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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO

PUC- SP

Márcia Pelegrini

A competência sancionatória do Tribunal de Contas no exercício da


função controladora – contornos constitucionais

Tese de Doutorado em Direito do Estado

São Paulo
2008
2

PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO


PUC- SP

Márcia Pelegrini

A competência sancionatória do Tribunal de Contas no exercício da


função controladora – contornos constitucionais

Tese de Doutorado em Direito do Estado

Tese de doutoramento submetida à apreciação de banca


examinadora do Departamento de Pós-Graduação em
Direito, da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo,
como exigência a obtenção do grau de Doutorado em
Direito do Estado, elaborada sob a orientação da Profa.
Dra. Lúcia Valle Figueiredo.

São Paulo
2008
3

BANCA EXAMINADORA

Dra. Lúcia Valle Figueiredo (Professora Orientadora)

Dra. Dinorá Grotti

Dr. Clóvis Beznos

Dr. Diógenes Gasparini

Dr. Sebastião Botto de BarrosTojal


4

Dedicatória:
Para meus queridos, Osvaldo e Henrique.

Agradecimentos:
Aos meus pais, por tudo e sempre;
A todos os colegas do Gabinete do Conselheiro Maurício Faria, do Tribunal de Contas
do Município de São Paulo, em especial à Betty, aos quais agradeço na pessoa do
Chefe de Gabinete, Alexandre Cordeiro, pela compreensão e apoio durante a
realização deste trabalho.
À amiga Cleide, pela inestimável colaboração e incentivo, presença e apoio constantes
em quase tudo o que fiz no período em que desenvolvi este trabalho.
À querida professora Lúcia Valle Figueiredo, exemplo de profissional e de vida
acadêmica, que me deu a honra e o privilégio de orientar este estudo.
Aos professores Clóvis Beznos e Dinorá Grotti, pelas relevantes sugestões feitas por
ocasião da qualificação, que contribuíram para o desenvolvimento e aperfeiçoamento
da proposta inicial.
A todos meus sinceros agradecimentos e humilde homenagem.
5

RESUMO

O presente trabalho tem por objetivo analisar a competência sancionatória conferida pelo
legislador constituinte ao Tribunal de Contas da União, no exercício da função de controle. A
análise do inciso VIII do artigo 71 da Constituição Federal resultou na constatação de que a
referida competência punitiva encontra limites consubstanciados nos aspectos da irregularidade
de contas e ilegalidade de despesas, vetores estes que devem orientar o legislador
infraconstitucional na determinação das condutas ilícitas, e o órgão controlador na aplicação
das sanções, de forma que algumas infrações previstas na Lei Federal nº 8.443/92 estão em
desacordo com a orientação constitucional. Aborda-se também o aspecto relacionado à
natureza jurídica da sanção aplicada pela Corte de Contas, que embora seja de natureza
administrativa, decorre do exercício da função de controle. Assim, conquanto o legislador deva
adotar cautelas para não criar situações de conflito na aplicação das mesmas sanções cujas
competências estejam conferidas a autoridades integrantes dos órgãos controlados, os influxos
decorrentes da função fiscalizatória afastam a caracterização do “bis in idem” não tolerado pelo
direito pátrio, diante das diferentes áreas de atuação. As normas sancionadoras denominadas
pela doutrina de “abertas” ou “elásticas” podem ser admitidas, quando a descrição das condutas
censuradas e das respectivas sanções possa viabilizar a antecipada ciência dos indivíduos,
porque tais normas, por si sós, não afastam a incidência do princípio da tipicidade. Além disso,
a existência de normas sancionatórias veiculadas por cláusulas genéricas leva ao
entendimento de que os regulamentos devem ser tidos como instrumentos relevantes para
cumprimento da missão de, sem inovar, descrever de forma mais detalhada as condutas
genericamente previstas na lei como ilícitas, ainda que não o façam de forma exaustiva, mas
exemplificativa a orientar os indivíduos e limitar o âmbito de atuação do aplicador da norma,
inclusive acerca de situações assemelhadas. A aplicação da sanção só será válida se realizada
por meio de procedimento legal que assegure a oportunidade de defesa em sua plenitude,
mediante a observância da clausula do devido processo legal e dos princípios dela decorrentes,
situação em que incidirão alguns princípios próprios do direito penal. Por fim, referido
procedimento deve se sujeitar a um prazo razoável de duração, incidindo analogicamente,
diante do silêncio da Lei Orgânica do Tribunal de Contas da União, o prazo prescricional da
pretensão punitiva estabelecido na Lei Federal nº 9.873/99.

Palavras-chaves: Função controladora, Tribunal de Contas, sanção administrativa, prescrição,


multas, regulamento, limites constitucionais, devido processo legal.
6

ABSTRACT

The present paper’s objective is to analyse sanction competence given by constituent


legislator to Court of Accounts as its function as controller. The legal dispositive analyses
consubstantiated with VIII point, article 71 of Federal Constitution, resulted on observation that
the mentioned punitive competence finds boundaries consubstantiated on the bills irregularities’
aspects and expenses’ illegalities, such points must orient the infraconstitutional legislator on
illicit conducts determination and controlling organ on sanction application, in a way which some
infractions prior in Federal Law 8.443/ 92 are in disagreement with the constitutional orientation.
It is also approached on the aspect related to sanction legal nature applied by Court of
Accounts, although it is of administrative nature, comes from his control function. The sanctioned
norms named by the doctrine as “open” and “elastic” can be allowed, when the censored
conduct discretion and respective sanction can make feasible the advance science of the
individual, because such norms, themselves, cannot remove the incidence of typicity’s principle.
Besides that, the existence of the sanction norms linked by generic clauses leads to
comprehension of regulament must be taken as relevant instruments to accomplish the mission
of, without innovation, describe in a detailed way on conducts generically foresight in the law as
illicit, even though in a exhaustive way, but through the exemplar roll to orient the individuals and
limit the action of the norm applicant, as well as similar situations. The sanction appliance will
only be validated if realised through legal procedures that assures the opportunity of defence in
its plenitude, through clause observance of the due process of law and its resulting principles,
situation in which some of Penal Law’s own principles will be incided. At last, the cited procedure
must be subjected to a reasonable deadline, analogically inciding, faced with Court of Accounts
Organic’ s Law silence, the punitive pretension prescription deadline established by Federal Law
9.873/ 99.

Key words: Control Function; Court of Accounts; Administrative Sanction; Prescription; Fines;
Regulament; Constitutional Boundaries; Due Process of Law.
7

SUMÁRIO

INTRODUÇAO....................................................................................................... 9
CAPITULO I – O DEVIDO PROCESSO LEGAL................................................... 14
1. Breve histórico e evolução............................................................................ 14
1.1. As dimensões adjetiva e substantiva do devido processo legal............ 18
2. O Devido Processo Legal na Constituição Brasileira................................... 21
2.1. O processo administrativo e o devido processo legal............................ 26
CAPÍTULO II - LEGALIDADE E SANÇÃO ADMINISTRATIVA............................ 36
1. Breves considerações introdutórias sobre o princípio da legalidade e sua
evolução......................................................................................................... 36
2. Ilícito e Sanção administrativa...................................................................... 48
2.1 O alcance do princípio da legalidade em matéria de ilícito e sanção
administrativa: Monopólio de lei em sentido escrito................................. 69
2.1.1. A norma sancionatória e o princípio da tipicidade.......................... 77
CAPÍTULO III - O TRIBUNAL DE CONTAS......................................................... 95
1. Breve histórico e evolução das competências do Tribunal de Contas da
União.............................................................................................................. 95
2. A competência sancionatória no exercício da função de controle
estabelecida na Carta Política de 1988.......................................................... 107
3. Limites do legislador para o estabelecimento das sanções a serem
aplicadas pelo Tribunal de Contas e a competência regular......................... 115
3.1. As multas................................................................................................. 129
4. Análise jurídica crítica da legislação infra-constitucional que disciplina as
sanções administrativas aplicáveis pelo Tribunal de Contas ........................ 141
CAPÍTULO IV- O PROCEDIMENTO PUNITIVO................................................... 155
1. O ato punitivo: procedimento a ser observado pelo Tribunal de Contas...... 155
1.1. Princípios aplicáveis a atividade punitiva do Tribunal de Contas............ 160
2. O limite temporal para imposição de sanções administrativas pelo
Tribunal de contas: segurança jurídica e razoável duração do processo...... 215
8

SÍNTESE DOS CAPÍTULOS................................................................................. 246


CONCLUSÕES...................................................................................................... 261
ANEXOS................................................................................................................ 269
Anexo A – Lei nº 8.443/92................................................................................ 269
Anexo B – Resolução nº 155/2002................................................................... 279
Anexo C – Lei nº 4.717/1965............................................................................ 286
Anexo D – Lei nº 9.873/1999............................................................................ 297
Anexo E – Lei 8.112/1990................................................................................. 299
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS...................................................................... 305
9

INTRODUÇÃO

A observação de que o homem tende a abusar do poder levou o Barão de


Montesquieu a aprimorar e sistematizar a teoria da separação dos poderes, residindo
seu ponto fundamental na necessidade de os poderes instituídos serem controlados por
órgãos diferenciados. Subjaz, nessa doutrina, a idéia de proteção dos direitos e
liberdades dos indivíduos.

Atualmente, a teoria da tripartição dos poderes vem sofrendo severas críticas


relacionadas à sua insuficiência e incompatibilidade com as dimensões do Estado
contemporâneo, chegando-se mesmo à afirmação de que perdeu autoridade, vigor e
prestígio, porque os valores que a inspiraram desapareceram ou estão em via de
desaparecer, não havendo mais lugar para a prática de um princípio rígido de
separação, segundo o qual o povo é o verdadeiro detentor do poder e o Estado
assumiu responsabilidades que o Estado liberal jamais conheceu 1.

Não obstante as críticas, indubitavelmente a teoria cumpriu papel


fundamental na evolução jurídica do poder político, tendo sido um dos mais valiosos
instrumentos para a organização do poder e salvaguarda dos direitos individuais,
subsistindo na organização atual do Estado, facetas que ainda se aplicam
perfeitamente, sendo uma delas a relativa ao controle por órgãos diferentes e
independentes do órgão controlado. A necessidade desse controle permanece viva
porque é decorrência lógica do Estado de Direito.

Por essa razão, consideramos que poucas instituições possuem papel tão
relevante e indispensável como aquela criada com o objetivo primordial de fiscalizar e
controlar os gastos públicos, não existindo países democráticos sem um órgão
incumbido da fiscalização da gestão do dinheiro público.

1
BONAVIDES,Paulo. Ciência Política. 10ª edição. Malheiros. São Paulo. 1999. p.146.
10

O controle de contas de determinado órgão estatal, por órgão distinto dele, é


tradição do nosso direito constitucional, sendo que desde o nascimento do Estado
brasileiro esse controle, mediante ação fiscalizadora, é exercido pelo Poder Legislativo,
com o auxílio do Tribunal de Contas.

O Tribunal de Contas, órgão de estatura constitucional, aplica sanções


administrativas, - instrumento largamente utilizado no exercício da função administrativa
-, por força da autorização estabelecida no inciso VIII do artigo 71 da Constituição
Federal, mas o faz no exercício da função controladora .

A função de controle conferida pela Constituição Federal ao Tribunal de


Contas é a vertente que interessa no presente estudo, que se propõe a analisar o
regime jurídico, os limites constitucionais das sanções aplicadas por essa instituição e
eventuais influxos decorrentes da função fiscalizadora na natureza jurídica das
sanções.

O tema relacionado às sanções administrativas, não obstante sua larga


utilização, só recentemente inspirou alguns doutrinadores que se dispuseram a
enfrentá-lo, sendo ainda escassa a doutrina nacional sobre o assunto, em especial
quando voltada à aplicação de sanções no exercício da função de controle. O tema
tampouco tem merecido a necessária atenção do legislador, sobretudo no que
concerne à observância do princípio da tipicidade, relacionado à adequada descrição
dos ilícitos administrativos e respectivas sanções decorrentes de sua prática, de forma
suficiente a garantir que os indivíduos tenham conhecimento antecipado dos atos
descritos como ilícitos pela lei e as respectivas conseqüências consolidadas nas
sanções.

O problema persiste no âmbito da aplicação da norma, em que com


freqüência se constata a inobservância de procedimentos prévios mínimos e
indispensáveis para a imputação de penalidades de forma motivada e imparcial, bem
11

como a sua inadequação em termos de proporcionalidade, razoabilidade e de


consonância com as finalidades que a norma sancionatória busca atingir.

Assim, a sanção administrativa, aliada à função desempenhada pelo Tribunal


de Contas, traz rico repertório de variáveis, ensejando dúvidas, quando menos, acerca
dos limites traçados pelo legislador constituinte à lei instituidora dos ilícitos e sanções
aplicáveis no exercício da função controladora, relacionadas, inclusive, às interferências
no âmbito da competência sancionatória dos órgãos controlados.

Embora muito já se tenha tratado sobre o tema relativo à natureza dos atos
praticados pelos Tribunais de Contas, é indiscutível que a questão é ainda bastante
polêmica. A par disso, pouco se discorreu sobre os atos sancionatórios emanados da
Corte de Contas, de modo que os questionamentos próprios das sanções
administrativas ganham proporção quando sua aplicação é realizada por instituição no
exercício de função que não se confunde com a administrativa, e cuja natureza dos
atos é matéria controvertida na doutrina.

Essas várias questões foram tratadas ao longo do estudo, de forma a tornar


possível a formulação de respostas aos problemas trazidos durante toda a abordagem.

O primeiro ponto desenvolvido diz respeito ao devido processo legal, como


forma de introduzir e ressaltar a relevância do assunto dentro do tema proposto. Apesar
de largamente tratado pela doutrina, a observância do princípio não poderia deixar de
ser enfrentada neste estudo, dada a indissociável pertinência temática. Esta questão é
retomada ao final do trabalho, quando tratamos especificamente do procedimento a ser
observado pelo Tribunal de Contas para a aplicação das sanções no exercício da
função de controle.

Cuida o capítulo seguinte do tema relacionado às sanções administrativas,


trazendo informações e discussões doutrinárias nacionais e alienígenas acerca das
diferenças entre as normas sancionadoras administrativas e as penais, viabilizando,
12

assim, o aprofundamento da discussão do regime jurídico a que se submetem e a


incidência de princípios próprios do direito penal no regime sancionatório administrativo.
Abordamos também a problemática respeitante à incidência do princípio da tipicidade
na norma sancionadora administrativa, enfrentando a tormentosa questão relativa aos
limites admissíveis de imprecisão na descrição dos ilícitos e sanções correspondentes.
Trata-se de exigência posta ao legislador, que deverá descrever as condutas
censuráveis com suficiente grau de certeza para permitir a compreensão prévia de qual
conduta quis proibir e qual é a sanção correspondente, o que se traduz também em
barreira ao arbítrio do aplicador da norma e em verdadeiras garantias e proteção dos
indivíduos no Estado de Direito.

Ainda no mesmo capítulo, e como desdobramento da questão antecedente,


considerando que seria ingenuidade inescusável deixar de aceitar o fato de que a lei
não pode antever todas as possibilidades, descrevendo taxativa e exaustivamente
todas as condutas ilegais, e, portanto, não negando a viabilidade da existência em
nosso sistema jurídico das normas sancionatórias denominadas pela doutrina nacional
e estrangeira de “elásticas” ou “abertas”, enfrentamos ainda a questão atinente aos
limites da disciplina infra-legal regulamentadora da norma sancionatória de estrutura
aberta.

Um capítulo específico está destinado ao Tribunal de Contas, delimitando


precisamente o objeto deste estudo, com a abordagem da evolução histórica de suas
competências e análise, - considerando todos os elementos dos capítulos antecedentes
- , dos contornos da competência sancionatória delegada pela Carta de 1988, quando
analisamos os limites estabelecidos pelo legislador constituinte para instituição de
ilícitos e sanções no exercício da função controladora e a eventual ocorrência de bis in
idem . Por fim, realizamos análise crítica de alguns aspectos da legislação atual que
disciplina a matéria no âmbito federal e que serviu de paradigma para as reflexões
assinaladas.
13

No último capítulo, retomamos o tema alusivo aos princípios que


necessariamente devem ser observados no procedimento sancionatório de forma a
assegurar as garantias constitucionais conferidas aos acusados em geral. Nesse
mesmo capítulo, porque também atinente ao procedimento, cuidamos do relevante
problema relacionado ao limite temporal para a imposição de sanções administrativas,
em decorrência do princípio da segurança jurídica e também da razoabilidade, levando
em conta que o procedimento administrativo, sobretudo aquele que pode acarretar a
imputação de sanção, deve ter um tempo de duração razoável, a fim de não perpetuar
situação de instabilidade e insegurança jurídicas. Nesta análise, diante do silêncio da
Lei Orgânica do Tribunal de Contas da União sobre o assunto, apontamos, no universo
de nosso ordenamento jurídico, a norma que consideramos mais adequada para incidir
por invocação analógica.

Ao final, inserimos uma breve síntese do conteúdo de cada capítulo; as


principais premissas elaboradas ao longo do presente estudo foram expostas de
maneira sintética nas conclusões do trabalho.
14

CAPITULO I
O DEVIDO PROCESSO LEGAL

O tema proposto neste capítulo possui relevância e conteúdo suficientes


para o desenvolvimento de estudo específico e não apenas de um capítulo dentro de
outro tema, de forma que sua inserção é tarefa dificultosa, à medida que não deve ser
aprofundado - como sua importância requer -, tampouco pode ser relegado, porquanto
a atuação dos Tribunais de Contas no exercício da competência sancionatória só pode
ocorrer mediante o desenvolvimento regular de um processo, com a estrita observância
do devido processo legal e dos princípios dele decorrentes, além de outros princípios
de observância obrigatória pela Administração Pública no exercício da função
administrativa.

Assim, indispensável a abordagem do tema relacionado ao devido processo


legal, ainda que de maneira perfunctória em relação ao seu histórico, evolução,
dimensões e conteúdo.

1. Breve histórico e evolução

O espaço significativo que a cláusula do devido processo legal ganhou com a


Carta brasileira de 1988, que a constitucionalizou, foi responsável, entre nós, por
importante reversão de um processo marcado pelo autoritarismo no exercício da
competência punitiva do Estado.

