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AULA 4

FUNDAMENTOS DE
EDUCOMUNICAÇÃO

Prof. Rodrigo Otávio dos Santos


TEMA 1 – EDUCOMUNICAÇÃO, CONSUMO E CONSUMISMO

Há um lado político, na questão da educomunicação, que é pouco


abordado na maioria dos livros e artigos sobre o tema. Discutir como a sociedade
atual funciona é primordial para entendermos como nossos alunos se situam e,
mais ainda, como a educomunicação pode ser eficaz como estratégia de ensino.
O século XXI se inicia já sob a égide do consumo. Isso é, ao mesmo tempo,
um problema e uma solução, como veremos.
Uma das questões mais prementes do nosso mundo globalizado atual é a
efemeridade das empresas, das profissões e dos indivíduos. Bauman (2008)
explicita isso de forma veemente quando lembra que o site sensação deste ano
pode não ser mais nada daqui a poucos anos. E aqueles que sobreviverem o farão
por meio de mudanças muito fortes em sua estrutura. Temos dois casos
emblemáticos e que muito se adequam à nossa pesquisa educomunicacional. O
Facebook, inicialmente um website de encontros, se transformou em outro tipo de
rede social graças principalmente ao seu aplicativo de celular. Mais do que isso,
a própria estrutura visual e funcional do Facebook mudou radicalmente em pouco
mais de dez anos. Seu concorrente inicial, o Orkut, mesmo estando sob o guarda-
chuva da maior empresa do setor, a Google, não soube se adaptar e “morreu”.
Pinto (2005) já externava, se valendo do exemplo das viagens norte-
americanas à Lua, que, assim que as pessoas se acostumam com uma
tecnologia, elas passam a ignorá-la e buscam sempre a nova tecnologia, a
novidade. Há um encurtamento no prazo no qual uma tecnologia é revolucionária.
A revolução de hoje é o trivial de amanhã e o obsoleto de depois de amanhã. Isso
é o consumo tecnológico que estamos vivendo hoje.
Mas, não é apenas no consumo tecnológico que estamos imersos. Todo o
restante da nossa vida é também motivado pelo consumo. Analise o seu entorno.
Pessoas, nos mais diferentes momentos da vida, são tratadas como mercadorias.
Quantas vezes você ouviu que fulano deveria “se vender melhor” ou que cicrano
tem “bom marketing pessoal”? Sobre os seres humanos na sociedade, Bauman
(2008, p. 13, grifos do original) diz que há “[...] o teste em que precisam passar
para obter os prêmios sociais que ambicionam exige que remodelem a si
mesmos como mercadorias, ou seja, como produtos que são capazes de obter
atenção e atrair demanda e fregueses”.

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E de onde vem tal motivação? Os indivíduos parecem estar rodeados por
ideias de consumo. Toda a comunicação é baseada no consumo. A
educomunicação nos ensina isso quando revela que cinema, televisão, histórias
em quadrinhos, videogames ou redes sociais são produtos essencialmente
forjados no binômio produção/consumo. Tanto isso é verdade que, como informa
Orozco Gómez (2014), os antigos meios de comunicação estão aí reformulados,
para um novo consumo. O rádio continua em nossos lares (ou carros), a televisão,
os videogames... Mas, ao compará-los com suas versões de 50 anos atrás,
veremos muitas diferenças. O que substancialmente mudou foi o consumo. Se,
na década de 1970, tínhamos apenas poucos canais na televisão aberta, na
década de 1990 a TV a cabo se popularizou. E, em 2010, o streaming modificou
novamente nossa forma de acompanhar aquele aparelho que é praticamente
onipresente nas salas das famílias brasileiras. Se, nos anos 1970, as conversas
eram motivadas pelos capítulos das novelas, 20 anos depois tínhamos canais
específicos para crianças, para amantes do esporte ou noticiosos. Mais 20 anos
e nossas conversas são sobre a última temporada de uma série que foi assistida
no estilo “maratona”.
Se usamos a televisão como exemplo, o mesmo pode ser dito dos demais
meios comunicacionais. E também sobre as pessoas, como já começamos a
discutir. Assim como a televisão teve que se modificar, mais ou menos, de 20 em
20 anos, mantendo características preexistentes, mas adicionando novas, isso
também acontece aos indivíduos neste mundo que Bauman (2008) chama de
líquido. As pessoas, que viraram produtos, têm que se atualizar, permanecerem
vendáveis por mais tempo, para se manterem no mercado de trabalho. Basta ver
o termo horroroso sempre dito em grandes empresas: reciclagem. Em expressões
como precisamos reciclar este profissional ou a equipe precisa de reciclagem.
Ora, o que se recicla é lixo! Aquilo que não se quer mais, que não serve mais, que
é inútil. Será mesmo que profissionais (pessoas) merecem ser tratadas assim?
Mais grave do que isso, os meios de comunicação promovem a ideia de
que somos uma mercadoria em uma prateleira. Apenas mais um item. Portanto,
quando não formos mais convenientes, ou quando um modelo novo surgir,
seremos descartados e substituídos. Ao mesmo tempo, se você não for uma
mercadoria, será inútil para a sociedade. Nós somos uma mercadoria que quer se
destacar na prateleira.

