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FUNDAMENTOS DE
EDUCOMUNICAÇÃO
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E de onde vem tal motivação? Os indivíduos parecem estar rodeados por
ideias de consumo. Toda a comunicação é baseada no consumo. A
educomunicação nos ensina isso quando revela que cinema, televisão, histórias
em quadrinhos, videogames ou redes sociais são produtos essencialmente
forjados no binômio produção/consumo. Tanto isso é verdade que, como informa
Orozco Gómez (2014), os antigos meios de comunicação estão aí reformulados,
para um novo consumo. O rádio continua em nossos lares (ou carros), a televisão,
os videogames... Mas, ao compará-los com suas versões de 50 anos atrás,
veremos muitas diferenças. O que substancialmente mudou foi o consumo. Se,
na década de 1970, tínhamos apenas poucos canais na televisão aberta, na
década de 1990 a TV a cabo se popularizou. E, em 2010, o streaming modificou
novamente nossa forma de acompanhar aquele aparelho que é praticamente
onipresente nas salas das famílias brasileiras. Se, nos anos 1970, as conversas
eram motivadas pelos capítulos das novelas, 20 anos depois tínhamos canais
específicos para crianças, para amantes do esporte ou noticiosos. Mais 20 anos
e nossas conversas são sobre a última temporada de uma série que foi assistida
no estilo “maratona”.
Se usamos a televisão como exemplo, o mesmo pode ser dito dos demais
meios comunicacionais. E também sobre as pessoas, como já começamos a
discutir. Assim como a televisão teve que se modificar, mais ou menos, de 20 em
20 anos, mantendo características preexistentes, mas adicionando novas, isso
também acontece aos indivíduos neste mundo que Bauman (2008) chama de
líquido. As pessoas, que viraram produtos, têm que se atualizar, permanecerem
vendáveis por mais tempo, para se manterem no mercado de trabalho. Basta ver
o termo horroroso sempre dito em grandes empresas: reciclagem. Em expressões
como precisamos reciclar este profissional ou a equipe precisa de reciclagem.
Ora, o que se recicla é lixo! Aquilo que não se quer mais, que não serve mais, que
é inútil. Será mesmo que profissionais (pessoas) merecem ser tratadas assim?
Mais grave do que isso, os meios de comunicação promovem a ideia de
que somos uma mercadoria em uma prateleira. Apenas mais um item. Portanto,
quando não formos mais convenientes, ou quando um modelo novo surgir,
seremos descartados e substituídos. Ao mesmo tempo, se você não for uma
mercadoria, será inútil para a sociedade. Nós somos uma mercadoria que quer se
destacar na prateleira.
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E como fazemos para obter esse destaque? Expomo-nos. Infelizmente, no
mundo atual, a exposição é constante e, mais do que isso, desejada. Se, nos
séculos anteriores, as pessoas prezavam sua privacidade, o mesmo
definitivamente não ocorre na nova sociedade. Atualmente, crianças, jovens e
adultos se expressam por meio de redes sociais de uma forma nunca antes vista.
Além disso, há câmeras por toda parte e cada vez mais a privacidade torna-se um
luxo de poucos. Se, antigamente, as crianças queriam ser astronautas, jogadoras
de futebol ou artistas de cinema, hoje elas querem ser famosas. Apenas isso. Sem
uma profissão ou ato que fundamente essa relação com o estrelato. O sonho é
apenas ser famoso, ou seja, apenas ser uma mercadoria melhor, mais atrativa,
em um grande balcão de mercado. E é interessante dizer, novamente calcados
em Bauman (2008), que essa motivação pelo sucesso sem ter lastro em nenhuma
atividade é claramente uma fonte de frustração. E o é porque, sem uma atividade,
há apenas um sonho fugaz, sem chance de se atingir uma satisfação pessoal.
De qualquer forma, é inegável que o consumo faz parte da vida dos
indivíduos, gerando padrões de vida, relacionamentos, e faz girar a roda dos seres
humanos. Assim, diz Bauman (2008, p. 38) que
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Pode-se dizer que o “consumismo” é um tipo de arranjo social resultante
da reciclagem de vontades, desejos e anseios humanos rotineiros,
permanentes e, por assim dizer, “neutros quanto ao regime”,
transformando-os na principal força propulsora e operativa da
sociedade, uma força que coordena a reprodução sistêmica, a
integração e a estratificação sociais, além da formação de indivíduos
humanos, desempenhando ao mesmo tempo papel importante nos
processos de autoidentificação individual e de grupo, assim como na
seleção e execução de políticas de vida individuais.