Levando em conta que pode ser considerado um dos mais antigos institutos
da ciência jurídica, abordaremos sua evolução, tomando como base o direito romano,
sua adoção e desenvolvimento na Inglaterra e expansão pela cultura jurídica dos
Estados Unidos, onde garantiu presença no direito contemporâneo, e também do nosso
país. 2

2
Segundo Charles D Cole, que o devido processo “tornou-se um conceito em virtude da noção culturalmente
penetrante da diferença entre o certo e o errado” e inicialmente foi estabelecido pelo princípio hebreu segundo o qual
“a justiça requer uma lei justa e compassiva”. Segundo ele, a evolução histórica do devido processo ocorreu desde a
15

A cláusula do devido processo legal é vista sob vários enfoques, conforme as


diversas fontes buscadas pelos autores, de forma que alguns adotam o posicionamento
segundo o qual o princípio garante a existência do Estado de Direito, à medida que está
inserido no contexto das garantias constitucionais do processo, mediante a existência
de normas processuais justas, ou seja, que proporcionam a justeza do próprio
processo, mantendo-se com isso a sociedade sob o império do direito. Outros situam a
cláusula do devido processo no campo dos direitos fundamentais. 3

Como podemos denotar, o princípio está voltado a garantir os direitos


individuais consagrados na Constituição, por meio da existência de normas processuais
previamente estabelecidas e que conferirão aos indivíduos a possibilidade de buscar
soluções para conflitos de ordem pessoal ou coletiva, mediante meios eficazes e
seguros, sendo instrumento típico do Estado de Direito, visto que, no dizer de Manoel
Gonçalves Ferreira Filho, impede “toda restrição à liberdade ou aos direitos de qualquer
homem, sem intervenção do Judiciário” 4.

visão de Platão, para quem a justiça estava arraigada na natureza humana e seria realizada pela rejeição da tirania,
passando por Aristóteles, que defendia uma sociedade equilibrada e pragmática em que a escolha deliberada do
indivíduo com relação ao certo e errado absolutos tornar-se-ia um preceito central da filosofia do Ocidente, chegando
em Cícero e seus companheiros Estóicos Romanos, que consideravam que a posse da razão tornou todos iguais.
Ensina que para Cícero os homens não eram iguais quanto a força, intelecto, posse de bens, mas eram iguais para a
justiça. Seu conceito de igualdade se referia aos direitos de igualdade básicos. Para os velhos hebreus a justiça era
um princípio sagrado, mas para Cícero e os Estóicos Romanos era um comando universal. O comando universal
demandando justiça como um conceito primordial tornou-se parte integrante do direito romano e foi imposto pelo
imperialismo romano para todo o mundo, predominando dois conceitos básicos: aqueles que compartilham o direito
precisam compartilhar também a justiça; e aqueles servidos pela lei precisam ser servidores da lei de modo que
possam ser livres. Considera que tais postulados continuam sendo conceitos básicos para o devido processo para
todas as sociedades democráticas existentes. Quando os conceitos foram desenvolvidos pelos romanos, eram
associados à razoabilidade para criar equidade e imparcialidade, e a imparcialidade, tida como aspecto fundamental
integrante da justiça, foi conservada como conceito evoluído, tornando-se parte do common law inglês. Diz que para
ser imparcial, um conceito precisa ser racional. Assim, as autoridades judiciárias do império romano criaram um
corpo de leis que consideravam racional, imparcial e comum a toda espécie humana, indo além do preconceito tribal
e classista para o conceito de direito natural, tornando-se uma das maiores emancipações da espécie humana na
história do mundo (apesar dos excessos e opressões das liberdades individuais). A cultura romana escolheu a lei da
razão em contraposição ao uso da força, o que serviu como base primária para o conceito do devido processo legal
que o sistema do common law inglês adotou e desenvolveu após a gênese romana do conceito. A cultura jurídica
americana utilizou e expandiu o conceito romano do devido processo legal, assim como o Brasil está usando e
expandindo o mesmo conceito da mesma fonte (O devido processo legal na cultura jurídica dos Estados Unidos:
passado, presente e futuro. Revista AJUFE, nº. 56, ago/set/out. 1997).
3
Luiz Rodrigues Wambier, em texto dedicado ao devido processo legal, cita Arturo Royos e John Rawls como
juristas que colocam esse princípio dentre aqueles que garantem a existência do Estado de Direito, e Piero
Calamandrei dentre os que o situam no campo dos direitos fundamentais (Anotações sobre o princípio do devido
processo legal, p. 34).
4
Curso de Direito Constitucional. 4ª ed., p. 271.
16

A garantia, todavia, não se restringe à intervenção do Judiciário, tendo em


vista que a Carta brasileira estendeu a necessária observância do devido processo
legal também ao âmbito do processo administrativo. Desse modo, embora os atos
praticados em sede administrativa sempre possam ser revistos pelo Poder Judiciário,
não estará a Administração Pública, ao manejar direitos fundamentais consagrados
pela Constituição, isenta da observância do devido processo legal.

Assim, em linhas gerais, trata-se da garantia do homem - em qualquer


conflito de interesses em que se envolva -, de ser submetido aos procedimentos de um
justo processo, consoante normas processuais preestabelecidas.

O devido processo legal surgiu inicialmente com acepção meramente formal


na Magna Carta de 1212, acobertado sob a locução “law of the land”, que assegurava
aos homens livres (barões e proprietários de terra) a inviolabilidade de seus direitos
relativos à vida, à liberdade e à propriedade, que só poderia ser suprimida pela “lei da
terra” 5, tendo sido mais tarde incorporada na Constituição da Federação dos Estados
Unidos, que teve o mérito de, como herdeiro direto, nas exatas palavras de Carlos
Roberto Siqueira Castro 6, tê-la “embalado, criado e feito florescer com inexcedível
criatividade”. As decisões da Suprema Corte Americana foram reconhecendo
expressamente a sinonímia entre as expressões “law of the land” e “due process of
law”.

Todavia, durante a vigência da Quinta Emenda fica mantido seu caráter


meramente formal, ocorrendo significativa transformação apenas por ocasião da
aplicação da interpretação da Décima Quarta Emenda adotada pela Suprema Corte

5
Comenta Lúcia Valle Figueiredo que foi a Magna Carta escrita em latim exatamente para que poucos tivessem
acesso a seu conteúdo (Estado de direito e devido processo legal. RTDP 15, p. 35-44).
6
O devido processo legal e a razoabilidade das leis na nova Constituição do Brasil, p. 10-11.
17

Americana, que vai além do devido processo legal formal, para assegurar também a
igualdade na lei, e não somente perante a lei. 7

Destarte, atualmente, nos Estados Unidos da América, a garantia


constitucional do devido processo legal possui duas características genéricas: a do
devido processo adjetivo e a do devido processo substantivo.

Como observa o já citado processualista Luiz Rodrigues Wambier, “várias


constituições adotaram o princípio do devido processo legal, no sentido de direito de
acesso às soluções do poder estatal – em sua esfera jurisdicional – mediante o uso de
um sistema processual previamente determinado pela lei” 8

7
Lúcia Valle Figueiredo demonstra a distinção existente entre o respeito da igualdade em face da lei e da igualdade
dentro da lei, aduzindo que “somente será due process of law aquela lei – e assim poderá ser aplicada pelo
magistrado – que não agredir, não entrar em confronto, não entrar em testilhas com a Constituição, com os valores
fundamentais consagrados na Lei das Leis” (op. cit.).
8
Luiz Rodrigues Wambier. Obra citada pág 36. O processualista cita alguns textos constitucionais modernos, que
segundo ele demonstram que o maior cuidado do legislador constituinte, sempre está voltado ao processo criminal,
ressalvando, todavia, que há consenso na doutrina de que tais dispositivos possuem alcance mais amplo, atingindo
indiscriminadamente todo o direito, em qualquer esfera em que se dê o conflito. Transcrevemos os Textos citados
pelo autor:
Constituição Italiana de 1947: Art 24- “Todos podem recorrer em juízo para a tutela dos próprios direitos e interesses
legítimos”. E no mesmo art 24 que “ A defesa é um direito inviolável em cada condição e grau de procedimento”.
Constituição Espanhola de 1978: Art 24 “Todas lãs personas tienen derecho a obtener la tutela efectiva de los jueces
y tribunales em el ejercicio de sus derechos e intereses legítimos, sin que, em ningún caso, pueda producirse
indefensión”(item 1). Para prever no item 2, que: “Assimismo, todos tienen derecho al juez ordinário predeterminado
por la ley, a la defensa y a la asistencia de letrado, a ser informados de la acusación formulada contra ellos, a um
processo público sin dilaciones indebidas y com todas las garantias, a utilizar os medios de prueba pertinentes para
su defensa, e no declarar contra si mismos, a non confesarse culpables y a la presunción de inocência”.
Constituição Norueguesa de 1814, com alterações posteriores, inclusive de 5.5.80:Art 96- “ Ninguém poderá ser
condenado senão em virtude de uma lei, nem castigado salvo em virtude de uma sentença judicial..”
Constituição Suíça de 1874 com alterações até 1985, em seus artigos 57 e 58 prevêm respectivamente o direito de
petição e que “ninguém pode ser subtraído so tribunal normalmente competente”.
Constituição Austríaca de 01.10.20, revalidade pela Lei Constitucional de 1.5.45 e posterioemente emendada. Art 83,
item 2- “nadie podrá ser sustraído al juez que legalmente le corresponda”. A Lei Constitucional de 27.10.62,
declarada vigente ainda hoje, prevê no art. 1º, disposição similar à da Constituição, que dela, então foi reproduzida.
Constituição mexicana de 1917: Art 14- “ A ninguna ley se dará efecto retroactivo em perjuicio de persona
alguna.Nadie podrá ser privado de la vida, de la libertad o de sus propriedades, posesiones, o derechos, sino mediante
juicio seguido ante los tribunales previamente estabalecidos, em el que se cumplam lãs formalidades esenciales del
procedimiento y conforme a lãs leys expedidas com anterioridad al hecho... Em los juicios del orden civil, la
sentencia definitiva deberá ser conforme a la letra, o a la interpretación jurídica de la ley, y a falta de ésta se fundará
em los princípios generales del Derecho”.
Constituição Venezuelana de 1961 com Emenda de 9.5.73: arts 68 e 69, dispõem respectivamente no sentido de que
“todos podem utilizar os órgãos destinados à administração da justiça para defesa de seus direitos e interesses, nos
teermos e condições estabalecidos pela lei, que fixará normas que assegurem o exercício desse direito àqueles que
não disponham de meios suficientes para tal. A defesa é um direito inviolável que poderá ser exercido em qualquer
18

1.1. As dimensões adjetiva e substantiva do devido processo legal

A cláusula do devido processo legal, no seu aspecto processual, tem por


objetivo garantir a realização de justiça no caso concreto, à medida que impõe que o
governo deve seguir o processo previsto em lei.

Desse modo, inicialmente entendia-se cumprido o devido processo legal


quando constatada a observância do procedimento, das formalidades necessárias para
a prática do ato.

O “procedural due process of law”, na cultura jurídica dos Estados Unidos,


meramente limita as ações do governo a um procedimento justo nas ações que
afetarão a vida, a liberdade e o patrimônio dos indivíduos, ou seja, não há a exigência
desse procedimento quando o ato não afetar um dos três mencionados direitos
fundamentais, razão pela qual Charles D. Cole o classifica como um conceito negativo.

Prossegue esse autor com a relevante conclusão de que, não obstante a


inafastável necessidade de sua observância, não é possível indicar o que seria esse
devido processo, isto é, quais são os elementos necessariamente contidos na cláusula
do devido processo para assegurar seu cumprimento sob o aspecto formal, já que não
se trata de um termo de definição fixa para todos os casos, mas que depende da
análise do caso concreto, apontando, entretanto, alguns dos requisitos por ele

fase, estado ou grau do processo”. E que “ Ninguém poderá ser julgado senão pelos juízes competentes, nem
condenado a sofrer uma pena que não estivesse prevista em lei anterior preexistente”.
Constituição Colombiana. Art 26,I “Nadie podrá ser juzgado sino conforme a lãs leyes preexistentes al acto que se
imputa, ante tribunal competente y observando la plenitud de las formas de cada juício”.
Constituição Argentina de 1853: consagra o direito de defesa no art. 18
Constituição Uruguaia de 1966 com emenda de 1967: embora dê destaque à instrução criminal, refere-se
textualmente ao princípio sob análise no art 12: “Nadie puede ser panado ni confinado sin forma de proceso y
sentencia legal”. E o art 72: “La enumeración de derechos, deberes y garantias hecha por la constitución no excluye
los otros que son inherentes a la personalidad humana o que se derivan de la forma republicana de gobierno”
Constituição Japonesa do pós guerra promulgada em 3.11.46: contém vários artigos destinados à proteção judicial. O
art 31 dispõe no sentido de que “ninguém será privado da vida ou da liberdade, nem nenhuma pena criminal será
imposta, a não ser de acordo com o processo estabelecido em lei”. O artigo 32 autoriza o acesso às decisões do
Judiciário a todos os cidadãos.
Constituição Alemã de 1948: No artigo 103 dispõe que todos têm direito de ser ouvidos legalmente, diante dos
tribunais, e o artigo 101 consagra o direito ao juiz natural, investido conforme predeterminação legal.
19

reputados como essenciais para um processo decisório justo, como a existência de um


julgador imparcial, a intimação dos indivíduos que venham a ter os direitos afetados e a
oportunidade de defesa. 9

Incluindo o devido processo adjetivo dentre os princípios fundamentais do


procedimento administrativo, Juan Carlos Cassagne considera que sua aplicação
implica o reconhecimento de três direitos fundamentais que garantem a defesa do
administrado durante o transcurso do processo, indicando-os como: “(a) direito de ser
ouvido; (b) direito de oferecer e produzir provas; e (c) direito a uma decisão
fundamentada”. 10

Tais considerações possibilitam concluir que, embora só seja viável


identificar em cada caso concreto a obediência da cláusula, existem requisitos mínimos
essenciais para sua verificação, ainda que outros elementos possam vir a ser
agregados.

Assim, parece possível fixar inicialmente que para identificar a cláusula do


devido processo em sua dimensão formal será preciso que os direitos afetados pela
ação do Estado o sejam mediante um procedimento que assegure a oportunidade de
defesa, com seus desdobramentos, e um julgamento imparcial e justo.

Como já se afirmou, foi somente com a aplicação da interpretação dada pela


Suprema Corte à Décima Quarta Emenda à Constituição americana que se operou uma
abertura até então não experimentada por aplicação da Quinta Emenda.

Segundo Vera Scarpinella Bueno, foi a Emenda XIV que serviu de amparo
constitucional para a aplicação aos entes federados do “Bill of Rights”, obrigatório até

9
Nesse aspecto, Vera Scarpinella Bueno afirma que: “(...) não existe na legislação ou nos precedentes criados pelo
judiciário americano alguma lista que identifique, pormenorizadamente, quais os elementos contidos no aspecto
processual da cláusula do devido processo. As soluções dadas pelas Cortes variam conforme o caso posto para sua
análise” (Devido processo legal e a Administração Pública no direito administrativo norte-americano. In
FIGUEIREDO, Lúcia Valle (coord.). Devido processo legal na Administração Pública. São Paulo: Max Limonad,
2001, p. 21-22 e 36).
10
El procedimiento administrativo, p. 324.
20

então apenas para a União Federal, em face da ampla interpretação dada à Emenda,
para afirmar que toda a atividade dos Estados-membros deveria observar os direitos
consagrados nas dez primeiras Emendas à Constituição.

Além disso, considerou a Suprema Corte uma outra função da cláusula,


identificada como devido processo legal substantivo, para diferenciá-la de seu aspecto
processual. 11

É a partir desse momento que o princípio adquire o caráter garantidor da


justiça, deixando de ser mera garantia processual.

A dimensão substantiva do devido processo legal assegura a igualdade


material porque limita a ação do governo quanto ao modo de afetar a vida, patrimônio
ou liberdade dos indivíduos, uma vez que permite ao Judiciário a revisão, de forma
independente, da legislação que afete direitos constitucionais fundamentais, estando
essa teoria intimamente ligada à razoabilidade das leis promulgadas.

Embora a Suprema Corte Americana tenha interferido com grande


intensidade, sobretudo no período recessivo de 1930, mediante a teoria do devido
processo substantivo, inclusive declarando inconstitucionais leis que regulamentavam a
liberdade econômica e as relações trabalhistas, com o passar do tempo tal
entendimento veio a ser repudiado, com a adoção do entendimento de que a Corte não
deveria rever a legitimidade do propósito do Legislativo, enquanto existisse uma base
racional para a ação, restringindo-se, portanto, o controle da constitucionalidade da
legislação aos direitos individuais constitucionais fundamentais. Portanto, invocando
novamente a lição de Vera Scarpinella Bueno:

(...) a doutrina do devido processo legal substantivo pode ser traduzida


como a possibilidade do judiciário interpretar a Constituição Federal
americana e decidir quanto a constitucionalidade (razoabilidade) de um
ato ou norma editada por um governo estadual ou local, em razão de

11
BUENO, Vera Scarpinella. Devido processo legal e a Administração Pública no direito administrativo norte-
americano. In FIGUEIREDO, Lúcia Valle (coord.). Devido processo legal na Administração Pública. p 25-27.
21

sua desconformidade com os direitos fundamentais consagrados nas


12
dez primeiras emendas.

Desse modo, passou o devido processo legal a ser também um instrumento


de controle da razoabilidade e racionalidade das leis e dos atos do governo,
possibilitando ou criando espaço para a criatividade hermenêutica, por meio de
interpretações que pudessem amoldar a realidade atual com a ordem jurídica vigente,
nem sempre, ou na maioria das vezes, incompatível com as necessidades e anseios da
sociedade contemporânea. 13

2. O Devido Processo Legal na Constituição Brasileira

José Afonso da Silva destacou que o princípio do due process of law não
esteve propriamente ausente do nosso direito constitucional, mas que emergiu de
algumas normas de garantia do processo e do direito de segurança estabelecidos entre
os direitos individuais, necessitando seu reconhecimento de pesquisa no Texto
Constitucional e de construção doutrinária. 14

Embora seja possível identificar, desde a Constituição Imperial de 1824, a


existência de determinadas garantias que pudessem dar margem à identificação da

12
BUENO, Vera Scarpinella. Devido processo legal e a Administração Pública no direito administrativo norte-
americano. In FIGUEIREDO, Lúcia Valle (coord.). Devido processo legal na Administração Pública, p. 33.
13
Sem embargo da relevância da dimensão substantiva do devido processo legal, que ganhou força nos Estados
Unidos da América, no comentário de Jorge Tristan Bosch é possível identificar uma visão crítica que enfoca as
dificuldades práticas de sua implementação, quando, ao tratar do procedimento administrativo nos Estados Unidos da
América, e citando Nathanson, afirma que a trajetória do devido processo substantivo nunca foi cristalina e que, com
seu declínio, como uma significativa proteção contra a regulação governamental, houve uma crescente ênfase no
devido processo em seu aspecto formal ou processual. São as suas palavras: “Com la declinación del debido proceso
sustantivo, como uma significativa protección contra la regulación gubernamental, no seria sorprendente que hubiera
um concomitante y creciente énfasis em el debido proceso procesal, para proveer toda la protección posible contra la
accción gubernamental arbitraria que se traduce em decisiones de carácter final, sin interferir com la discrecionalidad
administrativa”. (El procedimiento Administrativo en los Estados Unidos de América: la federal administrative
procedure act de 1946. (Revista de la Facultad de Derecho y Ciencias Sociales de Montevideo. (Apartado)
Montevideo, ano III, n. 4, e ano IV, ns. 1 e 2, 1953).
14
BOSH, Tristan.Revista de la Facultad de Derecho y Ciencias Sociales de Montevideo. prefácio, p. XV.
22

adoção da cláusula do devido processo legal no direito constitucional brasileiro, sua


inclusão somente passou a ser reconhecida pela doutrina a partir da Carta de 1946. 15

O Texto Constitucional de 1946 reportou-se ao Estado de Direito, ao


declarar, no capítulo dos direitos e garantias individuais, que a lei não poderia excluir da
apreciação do Poder Judiciário qualquer lesão do direito individual, com a seguinte
redação: “Art. 141 § 4º: A lei não poderá excluir da apreciação do Poder Judiciário
qualquer lesão de direito individual”. 16

A Carta de 1967 manteve, em seu artigo 150, § 4º, a mesma redação do


artigo 141, § 4º, da Constituição de 1946. Todavia, a Emenda Constitucional nº 7, de
1977, divulgada pela imprensa como o “pacote de abril”, alterou substancialmente a
redação dada pela Emenda Constitucional nº 1, de 1969, à Constituição de 1967. O
dispositivo insculpido no § 4º do artigo 153 continha a seguinte previsão, in verbis:

Art. 153 § 4º: A lei não poderá excluir da apreciação do Poder Judiciário
qualquer lesão de direito individual. O ingresso em juízo poderá ser
condicionado a que se exauram previamente as vias administrativas,
desde que não exigida garantia de instância, nem ultrapassado o prazo
de cento e oitenta dias para a decisão sobre o pedido.

Mas o princípio do devido processo legal, que, conforme vimos, foi evoluindo
e se enriquecendo paulatinamente, ganhou fôlego e expressiva atenção do legislador
constituinte na Carta de 1988, que o constitucionalizou no artigo 5º, inciso LIV, e o
estendeu para a esfera administrativa no inciso LV, nos seguintes termos:

15
Segundo Luiz Rodrigues Wambier, a doutrina só reconhece a inclusão da cláusula do devido processo legal de
forma expressa e clara a partir da Constituição de 1946 (Op. cit., p. 37). E no sentido de que as Constituições
anteriores previram dispositivos passíveis de levar à identificação da adoção da cláusula do devido processo legal,
registra o artigo 179, inciso XI da Constituição Imperial de 1824: “Ninguém será sentenciado, senão pela autoridade
competente, por virtude de lei anterior, e na forma por ella prescripta”. A Carta republicana de 1891 pouco inovou,
mas garantiu o controle judicial, o princípio da legalidade e anterioridade das leis, da ampla defesa nos processos de
natureza penal e da proibição de foros especiais. A Constituição de 1934 previu, em seu artigo 113, inciso 26, que:
“Ninguém será processado, nem sentenciado, senão pela autoridade competente, em virtude de lei anterior ao facto,
e na forma por ella prescripta”. Já a Carta de 1937, em seu artigo 123, item 11, ressalta a garantia no âmbito
criminal, mas uma interpretação sistemática do Texto, em conjunto com o artigo 123, permite concluir que a cláusula
do devido processo legal estava garantida.
16
Brasil. Constituição da República Federativa do Brasil: quadro comparativo. Brasília: Senado Federal, Secretaria
de Edições Técnicas, 1991, p. 22-23.
23

Art. 5º: LIV – ninguém será privado da liberdade ou de seus bens sem o
devido processo legal; LV – aos litigantes, em processo judicial ou
administrativo, e aos acusados em geral são assegurados o
contraditório e ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes.