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E como fazemos para obter esse destaque? Expomo-nos. Infelizmente, no
mundo atual, a exposição é constante e, mais do que isso, desejada. Se, nos
séculos anteriores, as pessoas prezavam sua privacidade, o mesmo
definitivamente não ocorre na nova sociedade. Atualmente, crianças, jovens e
adultos se expressam por meio de redes sociais de uma forma nunca antes vista.
Além disso, há câmeras por toda parte e cada vez mais a privacidade torna-se um
luxo de poucos. Se, antigamente, as crianças queriam ser astronautas, jogadoras
de futebol ou artistas de cinema, hoje elas querem ser famosas. Apenas isso. Sem
uma profissão ou ato que fundamente essa relação com o estrelato. O sonho é
apenas ser famoso, ou seja, apenas ser uma mercadoria melhor, mais atrativa,
em um grande balcão de mercado. E é interessante dizer, novamente calcados
em Bauman (2008), que essa motivação pelo sucesso sem ter lastro em nenhuma
atividade é claramente uma fonte de frustração. E o é porque, sem uma atividade,
há apenas um sonho fugaz, sem chance de se atingir uma satisfação pessoal.
De qualquer forma, é inegável que o consumo faz parte da vida dos
indivíduos, gerando padrões de vida, relacionamentos, e faz girar a roda dos seres
humanos. Assim, diz Bauman (2008, p. 38) que

por toda a história humana, as atividades de consumo ou correlatas [...]


têm oferecido um suprimento constante de “matéria-prima” a partir da
qual a variedade de formas de vida e padrões de relações inter-humanas
pôde ser moldada, e de fato o foi, com a ajuda da inventividade cultural
conduzida pela imaginação.

Logo, fica evidente dizer que o consumo é inerente ao indivíduo.


Precisamos consumir ar, alimentos e nutrientes, para dizer o mínimo do consumo.
Mas, o consumismo é diferente. O consumismo é produto da sociedade. Isso
porque, supostamente, as pessoas consomem para ter conforto e bem-estar. Ou
assim deveria ser. Entretanto, o que se percebe é que a sociedade acaba forçando
o indivíduo a consumir muito além daquilo que ele deseja. E ir contra esse
movimento é extremamente difícil, haja vista que nossas relações sociais,
novamente concordando com Bauman (2008), são pautadas pelo consumo.
Tanto isso é verdadeiro que, nessa sociedade líquida e globalizada, é mais
fácil encontrar um “amigo” do outro lado do mundo, mas que tenha os mesmos
interesses que nós, do que nos relacionar bem com nosso vizinho de porta. A
questão primária, e que nos faz olhar para a educomunicação, é a relação entre
esse consumo de bens culturais e a sociedade. Basta acompanhar o que Bauman
(2008, p. 41, grifo do original) diz sobre consumismo:

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Pode-se dizer que o “consumismo” é um tipo de arranjo social resultante
da reciclagem de vontades, desejos e anseios humanos rotineiros,
permanentes e, por assim dizer, “neutros quanto ao regime”,
transformando-os na principal força propulsora e operativa da
sociedade, uma força que coordena a reprodução sistêmica, a
integração e a estratificação sociais, além da formação de indivíduos
humanos, desempenhando ao mesmo tempo papel importante nos
processos de autoidentificação individual e de grupo, assim como na
seleção e execução de políticas de vida individuais.