Leitura obrigatória
PINTO, Á. V. O conceito de tecnologia. Rio de Janeiro: Contraponto, 2005.
O consumo atual não tem a ver com satisfação das necessidades, como já
foi outrora. Hoje em dia, o consumo tem a ver com o aumento incessante dos
desejos. Como dizem em Hollywood, ao criar um novo filme derivado (algo como
o volume 2 de uma mesma história), quanto maior, melhor. Quanto mais explosiva,
grandiloquente e custosa, melhor será a sequência. Ou pelo menos assim
imaginam os seus produtores.
Esses produtores, que também transitam em áreas como a música, a
televisão e os videogames, sempre parecem exigir que a sociedade compre mais
e descarte mais, rapidamente. Se, há 30 anos, um filme ficava em cartaz algo em
torno de 45-60 dias, hoje esse prazo é de apenas 15 dias. Em duas semanas, as
pessoas devem assistir e descartar os filmes. Se, há 20 anos, as produções
cinematográficas levavam até dois anos para saírem em home video (primeiro em
VHS e depois em DVD, conforme o avanço tecnológico); hoje, em apenas dois
meses, elas já podem ser encontradas tanto em DVDs quanto em streaming, em
plataformas como Netflix ou Hulu.
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Como se comporta o aluno, nessas condições? Ora, como o restante da
sociedade, ou seja, ele é um consumidor que ingere, digere e expele com uma
rapidez nunca antes vista. Nossos alunos, em sua maioria, entendem uma
canção, uma série de televisão ou um filme como algo transitório e, na maior parte
das vezes, esquecível. Basta o professor perguntar sobre algum filme que eles
tenham assistido há um ano e perceberá que eles mal se lembram do seu enredo
e muito menos de seus trechos mais complexos. Assim, pode-se dizer que cabe
ao professor sempre trazer à tona as lembranças ou o direcionamento desejado.
No mundo consumista, não há espaço para lembranças, haja vista que as
pessoas atualmente enxergam a própria vida não mais como uma coligação de
momentos alinhados no tempo e no espaço, mas sim como fragmentos de
momentos sem muita coesão. É, como diz Maffesoli (2003), um tempo pontilhista,
fragmentado. E, nesse mundo fragmentado, a vida é uma constante de
possibilidades desperdiçadas. Mais ainda, graças à publicidade (principalmente),
na televisão, e também graças ao modus vivendi promovido pelo cinema
hollywoodiano, os indivíduos estão cada vez mais vivendo no limite da frustração.
Carrière (2015) diz que as pessoas planejam ou enxergam suas vidas como se
fossem atores em um filme. E, claro, se frustram, pois a vida não é um filme.
Essa necessidade de viver conforme padrões impostos e de descartar cada
vez mais rápido os bens culturais adquiridos acaba por fomentar também uma
espécie de ansiedade coletiva, que atinge nossos alunos em cheio. Existe, na
sociedade atual, uma certa ideia de que não há segunda chance. De que, ao
perder uma oportunidade (de encontrar um emprego, encontrar um amor ou
mesmo se divertir), esta nunca mais aparecerá novamente, levando o indivíduo a
uma perda irreparável.
Mais uma razão, portanto, para o estudo da educomunicação, para o
professor trabalhar, com os alunos, questões acerca da própria linguagem daquilo
que eles presenciam cotidianamente. Conhecer os meandros de uma produção
hollywoodiana pode ajudar a desmistificar as histórias e os comportamentos dos
personagens que aparecem na história. Assistir ao making of de qualquer filme e
aos erros de gravação já pode ser muito útil para aumentar a distância entre
realidade e ficção.
