e pelos
gir com excesso de velocidade. Por ou- tarefa fácil e muito menos gratuita e que
infrequentes, do que pelos usuários fre-
tra parte, os condutores profissionais su- não pode ser imposta por uma lei, ain-
quentes ou muito freqüentes das vias. A
peram todos os demais grupos, isto é, da que necessite de alguma forma de
explicação está diferenciada em três gru-
consideram mais provável a detenção no tal medida. Entretanto, a escola pode ser
pos: (a) os condutores infrequentes
resto das infrações. Entretanto, o dado o âmbito privilegiado desde o qual se
mostram temor diante de comportamen-
mais preocupante é que são os condu- deverão impartir precocemente progra-
tos arriscados, fundamentalmente, dada
tores muito freqüentes, e depois os fre- mas preventivos; (2) Por outro, é ne-
a sua falta de perícia na direção e seu
quentes, os que atuam com maior im- cessário que haja um controle dessa
desconhecimento dos fatores da via; (b)
punidade, precisamente aqueles que, em mesma aplicação, com o intuito de au-
os condutores profissionais têm um co-
termos gerais, consideravam as infrações mentar o grau de controle percebido
nhecimento mais real do risco objetivo,
como menos graves. Estes dados reafir- pelos condutores. As pesquisas dos psi-
devido a alta experiência na direção, e
mam sua característica de grupo de ris- cólogos do trânsito, entre elas as do Ins-
por isso adotam um estilo de direção flu-
co como também a necessidade de uma tituto Universitário de Tráfico y Seguridad
ído, porém assumem poucos riscos; (c)
intervenção específica, devido ao baixo Vial (INTRAS), mostram a importância
os condutores de nível intermediário de
peso conferido tanto para a atitude da supervisão policial e das sanções no
experiência superaram os temores ini-
como para a pressão da norma, fazen- cumprimento da norma (Carbonell e
ciais, devido ao fato de que possuem
do com que aumente a probabilidade Rothengatter, 1990), e isto ficou
uma certa destreza na direção, porém
de cometer infrações e conseqüente- demostrado em alguns dos países euro¬
não assumiram ainda uma percepção
peus, nos quais, em ocasiões de greve ço por mudar a atitude dos condutores gundo caso, a teoria vai além dos fatos
dos policiais de trânsito, houve um au- em relação a esta infração. E nesse as- conhecidos e aventura predições
mento notável no número de acidentes. pecto, cada vez mais os especialistas em empíricas a respeito dos fatos que podem
Um indicador indireto da importân- matéria de Psicologia e Segurança Viá- ocorrer. O interesse da teoria científica
cia concedida a este problema poderia ria estão de acordo em que para conse- sobre a atitude reside na capacidade para
ser obtido através do estudo da legisla- guir uma redução deste tipo de infra- centrar a pesquisa em torno de determi-
ção comparada, vigente nos diferentes ções de trânsito é necessário realizar um nadas áreas que são qualificadas como
países, e o grau em que se penaliza a amplo trabalho sobre as atitudes dos de caráter prioritário ou que podem ser
condução de veículos sob o efeito do condutores frente aos diversos compor- excessivamente complexas para ser ma-
álcool. Em quase todas estas legislações, tamentos no contexto viário. nipuladas. E, inegavelmente, a área que
o indicador mais freqüentemente utili- As atitudes são formadas a partir da abrange os problemas do álcool para a
zado é a taxa de alcoolemia. Ao longo interação do sujeito com o ambiente. Segurança Viária é um tema de caráter
dos últimos anos, esta taxa parece que Acreditamos que os três grandes contex- há muito tempo prioritário, mas que in-
está decrescendo em muitas legislações tos configuradores das atitudes são o felizmente até o presente momento não
atualmente vigentes ou em vias de es- sócio-cultural, o familiar e o escolar. Es- vem recebendo a devida importância.