Então, como estamos percebendo, a sociedade praticamente nos força a


consumir. E isso envolve demais o consumo de produtos da comunicação de
massa. A cada dia, somos “obrigados” pelos nossos pares a consumir mais um
novo artista da música, mais uma nova série de TV, mais um filme no cinema. E
não apenas consumi-los, mas também jogá-los fora muito rapidamente,
descartando esses produtos de forma quase instantânea. Pense no hit do verão
passado. Você ainda lembra qual música tocava incessantemente nas rádios? Ou
o filme mais assistido no meio do ano passado? Qual foi? Se você lhe assistiu, o
que lembra dele?

Leitura obrigatória
PINTO, Á. V. O conceito de tecnologia. Rio de Janeiro: Contraponto, 2005.

TEMA 2 – A EDUCOMUNICAÇÃO E O CONSUMO NA SOCIEDADE

O consumo atual não tem a ver com satisfação das necessidades, como já
foi outrora. Hoje em dia, o consumo tem a ver com o aumento incessante dos
desejos. Como dizem em Hollywood, ao criar um novo filme derivado (algo como
o volume 2 de uma mesma história), quanto maior, melhor. Quanto mais explosiva,
grandiloquente e custosa, melhor será a sequência. Ou pelo menos assim
imaginam os seus produtores.
Esses produtores, que também transitam em áreas como a música, a
televisão e os videogames, sempre parecem exigir que a sociedade compre mais
e descarte mais, rapidamente. Se, há 30 anos, um filme ficava em cartaz algo em
torno de 45-60 dias, hoje esse prazo é de apenas 15 dias. Em duas semanas, as
pessoas devem assistir e descartar os filmes. Se, há 20 anos, as produções
cinematográficas levavam até dois anos para saírem em home video (primeiro em
VHS e depois em DVD, conforme o avanço tecnológico); hoje, em apenas dois
meses, elas já podem ser encontradas tanto em DVDs quanto em streaming, em
plataformas como Netflix ou Hulu.

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Como se comporta o aluno, nessas condições? Ora, como o restante da
sociedade, ou seja, ele é um consumidor que ingere, digere e expele com uma
rapidez nunca antes vista. Nossos alunos, em sua maioria, entendem uma
canção, uma série de televisão ou um filme como algo transitório e, na maior parte
das vezes, esquecível. Basta o professor perguntar sobre algum filme que eles
tenham assistido há um ano e perceberá que eles mal se lembram do seu enredo
e muito menos de seus trechos mais complexos. Assim, pode-se dizer que cabe
ao professor sempre trazer à tona as lembranças ou o direcionamento desejado.
No mundo consumista, não há espaço para lembranças, haja vista que as
pessoas atualmente enxergam a própria vida não mais como uma coligação de
momentos alinhados no tempo e no espaço, mas sim como fragmentos de
momentos sem muita coesão. É, como diz Maffesoli (2003), um tempo pontilhista,
fragmentado. E, nesse mundo fragmentado, a vida é uma constante de
possibilidades desperdiçadas. Mais ainda, graças à publicidade (principalmente),
na televisão, e também graças ao modus vivendi promovido pelo cinema
hollywoodiano, os indivíduos estão cada vez mais vivendo no limite da frustração.
Carrière (2015) diz que as pessoas planejam ou enxergam suas vidas como se
fossem atores em um filme. E, claro, se frustram, pois a vida não é um filme.
Essa necessidade de viver conforme padrões impostos e de descartar cada
vez mais rápido os bens culturais adquiridos acaba por fomentar também uma
espécie de ansiedade coletiva, que atinge nossos alunos em cheio. Existe, na
sociedade atual, uma certa ideia de que não há segunda chance. De que, ao
perder uma oportunidade (de encontrar um emprego, encontrar um amor ou
mesmo se divertir), esta nunca mais aparecerá novamente, levando o indivíduo a
uma perda irreparável.
Mais uma razão, portanto, para o estudo da educomunicação, para o
professor trabalhar, com os alunos, questões acerca da própria linguagem daquilo
que eles presenciam cotidianamente. Conhecer os meandros de uma produção
hollywoodiana pode ajudar a desmistificar as histórias e os comportamentos dos
personagens que aparecem na história. Assistir ao making of de qualquer filme e
aos erros de gravação já pode ser muito útil para aumentar a distância entre
realidade e ficção.
A promessa da sociedade de consumo, conforme nos fala Bauman (2008),
é a de uma vida feliz. Mais do que isso, uma vida feliz hoje. Não uma felicidade
que chegará em dez anos ou após a morte, como falavam respectivamente