A promessa da sociedade de consumo, conforme nos fala Bauman (2008),
é a de uma vida feliz. Mais do que isso, uma vida feliz hoje. Não uma felicidade
que chegará em dez anos ou após a morte, como falavam respectivamente
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nossos avós e a Bíblia. Por isso mesmo, o jovem que não é feliz instantaneamente
sente-se deslocado; afinal, em sua cabeça ainda ingênua, todos são felizes,
menos ele. E, mais ainda, ele sente-se avaliado pela sua felicidade. Basta uma
breve olhada em perfis adolescentes na rede social Instagram (lembrando que
crianças não podem possuir perfis em redes sociais) e se constatará o esforço
para se fazer parecer feliz. O tempo inteiro. Essa felicidade, não é preciso ser
gênio para saber, é mentirosa. Mas, contagia – em geral, de forma negativa – os
jovens em volta, que ao ver uma vida “perfeita” e “feliz”, frustram-se. A sociedade
de consumo produz a promessa de satisfazer os desejos humanos em um grau
que nenhuma outra sociedade, no passado, ousou tentar. Entretanto, usando
como base as ideias de Lacan (2016), a promessa de satisfação só é interessante
enquanto permanece incompleta, enquanto o indivíduo permanece insatisfeito.
Assim, podemos assumir que consumo não gera felicidade. E, muito pelo
contrário, talvez cause ansiedade, estresse e depressão.
Leitura obrigatória
BAUMAN, Z. Vida para consumo. Rio de Janeiro: Zahar, 2008.
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interessantes e, mais do que isso, mostrarem ao aluno (e talvez aos seus pais)
que o celular também pode ser utilizado para o aprendizado. Devemos lembrar
que alunos sempre estiveram “alheios” à aula. Se, hoje, utilizam dispositivos
móveis, antigamente mandavam bilhetinhos em folhas rasgadas de caderno. O
problema é que os celulares parecem ser onipresentes e o controle sobre seu uso,
muito difícil. Assim, utilizar os telefones em sala de aula pode ser uma saída para
esse impasse. Já que o aluno quer consumir conteúdo por meio do aparelho em
suas mãos, que consuma o conteúdo que o professor deseja.
Leitura obrigatória
OROZCO GOMÉS, G. Educomunicação: recepção midiática, aprendizagens e
cidadania. São Paulo: Paulinas, 2014.
Parece claro a todos que vivemos em uma cultura consumista. E ela faz
com que as pessoas acabem se comportando como uma manada de indivíduos
cuja única função na vida é o consumo. A cultura consumista, para Bauman (2008,
p. 70), é
Não podemos nos esquecer, então, que a escola no século XXI faz parte
desse contexto. E, como lembra Orozco Goméz (2014), a principal função da
escola no século XXI é a de mediar, ser uma ponte, um canal, entre o que o aluno
vivencia no seu cotidiano e o saber acadêmico.
Em uma cultura consumista, a força da escola deve ser a de tentar refrear
o consumo de produtos culturais indesejáveis e promover o consumo de produtos
mais bem articulados com a proposta de uma sociedade mais justa.
Naturalmente, nenhum professor pode achar que vai conseguir extirpar o
consumo de material inútil e nem é isso que queremos. A própria inutilidade desse
tipo de material também é útil. Como informa Bataille (2013), a própria sociedade
só sobrevive porque há, em seu seio, atividades improdutivas, ditas inúteis ao
capitalismo, mas que unem as pessoas, constroem laços e formam outras
atividades, sendo estas produtivas ou não. Assim sendo, a questão não é eliminar
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as coisas “inúteis” em sala de aula, mesmo porque isso seria impossível, mas sim
fazer com que o tempo seja gasto com menos inutilidades e mais coisas úteis.
Com base no mesmo consumo. Ou seja: em vez de assistir a um vídeo de
comédia no YouTube para dar risada, que tal convidar os alunos para dar risada
e também analisar criticamente o vídeo? Dar risada é interessante, mas dar risada
e problematizar questões postas por um vídeo é ainda melhor.
A escola, portanto, deve entender o mundo consumista em que seus alunos
vivem e, mais do que tentar apenas adaptar-se, aos poucos deve oferecer
alternativas aos discentes. Gradativamente, pode-se contribuir com o aumento da
criticidade por parte das crianças, adolescentes ou adultos. Explicitar e, mais do
que isso, explicar o mundo consumista e as armadilhas em que vivem nesse
mundo comunicacional perigoso e nocivo é essencial para uma possível mudança
cultural. E quem tem as condições de fazer esse trabalho é a escola, por meio de
professores que consigam perceber essas questões no mundo atual e também
por meio das ferramentas oferecidas pela educomunicação.
Leitura obrigatória
BATAILLE, G. A parte maldita. São Paulo: Autêntica, 2013.
Leitura obrigatória
BAUMAN, Z. Vida para consumo. Rio de Janeiro: Zahar, 2008.
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REFERÊNCIAS
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