Segundo o respeitado constitucionalista José Afonso da Silva, o princípio


entrou em nosso direito constitucional com um enunciado que vem da Carta Magna
inglesa (inciso LIV do artigo 5º), combinado com o direito de acesso à justiça (inciso
XXXV do artigo 5º), e o contraditório e a plenitude de defesa (inciso LV do artigo 5º),
fechando-se assim o ciclo das garantias processuais. 17

O Tribunal Regional Federal da 1ª Região, em acórdão proferido nos autos


do Recurso Ordinário 1.293.341-MG, assentou que:

O princípio do devido processo legal (due process of law) é uma das


vigas mestras do estado democrático de Direito, quando assegura a
todos os cidadãos o direito fundamental de não serem privados de sua
liberdade ou de seus bens, sem a observância do contraditório e ampla
defesa, seja na esfera judicial, seja na administrativa (CF/1988, art. 5º,
18
LIV).

Assim, as garantias, anteriormente extraídas, pela doutrina e pela


jurisprudência, dos textos constitucionais brasileiros, foram explicitadas pela Carta
Magna de 1988, que também as estendeu aos processos administrativos em que haja
litigantes. Em decorrência, as noções de processo e procedimento administrativo, que
até há pouco tempo não ocupavam espaço significativo na doutrina e jurisprudência,
passaram a ganhar amplitude e maior atenção dos doutrinadores.

É inegável a existência de inúmeras legislações esparsas estabelecedoras


de procedimentos específicos para a atuação do Estado, sendo certo, como antes
afirmado, que vários princípios que norteiam o devido processo legal já eram
observados por força de dispositivos constitucionais, como, por exemplo, o da ampla
defesa e isonomia, além de outros decorrentes do Estado de Direito, mas é a primeira

17
SILVA, José Afonso da. Curso de direito constitucional positivo. 28. ed. rev. e atual., p. 431-432.
18
REO 1.293.341-MG. Rel. Juiz Eustáquio Silveira, DJ 7.12.2000, p. 102.
24

vez que a cláusula do devido processo legal ganha status constitucional em nosso país,
sobretudo com a expressa previsão de aplicação ao processo administrativo.

E como explica Ada Pellegrini Grinover, “isso não é casual nem aleatório,
mas obedece à profunda transformação que a Constituição operou no tocante à função
da administração pública”. 19

Embora seja incensurável o entendimento segundo o qual a cláusula do


devido processo foi incluída em nossa Constituição em ambas as acepções, material e
formal 20, cumpre advertir que a transposição de conceitos sedimentados na doutrina
estrangeira, como o exemplo do conceito do “due process of law”, tal qual desenvolvido
na cultura jurídica americana, deve sempre ser entendida e absorvida segundo o
contexto constitucional do país que assimila ou encampa a doutrina estrangeira,
assumindo peculiar significado em face do ordenamento constitucional local e,
sobretudo, em decorrência dos valores protegidos pela nação que recebe o conceito. 21

Como bem assevera Egon Bockmann Moreira, apesar de a ordem


constitucional brasileira ter acolhido expressamente a cláusula do devido processo
legal, a doutrina é dissonante e não chega a um consenso quanto à definição, conteúdo
e limites da cláusula, situação que não discrepa da afirmação feita por Charles D. Cole,
que mencionamos quando nos referimos à dimensão formal do devido processo nos
Estados Unidos da América, onde também não é possível identificar exatamente quais
os elementos contidos na cláusula, porque não existe, na legislação ou nos

19
. O direito de defesa em inquérito administrativo. RDA, nº 183, p. 10.
20
“Não é possível pensar-se que, no final do século, com a evolução do Direito Americano desde as primeiras
décadas deste mesmo século, quando se incorpora a cláusula em nossa Constituição, equiparável às melhores
constituições do primeiro mundo, à Constituição Espanhola, à Constituição Portuguesa, à Constituição Alemã – não
é possível, repetimos, supor-se que o texto constitucional empregasse a cláusula do devido processo legal apenas
com seu aspecto formal, com o aspecto do século passado (FIGUEIREDO, Lúcia Valle., Op. cit. p. 121).
21
Nesse sentido, Charles D. Cole comenta que: “Qualquer transplante de conceitos constitucionais para aplicação
mais ampla internacionalmente dos conceitos judiciais, requer que as pessoas a serem servidas por aqueles conceitos
tenham valores semelhantes ou compartilhados, se quisermos assegurar uma eficácia semelhante de tais conceitos”
(Op. cit., p. 41).
25

precedentes criados pelo Poder Judiciário, um rol que os identifique de forma


pormenorizada e taxativa. 22

Ainda esse mesmo autor considera que, de fato, somente diante do caso
concreto será possível a verificação da efetiva aplicação do devido processo legal,
destacando que a própria Lei Federal de Processo Administrativo (Lei nº 9.784/99) não
prevê expressamente o princípio do devido processo legal. Ressalta, todavia, a
desnecessidade dessa previsão, já que o princípio está insculpido na Constituição
Federal, e ainda porque a lei traduz em normas infraconstitucionais o conteúdo dessa
garantia do Texto Maior, mas não de forma exaustiva.

Muitos são os ângulos de visão e de entendimento da dimensão do devido


processo legal pela doutrina brasileira. Acompanhando o ensinamento esposado por
Egon Bockmann Moreira e Charles D. Cole, acreditamos que a concretização do
princípio somente é possível de se verificar diante de cada caso concreto, o que não
afasta a viabilidade de, em face da nova concepção de processualidade no âmbito da
função administrativa, buscarmos a fixação daquilo que consideramos minimamente
necessário para a aplicação do princípio do devido processo legal, de forma que
procuraremos fazê-lo em relação aos processos relacionados à atuação punitiva do
Estado. 23

22
MOREIRA, Egon B.. Processo administrativo: princípios constitucionais e a Lei 9.784/99, 2ª ed. atual., rev. e
ampl., p. 237. Nesse aspecto, é bastante esclarecedora a lição de Charles D. Cole, na obra já citada. O autor trata o
assunto denominando-o de “O PROBLEMA SOBRE QUE PROCESSO É DEVIDO”, fazendo considerações no
seguinte sentido: sempre que houver privação da vida, liberdade ou patrimônio, haverá necessidade de um
procedimento justo. Mas que processo seria esse já que o termo “processo” não é de definição fixa para todos os
casos. Para tanto, informa que a Suprema Corte estabeleceu que a natureza do processo será determinada pelo
equilíbrio do valor do procedimento ao indivíduo, para evitar privação indevida contra o custo do procedimento para
a sociedade como um todo. Assim, quando o potencial de privação indevida não é provável, o processo exigido será
simplificado, o que significa que formalidades diferentes serão necessárias diante das circunstâncias concretas,
considerando-se a importância do direito individual e a necessidade de reduzir a possibilidade de erros decisórios. Os
fatores individuais são contrapostos ao interesse do governo em evitar os ônus fiscais e administrativos crescentes
que os requisitos procedimentais implicam. Todavia, esclarece que o teste de equilíbrio não prediz com precisão
como todos os casos específicos serão decididos, devendo o governo oferecer uma forma de procedimento suficiente
para proteger direitos individuais adjetivos, ou o Judiciário determinará que ocorreu uma violação constitucional.
23
Ada Pelegrini Grinover afirma que “na concepção mais recente sobre a processualidade administrativa, firma-se o
princípio de que a extensão das formas processuais ao exercício da função administrativa está de acordo com a mais
alta concepção da administração: o agir a serviço da comunidade” (Op. cit., p. 11).
26

Segundo os ditames constitucionais, devemos concluir que o devido


processo legal deve ser aplicado aos procedimentos jurisdicionais e administrativos e,
na linha de pensamento de Lúcia Valle Figueiredo, não deve ficar restrito aos processos
sancionatórios ou ablativos de direitos, ou seja, somente diante da existência de
litigância ou de interesses antagônicos. 24

Como explica Ada Pellegrini Grinover, inicialmente as garantias do devido


processo nasceram e foram cunhadas para o processo penal, em que estavam mais
presentes as preocupações com os direitos do acusado. Mas, em sua evolução, que
percorreu um longo caminho, foram estendidas para o processo civil e para o processo
administrativo punitivo. 25

2.1. O processo administrativo e o devido processo legal

Sendo o processo administrativo a maneira de agir do Estado, seja para fixar


imposições quanto ao modo de atuar da Administração, seja para transpor para a
atuação administrativa o princípio do devido processo, é nele que deveremos
concentrar a atenção, em especial nos processos punitivos, visto que, como já dito, é o
objeto do presente estudo.

Todavia, para tratarmos dessa questão, necessitamos tecer considerações


introdutórias, ainda que breves, sobre os processos administrativos em geral.

Segundo Sergio Ferraz o processo administrativo é o veículo de


exteriorização da atividade administrativa; considerando a imprecisão da expressão
“processo administrativo”, indica que este abrange dois fenômenos: “a dinâmica da

24
FIGUEIREDO, Lúcia Valle. Op. cit., p. 42.
25
Em relação ao processo administrativo punitivo, refere-se a jurista da seguinte forma: “Este último passo foi dado
graças à generosa tendência rumo à denominada ‘jurisdicionalização do processo administrativo’, expressão
relevante do aperfeiçoamento do Estado de Direito, correspondendo ao princípio da legalidade a que está submetida
a administração pública e aos princípios do contraditório e da ampla defesa, que devem preceder toda e qualquer
imposição de pena” (Op. cit., p. 9).
27

atuação da administração e o procedimento que enseja a formulação das opções


concretas e/ou das políticas administrativas”. 26

Tal procedimento costuma ser agrupado pela doutrina em fases, com as


quais não nos preocuparemos, pois para o presente estudo basta o entendimento
segundo o qual o procedimento administrativo é o modo de agir da Administração,
mediante um conjunto de providências voltadas à produção do ato final, que deve
refletir a garantia dos direitos fundamentais dos indivíduos. É, portanto, por meio do
processo que se dá o controle da produção dos atos administrativos, ou seja, do
resultado do ato estatal, e que a Administração cumpre o princípio do devido processo
legal em suas duas dimensões.

As fases ou tantos outros aspectos do processo administrativo não serão


objeto de análise neste estudo mas sim a verificação dos princípios que o administrador
deverá observar no desenvolvimento do processo instaurado visando a aplicação de
sanções administrativas, a fim de que seja possível identificar o adequado desempenho
da função, à medida que assegure a ampla participação dos envolvidos, garantindo um
provimento final imparcial e justo. 27

Os fenômenos possíveis de abrangência do processo administrativo abrigam


a celeuma sempre presente acerca do correto emprego das expressões “processo
administrativo” e “procedimento administrativo”, de forma que, segundo sistematização
proposta por Lúcia Valle Figueiredo, processo em sentido amplo seria gênero, a
comportar três espécies: (1) procedimento como forma de atuação do Estado; (2)
procedimento como seqüência de atos ordenados para a emanação de um ato final; e
(3) processo, em sentido estrito, em que há a presença de litigiosidade ou acusações e,
conseqüentemente, da obrigatória observância dos princípios da ampla defesa e do

26
Processo administrativo e Constituição de 1988. RTDP, nº 1, p. 85.
27
A noção de procedimento oferecida por Mauro Cappelletti é capaz de demonstrar a abrangência e conteúdo da
expressão, da qual procuraremos não nos desviar no decorrer desse trabalho. Diz o jurista: “El procedimiento no es
pura forma. Es el punto de choque de conflictos, de ideales, de filosofías. Es el cabo de las tempestades donde la
rapidez y la eficiencia deben confluir e entrelazar-se con la justicia; es también el cabo de buena esperanza donde la
libertad individual debe enlazar-se con la igualdad” (Proceso, ideologías, sociedad. apud CASTRO, Carlos Siqueira,
Op. cit.).
28

contraditório. Segundo a jurista, estariam incluídos nessa última espécie os processos


revisivos, os disciplinares e os sancionatórios. 28

Cumpre consignar que basicamente o que se altera diante da existência de


um ou de outro é a incidência dos princípios constitucionais. Contudo, considerando
que existem processos administrativos punitivos e não-punitivos, e que nesses últimos
poderá haver litigantes, da sistematização acima e da interpretação da norma
constitucional podemos extrair que o contraditório e a ampla defesa não estarão
restritos aos processos em que haja acusados, aplicando-se também àqueles em que
haja litigantes. 29

Importará para o presente estudo, de acordo com referida sistematização, o


conceito de processo em sentido estrito, já que estaremos cuidando dos processos
administrativos punitivos.

Voltando à questão da denominação, a doutrina muito já discorreu sobre o


assunto. Agustin Gordillo prefere descartar a utilização da expressão “processo”,
reservando-a somente ao processo judicial. 30 Lúcia Valle Figueiredo, aliando-se a Maria
Sylvia Zanella Di Pietro, assevera que processo seria a maneira de agir do Estado, por
suas diversas funções, visando o alcance de suas finalidades, de forma que sempre
haverá processo, estando o procedimento nele contido. 31

Sergio Ferraz e Adilson Abreu Dallari dedicaram item específico em obra de


sua autoria sobre processo administrativo e expuseram que a querela nominal é antiga,
mas que atualmente o rol dos autores que aderem à expressão “processo
administrativo” vem ganhando prestígio, reservando-se a palavra “procedimento” para

28
FIGUEIREDO, Lúcia Valle. Curso de direito administrativo. 6ª ed. São Paulo: Malheiros, p. 416-417.
29
Esse é o ensinamento de Ada Pellegrini Grinover, ao afirmar que: “Assim, a Constituição não mais limita o
contraditório e a ampla defesa aos processos administrativos (punitivos) em que haja acusados, mas estende as
garantias a todos os processos administrativos, não punitivos e punitivos, ainda que neles não haja acusados, mas
simplesmente litigantes” (Op. cit., p. 13).
30
Tratado de derecho administrativo. p. IX-2
31
Procedimento administrativo. Revista do Advogado. Associação dos Advogados de São Paulo – AASP, nº 34, jul.
1991, p. 63.
29

identificar o complexo dos atos que compõem o processo, ou seja, o iter que vai da
instauração à decisão.

Contudo, anotaram que remanesce corrente valiosa que opta


conscientemente pela denominação “procedimento administrativo” e que assim o faz
visando apartar o processo judicial do administrativo.

Adotam os renomados juristas a expressão “processo administrativo”,


justificando a opção com base em três critérios, o lógico formal, o ideológico e o
normativo. Destacamos o normativo, sobre o qual argumentam os referidos autores que
a Constituição Federal, em seu artigo 5º, LV, utilizou a expressão “processo
administrativo”. 32

Sem desconsiderar as discussões existentes à respeito, seguimos opção


adotada por Celso Antônio Bandeira de Mello, que, apesar de advertir o acerto do título
“processo administrativo”, utilizou as expressões de forma indiscriminada. Assim
também o faremos. 33

Desse modo, o processo ou procedimento administrativo envolve uma


sucessão ordenada de atos, fatos e formalidades, todos concatenados e seqüenciados,
voltados à formação da vontade da Administração. Segundo Sérgio Ferraz e Adilson
Abreu Dallari, as etapas procedimentais do processo carregam uma carga genética que

32
FERRAZ, Sergio; DALLARI, Adilson Abreu. Processo administrativo, 2001, p. 33-35.
33
O ilustre jurista, em sua obra Curso de direito administrativo, no capítulo destinado ao estudo do procedimento
administrativo, já em seu título utiliza os conceitos de forma indiscriminada. Sobre a rotulação “processo” ou
“procedimento”, entende o autor que a terminologia adequada é “processo”, sendo o procedimento a modalidade
ritual de cada processo. Todavia, considera que não se há de criar um cavalo de batalha, sendo que milita a tradição
pelo “procedimento” e a recente terminologia legal por “processo”, de modo que utiliza as duas nomenclaturas de
forma indiferente. Para ele: “Procedimento administrativo ou processo administrativo é uma sucessão itinerária e
encadeada de atos administrativos que tendem, todos, a um resultado final e conclusivo. Isto significa que para
existir o procedimento ou processo cumpre que haja uma seqüência de atos conectados entre si, isto é, armados em
uma ordenada sucessão visando a um ato derradeiro, em vista do qual se compôs esta cadeia, sem prejuízo,
entretanto, de que cada um dos atos integrados neste todo conserve sua identidade funcional própria, que autoriza a
neles reconhecer o que os autores qualificam como ‘autonomia relativa’. Por conseguinte, cada ato cumpre uma
função especificamente sua, em despeito de que todos co-participam do rumo tendencial que os encadeia: destinam-
se a compor o desenlace, em um ato final, pois estão ordenados a propiciar uma expressão decisiva a respeito de
dado assunto, em torno dos quais todos se polarizam” (Curso de direito administrativo. 22ª ed., rev. e atual., p. 466-
467).
30

imanta todas as atividades do processo, que é a de “propiciar uma decisão quanto


possível acertada e justa”. 34

Dessa definição já podemos vislumbrar que está o processo administrativo


vocacionado a veicular o princípio do devido processo legal, cujo propósito precípuo é
garantir um processo que culmine em um resultado justo, protegendo os direitos
fundamentais dos indivíduos. É ele que viabiliza a verificação da validade dos atos
estatais.

Charles D. Cole aponta os seguintes requisitos para que um processo seja


justo: (a) julgador imparcial; (b) intimação dos indivíduos atingidos pelo ato do governo
no direito à vida, liberdade e patrimônio, incluindo o direito de defesa; e (c) intimação
das partes interessadas na pendência. 35

Ada Pellegrini Grinover anota três planos nos quais se desdobram as


garantias do contraditório e da ampla defesa: o plano jurisdicional, devendo ser
reconhecidas para o processo penal e não-penal; o plano das acusações em geral, em
que as garantias abrangem todas as pessoas objeto de acusação; e, por fim, o plano do
processo administrativo em que haja litigantes, entendidos estes como titulares de
interesses em conflito. 36

Para a autora, dentre as garantias fundamentais para um processo justo está


o contraditório, no qual se insere o direito à prova e se garante a imparcialidade do
julgador 37. Nesse sentido, a jurista cita o processualista Antonio Magalhães Gomes
Filho, ao observar que “a exigência prévia para o exercício do complexo de atividades
processuais próprio das partes é a ciência efetiva a respeito de tudo o que se passa no
processo”. 38

34
FERRAZ, Sergio; DALLARI, Adilson Abreu, Processo administrativo. p. 91.
35
Op. cit., p. 34.
36
Op. cit., p. 30.
37
Ibidem, p. 31.
38
GRINOVER, Ada Pellegrini. Princípios processuais e princípios de direito administrativo no quadro das
garantias constitucionais. RDA, nº 16, p. 31.
31

Por tais colocações, constata-se que o contraditório é visto pela mencionada


autora como verdadeira condição de eficácia da prova, de forma que esta restará
comprometida caso não tenha contado, no processo de sua formação, com a efetiva
participação dos interessados. Por conseguinte, as provas devem ser produzidas no
decurso do processo, com a ampla participação das partes.

Héctor Escola, por sua vez, indica, como elementos integrantes da garantia
do devido processo legal no procedimento administrativo, os seguintes: (a) direito de
ser ouvido; (b) direito de oferecer e produzir provas; (c) direito de uma decisão
fundamentada; e (d) direito de o administrado ser representado, assessorado por um
profissional do direito.

Complementa o autor - trazendo uma análise mais geral da garantia do


devido processo, extraída de distintas legislações que o consagram, bem como das
conclusões jurisprudenciais - que os elementos que o compõem são: (a) notificação do
interessado do caráter e fins do processo; (b) oportunidade de apresentação de
manifestação, o que inclui o acesso às informações e antecedentes administrativos
vinculados ao assunto tratado; (c) direito de ser ouvido e oportunidade de apresentar
argumentos e provas que entender pertinentes; (d) direito de se fazer representar e ser
assessorado por advogados, técnicos e outras pessoas qualificadas; (e) direito de ser
devidamente notificado da decisão e dos motivos que a fundamentaram; e (f) direito de
recorrer administrativa ou judicialmente. 39

Como se denota, para a satisfação do devido processo legal, não basta um


procedimento encadeado e seqüencial de atos voltados a um resultado final, sendo
imprescindível a existência de um processo que assegure todas as garantias do
contraditório, que engloba a produção de provas com a efetiva participação das partes
envolvidas e a ampla defesa, além de um julgamento realizado por juiz imparcial,

39
. Teoria general del procedimiento administrativo, p. 144.
32

mediante procedimentos previamente estabelecidos que assegurem tratamento


isonômico aos envolvidos e eventualmente atingidos pelo ato.