tar: por exemplo, na Suécia o nível de tabelecer uma clara separação entre eles Uma vez mais, a exemplo de inúme-
alcoolemia permitido em sangue era de é praticamente impossível, ainda que ros trabalhos, também neste se enfatiza
0,8 g/l em 1940 e a partir de 1959 pas- metodologicamente seja necessário que a extrema importância de se investir em
sou para 0,5 g/l. Com este mesmo nível se faça uma pesquisa ou programa pe- educação. É necessário informar e edu-
de alcoolemia permitido estão também dagógico específico. A assimilação do car sanitariamente a população e em es-
a Holanda, Finlândia e Irlanda. No Bra- contexto social, familiar e escolar, com pecial os condutores, sobre os perigos
sil, o anteprojeto de lei que pretende seus sistemas de crenças e representa- da condução de veículos sob os efeitos
instituir o novo Código Brasileiro de ções ideológicas, estereótipos e precon- do álcool. A Segurança Viária dos cida-
Trânsito, em substituição ao do ano de ceitos, estilos de comportamento e há- dãos é uma questão de segurança pú-
1966, prevê a redução para 0,4 g/l. Por bitos, produz no indivíduo avaliações blica, de saúde e de educação. A falta
sua vez, na Espanha, os espertos em ma- afetivas e atitudes, diante de objetos, de Educação Viária não é, senão, a
téria de Psicologia e Segurança Viária situações ou pessoas. concretização de um problema mais
estão de acordo com redução do nível No âmbito científico a teoria sobre a geral, já que a cultura dominante não é
de aloolemia para 0,5 g/l, sendo atual- natureza da atitude tem uma dupla fun- participativa e solidária. A participação
mente de 0,8 g/l. ção: descritivo-explicativo e preditiva. A da sociedade civil na redução da
De acordo com o referido antepro- primeira se propõe a prover uma base sinistralidade é condição sine qua non:
jeto de lei para instituir o novo Código para reunir e condensar os fatos que são o pacto nacional sobre Segurança Viá-
(Diário Oficial, 1992), as infrações se- essenciais a respeito das atitudes. No se- ria não pode mais se fazer esperar.
rão transformadas em crimes, e de acor-
do com elas, quem dirigir alcoolizado
sofrerá uma pena de um a seis meses de
prisão, além de perder temporariamente
a licença de motorista, ainda que não haja
cometido nenhuma outra infração, mui-
to diferente do Código em vigor, que AJZEN, I. e FISHBEIN, M. (1980). Understanding Attitudes and Predicting Social Behavior.
considera o dirigir alcoolizado apenas Englewood Cliffs, N.J.: Prentice-Hall.
como uma contravenção com multa e
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o modelo de países que possuem uma FISHBEIN, M. (1967). Attitude and the prediction of behavior. En M. Fishbein (Ed.) Readings in
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rígidas aos delitos de trânsito. Resta es- Specific Deterrence. New York, Springer-Verlag.
perar que seja cumprido em sua totali- ISTO É (1992). Um freio na impunidade. Editora Três no 1172,26-33.
dade, pois todos nós sabemos que de OPHEUSDEN, P. V. (1989). Review of existing accident database in Europe In Autopolis.
nada resolve proibir ou legislar quando The identification of traffic law violations 1033/D1.
nada é feito contra a impunidade. PINHEIRO, G.F.L e RIBEIRO, D. (1987). Doutrina, Legislação e Jurisprudência do Trânsito.
Por outro lado, somente um aumen- Ed. Saraiva.
to da punição não reduzirá a longo pra- REIG, A (1987): Estrés y Conducción. Em. J. SOLER e F. TORTOSA (Eds). Psicologia y
zo o número de pessoas que conduzem Tráfico. Nau llibres Valencia.
sob os efeitos do álcool se não for
VASCONCELOS. E.A. (1985). O que é trânsito. Ed. Brasiliense.
complementado com um decidido esfor-

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