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nossos avós e a Bíblia. Por isso mesmo, o jovem que não é feliz instantaneamente
sente-se deslocado; afinal, em sua cabeça ainda ingênua, todos são felizes,
menos ele. E, mais ainda, ele sente-se avaliado pela sua felicidade. Basta uma
breve olhada em perfis adolescentes na rede social Instagram (lembrando que
crianças não podem possuir perfis em redes sociais) e se constatará o esforço
para se fazer parecer feliz. O tempo inteiro. Essa felicidade, não é preciso ser
gênio para saber, é mentirosa. Mas, contagia – em geral, de forma negativa – os
jovens em volta, que ao ver uma vida “perfeita” e “feliz”, frustram-se. A sociedade
de consumo produz a promessa de satisfazer os desejos humanos em um grau
que nenhuma outra sociedade, no passado, ousou tentar. Entretanto, usando
como base as ideias de Lacan (2016), a promessa de satisfação só é interessante
enquanto permanece incompleta, enquanto o indivíduo permanece insatisfeito.
Assim, podemos assumir que consumo não gera felicidade. E, muito pelo
contrário, talvez cause ansiedade, estresse e depressão.

Leitura obrigatória
BAUMAN, Z. Vida para consumo. Rio de Janeiro: Zahar, 2008.

TEMA 3 – ALUNO CONSUMISTA

Como já falamos, nossos alunos estão em meio a essa sociedade


consumista, em que consumir e descartar são as regras do jogo. E essa sociedade
precisa, para sua sustentação capitalista, de uma eterna não satisfação das
pessoas. Pensemos por um momento o contrário. E se tivéssemos, como já foi
outrora, apenas um relógio durante toda a vida? E se, depois de adultos,
tivéssemos apenas cinco jogos de roupas? E se nossos celulares durassem 30
anos, como os antigos aparelhos telefônicos? Parece difícil conceber um mundo
assim no século XXI.
Hoje, podemos afirmar que a indústria, em conluio com forças de consumo,
promove quase que um vício nos indivíduos. Um vício em consumo. Tenta-se, de
todas as formas, tornar o consumidor viciado neste ou naquele produto. E, assim
como no vício em drogas, a maior parte dos afetados são os jovens, cuja
mentalidade ainda não consegue se desvencilhar dessa condição de vítima das
armadilhas promovidas pelo comércio. Bauman (2008, p. 64) vai mais além e diz
que “o domínio da hipocrisia que se estende entre as crenças populares e as
realidades das vidas dos consumidores é condição necessária para que a
sociedade de consumidores funcione de modo adequado”; ou seja, frustrar o
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consumidor é condição sine qua non da sociedade consumista. Logo, nossos
alunos são viciados em algo que jamais lhes dará felicidade ou a sensação de
saciedade. São vítimas.
Essa postura pode ser muito bem observada quando perguntamos às
crianças ou jovens quais as músicas de que eles gostam. Pode-se perceber, em
uma sala de aula, certos preconceitos e certo direcionamento. Quando o aluno
não se encaixa nesse direcionamento ele é, de certa forma, segregado. Presume-
se que todos deveriam gostar da mesma coisa e que uma massa homogênea
surge ali em meio aos alunos. Nesse ponto, a educomunicação e a miríade de
possibilidades que surgem serão de grande vantagem para o professor.
Em uma massa de alunos focada e direcionada apenas a um estilo de
música, como no exemplo anterior, o professor tem toda a condição de mostrar
outras músicas, outras canções, outras formas de expressões musicais. Devemos
lembrar que, em muitos casos, apenas na escola o aluno terá a chance de
conhecer outro tipo de música, além do que ouve na rádio ou em sua comunidade.
O professor pode fazer com que esse momento seja de grande aprendizado não
apenas do conteúdo proposto, mas também para o próprio ganho cultural do
aluno.
O mesmo pode-se dizer dos outros produtos culturais: fotografias, filmes,
programas de televisão, histórias em quadrinhos, entre outros, podem apresentar
para o aluno um mundo que ele não conhece. E, ao lhe apresentar esse mundo,
o professor consegue problematizar questões interessantes, pois contará não
apenas com a atenção ao conteúdo lecionado, mas também com a forma
educomunicacional com que está sendo promovido esse conteúdo.
Outro ponto interessante da educomunicação em sala de aula, com o aluno
do século XXI, é a convergência de ideias ou mesmo de debates. Isso porque é
sabido que as crianças e os jovens desse período da história humana se
relacionam, em muitos casos, mais com equipamentos eletrônicos do que com
outros seres humanos. Há poucas cenas mais cotidianas, atualmente, do que um
adolescente ensimesmado em seu telefone celular, sem prestar atenção em mais
nada.
Se o professor conseguir estipular atividades educomunicacionais com
base nos dispositivos móveis do aluno, com certeza haverá ganho na
aprendizagem. Um videoclipe que pode ser assistido no celular, um curta-
metragem, ou mesmo um videogame, podem proporcionar muitas coisas