Mas a Constituição Federal brasileira, ao assegurar o contraditório e a ampla


defesa, garantiu a incidência de vários outros princípios, que são verdadeiros corolários
desses de forma que incidem outros princípios que integram e devem ser observados
nos procedimentos administrativos em geral.

Para melhor compreensão, partamos dos princípios gerais indicados pela


doutrina, a serem observados em todos e quaisquer processos administrativos,
considerando, desde logo, que estes e o processo judicial possuem princípios comuns,
à medida que ambos estão voltados à aplicação da lei.

Todavia, uma vez mais invocando a lição de Héctor Escola, consignamos


que o procedimento administrativo é regido por alguns princípios fundamentais, que
vêm sendo reconhecidos de forma pacífica pela doutrina, que os dota de elementos
necessários para que cumpram seu objeto, que é “dar lugar para que a administração
pública possa alcançar as finalidades que lhes são próprias, como gestora do interesse
público. Para esse autor, tais princípios gerais do procedimento administrativo são os
que lhe outorgam individualização e contribuem para diferenciá-lo do procedimento
judicial, com o qual não pode ser confundido. 40

Na valiosa lição de Adilson Abreu Dallari e Sergio Ferraz, “incidem sobre o


processo administrativo tanto princípios que lhe são exclusivos quanto princípios
também aplicáveis a outros institutos ou situações jurídicas”, expondo assim as
dificuldades, ou até mesmo a impossibilidade da identificação dos princípios exclusivos
do processo administrativo, por não ser nítida a fronteira dessa modalidade processual
como campo mais vasto da teoria geral do processo. 41

40
ESCOLA, Héctor. Teoria general del procedimiento administrativo., p. 123-124. Texto original: “dar lugar a que
la administración pública pueda alcanzar las finalidades que le son próprias, como gestora del interes público”.
41
FERRAZ, Sergio; DALLARI, Adilson Abreu, Processo administrativo, p. 50.
33

Nesse aspecto, apenas reproduziremos as lições daqueles que já se


dedicaram ao assunto, para nos determos nos princípios necessários à configuração do
devido processo, obrigatórios na hipótese de haver “litigantes” ou “acusados”, nas
sábias palavras de Lúcia Valle Figueiredo. 42

Se o procedimento administrativo é absolutamente necessário à produção


dos atos administrativos, deverão ser aplicados a todos os procedimentos
administrativos os princípios do artigo 37 da Constituição Federal.

Como observou, com costumeiro acerto, Celso Antônio Bandeira de Mello,


existem princípios gerais aplicáveis a todos os procedimentos administrativos, sendo
que os princípios hão de ser considerados vigorantes obrigatoriamente, mesmo na
ausência de lei que os enuncie, por decorrerem de cânones constitucionais explícitos
ou projeções naturais dos princípios informadores da Constituição brasileira. 43

Referido jurista aponta a existência de onze princípios obrigatórios nos


processos administrativos, em decorrência do Texto Constitucional, afirmando que três
deles não se aplicam a todo e qualquer procedimento. São eles: audiência do
interessado, acessibilidade aos elementos do expediente, ampla instrução probatória,
motivação, revisibilidade, representação e assessoramento, lealdade e boa-fé, verdade
material, oficialidade, gratuidade e informalismo. Destaca os dois últimos como não-
aplicáveis aos procedimentos ampliativos de direitos, e o último como não-aplicável aos
procedimentos concorrenciais. 44

Não nos ocuparemos de pormenorizar todos esses princípios, mas


procuraremos, oportunamente, abordar aqueles que nos pareçam obrigatórios nas
42
A professora Lúcia Valle Figueiredo aponta os seguinte princípios constitucionais a serem utilizados nos processos
administrativos em sua acepção estrita, e que são desdobramentos da aplicação do princípio do devido processo
legal: juiz natural ou administrador competente, amplo contraditório, como condição essencial para decisão legal e
justa, igualdade entre as partes, motivação das decisões, direito a produção de provas (compreendido no
contraditório), verdade material ou princípio inquisitório, informalismo a favor do administrado, direito à
revisibilidade (duplo grau), direito à defesa técnica, direito ao silêncio e proibição da reformatio in pejus (Curso de
direito administrativo. 8ª ed., p. 443-456).
43
Curso de direito administrativo, p. 489.
44
BANDEIRA DE MELLO, Celso Antonio. Curso de direito administrativo, p. 456-457.
34

hipóteses de existência de acusados ou litigantes, indispensáveis para a constatação


de que determinado procedimento salvaguardou os direitos fundamentais dos
envolvidos ou simplesmente atingidos pelo ato dele resultante.

A Lei Federal de Processo Administrativo traz um rol de princípios a serem


observados pelos três Poderes no exercício da função administrativa, dispostos de
forma expressa no caput de seu artigo 2o (legalidade, finalidade, motivação,
razoabilidade, proporcionalidade, moralidade, ampla defesa, contraditório, segurança
jurídica, interesse público e eficiência), sendo certo que do parágrafo único do
mencionado dispositivo desdobram-se inúmeros outros princípios, como ocorre de
maneira explícita ou implícita em todo o texto da lei (Lei n° 9.784/99) 45. Por óbvio, e
como já foi dito, tal rol de princípios não é exaustivo. A indicação não exaustiva dos
princípios igualmente se dá na lei estadual paulista de processo administrativo (Lei n°
10.177/98).

E embora, a toda evidência, como antes mencionado, o devido processo


legal tenha em mira fundamentalmente o processo penal, porque tende a proteger o
indivíduo em sua liberdade, é ele aplicável a todos os tipos de procedimento; e também
como já consignamos, os princípios que incidem no processo administrativo, quando há
acusados, não são os mesmos que incidem no procedimento administrativo como forma
de realização da atividade administrativa.

Ainda que o regime jurídico administrativo não se confunda com o regime


jurídico penal, é forçoso reconhecer a existência de princípios que se aplicam a ambos
os procedimentos, independentemente da natureza da sanção: penal ou administrativa.

Desse modo, deixando de enfocar de maneira específica cada um dos


princípios arrolados nas mencionadas leis, bem como os princípios indicados pelos

45
Considerando comentário de Sergio Ferraz (Processo administrativo e Constituição de 1988, p. 86-87),
acreditamos que a lei federal de processo administrativo andou melhor que a Constituição Federal, que, no
entendimento do jurista, teve amesquinhada a redação do caput do artigo 37, com a supressão da referência expressa
aos princípios da motivação e da proporcionalidade.
35

doutrinadores que se debruçaram sobre o assunto, passaremos a tratar do processo


administrativo em sentido estrito, ou de segundo grau, segundo denominação adotada
por Giannini 46.

Pois bem, considerando que a atividade punitiva do Estado deve ser


desenvolvida por meio de regular processo administrativo, em que deverão ser
garantidos os direitos individuais dos cidadãos, com absoluto respeito ao devido
processo legal, procuraremos indicar, baseados nos estudos já realizados por aqueles
que se dedicaram ao tema, quais princípios deverão incidir para efetivamente
considerarmos tais direitos respeitados.

Como vimos, a doutrina já se ocupou em descrever os princípios gerais que


devem incidir em todo e qualquer processo administrativo, e muito embora possamos
encontrar formas distintas de tratamento por parte de cada doutrinador, não existem
divergências profundas acerca dos princípios gerais incidentes, de maneira que
adotaremos o elenco oferecido por Celso Antônio Bandeira de Mello, acima
mencionado, que a nosso ver abarca todos os princípios possíveis de serem extraídos,
implícita ou explicitamente, do ordenamento jurídico brasileiro.

É certo que nos processos sancionatórios deverão incidir os mesmos


princípios, acrescidos de outros, que não necessitarão estar presentes nos processos
administrativos em que inexistam acusados ou em que não esteja presente a
litigiosidade. Daí a afirmação no sentido de que, nesses casos, alguns princípios do
processo penal incidirão.

Dedicaremos capítulo específico para tratar do procedimento punitivo a ser


desenvolvido no âmbito do Tribunal de Contas, ocasião em que apontaremos os
princípios a serem obrigatoriamente observados.

46
FIGUEIREDO, Lúcia Valle. p. 417, apud: GIANNINI, Massimo Severo i, Diritto amministrativo, 3ª ed., v. II,
Milano, Giuffrè, 1993.
36

CAPÍTULO II
LEGALIDADE E SANÇÃO ADMINISTRATIVA

1. Breves considerações introdutórias sobre o princípio da legalidade e sua


evolução

O princípio da legalidade receberá tratamento específico e destacado dos


demais princípios a serem apontados no capítulo referente ao procedimento que deve
anteceder o ato punitivo, considerando sua relevância para o adequado estudo do tema
proposto, uma vez que as leis regentes do processo punitivo e o exercício da
competência sancionatória não podem ignorar os princípios e regras constitucionais,
sendo certo que sua leitura só se viabiliza corretamente levando-se em conta os
contornos dados pelo sistema normativo vigente e, conseqüentemente, a noção de
Estado de Direito, cujo conteúdo variará de acordo com o perfil atribuído pelo direito
constitucional de cada país. Por conseguinte, não obstante outros princípios de
inegável importância também incidam, é a partir deste que o tema deve ser analisado.

Legalidade e Estado de Direito são noções inseparáveis, embora comportem


análise individualizada. O princípio da legalidade é o nascedouro do direito
administrativo, sendo correto afirmar que o direito administrativo é verdadeira
conseqüência do Estado de Direito.

Assim é que, embora a Administração Pública, enquanto conjunto de


pessoas e órgãos que exercem a função administrativa do Estado, já existisse em
épocas anteriores, de fato somente passou a se estruturar a partir da formação do
Estado de Direito. Daí a inegável importância dos contornos conferidos pelo
ordenamento jurídico à atuação da Administração Pública, sobretudo em decorrência
do princípio da legalidade, de observância obrigatória no exercício da função
administrativa e, como teremos oportunidade de constatar, com incidência fortemente
marcante no exercício da competência punitiva do Estado.
37

Veremos que um longo caminho precisou ser percorrido para a consagração


do princípio da legalidade tal como concebido atualmente, bem como que há vertentes
do tema, como a proposta voltada à análise das sanções administrativas, as quais
suscitam indagações já enfrentadas pela doutrina, mas ainda tratadas de forma tímida,
que, longe de estarem sedimentadas e pacificadas, estão a reclamar maior atenção por
sua complexidade e relevância, sobretudo em relação à extensão do princípio da
legalidade.

É clássica a afirmação de que a legalidade assenta-se na estrutura do


Estado de Direito, só sendo possível à Administração Pública fazer o que a lei autoriza.
A atividade administrativa é sub-legal, somente podendo ser exercida debaixo da lei.
Fica a idéia perfeitamente clara e assentada de que aqueles que exercem a função
pública estão sujeitos ao preconizado na lei, que é a concretização da vontade geral,
sobreposta, portanto, a qualquer idéia de autoritarismo ou favoritismo, considerando-se
o caráter abstrato e genérico da lei, o que faz com que esta noção se assente também
na idéia de igualdade, porque Estado e indivíduos estarão sujeitos a um quadro
normativo que a todos se impõe.

Nem sempre foi assim, uma vez que o Estado Moderno conheceu uma etapa
que antecedeu o Estado de Direito, identificada como Estado de Polícia, em que a
Administração Pública agia de forma legalmente incondicionada e sem limitações.

Referida fase deixou resquícios ainda plenamente identificados no período


do Estado Liberal, quando o princípio da legalidade era voltado à compatibilização da
obediência à lei com a discricionariedade administrativa, esta concebida de forma
ampla, em que os atos administrativos expedidos no exercício discricionário não eram
passíveis de controle jurisdicional. A discricionariedade era concebida como livre
autonomia e podia ser aplicada onde a lei não regulava.

Mas a concepção de legalidade sofreu forte influência do positivismo jurídico


e consagrou-se no sentido de que a Administração só pode fazer o que a lei permite,
38

resultando em profunda alteração da concepção de discricionariedade, que deixou de


ser entendida como espaço livre de atuação do administrador, que podia fazer tudo o
que a lei não proibia, ganhando novo significado, o de que a Administração só pode
fazer o que a lei permite. Passou então a discricionariedade a ser concebida como um
poder fortemente limitado pela lei. 47

Independentemente do conteúdo que se possa emprestar à expressão


Estado de Direito, é certo que o Estado de Direito tem na lei, que realiza o princípio da
48
legalidade, a essência de seu conceito.

Nesse aspecto, exalta o professor José Afonso da Silva a necessidade de


uma superação do positivismo formalista, no sentido de que o conceito da lei não pode
ser o mesmo que imperou no Estado de Direito Clássico, propugnando que a lei possa
influir na realidade social, não permanecendo em uma esfera puramente normativa. 49

É, portanto, nesse contexto que se dá a atuação da Administração Pública


que, de acordo com os objetivos fundamentais do Estado de Direito, deve agir nos
limites impostos pela lei em sentido amplo. Destarte, o princípio da legalidade é nuclear
na função administrativa, devendo o administrador público, no exercício dessa função,
aplicar a lei para solucionar os casos concretos, sempre guiado pelo interesse público,

47
Sobre o tema dos limites do exercício do poder discricionário, consulte-se Allan R. Brewer-Carías, (Princípios del
procedimiento administrativo) que afirma não existir discricionariedade onde há conceito jurídico indeterminado,
porque há somente uma única solução justa na aplicação do conceito ao caso concreto, e que a doutrina e
jurisprudência, sobretudo na América latina, estão abandonando a tradicional imunidade jurisdicional na matéria de
discricionariedade. Ressalta ainda o autor a relevância dos princípios da proporcionalidade e da razoabilidade como
limitadores da discricionariedade.
48
Diz o professor José Afonso da Silva, invocando Carl Schmitt, que “pode ter tantos significados distintos como a
própria palavra ‘Direito’ e designar tantas organizações quanto as que se aplica a palavra ‘Estado’”. In: Curso de
direito constitucional positivo. 16ª ed. São Paulo: Malheiros, p.117.
49
“é precisamente no Estado Democrático de Direito que se ressalva a relevância da lei, pois ele não pode ficar
limitado a um conceito de lei, como o que imperou no Estado de Direito clássico. Pois ele tem que estar em
condições de realizar, mediante lei, intervenções que impliquem diretamente uma alteração na situação da
comunidade. Significa dizer: a lei não deve ficar numa esfera puramente normativa, não pode ser puramente lei de
arbitragem, pois precisa influir na realidade social. E se a Constituição se abre para as transformações políticas,
econômicas e sociais que a sociedade brasileira requer, a lei se elevará de importância, na medida em que, sendo
fundamental expressão do direito positivo, caracteriza-se como desdobramento necessário do conteúdo da
Constituição e aí exerce função transformadora da sociedade, impondo mudanças sociais democráticas, ainda que
possa desempenhar uma função conservadora, garantindo a sobrevivência dos valores socialmente aceitos”. (Ibidem,
p. 126).
39

finalidade última da lei, decorrendo daí que a função administrativa é subordinada à


função legislativa, à medida que caberá ao administrador tão-somente colocar em
prática a lei.

Sobre este assunto muito já se escreveu, motivo pelo qual cuidaremos de


reproduzir, de forma perfunctória, as lições deixadas, apenas buscando situar o tema
que pretendemos enfocar.

Acerca da visualização do princípio da legalidade, além de uma regra de


“limite” para a atuação estatal, e com uma proposta para a reconstrução do princípio
para além da garantia formal, podendo também expressar garantia material para os
indivíduos e para a sociedade, recomendamos a leitura do artigo de Eros Grau
intitulado “Algumas notas para a reconstrução do princípio da legalidade”. 50

Em apertada síntese, o jurista observou que, além de instrumento ancilar da


preservação da liberdade, a legalidade também passou a desempenhar o papel de
substituto da legitimidade, podendo, em sua acepção meramente formal, prestar-se a
servir de instrumento de opressão e opróbrio. Com essa observação, propugna pela
revisão construtiva do princípio da legalidade e, repudiando a sua concepção
meramente formal, invoca sua subsistência em termos materiais, segundo ele
“indispensável à realização das vocações autênticas do Direito”. Trata-se, portanto, de
uma visão crítica, fruto de profunda reflexão, em nossa visão de leitura recomendável
àqueles interessados em aprofundar o estudo acerca desse princípio. 51

50
Revista da Faculdade de Direito. v. LXXVIII. São Paulo: Universidade de São Paulo, Jan./Dez 1983, p. 161-166.
51
Transcrevemos parte do texto, por considerarmos relevante para aclarar a proposta que procuramos de forma
sucinta traduzir nesse trecho do presente trabalho. No desenvolvimento de suas reflexões, assevera o respeitado
jurista que: “ Na consagração da legalidade como critério meramente formal, pois, a ereção de pilastra hábil a dar
justificativa ao Direito posto, independentemente de qualquer valoração a propósito de seu conteúdo. Já não compete
ao estudioso do Direito, desde então, a avaliação da justiça do poder – tal como exercido sob o manto da legalidade –
ou da norma. Incumbe-lhe, pelo contrário, colocar o seu saber a serviço do objetivo de reduzir o quanto mais se
possa a ação estatal e, na impossibilidade disso, ao sabor de valores bem definidos. A política da legalidade, desta
sorte, conduz à neutralidade axiológica do Direito e à anulação do direito de resistência contra o Direito injusto. O
que importa, desde a perspectiva instalada na consagração do princípio, tal como atualmente concebido, é que as
normas jurídicas sejam rigorosamente cumpridas. Por conseqüência, a legalidade assume caráter de dogma” (Op. cit.,
p. 163).
40

Pois bem, o princípio da legalidade, além de referido no caput do artigo 37 da


Constituição Federal, está insculpido artigo 5º, inciso II, sendo verdadeira garantia dos
indivíduos contra o abuso de poder. Segundo a respeitada jurista Lúcia Valle
Figueiredo, a origem do princípio da legalidade radica na proteção dos indivíduos contra
o Estado dentro das conquistas liberais obtidas no final do século XVIII e início do
século XIX, e decorrentes da ênfase excessiva no interesse do Estado em manter
íntegro e sem lesões o seu ordenamento jurídico. 52

O princípio está consubstanciado no seguinte enunciado: “ninguém será


obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei” (art. 5º, II, da
Constituição Federal), tendo sido erigido como um dos princípios norteadores da
atividade administrativa no artigo 37, caput, da Carta Magna, significando que a
Administração Pública apenas poderá submeter os administrados àquilo que estiver
previamente previsto em lei.

Assim, a regra de conduta negativa imposta aos indivíduos não conferiu o


mesmo tratamento ao Estado, uma vez que, enquanto o particular tem a possibilidade
de fazer tudo o que a lei não veda, a Administração Pública somente está autorizada a
fazer o que a lei lhe confere.

Como observa a professora Maria Sylvia Zanella Di Pietro, “no âmbito das
relações entre particulares, o princípio aplicável é o da autonomia de vontade, que lhes
permite fazer tudo o que a lei não proíbe”. 53

Segundo já observado, o princípio deve ser concebido de forma diversa


daquela decorrente do positivismo formalista do Estado Liberal, conhecido como Estado
Legal, no sentido de que o Estado deverá submeter-se ao Direito e não à lei formal. 54

52
Alguns aspectos teóricos da improbidade administrativa. In BUENO, Cássio Scarpinella; PORTO FILHO, Pedro
Paulo de Rezende (coords.). Improbidade administrativa - questões polêmicas e atuais. São Paulo: Malheiros, 2001,
p. 277.
53
Direito administrativo, p. 68.
54
Acerca do princípio da legalidade, o Ministro Carlos Ayres Britto fez a seguinte observação, em voto proferido nos
autos do RMS 24.699/DF: - DJ 01.07.2005: “Só queria fazer uma observação lateral. Esse lapidar conceito de
41

Embora pareça fácil concluir acerca do conteúdo e extensão do princípio da


legalidade, no sentido de que a legalidade deriva da lei, e que, portanto, está na lei o
conteúdo do princípio, é inquestionável que a amplitude deste encontra várias
acepções, algumas bastante amplas.

Emerson Garcia e Rogério Pacheco Alves citam pesquisa realizada por


Charles Eisenmann que identifica três tendências a respeito da questão colocada: de
André de Laubadère, que considera a legalidade como o conjunto das leis
constitucionais, das leis ordinárias, dos regulamentos, dos tratados internacionais, dos
usos e costumes e das normas jurisprudenciais; de Georges Vedel, que numa postura
mais ampla acrescenta a essas os atos administrativos individuais e os contratos; e a
da noção originária mais restritiva, que identifica o princípio da legalidade com a lei
criada pelo legislador. 55

Não é demais observar que tais posicionamentos devem ser considerados


com a devida cautela, já que oriundos de países com outros perfis constitucionais, não
podendo, portando, ser transportados sem temperamentos para a nossa realidade.

Miguel Seabra Fagundes, segundo o qual administrar é aplicar a lei de ofício, talvez esteja a exigir uma atualização.
O artigo 37 da Constituição, tão apropriadamente citado por V.Exa., Sr. Ministro Eros Grau, na cabeça desse artigo
há uma novidade que não tem sido posta em ênfase pelos estudiosos. Esse artigo tornou o Direito maior do que a lei
ao fazer da legalidade apenas um elo, o primeiro elo de uma corrente de juridicidade que ainda incorpora a
publicidade, a impessoalidade, a moralidade, a eficiência. Ou seja, já não basta ao administrador aplicar a lei, é
preciso que o faça publicamente, impessoalmente, eficientemente, moralmente. Vale dizer: a lei é um dos conteúdos
desse continente de que trata o art. 37. Então, se tivéssemos que atualizar o conceito de Seabra Fagundes, adaptando-
o à nova sistemática constitucional, diríamos o seguinte: administrar é aplicar o Direito de ofício, não só a lei”.
55
“Para André de Laubadère (Traité, n.º 369), a legalidade é o conjunto (a) das leis constitucionais; (b) das leis
ordinárias; (c) dos regulamentos; (d) dos tratados internacionais; (e) dos usos e costumes; (f) das normas
jurisprudenciais, entre as quais em primeiro lugar, os princípios gerais do direito – ou seja, quatro elementos de
caráter ‘escrito’ dos quais os dois primeiros formam o ; ‘bloco legal’ (Hauriou), os três primeiros o ‘bloco legal das
leis e regulamentos’, e dois elementos de caráter não escrito. Georges Vedel (La Soumission de l´Administration à la
loi, n 47) encampa uma posição ainda mais ampla de legalidade, acrescendo que “às regras de direito obrigatórias
para a Administração vêm unir-se as normas peculiares que as vinculam – as dos atos administrativos individuais e
as dos contratos. Assim, compõem o ‘bloco da legalidade’ a totalidade das normas cuja observância impor-se-ia à
Administração; a legalidade se identifica então, pura e simplesmente com a regulamentação jurídica em seu todo,
com o ‘direito vigente’. Por último, tem-se a noção originária e restritiva do princípio da legalidade, impondo à
Administração a observância das normas criadas pelo legislador, as quais se reduzem à lei (lato sensu). In:
Improbidade administrativa. Rio de Janeiro: Lúmen Juris, 2002, p. 53.
42

Eros Roberto Grau apresenta posição mais aberta do que a adotada pela
maioria dos doutrinadores nacionais, asseverando que o artigo 5º, II, da Carta Magna
consagra o princípio da legalidade em termos apenas relativos, no sentido de que pelo
menos por três oportunidades a Constituição faz referência ao princípio em termos
absolutos, quais sejam: não haverá crime, ou pena, nem tributo, nem exigência de
autorização de órgão público para o exercício da atividade econômica, sem lei que os
estabeleça. Assim, entende que não faria sentido as mencionadas remissões, caso o
princípio consagrado no artigo 5º, II, se desse em termos absolutos.

Em decorrência dessa postura, o ilustre jurista entende que as demais


matérias, que deverão ser colhidas no Texto Constitucional, estão excluídas do
princípio da reserva de lei e podem ser tratadas por regulamentos. 56

Nessa linha de raciocínio, Eros Grau pondera que o direito pátrio admite os
denominados “regulamentos delegados”, considerando, ainda, que assim são
chamados de forma indevida, porque não decorrem de uma delegação de função,
intitulando-os de regulamentos autorizados, que são expedidos a partir de atribuição
explícita do exercício e função normativa ao Executivo.

Carlos Ari Sundfeld entende que a análise do princípio da legalidade


comporta vários enfoques distintos, apresentando peculiaridades e graus diversos em
cada situação. Os enfoques indicados pelo autor dizem respeito à criação e
organização de órgãos e pessoas administrativas, à atividade interna da Administração
e ao seu relacionamento com os particulares.

Admite o publicista que em situações de sujeição especial do particular


(vínculo específico do particular com a Administração) diante da lacuna da lei, pode a
Administração, por força da titularidade dos serviços públicos outorgados pela Carta

56
O direito posto e o direito pressuposto. 2. ed. São Paulo: Malheiros, p. 184. Assim se posiciona o jurista: “(...) se
há um princípio de reserva de lei - ou seja, se há matérias que só podem ser tratadas por lei -, evidente que as
excluídas podem ser tratadas em regulamentos; quanto à definição do que está excluído nas matérias de reserva de
lei, há de ser colhida no texto constitucional; quanto a tais matérias não cabem regulamentos. Inconcebível a
admissão de que o texto constitucional contivesse disposição despicienda --- verba cum sunt accipienda”.
43

Magna, regular os direitos e deveres dos particulares que os utilizam. Já com relação
aos atos praticados pela Administração Pública na atividade ordenadora da vida privada
(relações jurídicas decorrentes de autoridade genérica do Estado), os atos
administrativos devem estar amparados na lei.

Observa, entretanto, que essa postura não significa a afirmação de um


legalismo estrito, porque a Administração não age apenas de acordo com a lei, mas ao
que o autor chama de “bloco da legalidade”. 57

Acreditamos que o princípio da legalidade deve ser concebido no sentido de


que não cabe a qualquer ato expedido por Poder constituído que não seja o Legislativo
criar ou extinguir direitos de forma originária no ordenamento jurídico. Assim, embora o
regulamento tenha natureza semelhante à da lei, por se tratar de ato dotado de maior
abstração e generalidade, impondo-se a todos, não há de ser incluído como elemento
integrante do princípio da legalidade, assim como também não o integram os contratos,
os usos e costumes e a jurisprudência. 58

Nem por isso há de ser o princípio concebido de forma acanhada. É o que se


extrai da lição de Lúcia Valle Figueiredo, sobre ser o princípio da legalidade mais amplo
que a mera sujeição à lei, devendo o administrador submeter-se também ao direito, ao
ordenamento jurídico, às normas e princípios constitucionais. 59

57
“Tal não significa a afirmação de um legalismo estrito. A administração não age apenas de acordo com a lei;
subordina-se ao que se pode chamar de bloco da legalidade. Não basta a existência de autorização legal: necessário
atentar para a moralidade administrativa, à boa fé, à igualdade, à boa administração, à razoabilidade, à
proporcionalidade - enfim, aos princípios que adensam o conteúdo das imposições legais”. In: Direito administrativo
ordenador. São Paulo: Malheiros, 1993, p. 31-32.
58
Diz Celso Antônio Bandeira de Mello que “para avaliar corretamente o princípio da legalidade e captar-lhe o
sentido profundo cumpre atentar para o fato de que ele é a tradução jurídica de um propósito político: o de submeter
os exercentes do poder em concreto – o administrativo – a um quadro normativo que embargue favoritismos,
perseguições ou desmandos. Pretende-se, através da norma geral, abstrata e por isso mesmo impessoal, a lei, editada,
pois, pelo Poder legislativo – que é o Colégio representativo de todas as tendências (inclusive minoritárias) do corpo
social -, garantir que a atuação do Executivo nada mais seja senão a concretização desta vontade geral”. In: Curso de
direito administrativo, p. 97.
59
Nas palavras da ilustre jurista: “(...) O princípio da legalidade é bem mais amplo do que a mera sujeição do
administrador à lei, pois aquele necessariamente, deve estar submetido também ao Direito, ao ordenamento jurídico,
às normas e princípios constitucionais, assim também há de se procurar solver a hipótese de a norma ser omissa ou
eventualmente faltante”. In: Curso de direito administrativo. 5ª ed. São Paulo: Malheiros, 2001, p. 42.
44

Ao se referir ao princípio da legalidade, Paulo Bonavides também o faz


nesse mesmo sentido, qual seja, dando-lhe uma dimensão que vai além da mera
sujeição à lei em sentido estrito, compreendendo também os preceitos jurídicos
vigentes. 60

Desse entendimento não diverge Juarez de Freitas, que, comentando sobre


o princípio da legalidade, enfatiza que a submissão da Administração Pública não é
apenas à lei, mas ao direito, observando-se os princípios em sintonia com a teleologia
constitucional. 61

Das lições mencionadas e transcritas com o objetivo de trazer à colação o


pensamento de nossos publicistas e mestres, temos que o princípio da legalidade é
modernamente concebido de forma mais ampla, inclusive admitindo ou cedendo
espaço em certa medida para a aplicação simultânea de outras garantias igualmente

60
“A legalidade nos sistemas políticos exprime basicamente a observância das leis, isto é, o procedimento da
autoridade em consonância estrita com o direito estabelecido. Ou em outras palavras traduz a noção de que todo
poder estatal deverá atuar sempre de conformidade com as regras jurídicas vigentes. Em suma, a acomodação do
poder que se exerce ao direito que o regula. Cumpre pois discernir no termo legalidade aquilo que exprime
inteiramente conformidade com a ordem jurídica vigente. Nessa acepção ampla, o funcionamento do regime e a
autoridade investida nos governantes devem reger-se segundo as linhas mestras traçadas pela Constituição, cujos
preceitos são a base sobre a qual se assenta tanto o exercício do poder como a competência dos órgãos estatais. A
legalidade supõe, por conseguinte, o livre e desembaraçado mecanismo das instituições e dos atos da autoridade,
movendo-se em consonância com os preceitos jurídicos vigentes ou respeitando rigorosamente a hierarquia das
normas, que vão dos regulamentos, decretos e leis ordinárias até a lei máxima e superior, que é a Constituição”. In:
Paulo Bonavides. Ciência política. 10ª ed. São Paulo: Malheiros, 1999, p.111.
61
“No que tange ao princípio da legalidade (razoável) e da submissão da Administração Pública ao Direito, é de
brevemente recordar que se evoluiu desde um legalismo primitivo e descompromissado para uma posição, por assim
dizer, principiológica e substancialista. Por razões históricas sobejamente conhecidas, praticamente resta
abandonado, ao menos em teoria, um determinado tipo de legalismo estrito, assim como já não prosperam mais
visões ou escolas preconizadoras, nos moldes da Escola da Exegese, de uma servidão do intérprete à lei ou, ao que
seria pior, a voluntas legislatoris. A sua interpretação sistemática não o sucede nem o antecede: é contemporânea
dele. Confere-lhe vida e dinamicidade, porquanto o conteúdo jurídico, por força de sua natureza valorativa,
transcende o mera e esparsamente “positivado”. Neste caso, a legalidade faz às vezes de valiosíssimo princípio,
porém somente experimentando significado apreciável na correlação com os demais. Pensar o Direito Administrativo
exclusivamente como um conjunto de normas seria subestimar, de forma danosa, a complexidade e a riqueza do
fenômeno jurídico-administrativo. Assim, a submissão da Administração Pública não é apenas à lei. Deve haver
respeito à legalidade sim, mas encartada no plexo de características e ponderações que a qualificam como razoável.
Não significa dizer que se possa obedecer alternativamente à lei ou ao Direito. Não. A legalidade devidamente
adjetivada razoável requer a observância cumulativa dos princípios em sintonia com a teleologia constitucional. A
submissão razoável apresenta-se menos como submissão do que como respeito. Não é servidão, mas acatamento
pleno e concomitante à lei e, sobretudo, ao Direito. Assim, desfruta o princípio da legalidade de autonomia relativa,
assertiva que vale para os princípios em geral”. In: O controle dos atos administrativos e os princípios fundamentais.
2ª ed. São Paulo: Malheiros, 1999, p. 60-61.
45

consagradas pela Constituição em socorro dos indivíduos, de forma a garantir seu


papel no desenvolvimento e aplicação dos direitos sociais, sem, contudo, significar seu
afastamento, como aliás não poderia deixar de ser. Não há que se conceber ato
administrativo desgarrado da legalidade, mas tampouco se pode concebê-lo de forma
tacanha.

A atuação da Administração Pública deve ocorrer de acordo com o seu fim


precípuo, qual seja, o atendimento do interesse da coletividade, em plena consonância
com a legalidade, de forma a observar os objetivos que inspiraram o princípio da
legalidade, que são, o controle do poder e as garantias individuais, de modo que os
administrados não sejam surpreendidos, sabendo de antemão quais são as restrições
estabelecidas no ordenamento e válidas para todos.

Pretendemos, portanto, deixar assentado, para o desenvolvimento da idéia


central deste estudo, que o princípio da legalidade, sem qualquer dúvida de
observância inafastável na atuação da Administração Pública, deve ser aplicado de
acordo com o ordenamento jurídico pátrio concebido de forma ampla. 62

Assim, a constatação da existência de ato administrativo expedido em


desconformidade com a lei em sentido estrito exige, em princípio, que a autoridade
administrativa competente restaure a ordem jurídica. De fato, os atos ilegais, por força
do princípio da legalidade, devem ser invalidados, ou convalidados quando a natureza
do vício o admitir. 63

62
O professor Eros Grau, ao tratar da interpretação do direito, faz a seguinte afirmação: “A interpretação do direito, é
interpretação do direito, no seu todo, não de textos isolados, desprendidos do direito. Não se interpreta o direito em
tiras, aos pedaços. A interpretação de qualquer texto de direito impõe ao intérprete, sempre, em qualquer
circunstância, o caminhar pelo percurso que se projeta a partir dele – do texto – até a Constituição. Um texto de
direito isolado, destacado, desprendido do sistema jurídico, não expressa significado normativo algum”. In: Ensaio e
discurso sobre a interpretação/aplicação do direito. São Paulo: Malheiros, 2002, p. 34.
63
Ensina a ilustre professora Weida Zancaner que a restauração da ordem jurídica pode se dar pela fulminação de um
ato viciado ou ainda pela correção do vício, aduzindo que: “Há duas formas de recompor a ordem jurídica violada,
em razão de atos inválidos, quais sejam, a invalidação e a convalidação. Tanto um como o outro revela-se atuação
absolutamente vinculada do administrador, na medida em que não pode optar por invalidar ato que não comporta
convalidação, assim como não pode deixar de convalidar ato que comporta restauração” (Da convalidação e da
invalidação dos atos administrativos. 2. ed. São Paulo: Malheiros, 1996, p. 56).
46

Mas há situações em que, por decorrência de outros princípios e garantias


também albergados pelo ordenamento jurídico, como a boa-fé e a segurança nas
relações jurídicas, o dever de invalidar deve ceder espaço. Vejamos duas situações
evidenciadas pela professora Lúcia Valle Figueiredo: quando o ato viciado não
contaminou outras relações dele decorrentes e não causou dano a outros valores, e
diante de situações já consumadas que geraram direitos adquiridos com boa-fé. 64

No campo específico da Administração Pública, Rogério Gesta Leal, citando


Almiro do Couto e Silva 65, afirma que:

Aos princípios da legalidade e da proteção da confiança ou da boa fé


dos administrados, ligam-se, respectivamente, a presunção ou
aparência de legalidade que têm os atos administrativos e a
necessidade de que sejam os particulares defendidos, em
determinadas circunstâncias, contra fria e mecânica aplicação da lei,
com o conseqüente anulamento de providências do Poder Público que
geraram benefícios e vantagens, há muito incorporados ao patrimônio
dos administrados. 66

De fato, concordamos que em algumas situações o desfazimento de um ato


administrativo pode causar um caos maior na ordem jurídica do que sua simples
manutenção, ainda que eivado de nulidade, pois, por vezes, há necessidade da
preservação de situações que o tempo se incumbiu de consolidar. E nesse sentido há
precedentes jurisprudenciais, que datam da década de 1990. 67

64
Curso de direito administrativo. 4ª ed. São Paulo: Malheiros, p. 230-232.
65
Nesse ponto, Almiro do Couto e Silva., refere que: “A Administração Pública brasileira, na quase generalidade dos
casos, aplica o princípio da legalidade, esquecendo-se completamente do princípio da segurança jurídica. A doutrina
e a jurisprudência nacionais, com as ressalvas apontadas, têm sido muito tímidas na afirmação do princípio da
segurança jurídica”. In: Prescrição qüinqüenária da pretensão anulatória da Administração Pública com relação a
seus atos administrativos. RDA, p.46-63.
66
LEAL, Rogério Gesta . Dimensões normativas, temporais e político-sociais da revisão do ato administrativo no
Brasil: possibilidades. Revista de Direito Administrativo e Constitucional. ano 6. nº 26. Belo Horizonte, Out./Dez.
2006, p.149.
67
Tribunal Regional Federal (1ª Região). Ac. unânime da 1ª Turma publicado em 22 de abril de 1991. MAS
90.01.07444-8-BA. Relator Juiz Plauto. (Informativo semanal – Adv 31/91- p. 483). Ensino superior- registro de
diploma – curso de 2º grau concluído – situação fática consolidada. Curso de 2º grau concluído há mais de oito anos,
cuja validade não foi contestada pela Faculdade Católica de Salvador, quando permitiu o ingresso do aluno e sua
permanência naquele estabelecimento de ensino até a conclusão de seu curso, não deve ser agora invalidado, pois há
necessidade de se proteger situação que o tempo se incumbiu de consolidar. Registro de diploma de nível superior
que se defere. Precedentes do ex-TRF e deste Tribunal. Apelo e remessa improvidos. Decisão mantida. Tribunal
Regional Federal (5ª Região).Ac. unânime da 1ª Turma. Publicado em 19 de abril de 1991. MAS 694-RN. Relator:
47

Rogério Gesta Leal afirma que mesmo na dogmática jurídica há um


consenso a esse respeito, conclusão que extrai da lição de Paulo de Barros Carvalho,
no seguinte sentido:

O princípio da segurança jurídica é decorrência de fatores sistêmicos,


dirigido à implantação de um valor específico, qual seja, o de coordenar
o fluxo das interações inter-humanas, no sentido de propagar no seio da
comunidade social o sentimento de previsibilidade quanto aos efeitos
jurídicos da relação da conduta. Tal sentimento tranqüiliza os cidadãos,
abrindo espaço para o planejamento das ações futuras, cuja disciplina
jurídica conhecem, confiantes que estão no modo pelo qual a aplicação
68
das normas de direito se realiza.

É claro que em qualquer situação o ato deve ser motivado com a perfeita
demonstração da proteção de outros bens jurídicos em detrimento da invalidação, e,
sobretudo, que se deve estar incontestavelmente diante da existência da boa-fé e da
inexistência de lesão a outros indivíduos e valores, como a moralidade administrativa,
também elevada, pelo legislador constituinte, a princípio norteador da atividade
administrativa.

O administrador deverá atribuir maior ou menor peso a um determinado


princípio, como, por exemplo, a existência da boa-fé e a garantia da segurança jurídica
em face do princípio da legalidade. Desta feita, sua decisão deverá estar revestida das
razões e fundamentos que o levaram a adotar a decisão de manter o ato, ainda que
viciado. Essa atuação, por privilegiar princípios igualmente protegidos pelo direito, que
não a legalidade estrita, há de ser tida como válida porque encontra arrimo no
ordenamento jurídico positivo. Estaremos, pois, diante do confronto entre dois ou mais
princípios, mormente o da legalidade e o da segurança jurídica.

Juiz Francisco Falcão.(informativo semanal-Adv/Coad 23/91, p. 355. Ato administrativo. Princípio da legalidade.
Desconstituição desaconselhável. O princípio da legalidade vincula o administrador não só à lei stricto sensu. Salvo
raríssimas exceções, é imperioso, sob pena de nulidade, que o administrador dê as razões de fato e de direito
determinantes de seu ato. Se a decisão judicial produz uma situação fática consolidada pelo decurso do tempo, sua
desconstituição é desaconselhável, mormente quando não causa prejuízos a terceiros. Remessa oficial e recurso
voluntário improvidos.
68
CARVALHO, Paulo de Barros. Curso de direito tributário. São Paulo: Saraiva. 2002, p. 95. apud Rogério Gesta
Leal, p.152.
48

Nessa questão, imprescindível invocar novamente a lição do professor Eros


Grau, que afirma que essa atuação, qual seja, a de atribuir peso maior a um ou outro
princípio, não é discricionária, porque o intérprete está vinculado aos princípios. 69

Assim, a concepção doutrinária do princípio da legalidade já não é tão


rigorosa, no sentido de que a Administração não se encontra restrita as prescrições da
lei em sentido estrito, mas ao ordenamento jurídico, e essa noção deverá orientar o
desenvolvimento do tema proposto no presente trabalho.