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interessantes e, mais do que isso, mostrarem ao aluno (e talvez aos seus pais)
que o celular também pode ser utilizado para o aprendizado. Devemos lembrar
que alunos sempre estiveram “alheios” à aula. Se, hoje, utilizam dispositivos
móveis, antigamente mandavam bilhetinhos em folhas rasgadas de caderno. O
problema é que os celulares parecem ser onipresentes e o controle sobre seu uso,
muito difícil. Assim, utilizar os telefones em sala de aula pode ser uma saída para
esse impasse. Já que o aluno quer consumir conteúdo por meio do aparelho em
suas mãos, que consuma o conteúdo que o professor deseja.

Leitura obrigatória
OROZCO GOMÉS, G. Educomunicação: recepção midiática, aprendizagens e
cidadania. São Paulo: Paulinas, 2014.

TEMA 4 – A ESCOLA, EM MEIO AO CONSUMO

Parece claro a todos que vivemos em uma cultura consumista. E ela faz
com que as pessoas acabem se comportando como uma manada de indivíduos
cuja única função na vida é o consumo. A cultura consumista, para Bauman (2008,
p. 70), é

o modo peculiar pelo qual os membros de uma sociedade de


consumidores pensam em seus comportamentos ou pelo qual se
comportam de forma irrefletida. [...] A sociedade de consumidores, em
outras palavras, representa o tipo de sociedade que promove, encoraja
ou reforça a escolha de um estilo de vida e uma estratégia existencial
consumistas, e rejeita todas as outras.

Não podemos nos esquecer, então, que a escola no século XXI faz parte
desse contexto. E, como lembra Orozco Goméz (2014), a principal função da
escola no século XXI é a de mediar, ser uma ponte, um canal, entre o que o aluno
vivencia no seu cotidiano e o saber acadêmico.
Em uma cultura consumista, a força da escola deve ser a de tentar refrear
o consumo de produtos culturais indesejáveis e promover o consumo de produtos
mais bem articulados com a proposta de uma sociedade mais justa.
Naturalmente, nenhum professor pode achar que vai conseguir extirpar o
consumo de material inútil e nem é isso que queremos. A própria inutilidade desse
tipo de material também é útil. Como informa Bataille (2013), a própria sociedade
só sobrevive porque há, em seu seio, atividades improdutivas, ditas inúteis ao
capitalismo, mas que unem as pessoas, constroem laços e formam outras
atividades, sendo estas produtivas ou não. Assim sendo, a questão não é eliminar

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as coisas “inúteis” em sala de aula, mesmo porque isso seria impossível, mas sim
fazer com que o tempo seja gasto com menos inutilidades e mais coisas úteis.
Com base no mesmo consumo. Ou seja: em vez de assistir a um vídeo de
comédia no YouTube para dar risada, que tal convidar os alunos para dar risada
e também analisar criticamente o vídeo? Dar risada é interessante, mas dar risada
e problematizar questões postas por um vídeo é ainda melhor.
A escola, portanto, deve entender o mundo consumista em que seus alunos
vivem e, mais do que tentar apenas adaptar-se, aos poucos deve oferecer
alternativas aos discentes. Gradativamente, pode-se contribuir com o aumento da
criticidade por parte das crianças, adolescentes ou adultos. Explicitar e, mais do
que isso, explicar o mundo consumista e as armadilhas em que vivem nesse
mundo comunicacional perigoso e nocivo é essencial para uma possível mudança
cultural. E quem tem as condições de fazer esse trabalho é a escola, por meio de
professores que consigam perceber essas questões no mundo atual e também
por meio das ferramentas oferecidas pela educomunicação.