2. Ilícito e sanção administrativa

A competência punitiva da Administração Pública é ampla e os precedentes


históricos de sua evolução, inclusive no Brasil, revelam uma atuação estatal pouco
respeitosa às garantias dos indivíduos no que concerne aos limites da pretensão
punitiva.

Segundo Diogo de Figueiredo Moreira Neto, foi a Carta Política de 1988 que
lastreou a reversão desse processo quando corrigiu o viés autoritário dessa velha
postura punitiva do Estado, asseverando, contudo, que infelizmente tal postura
autoritária remanesce e se aninha em numerosas instituições estatais que ainda deixam

69
Diz o Professor que: "A tensão entre princípios é própria ao sistema jurídico, sempre, desde sempre tendo sido
assim. O que torna complexa a compreensão dessa circunstância é o fato de o pensamento tradicional ensinar que o
direito é dotado de uma universalidade plena ( ele é abstrato e geral), na qual não cabem exceções. Mas é
precisamente o inverso disso que se dá. A inserção do direito no mundo da vida, mediante a sua
interpretação/aplicação, opera-se em pleno plano que não se pode particularizar senão mediante a exceção, caso a
caso. Os mais velhos já o haviam percebido”. E ao ensinar que o afastamento de um princípio implica
necessariamente a perda da efetividade da regra que dá concreção ao princípio, aduz que: “E – o que torna tudo mais
complexo, portanto, mais belo: inexiste no sistema qualquer regra ou princípio a orientar o intérprete a propósito de
qual dos princípios, no conflito entre eles estabelecido, deve ser privilegiado, qual deve ser desprezado. Isso somente
se pode saber no contexto do caso, de cada caso, no âmbito do qual se verifique o conflito. Em cada caso, pois, em
cada situação, a dimensão do peso ou importância dos princípios há de ser ponderada. A atribuição de peso maior a
um – e não outro – não é, porém, discricionária”. (Ensaio e discurso sobre a interpretação/aplicação do direito, p.
42-43).
49

muito a desejar quando se trata de observar as cláusulas de respeito aos direitos


fundamentais dos indivíduos. 70

Ensina o mencionado jurista que o direito punitivo tem raízes muito antigas,
tendo surgido com a formação do próprio Estado e da Administração Pública como
sujeito, propiciando a criação do Direito Administrativo, que cuidou da tipificação das
infrações administrativas e respectivas sanções com a delegação de poderes punitivos
à Administração no contexto do conceito de Estado de Direito qualificado pela
legitimidade de suas normas. 71

Não obstante de antigas raízes, trata-se de tema ainda pouco enfrentado,


cujo estudo exige, como ocorre em relação à maioria esmagadora dos institutos
jurídicos, a adoção de posturas prévias, de escolhas que viabilizem sua adequada
delimitação, o que obviamente somente se pode dar no âmbito do sistema jurídico
posto. Assim ocorre com a sanção administrativa, cuja definição e o entendimento de
seu regime jurídico passam por questões que estão longe de encontrar
posicionamentos doutrinários convergentes.

Deveras, são inúmeras as divergências encontradas acerca de diversos


aspectos da questão, dentre as quais podemos mencionar, sem a pretensão de esgotá-
las, os posicionamentos sobre a existência ou não de diferenças ontológicas entre as
sanções administrativas e penais, sua finalidade precípua, se decorrem do mero
exercício da função administrativa, do poder de polícia do Estado, ou se, ao contrário,
possuem autonomia, bem como se existe um ius puniendi unitário do Estado.

Tais divergências são identificáveis, sobretudo, na doutrina alienígena, onde


a literatura é bem menos escassa e as conclusões dessas questões impactam de forma
definitiva, sobretudo quanto ao regime jurídico das sanções administrativas e,
conseqüentemente, aos princípios jurídicos incidentes, cujo entendimento acarreta a

70
OSÓRIO, Fábio Medina, Direito administrativo sancionador,2. ed. Prefácio.
71
Ibidem, p. 12.
50

adoção de posturas absolutamente relevantes sobre o procedimento para sua aplicação


e a predeterminação pelo legislador do tipo e da medida de pena para cada delito e,
ainda, do modelo de norma sancionadora, caracterizada por modelos de legalidade
atenuada ou caracterizada de forma cerrada.

Embora a produção literária mais significativa não seja nacional e o tema não
tenha despertado interesses e debates proporcionais à sua importância, alguns juristas
pátrios, como bem observou Celso Antônio Bandeira de Mello, animaram-se a enfrentá-
lo, e o fizeram com acurado zelo e profundidade, resultando em substanciais reflexões
e em estudos de referência obrigatória em face das valiosas contribuições trazidas para
o direito pátrio, consubstanciando-se em obras - mencionadas ao longo deste trabalho ,
de inestimável valor para qualquer estudioso que se proponha a enfrentar o tema. 72

Com essas observações iniciais, entendemos não haver como tratar do tema
sem antes abordar tais questões, estabelecendo posições que viabilizem a necessária
coerência na adoção das posturas advindas daquelas reflexões.

Advertimos, de plano, como se verá, que as discussões acerca dos


supramencionados temas controvertidos, por se entrelaçarem, oferecem obstáculos
para uma proposta de discussão absolutamente apartada. E pelo fato de tais
abordagens se confundirem em algumas oportunidades, por decorrerem ou interferirem
umas nas outras, trataremos em um mesmo tópico das discussões relacionadas às
eventuais diferenças substanciais das penas, da existência ou não de um único “ius
puniendi estatal” do regime jurídico das sanções administrativas e do conceito de
sanção administrativa.

O conceito de sanção administrativa, como ocorre com a definição de


qualquer instituto, depende de escolhas, de opções que necessariamente só podem ser

72
FERREIRA, Daniel. Sanções administrativas. Prefácio: Nas exatas palavras de Celso Antônio Bandeira de Mello:
“O assunto tem sido objeto de escassas obras monográficas tanto no Brasil como no exterior, possivelmente por se
tratar de matéria inçada de dificuldades tais que atemorizam mesmo os administrativistas mais ousados. Só mesmo
os especialmente animosos dispõem-se a enfrenta-la”.
51

extraídas do sistema jurídico vigente, embora não dispense conhecimento do direito


comparado, e neste tema o direito europeu é sólido espaço de referência. 73

Todavia, a investigação deve ser realizada em face do contido no sistema


jurídico pátrio, com a exclusão do que não lhe pertence. Nesse sentido, contundente é
a assertiva de Clóvis Beznos quando diz:

Importa, pois, ao examinar-se um sistema jurídico, ter em conta o que


ele é, e o que ele alberga dentro de si mesmo como sua estrutura. Os
elementos que compõem o repertório de um sistema jurídico são as
74
normas positivas desse sistema.

A ocorrência de uma conduta prevista na norma jurídica como ilícita é


condição para a sanção, sendo elementos da norma a hipótese de incidência e a
conseqüência jurídica, de forma que o tema envolve um campo próprio dos ilícitos. 75

Conforme frisa Vital Moreira, mediante a aplicação das sanções “a


Administração penaliza o cidadão que cometeu um ilícito administrativo” 76, de modo
que não há como tratar do tema separadamente em relação a ilícito administrativo ou a
infração administrativa. 77

Por essa razão, Celso Antônio Bandeira de Mello adverte que infração e
sanção são temas indissolúveis, à medida que “o ilícito é tratado em parte da norma, e
a sanção em outra parte dela”, de forma que, nas palavras do citado mestre, o estudo

73
FERREIRA, Daniel. Sanções administrativas, p. 83.
74
BEZNOS, Clóvis. Poder de polícia. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1979, p. 66.
75
Celso Antônio Bandeira de Mello. Curso de direito administrativo. 22ª ed. Op. cit., p. 813.
76
MOREIRA, Vital. As sanções Administrativas. In: As funções da Administração. Disponível em:
<http:www.fd.uc.pt//cedipre/pos_graduação/2002_2003/documentos/instrumentos_autoridades_regulação_economic
a/sançõesadministrativas.pdf>.
77
A doutrina, regra geral, utiliza aos vocábulos “infração” e “ilícito” de forma indistinta, e assim os empregaremos
no decorrer deste trabalho, já que a utilização indistinta dos vocábulos em referência não prejudica cada figura
jurídica nomeada. De Plácido e Silva conceitua os termos da seguinte forma: “ILÍCITO: do latim ilicittus, de il em
vez de in, e licitus (proibido, vedado por lei, em seu sentido próprio quer exprimir o que é proibido ou vedado por
lei. Ilícito pois, vem qualificar, em matéria jurídica, todo fato ou ato que importe numa violação ao direito ou em
dano causado a outrem, provenha do dolo ou se funde na culpa”, e “INFRAÇÃO: Do latim, infractio, de infringere
(quebrar, infringir) designa fato que viole ou infrinja disposição de lei, onde há cominação de pena”. In: Vocabulário
jurídico. v. II. Rio de Janeiro: Forense, 1982, p. 407 e 468.
52

de ambas deve ser feito conjuntamente, sob pena de sacrificar a inteligibilidade quando
da explicação de uma ou de outra. Para o renomado jurista, infração administrativa:

É o descumprimento voluntário de uma norma administrativa para o qual


se prevê sanção cuja imposição é decidida por uma autoridade no
exercício de função administrativa – ainda que não necessariamente
aplicada nesta esfera, e sanção administrativa é a providência gravosa
prevista em caso de incursão de alguém em uma infração administrativa
78
cuja imposição é da alçada da própria Administração.

Assim, o conceito de sanção administrativa está estritamente vinculado ao de


infração administrativa, à medida que incidirá a sanção administrativa sempre que
alguém cometer uma infração, definida pela lei como de natureza administrativa. Por
essa razão, partindo de um critério formal, Egon Bockmann Moreira afirma que, “o ilícito
punível através de sanções administrativas é aquele oriundo de infrações
administrativas, tal como definidas em lei”. 79

Por decorrer a noção de sanção administrativa da noção de infração ou ilícito


administrativo, a doutrina nacional e alienígena muito já debateu sobre a existência de
critérios capazes de apartar de forma objetiva os ilícitos penais dos administrativos.
Como se demonstrará, muitas são as tentativas na busca desses critérios, de forma que
podemos encontrar teorias que apontam diferenças formais e materiais entre essas
figuras.

Todavia, cumpre desde já advertir que todas as tentativas parecem não


superar a conclusão no sentido de que não há diferença ontológica entre umas e
outras, prevalecendo o critério formal, mediante o qual será sanção administrativa
quando aplicada por uma autoridade no exercício da função administrativa, e, em face
da inexistência de critérios objetivos para o estabelecimento de ilícitos de natureza
penal ou administrativa, o legislador poderá estabelecer, de forma discricionária, quais
condutas serão consideradas ilícitos penais ou administrativos, sem critérios de
gravidade ou relevância predeterminados no ordenamento jurídico.

78
Curso de direito administrativo, p. 813-814.
79
Op. cit., p. 107.
53

Dessas considerações decorrem desdobramentos acerca dos limites da


atuação do legislador, ou seja, se poderia este atuar de forma absolutamente livre para
estabelecer os ilícitos como penais ou administrativos.

Diferenciados conceitos de sanção administrativa são encontrados na


doutrina pátria e alienígena e na busca do conceito sempre estão presentes as
discussões em torno da existência ou não de diferenças substanciais entre os ilícitos
que acarretam a aplicação de sanções de natureza administrativa e aqueles que
acarretam sanções de natureza penal, bem como os debates acerca das finalidades
das sanções. Por fim, parte da doutrina busca um conceito autônomo, enquanto outra
parte entende que não pode ser desvinculado da função administrativa. 80

Diogo de Figueiredo Moreira Neto aponta que, numa visão histórica, de início
as normas sancionatórias surgiram de forma desordenada, multiplicando-se em
espécies privativas de liberdade, do patrimônio, da honra, dos direitos em geral,
apresentando feições administrativas ou penais, conforme quem fizesse as vezes de
acusador ou julgador, o que propiciou a percepção de que as administrativas não
mantinham diferenças substanciais em relação às normas penais, muito embora
recebessem enormes variações de tratamento e de regime jurídico.

Assim, de acordo com o supracitado jurista, “qualquer fato poderia ser


indiferentemente tipificado na seara administrativa e na penal, sem que houvesse
critérios materiais de gravidade ou importância do bem jurídico a ditar as opções
legislativas”. 81

Na literatura nacional e estrangeira, como já se disse, as polêmicas e


divergências são muitas, de forma que cumpre desde já delimitar o que se pretende

80
A título de conferir um panorama mais geral do conceito de sanção, transcrevemos o oferecido por Daniel Ferreira:
“a conseqüência determinada pelo ordenamento jurídico a um comportamento comissivo ou omissivo incompatível
com a moldura normativa anteriormente estipulada, quer fosse de permissão, de obrigação ou de proibição” (Op. cit.,
p. 14).
81
MOREIRA NETO, Diogo Figueiredo. In: OSÓRIO, Fábio. P. 13.
54

enfrentar. As discussões acerca da existência ou não de distinção ontológica entre as


sanções administrativas e penais, encontradas quase na totalidade das obras que
tratam do assunto, não podem ser desconsideradas, porque a partir destas surgem
elementos relevantes para pelo menos uma das reflexões que nos propomos fazer
acerca da densidade da norma sancionatória administrativa, que decorre da extensão e
82
alcance do princípio da legalidade.

Por decorrerem as sanções da prática de atos ilícitos, ou seja, da infringência


de normas legais, que podem estar situadas em qualquer ramo do direito, a noção de
ilícito não é exclusiva de nenhum ramo, sendo apuradas as responsabilidades de
acordo com a norma disciplinadora que, via de regra, determina a sanção a ser
aplicada. 83

Há, então, a preocupação com o estabelecimento de uma distinção entre os


ilícitos, a fim de enquadrá-los nos respectivos ramos do direito, sendo que a doutrina,
diante da existência de variações no tratamento jurídico, que se desdobram nas razões
que melhor veremos adiante, ocupou-se, sobretudo, com a distinção existente entre as
penas de natureza criminal e as administrativas.

Nesse sentido, Edmir Netto de Araújo, invocando a lição de Themístocles


Cavalcante, aponta como aspecto diferencial o campo de abrangência de uma e outra,
apresentando como elemento diferenciador das penas criminais e administrativas o fato
de terem estas últimas a finalidade interna de propiciar a boa ordem na Administração,
sua credibilidade, respeito e austeridade, ao passo que a responsabilidade criminal

82 82
Esclarecemos que durante este trabalho faremos referências à “densidade” das normas jurídicas sancionadoras,
utilizando também as referências “abertas” e “elásticas”, por se tratarem de expressões largamente utilizadas pela
doutrina nacional e alienígena, que se dedicou ao estudo das normas sancionadoras, à exemplo de Garcia de Enterría
(Curso de Derecho Administrativo. p. 172); Rafael Munhoz de Mello (Devido Processo Legal na Administração
Pública. p. 167- 168; Gomes Canotilho, que faz referência à “exigência de densidade suficiente na regulamentação
legal” (Direito Constitucional. p. 258);Luis Fernando de Freitas santos (A tipicidade no Direito Adminisatrtivo
Sancionador. p.263); Régis Fernandes de Oliveira (Infrações e Sanções Administrativas. p.23).
83
Nas palavras do jurista Edmir Netto de Araújo, “( ...) o ilícito é gênero, do qual os ilícitos penal, civil, contábil,
administrativo, tributário, fiscal, trabalhista, são espécies, conforme se considere a norma infringida”. In: O ilícito
administrativo e seu processo. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1994, p. 24.
55

origina-se da violação das normas que protegem interesses essenciais da vida em uma
sociedade política e juridicamente organizada. 84

O Juiz Federal Edílson Pereira Nobre Júnior, seguindo critério formulado por
Guido Zanobini, adota a postura de que crime ou delito e infração administrativa são
distintos em sua essência, porque esta última não é tornada concreta pela função
jurisdicional, mas pelo Estado no desempenho de uma competência administrativa.
Embora admita a existência de diferença ontológica, que se situa na autoridade que
aplica a pena, não discorda que ambas estão no âmbito da manifestação punitiva do
Estado. 85

Por conseguinte, várias foram as tentativas doutrinárias no estabelecimento


de uma distinção objetiva entre as sanções administrativas e penais. A distinção feita a
partir de um dado formal é mencionada também por Garcia de Enterría e Tomás-
Ramón Fernandez, ao observarem que a diferença decorre da autoridade que impõe as
penalidades, ou seja, as administrativas são imputadas pela Administração Pública e as
penais, pelas autoridades judiciais. Entretanto, questionam se essa divisão responde a
um critério objetivo e se há uma liberdade do legislador para estabelecer ou distribuir a
competência punitiva do Estado.

Nesse sentido, explicam mencionados autores que o problema surgiu como


conseqüência da manutenção, nas mãos do Executivo, de poderes sancionatórios,
inicialmente próprios do “Direito Penal de Polícia” decorrente do regime estabelecido no
Código Penal. Todavia, por decisão do Conselho de Estado, no primeiro conflito entre a
autoridade judicial e a administrativa ficou estabelecido que não obstante o Código
Penal Espanhol tenha “judicializado” as faltas em seu livro III, não estavam eliminados
os poderes repressivos de governadores e alcaides, que poderiam exercê-los

84
DE ARAÚJO, Edmir Netto. Op. cit., p. 189.
85
Op. cit., p. 128.
56

paralelamente às penas aplicadas pelo juiz, porque o exercício da autoridade deve ser
livre e desembaraçado, nos termos da decisão. 86

Enterría e Fernandez esclarecem que a Constituição espanhola de 1978


acolhe essa dualidade de sistemas em seu artigo 25, não excluindo a competência
sancionatória da Administração, ainda que se reconheça uma primazia da jurisdição
penal sobre a administrativa na aplicação do princípio non bis in idem, de modo que
essa distribuição fica a critério do legislador, sem o estabelecimento de critérios
objetivos de distinção. 87

Para estes autores, resulta óbvio que no sistema jurídico espanhol o direito
sancionatório administrativo não se beneficia de menor exigência de condições e limites
do que os da sanção penal, porque se identificam em seus efeitos, sendo freqüentes
sanções administrativas com conteúdos mais aflitivos ou sanções maiores do que as
penais. 88

Egon Bockmann Moreira, seguindo a corrente que defende o critério formal,


e afastando a existência de distinção ontológica essencial entre os ilícitos civis, penais

86
Real Decreto de Competencia de 31 de octubre de 1849. Os referidos autores citam Colmeiro, o
qul, mesmo reconhecendo tratar-se de funções próprias do poder judicial, justificou a decisão
com as seguintes palavras: “la independência de la Administración estaría comprometida si no
tuviese ninguna potestad coercitiva” (Op. cit., p. 160).
87
Artigo 25 da Constituição espanhola de 1978: “nadie puede ser condenado o sancionado por acciones u omisiones
que em el momento de producirse no constituyan delito, lata o infracción administrativa según la legislación vigente
em aquel momento”. Os juristas espanhóis também invocam o artigo 45.3 da Constituição espanhola para demonstrar
que o legislador constituinte remeteu ao legislador infraconstitucional a distribuição das penas em administrativas e
penais, nos seguintes termos: Art 45.3: “se estabelecerán sanciones penales o, em su caso, administrattivas contra
quienes atenten contra el médio ambiente”. Advertem, todavia, que resta um último núcleo irredutível, que são os
processos judiciais que podem resultar na aplicação de penas privativas de liberdade e de outros direitos civis e
políticos, critério estabelecido a partir da Constituição de 1978, em seu artigo 25.3. (Op. cit. 8ª ed., p. 161).
88
“(...) primero, porque uno y otro se identifican en sus efectos respecto del inculpado, que es lo sustancial, la
privación de bienes y derechos, no siendo infrecuente que la sanción administrativa tenga un contenido aflictivo
incluso superior al de las penas judiciales (multas superiores, mayores sanciones privativas de libertad, privación
de derechos, etc.; segundo, porque la circunstancia de que la sanción se imponga por la Administración sin legale
judicium, por mera decisión administrativa, no supone, como se comprende, una ventaja para el ciudadano, de
modo que pueda dispensar-se al poder sancionatorio de las garantías exigibles para imponer las penas judiciales,
sino antes, bien lo contrario, un gravamen superior, necesitado, si acaso, de mayores garantías previas. De esta
regla podrían, como mucho, excluir-se algunas sanciones de autoprotección administrativa, aunque en modo alguno
podría exigirse un principio general de excepción”. (Ibidem, p. 159-160).
57

e administrativos, aduz que: “Tal como os ilícitos penais e civis, a conduta será um
ilícito administrativo a depender da específica provisão legal que a positive”. O autor
cita ainda os espanhóis José Garberí Llobregat e Guadalupe Buitrón Ramizes como
adeptos dessa corrente. 89

Eduardo Rocha Dias, em obra dedicada ao estudo das sanções


administrativas aplicáveis aos licitantes e contratados, filia-se à corrente que afasta a
existência de diferenças ontológicas entre o ilícito penal e o administrativo, e afirma
que:

A distinção que existe é apenas de grau de valores tutelados,


dependendo da maior ou menor repulsa à situação eleita como
pressuposto de fato para a aplicação da sanção, na opinião de alguns
autores (critério material), ou funda-se em razões de mera política
90
legislativa, como propõem outros (critério formal).

Fábio Medina Osório, em alentado estudo sobre o direito administrativo


sancionador, traz à baila teses que sustentam a existência de divergências entre as
sanções penais e administrativas, mencionando Travi, que, na Itália, sustentou que a
divergência seria qualitativa, à medida que seriam diversos o conteúdo e os efeitos.
Cita ainda, a tese das “infrações da ordem pública”, sustentada principalmente pela
doutrina alemã, na tentativa distinguir as sanções administrativas e penais em razão da
necessária imoralidade daqueles ilícitos e da ausência de valoração nesse sentido no
âmbito das infrações administrativas, que seriam indiferentes à moralidade. Lembra,
ainda, que na mesma linha de raciocínio sustentou-se que no ilícito administrativo não
haveria referência a normas de cultura, que, ao contrário, seriam necessárias no direito
penal.

Contudo, Medina Osório trata de afastar todas as teses, afirmando, quanto à


que se baseia nas diferenças qualitativas, que: “Essa tese, sem embargo, não resiste à
idéia de que as sanções administrativas podem cumprir funções idênticas às funções

89
Agências reguladoras independentes, poder econômico e sanções administrativas (reflexões iniciais acerca da
conexão entre os temas). Revista Trimestral de Direito Público - RTDP., p. 107.
90
Sanções administrativas aplicáveis a licitantes e contratados. São Paulo: Dialética, 1997, p. 17.
58

penais, restaurando a paz no ordenamento jurídico”. Acrescenta ainda que não se pode
dizer que as sanções administrativas preenchem os requisitos clássicos das funções
administrativas, sendo, inclusive, possível outorgar aos juízes essas tarefas
repressoras. Quanto à diferenciação sustentada nas normas de cultura, considera o
ilustre jurista não parecer razoável a distinção a partir dos valores tutelados ou da
imoralidade inerente a umas ou outras infrações, uma vez que valores éticos podem e
devem ser protegidos pelo direito administrativo. 91

Em busca de um critério material, Alejandro Nieto apontou distinção com


base em fundamentos ontológicos a partir da natureza dos dois tipos de ilícitos, que em
sua essência seriam diferentes. Todavia, como observa Eduardo Rocha Dias,
posteriormente adotou a opção formal, à medida que considerou os ilícitos como
conceitos normativos. 92

Adotando o critério formal, Régis Fernandes de Oliveira afirma que servem


como critérios de distinção a autoridade, ou seja, o órgão aplicador da sanção e a
específica eficácia jurídica do ato produzido, à medida que o ato sancionador não tem
eficácia de coisa julgada, porque não decorrente de ato jurisdicional. 93

O saudoso professor Oswaldo Aranha Bandeira de Mello, ao afirmar que as


sanções administrativa e penal não se confundem, identificou a distinção no
fundamento da responsabilidade, em face do bem jurídico ofendido, de forma que o
infrator estaria sujeito a ambas, sem acarretar o bis in idem. Alertou, todavia, que o
direito positivo é que estabelecerá o ilícito administrativo e o penal, o que se dará
dentro de uma zona de limite. 94

91
Direito administrativo sancionador, p. 103-104.
92
. Eduardo Rocha Dias cita também Franck Moderne como defensor do critério formal. (Op. cit., p. 17).
93
Infrações e sanções administrativas. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1985, p. 32 e ss.
94
BANDEIRA DE MELLO, Oswaldo Aranha: “Não se confundem a sanção administrativa e a penal. Esta visa punir
atos contrários aos interesses sociais e aquela aos da atividade administrativa. A distinção está no fundamento da
responsabilidade, tendo em vista o bem jurídico ofendido. Dada a diversidade do fundamento jurídico da punição,
pode o infrator se sujeitar a ambas, sem que ocorra o bis in idem, levadas a efeito por órgãos distintos: da
Administração Pública e do Poder Judiciário. Esta faz coisa julgada e aquela não. É o direito positivo, entretanto, que
estrema os atos considerados de ilícito administrativo e penal, dentro de uma zona de limite”. In: Princípios gerais
de direito administrativo. 2ª ed., Rio de Janeiro: Forense, 1979, p. 561-562.
59

E nessa linha é a postura adotada por Celso Antônio Bandeira de Mello, que,
dedicando capítulo específico às sanções administrativas em sua obra Curso de Direito
Administrativo, enfatiza o critério formal ao afirmar que a natureza administrativa da
infração é reconhecida pela natureza da sanção, que, por sua vez, é reconhecida pela
autoridade competente para impô-la, alertando que não há que se cogitar de distinção
substancial entre infrações e sanções administrativas e infrações e sanções penais,
sendo que o que as aparta é a autoridade competente para impor a sanção. 95

A sanção administrativa pode incidir em diversos campos, a exemplo dos


ilícitos fiscais, tributários, econômicos, de polícia, trânsito, atentatórios à saúde pública,
ou qualquer outro campo que comporte uma atuação fiscalizadora e repressiva do
Estado. Por tais razões, para Fábio Medina Osório é muito mais amplo que o direito
penal, inclusive porque atua como instrumento repressivo de múltiplos órgãos e
entidades, diferentemente do que ocorre na esfera criminal. 96

Certamente podemos, com tranqüilidade, consignar que no direito pátrio uma


das diferenças entre a sanção administrativa e a penal é a possibilidade sempre
presente de sua revisão, por força do disposto no artigo 5º, XXXV, da Constituição
Federal, que estabelece a unidade de jurisdição e garante que qualquer ato
administrativo estará sujeito à apreciação do Judiciário, que poderá invalidá-lo.

Além disso, a doutrina e jurisprudência pátria não divergem acerca da


independência de instâncias. A responsabilidade penal independe da administrativa,
sendo possível a ocorrência de punição pela mesma conduta reputada como ilegal,
tanto no âmbito administrativo como no âmbito penal, sem afastar a responsabilidade
civil que também poderá incidir.

95
Curso de direito administrativo, p. 813.
96
Op. cit. p. 36-37.
60

Há apenas uma situação que possibilita o afastamento da sanção


administrativa em decorrência de sentença penal: quando a absolvição criminal negar a
existência do fato ou a sua autoria. Tal situação afasta a punição no âmbito
administrativo e, pelas mesmas razões, no âmbito civil. De outra forma, tendo a
sentença penal deixado de condenar o réu por insuficiência de provas, a punição
administrativa não será afetada. 97

Como já dissemos, a existência ou não de diferenças substanciais entre as


sanções penais e administrativas não é discussão de menor importância, tampouco tem
fins meramente acadêmicos, e as distinções apontadas pela doutrina não parecem
suficientes para justificar a defesa da existência de diferenças substanciais entre ilícito
penal e administrativo, e nesse aspecto retomamos as palavras de Oswaldo Aranha
Bandeira de Mello, no sentido de que caberá ao legislador a definição, o que, segundo
referido jurista, será feito dentro de uma zona de limite. 98

Nota-se que a distinção que se pretende traçar é quase impossível num


plano geral e de princípio, de modo que todas as razões acabam por se revelar
subjetivas, fazendo parecer que o critério formal na identificação de um ilícito penal e
um administrativo é o mais adequado. Esclarece Eduardo Rocha Dias que “Esse foi o
critério adotado pelo direito positivo de vários países europeus”. 99

Consideramos que distinção há mesmo de ser feita pelo legislador, sem a


existência de critérios objetivos a orientarem a opção legislativa, pois o estabelecimento
de uma hierarquia de interesses ou de valores a serem defendidos, como pregam
aqueles que buscam o apontamento de diferenças materiais, parece impossível de se
dar, sobretudo quando observamos a existência de infrações de natureza administrativa

97
FIGUEIRDO, Marcelo. “A absolvição por falta de provas não repercute na esfera administrativa, na qual só tem
relevância quando fundada nos motivos acima expostos, quais sejam, negativa do fato ou da autoria. Da mesma
forma, recorde-se que nem mesmo a prescrição ou absolvição criminal podem influenciar na exclusão do ilícito
administrativo”. In: Probidade administrativa: comentários à Lei 8.429/92 e legislação complementar. São Paulo:
Malheiros, 1998, p. 66.
98
Op. cit., p. 562.
99
Op. cit., p. 18.
61

com penas mais severas do que as estabelecidas para ilícitos penais e com graves
repercussões sobre a sociedade como um todo.

Nesse sentido, tendemos a concordar com Fábio Medina Osório, quando


conclui que o legislador possui poderes discricionários para separar os ilícitos penais
dos administrativos, não existindo critérios qualitativos ou mesmo quantitativos a serem
observados. 100

Por tudo o que foi visto, acatamos as razões daqueles que afastam a
existência de distinção ontológica e nos filiamos à corrente que adota o critério formal
de distinção, o que, como temos apontado em várias oportunidades, implica
conseqüências relacionadas aos princípios incidentes e ao procedimento sancionatório,
tendo em vista que a inexistência de diferenças qualitativas, a princípio, implicaria a
incidência dos princípios que regem o direito penal para as sanções administrativas.
Embora a discussão não seja meramente acadêmica, trazendo inúmeros elementos de
reflexão, é fato que a natureza da conduta importa mais ao legislador, que estabelecerá
o regime da infração e a sanção decorrente, definindo assim o regime jurídico a ser
observado em cada situação.

Com isso pretendemos superar a questão relacionada à existência de


diferenças ontológicas, para situar a reflexão no regime jurídico das sanções penais e
administrativas. Assim, ainda que possamos considerar que não existem diferenças
substanciais, as sanções administrativas e as penais serão aplicadas no exercício de
funções diferenciadas, a administrativa e a jurisdicional, o que resultará em diferentes
conseqüências jurídicas (v.g.: o ilícito penal pode ser sancionado com pena de prisão e
o administrativo, não – artigo 5º, LXI, da Constituição Federal) e também na incidência
de princípios jurídicos que regem cada ramo do direito. Mas esse posicionamento não é

100
Nesse aspecto, Fábio Medina Osório conclui que: “Na comparação dos elementos entre as infrações penais e
administrativas, haveria uma substancial identidade entre os ilícitos penais e administrativos. Prova dessa inegável
realidade seria o fato de que o Legislador ostenta amplos poderes discricionários na administrativização de ilícitos
penais ou na penalização de ilícitos administrativos. Pode um ilícito ser penal e no dia seguinte amanhecer
administrativo ou vice-versa. Não há um critério qualitativo a separar esses ilícitos e tampouco um critério
rigorosamente quantitativo, porque algumas sanções administrativas são mais severas do que as sanções penais”.
(Op. cit., p. 104).
62

pacífico na doutrina e remete à discussão relacionada à existência ou não de um único


poder punitivo estatal.

Fábio Medina Osório, na obra já citada, diz que vigora fortemente a idéia de
que o Estado possui um único poder punitivo, sendo a mais importante conseqüência
dessa suposta unidade de ius puniendi a aplicação de princípios comuns ao direito
penal e ao direito administrativo, reforçando-se as garantias individuais. Esse mesmo
autor ensina que a doutrina majoritária européia, sobretudo a espanhola, sustenta não
haver diferenças substanciais entre normas penais e administrativas sancionadoras,
citando, dentre outros, Sergio-Espejo Martinez, quando afirma que:

(...) a distinção entre as diversas classes de ilícitos – delito strictu


sensu, a falta (equivalente às contravenções do direito brasileiro), as
infrações disciplinares e as infrações administrativas em sentido geral –
é puramente formal, baseada na pena abstratamente cominada ao
ilícito.

Nessa linha de raciocínio, a unidade substancial de normas penais e


administrativas repressoras derrubaria a antiga tese segundo a qual o ramo do direito
administrativo em sua vertente sancionadora teria por objeto apenas a proteção do
ordenamento interno da Administração, e o direito penal teria a incumbência de
proteção do ordenamento externo ou social. Não obstante a existência de críticas
veementes acerca da possibilidade de uma unitária pretensão punitiva do Estado, a
tese é bastante aceita na Europa, sobretudo pelo Tribunal Constitucional Espanhol,
que, segundo consta, encontrou guarida na jurisprudência do Tribunal Europeu de
Direitos Humanos, levando ainda em consideração a ausência de distinção ontológica
entre as sanções penais e administrativas. 101

101
Sobre uma visão crítica a respeito da unitária pretensão punitiva do Estado, leia-se Alejandro Nieto. Derecho
administrativo sancionador. 2ª ed. ampl. Madrid: Tecnos, 1994, p. 80-81. Ver RJ 1996\4480, Sentencia de
17.05.1996, Recurso 5810/1992, Tribunal Supremo español, Sala 3.ª, Sección 4.ª, Rel. D. Rafael Fernández
Montalvo. Teor do jugado: “El artículo 25 de la Constitución donde se reconoce implícitamente la potestad
administrativa sancionadora, tiene como soporte teórico la negación de cualquier diferencia ontológica entre
sanción e pena. Ahora bien, esta equiparación de la potestad sancionadora de la Administración y el ius puniendi
del Estado tiene su antecedente inmediato, su origen y partida de nacimiento en la “doctrina legal” de la vieja sala
Tercera del Tribunal Supremo, cuya Sentencia de 9 febrero (RJ 1972\876)inició una andadura muy progresiva y
anticipó lúcidamente con los materiales legislativos de la época, planteamientos y soluciones ahora consolidadas.
63

Fábio Medina Osório, filia-se à corrente que considera bastante discutível a


propalada unidade, apontando como linha de crítica mais contundente aquela que,
partindo da existência de uma real e inviolável unidade, concluiria pela existência de um
único regime jurídico constitucional, destinando unitário tratamento às diversas
manifestações do poder de punir estatal, como, por exemplo, conferindo idêntico regime
jurídico às normas penais e de direito administrativo sancionador. 102

Aponta ainda o jurista a existência de contradição entre o discurso retórico


que ampara a teoria, sobretudo na doutrina espanhola, com o conteúdo dos
julgamentos das altas Cortes espanholas, que admitem diferenças entre os regimes ao
sustentarem a aplicação de alguns princípios penais ao direito administrativo
sancionador, mas com “matizes”, o que leva o autor a concluir que:

En efecto, en esta decisión histórica, como así ha sido calificada, en esto auténtico leding case se decía, con clara
conciencia de su alcance, que “las contravenciones administrativas no pueden ser aplicadas nunca de un modo
mecánico, con arreglo de la simple enunciación literal, ya que se integran en el supra-concepto del ilícito cuya
unidad sustancial es compatible con la existencia de diversas manifestaciones fenoménicas, entre las cuáles se
encuentran tanto el ilícito administrativo como el penal”. Tal razonamiento se utilizo también por la misma Sala
para distintas finalidades y en relación con otras facetas de la potestad sancionadora en varias sentencias
posteriores, mientras que en muchas más se da por supuesta esta premisa. Y el Tribunal Supremo añadía, ya
entonces “ambos ilícitos exigen” un comportamiento humano, positivo o negativo una antijuricidad, la culpabilidad,
el resultado potencial o actualmente dañoso y la relación causal entre este y la acción; por un tanto resulta claro
que las directrices estructurales del ilícito tienden, también en el ámbito administrativo, a conseguir la
individualización de la responsabilidad y vedan simétricamente cualquier veleidad de crear una responsabilidad
objetiva o basada en la simple relación de una cosa, a título de propiedad o posesión, como consecuencia de su
dimensión personal. Esta progresiva andadura jurisprudencial encontró eco en otros ámbitos supranacionales e así
el Tribunal de Derechos Humanos del Consejo de Europa, con sede en Estrasburgo, se pronuncio en el mismo
sentido cuatro años después. La Sentencia de 8 junio 1976, adoptada por el Pleno (caso Engel) se abre con una
advertencia preliminar: El convenio no impide que cada Estado pueda eligir entre el uso de la potestad penal
(judicial) y la sancionadora o disciplinaria (administrativa), sin que la calificación del ilícito como delito o
infracción sea decisiva al respecto, para evitar que al socaire de tal opción puedan eludirse las garantías
establecidas en el Convenio. El concepto de materia penal – según el Tribunal – está dotado de autonomía y en su
virtud hay que atener con preferencia a la verdadera naturaleza de la contravención, conectada por supuesto a la
sanción que se le asigne. El Derecho Penal y el Administrativo, en este aspecto, non son compartimientos estancos
y, por ello, la despenalización de conductas para tipificarlas como infracciones, cuya naturaleza intrínseca es la
misma, no puede menoscabar los derechos fundamentales o humanos del imputado o acusado. A esta primera
decisión seguirán algunas más 21 de febrero (caso Otzurk) y 2 de junio de 1984 (Caso Campbell y Fell) y 22 de
mayo de 1990 (caso Weber). Una vez promulgada la Constitución, resulta claro que su artículo25, donde se
reconoce implícitamente la potestad administrativa sancionadora tiene como soporte teórico la negación de
cualquier diferencia ontológica entre sanción y pena”.
102
Op. cit., p. 128.
64

(...) o discurso generalizante da unidade do ius puniendi estatal esbarra


em dificuldades de ordem prática e teórica, visto que os regimes de
Direito Penal e do Administrativo Sancionador são efetivamente
distintos, não apenas entre si, mas dentro de suas próprias estruturas
internas, onde há classes muito diferenciadas de ilícitos que recebem
103
tratamentos normativos peculiares e substancialmente diversos.

Alejandro Nieto também defende a autonomia do direito administrativo


sancionador em relação ao direito penal, e embora considere indiscutível a aplicação
dos princípios do direito penal ao direito administrativo sancionador, entende que deve
ser definido o seu alcance, devido às peculiaridades. Para ele, o fato de não existirem
diferenças ontológicas não significa que devem ter o mesmo regime jurídico. 104

Conquanto não nos pareça possível apresentar diferenças substanciais entre


as sanções administrativas e as penais, e filiando-nos à corrente que adota o critério
formal, no sentido de que o legislador definirá as sanções com liberdade dentro dos
limites constitucionais, entendemos que os regimes jurídicos apresentam diferenças a
justificar a preocupação com o estudo da norma sancionatória administrativa de forma
específica e apartada da penal. A sanção administrativa, como já se disse, decorre do
exercício da função administrativa, que não se confunde com a função jurisdicional,
seara onde ocorrem as penalidades de natureza penal, com as conseqüências
inerentes às decisões judiciais.

Essa questão remete à análise dos princípios, incidindo princípios comuns,


mas cada qual com suas peculiaridades, uma vez que o regime jurídico não é o mesmo.

Com as conclusões acerca da inexistência de diferenças ontológicas com as


sanções penais - o que, como deixamos bastante claro, não afasta a incidência de
princípios do direito penal, de observância tanto pelo legislador, por ocasião da
predeterminação dos ilícitos e respectivas penas, como pelo administrador, por ocasião
da condução o processo administrativo sancionatório e imposição da sanção.

103
Direito administrativo sancionador, p. 129.
104
São as suas palavras: “Decir que dos fenômenos son iguales em la realidad no significa necesariamente que
hayan de tener el mismo régimen jurídico”.Derecho administrativo sancionador. 2ª ed. Madrid: Tecnos, 1994, p.
151.
65

Concebendo o poder punitivo administrativo enquanto forma de


manifestação da função administrativa, podemos tratar do conceito de sanção e seus
elementos.

Fábio Medina Osório defende um conceito autônomo, desvinculando a


sanção da idéia de função administrativa punitiva e inserida no direito administrativo
sancionador, propondo um alcance mais ambicioso às sanções veiculadas neste
âmbito.

Indica a definição feita por Suay Rincón como uma síntese correta dos
debates sobre o tema até o início da década de 90 e que, segundo ele, sinaliza quatro
elementos fundamentais, numa dimensão tipicamente européia: (a) autoridade
administrativa (elemento subjetivo); (b) efeito aflitivo (elemento objetivo), que se
subdivide em dois tópicos: (b1) privação de direitos preexistentes e (b2) imposição de
novos deveres; (c) finalidade repressora (elemento teleológico), que consiste na
repressão de uma conduta e restabelecimento da ordem jurídica; e (d) natureza
administrativa do procedimento (elemento formal).