Leitura obrigatória
BATAILLE, G. A parte maldita. São Paulo: Autêntica, 2013.

TEMA 5 – CONSUMO EDUCOMUNICACIONAL

O consumo, como vimos, é parte essencial do cotidiano e da vida de nossos


alunos, no século XXI. Entretanto, vamos nos debruçar aqui sobre o consumo
educomunicacional deles. E, para tanto, temos que analisar previamente o
consumo comunicacional dessas pessoas. O professor pode então perguntar aos
alunos, de forma explícita ou implícita, de forma escrita ou apenas oral, de quais
elementos comunicacionais eles mais gostam. Assim, pode-se traçar um painel
com elementos que serão importantes para a construção do consumo
educomunicacional. A primeira pergunta e, talvez, a mais simples, seria o
questionamento de qual filme ou qual estilo de filme os alunos mais gostam.
Talvez eles citem nomes de filmes como Vingadores ou A culpa é das estrelas ou
talvez citem estilos, como aventura ou terror. O importante é que o professor
mapeie de quais produtos seus alunos mais gostam. O mesmo vale para quais
músicas ou estilos eles preferem, de quais histórias em quadrinhos mais gostam
e a qual tipo ou programas de televisão mais assistem.
Após esse mapeamento, que pode ou não ser complexo, o professor deve
escolher alguma obra de comunicação para dar início ao consumo
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educomunicacional. Se o professor puder utilizar uma das obras citadas pelos
alunos, tanto melhor. Adaptando um pouco a teoria de Freire (2002), podemos
dizer que os alunos têm uma tendência a aprender melhor quando são utilizados
elementos de que eles têm prévio conhecimento e, nesse caso, de que gostam.
Ao solicitar o consumo de uma ou mais obras escolhidas, o professor deve
agora promover a problematização de algum conteúdo. Note que não basta
apenas usar um elemento de que os educandos gostem para ilustrar algo. A mera
ilustração, aqui, é desnecessária. O importante é a problematização de algum
conteúdo. É, com base no consumo educomunicacional, promover um olhar crítico
sobre algum elemento constante no conteúdo a ser ministrado. Como já provou
Kellner (2001), pode-se obter leituras críticas de produtos culturais como os filmes
Rambo e Top Gun, de desenhos animados como Beavis e Butt-Head ou Os
Simpsons ou de músicas como os raps ou o pop de Madonna.
Ao mesmo tempo que se promove o consumo, porém, é interessante
explicar aos alunos que, por mais que seja divertida ou interessante, o principal
motivo daquela intervenção é educacional e sua função é relativa ao conteúdo
desenvolvido em sala de aula. Não se pode deixar os alunos pensarem que aquela
atividade é uma forma de “matação” de aula. O consumo deve ser promovido,
mas com uma função didática. E essa função deve ser explicitada aos alunos (e
muitas vezes também aos seus pais) antes mesmo do início das atividades
programadas.
Além disso, se puder, o professor deve promover também a cidadania com
base nesse consumo educomunicacional, como veremos em breve.

Leitura obrigatória
BAUMAN, Z. Vida para consumo. Rio de Janeiro: Zahar, 2008.

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REFERÊNCIAS

BATAILLE, G. A parte maldita. São Paulo: Autêntica, 2013.

BAUMAN, Z. Vida para consumo. Rio de Janeiro: Zahar, 2008.

CARRIÈRE, J. A linguagem secreta do cinema. São Paulo: Nova Fronteira,


2015.

FREIRE, P. Pedagogia da autonomia. São Paulo: Paz e Terra, 2002.

LACAN, J. O seminário: livro 6, o desejo e sua interpretação. Rio de Janeiro:


Zahar, 2016.

MAFFESOLI, M. O instante eterno: o retorno do trágico nas sociedades pós-


modernas. São Paulo: Zouk, 2003.

OROZCO GOMÉS, G. Educomunicação: recepção midiática, aprendizagens e


cidadania. São Paulo: Paulinas, 2014.

PINTO, Á. V. O conceito de tecnologia. Rio de Janeiro: Contraponto, 2005.

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