Embora Fábio Medina Osório aponte essa proposta como a que vigora
atualmente de forma majoritária em nosso país, pessoalmente considera que ela
padece de vício substancial, relacionado ao próprio conceito de direito administrativo
nos cenários de jurisdição dual, de forma que o conceito europeu não pode ser aplicado
ao modelo brasileiro, que deve percorrer caminhos próprios. 105

Na busca de um conceito retirado do ordenamento nacional, o referido autor


indica os seguintes elementos da sanção, que segundo ele não devem ser
considerados de forma autônoma e individualizada para a conceituação da sanção
administrativa: (a) subjetivo: Administração, Judiciário, entidades de classe que atuam

105
Definição de Suay Rincón: “cualquier mal infligido por la Administración a um administrado como consecuencia
de uma conducta ilegal a resultar de um procedimiento administrativo y com uma finalidad puramente
represora”.Op. cit., p. 82-84.
66

no controle do exercício das profissões, cabendo ao legislador outorgar poderes


sancionadores; (b) objetivo: efeito aflitivo da medida (privação de direitos, imposição de
deveres, restrição de liberdades, condicionamentos), sempre ligado ao cometimento de
um ilícito administrativo, que se dá tanto no âmbito administrativo como no judicial; e (c)
teleológico da sanção: finalidade punitiva, que para o autor não é incompatível com a
finalidade disciplinar, sendo possivelmente o elemento central do conceito de sanção. 106

Segundo Garcia de Enterría e Tomás-Ramón Fernandez:

Por sanção entendemos aqui um mal inflingido pela Administracão a um


administrado como consequência de uma conduta ilegal. Este mal (fim
aflitivo da sanção) consistirá sempre na privação de um bem ou de um
direito, imposição de uma obrigação de pagar uma multa. 107

É bastante comum encontrarmos o conceito de sanção administrativa ligado


a eficácia da norma, no sentido de que sua finalidade precípua é a de garantir a
aplicação ou execução da norma jurídica e não no sentido de imposição de castigos ou
represálias. Este critério relacionado à finalidade da sanção também é apontado pela
doutrina como elemento de diferenciação entre as sanções penais e administrativas.

Não aprofundaremos o tema relacionado a esse critério de distinção, porque


já superamos essa questão quando concluímos não existir critério objetivo de distinção,
e nisso se inclui a finalidade da norma sancionatória. Também é de se afastar, a
exemplo do que faz Fábio Medida Osório, o critério bastante difundido na doutrina
relativo à proteção da ordem social interna das instituições e da ordem social externa,
considerando-se que toda sanção, ainda que aplicada apenas no âmbito interno da

106
A definição apresentada pelo autor é a seguinte: “Consiste a sanção administrativa, portanto, em um mal ou
castigo, porque tem efeitos aflitivos, com alcance geral e potencialmente pro futuro, imposto pela Administração
Pública, materialmente considerada, pelo Judiciário ou por corporações de direito público, a um administrado,
jurisdicionado, agente público, pessoa física ou jurídica, sujeitos ou não a especiais relações de sujeição com o
estado, como consequência de uma conduta ilegal, tipificada em norma proibitiva, com uma finalidade repressora ou
disciplinar, no âmbito de aplicação formal e material do Direito Administrativo. A finalidade repressora, ou punitiva,
já inclui a disciplinar, mas não custa deixar clara essa inclusão, para não haver dúvidas”. Ibidem, p. 84-104.
107 GARCIA DE ENTERRÍA, Eduardo & FERNANDEZ, Tomás-Ramón. Curso de derecho administrativo. 8. ed.
Madrid: Civitas. Em espanhol:”Por sanción entendemos aqui um mal inflingido por la Administración a um
administrado como consecuencia de uma conducta ilegal. Este mal (fin aflictivo de la sanción) consistirá siempre en
la privación de un bien o de un derecho, imposición de una obligación de pago de una multa.”p. 55.
67

instituição, termina por proteger a ordem geral, tendo sempre, ainda que minimamente,
repercussão externa.

Tampouco, como dissemos, existe direito subjetivo do indivíduo ao


estabelecimento de sanções penais ou administrativas pelo legislador, de forma que a
questão sempre retorna ao mesmo ponto, relacionado à discricionariedade do
legislador, ou ao critério formal.

Além disso, cumpre-nos consignar que o efeito aflitivo ou sofrimento


subjetivo imposto pela sanção é elemento comum às sanções penais, mas não de
forma absoluta, uma vez que, por exemplo, as multas previstas dentre as sanções de
natureza penal estão muito mais próximas do direito civil e administrativo e nem sempre
são cumpridas pelo condenado. Na verdade, pouca importância se dá a quem
efetivamente paga a multa, ou cumpre a pena, existindo uma dissociação do sujeito, o
que não é comum no âmbito penal.

Todavia, importa o assunto relacionado às finalidades das normas


sancionatórias administrativas, que, via de regra, não se confundem com as finalidades
preventivas e ressocializadoras das penas, o que também não deve ser generalizado,
pois as penas variam muito de acordo com o bem protegido, chegando, no âmbito
penal, à segregação do infrator, visando a segurança social. A finalidade da norma
sancionatória importa, no caso, não para o fim de distinção das penas, mas para a
específica análise das normas sancionatórias administrativas.

Fábio Medina Osório, ao traçar distinções entre as finalidades das sanções


penais e administrativas, não sem enfatizar que não servem de critério de distinção,
assevera que:

Também as sanções administrativas obedecem a variantes intensas. Os


bens jurídicos podem ser mais restritos no direito administrativo
sancionatório do que no penal, visto que resultam ligados ao campo de
68

incidência e aplicação do Direito Administrativo, formal e materialmente


108
delimitado a determinadas hipóteses, situações, fatos e atos.

Celso Antônio Bandeira de Mello, afastando o objetivo de represália, de


castigo, anota que as sanções são previstas com as finalidades de desestimular a
reincidência do comportamento para aqueles que sofreram a sanção, bem como
constranger ao cumprimento dos comportamentos obrigatórios. São as suas palavras:
“o objetivo da composição das figuras infracionais e da correlata penalização é intimidar
eventuais infratores, para que não pratiquem os comportamentos proibidos ou para
induzir os administrados a atuarem na conformidade de regra que lhes demanda
comportamento positivo”. A finalidade seria unicamente a disciplina da vida social. 109

Daniel Ferreira, por sua vez, entende que a função precípua da sanção não é
impor castigos, mas sim, num primeiro e mais elevado plano, garantir a eficácia das
normas de conduta previamente reguladas. 110

Contudo, a doutrina não é pacífica também quanto a esse aspecto. Eduardo


Rocha Dias, por exemplo, cita Franck Moderne, que aponta, como elemento da sanção
administrativa, dentre outros, a finalidade punitiva. 111

Importa extrair, das importantes posições existentes, que a sanção


administrativa é aplicada por quaisquer dos poderes estatais, quando no exercício da
função administrativa, típica ou não. Assim, Celso Antônio Bandeira de Mello, ao definir
infração administrativa, explica que a imposição de sanção “será decidida por uma
autoridade, no exercício de função administrativa – ainda que não necessariamente
aplicada nesta esfera”. 112

108
Direito administrativo sancionador, p. 162.
109
Curso de direito administrativo, p. 814-815.
110
Op. cit., p. 15.
111
Op. cit., p. 18.
112
Nesse aspecto, é interessante refletir acerca das penas contempladas na chamada lei de improbidade
administrativa (Lei Federal nº 8.429/92), que gerou enorme celeuma por ocasião de sua publicação, encontrando-se
atualmente pacificado que as sanções por ela estabelecidas não possuem natureza penal. Tais penas são aplicadas
pelo Poder Judiciário no exercício da função típica jurisdicional e não administrativa. Não obstante, alguns juristas, a
exemplo de Fábio Medina Osório, defendem sua natureza administrativa, e nesta medida seria a aplicação de pena
69

A competência sancionatória conferida ao Tribunal de Contas, que tem por


função precípua o controle dos atos da Administração Pública, deve ser acompanhada
de instrumentos que viabilizem sua atuação. Deste modo, é razoável compreender que
o legislador constituinte conferiu ao Tribunal de Contas a competência para aplicar
sanções a fim que essa Corte pudesse ter meios de garantir a atuação da
Administração Pública em conformidade com as regras estabelecidas e, bem assim, de
garantir a eficácia de suas decisões, quando desobedecidas. Essa competência, enfim,
teria as finalidades apontadas por Celso Antônio Bandeira de Mello e Daniel Ferreira,
que afastam os objetivos de represália e castigo.

2.1. O alcance do princípio da legalidade em matéria de ilícito e sanção


administrativa: monopólio de lei em sentido estrito.

Ensina Eduardo Rocha Dias que em decorrência do princípio da legalidade


exige-se que “os fatos considerados pressupostos do sancionamento assim como as
sanções aplicáveis sejam previamente tipificados por lei formal e não por simples
regulamento (nullum crimen, nulla poena sine lege)”, e explica que esse princípio
encontrou guarida constitucional no inciso XXXIX do artigo 5º da Constituição Federal,
no que se refere a crimes e penas e não a infrações ou sanções administrativas.

Relata o referido jurista que as Constituições de diversos países estenderam


o princípio às sanções administrativas, a exemplo da Espanha e Portugal, e que em
outros, como França, Estados Unidos, Itália e Alemanha, a extensão se deu por criação
jurisprudencial das Cortes Constitucionais, e também por textos legislativos específicos,
no caso dos dois últimos. Acrescenta, todavia, que o princípio sofre algumas mitigações
e que, embora se reconheça que regulamentos e normas inferiores à lei em sentido
material e formal não possam criar infrações, em alguns países são esses atos
admitidos no caso de infrações de menor gravidade e de relações de sujeição especial.

administrativa pelo Judiciário no exercício de sua função jurisdicional e não de função atípica administrativa. As
razões expostas pelo autor podem ser examinadas no tópico. Op. cit., p. 169-177.
70

Contudo, o autor conclui no sentido de que no Brasil, em vista da adoção da fórmula


Estado Democrático de Direito:

(...) principalmente a exigência de que ninguém será obrigado a fazer ou


deixar de fazer alguma coisa que não seja mediante lei, somente a lei,
em sentido formal e material, e não decreto ou ato normativo de inferior
hierarquia, pode instituir infrações e cominar-lhes as respectivas
sanções, existindo profunda diferença entre o poder regulamentar do
113
executivo no direito brasileiro e no direito europeu.

De fato, assim nos parece, sendo perfeitamente possível extrair da Carta


Magna que algumas matérias reclamam postura mais rigorosa, exigindo a existência de
lei em sentido estrito regulando o caso concreto, como seria o caso das sanções
administrativas.

E é nesse sentido a observação feita pelo Ministro Eros Roberto Grau, que,
mesmo adotando posição mais flexível em relação ao alcance do disposto no artigo 5º,
II, da Carta Magna - dispositivo que, no seu entender, consagra o princípio da
legalidade em termos apenas relativos -, ressalva que, dentre outras, a matéria que
cuida da imposição de crimes é uma das situações em que a Constituição faz referência
ao princípio da legalidade em termos absolutos. 114

Nessa situação, embora o dispositivo constitucional não faça referência


expressa a infrações e sanções administrativas, acreditamos, não só pelo argumento
invocado por Eduardo Rocha Dias, anteriormente citado, mas também em decorrência
do princípio da separação dos Poderes e pela constatação da ausência de diferenças
ontológicas entre os crimes e as infrações administrativas, que pode ser dado
tratamento semelhante no que diz respeito à incidência dos princípios.

Adotando postura semelhante, Lúcia Valle Figueiredo, ao abordar o princípio


da legalidade e eventual insuficiência de normatização e admitir a possibilidade do uso
da integração no direito administrativo apenas em três situações, afirma que há

113
Sanções administrativas aplicáveis a licitantes e contratados, p. 38.
114
Op. cit., p. 184.
71

matérias em que o princípio da legalidade deve ter força absoluta, e que a integração
não pode ocorrer quando levar à imposição de sanções. 115

Régis Fernandes de Oliveira afirma que no direito brasileiro não haveria


possibilidade de previsão de infração e sanção sem lei, por força, antes, do artigo 153,
§ 2º, da Constituição de 1969, e, atualmente, do artigo 5º, II, da Constituição Federal
de 1988, que não excepcionou qualquer hipótese, tampouco outorgou poderes à
Administração para agir de forma independente da lei, o que constituiria atuação
116
arbitrária.

Carlos Ari Sundfeld também afasta a possibilidade de delegação, por lei,


dessa competência, nos seguintes termos:

(...) não melhora a situação o fato de o decreto ser editado com base em
lei estipulando ‘o regulamento preverá as infrações e sanções aplicáveis
para realizar os objetivos da presente lei’. Tal significaria delegação de
poder legislativo, gravosa ao princípio da Separação dos Poderes (CF.
117
art. 2º).

Ainda nesse sentido, Vicente Ferrer Correia Lima, ao tratar do tema inquérito
administrativo, manifesta-se da seguinte maneira:

Somente são punidas, penal e administrativamente, as infrações que


estiverem, específica ou genericamente caracterizadas nos respectivos
diplomas legais, isto é, no Código Penal, no Estatuto dos Funcionários
ou leis correlatas. Nem ao Juiz, nem à autoridade administrativa, é
118
permitido instituir crimes, faltas e penas.

115
“Há matérias, entretanto, em que o princípio da legalidade teria força absoluta (estrita legalidade), como por
exemplo, nas prestações pessoais ou patrimoniais. Tais atos de imposição devem ser respaldados em lei expressa.” E
também não sem advertir que o tema deve ser tratado com grande cautela, a ilustre jurista admite a possibilidade de
integração no direito administrativo em três situações: diante de norma estreita ou insuficiente, diante de ausência de
norma (faltante) ou diante de norma incompleta, havendo a possibilidade da aplicação da analogia para deduzir qual
atitude deve ser adotada, trazendo-se a norma de outra ou outras já existentes. Cita Linares, no sentido de que tais
conclusões podem ser extraídas de seus ensinamentos. (Op. cit., p. 45-46).
116
Op. cit., p. 36.
117
Op. cit., p. 81.
118
Ensaio jurídico sobre o processo ou inquérito administrativo. Brasília:DASP, 1969, p. 93-94.
72

A Ministra Cármen Lúcia Antunes Rocha, do Supremo Tribunal Federal, ao


discorrer sobre os princípios constitucionais dos servidores públicos, aduz que
“Demissão, no sistema brasileiro é penal. Logo, somente pode ocorrer quando houver
previsão legal da falta autorizativa de tal decisão”. 119

Também José Armando da Costa afasta a possibilidade de integração da lei


que institui tipo penal e outras restrições de direitos, fazendo a seguinte afirmação: “No
âmbito do direito punitivo geral (penal, disciplinar e demais setores do direito
Administrativo), o recurso à analogia somente é possível para beneficiar o imputado
(analogia in bonam partem)”. 120

Cremos que o princípio estatuído no artigo 5º, inciso XXXIX, da Carta Magna
- “não há crime sem lei anterior que o defina, nem pena sem prévia cominação legal”-,
tem absoluta aplicabilidade no âmbito das sanções administrativas, ou seja, não há que
se falar em possibilidade de punir, sem a prévia existência de previsão normativa.

Por conseguinte, o princípio da legalidade deve ser tomado em termos


absolutos, uma vez que nossa Carta Política não admite a imposição de penas, ainda
que de natureza administrativa, sem lei que as estabeleça de forma específica, a
exemplo da opção feita pelo legislador estadual, ao adotar referido princípio na lei
estadual de processo administrativo. 121

Todavia, se parece não haver dúvida quanto à incidência do princípio da


legalidade em matéria sancionatória administrativa, no sentido de que somente poderão
ser punidas as infrações estabelecidas em diplomas legais, sendo defeso a qualquer
autoridade administrativa instituir ou aplicar faltas e penas não previstas previamente

119
Princípios constitucionais dos servidores públicos. São Paulo: Saraiva, 1995, p. 452.
120
Integração e interpretação das normas processuais disciplinares. In: Teoria e prática do processo administrativo
disciplinar. São Paulo: Saraiva, 1984, p. 29.
121
A lei estadual de processo administrativo, Lei n.º 10.177/98, adotando o princípio da estrita legalidade,
estabeleceu em seu artigo 6º, inciso II, que somente lei poderá prever infrações e prescrever sanções.
73

em lei, ou mesmo utilizar-se da integração, resta pendente a questão da possibilidade


de previsão genérica em lei. 122

Assim, se bem concluímos que a sanção administrativa deve ser


estabelecida por lei em sentido estrito e que a aplicação de penalidades administrativas
não pode ser sacada do ordenamento jurídico num processo de integração, com isso
enfrentamos apenas parte do problema. Qual será o grau mínimo de precisão da norma
sancionatória em âmbito administrativo? O que pode ser delegado para
regulamentação e qual a amplitude da margem e liberdade de interpretação pode
deixar a lei para o administrador, sem que sejam feridos os princípios da legalidade
estrita e da separação dos Poderes?

Carlos Ari Sundfeld não admite a existência de lacunas de normas


substantivas no direito administrativo, fazendo a seguinte ponderação: “Se a lei não
limita um direito individual, se não proíbe certo comportamento, a limitação e a proibição
não podem ser impostas pelo administrador, sob pena de violar o § 2º do art. 153 do
Texto Constitucional”. Todavia, considerando que o direito existe para ser aplicado e a
existência de lacuna não pode impedir sua eficácia, admite o suprimento de lacuna
adjetiva, como competência implícita do administrador. Desta forma, conclui o seguinte:

À falta de lei dispondo sobre o procedimento administrativo, necessário


à aplicação da sanção prevista pelo legislador, pode a Administração
suprir a lacuna, observando os princípios constitucionais, os demais
princípios jurídicos e a analogia. Nada obsta, igualmente, que isto seja
123
feito por decreto regulamentar.

Antonio Carlos Alencar Carvalho, em estudo dedicado à análise de aspectos


do Estatuto dos Servidores Públicos Federais, diz que a tendência no direito
administrativo disciplinar, em decorrência dos avanços democráticos, é no sentido de

122
Antonio Carlos Alencar Carvalho cita posição de Vicente Ferrer Correia Lima sobre tipicidade: “ Somente são
punidas, penal e administrativamente, as infrações que estiverem, especifica ou genericamente, caracterizadas nos
respectivos diplomas legais, isto é, no Código penal, no Estatuto dos Funcionários ou leis correlatas. Nem ao Juiz,
nem à autoridade administrativa, é permitido instituir crimes, faltas e penas.(grigo nosso). In Contagem dos prazos
prescricionais da lei penal para punições disciplinares de servidores públicos. p. 168.
123
A defesa nas sanções administrativas. Revista Forense. v. 298. Rio de Janeiro, Maio/Jun. 1987, p. 103.
74

que as faltas mais graves sejam reguladas da forma mais precisa possível em tipos
disciplinares, podendo-se deixar margem maior à discricionariedade administrativa para
as condutas sujeitas a penas mais leves. Para ele, a tipicidade deve ser exigida para
penas mais severas, para subtrair da autoridade administrativa margem ao arbítrio no
manejo abusivo no poder de punir.

Como se denota, em âmbito disciplinar, referido autor admite diferenciação


na densidade da norma, quando se tratar de pena mais branda ou mais severa. Nesse
sentido, afirma que a idéia antiga do direito francês - de que as infrações disciplinares
não careciam de previsão legal, não se aplicando a exigência de tipicidade como no
direito penal e podendo ocorrer punição para condutas que genericamente infrinjam
deveres funcionais em sentido amplo, somente com o rol de penalidade cabíveis - tem
cedido terreno para a obrigatoriedade de previsão legal, taxativa, das falhas sujeitas a
penalidades de demissão, cassação de aposentadoria ou disponibilidade, em nome do
princípio da legalidade.

Admite, ainda, a existência de lei que crie infrações disciplinares com tipo
aberto, mas assevera que não é essa a tendência dos estatutos pátrios, que tipificam
as condutas passíveis de penalidade demissória em modelos hipotéticos com
elementos precisos, que rendem pequena margem para a discricionariedade, sendo,
portanto, infrações de conteúdo preciso. 124

Constata-se portanto, que há uma tendência à imposição da tipicidade para


as infrações administrativas, mesmo no âmbito da atividade administrativa disciplinar,
situada no campo das relações denominadas de sujeição especial, onde a doutrina tem
admitido menor rigor na disciplina legal e maior amplitude no estabelecimento dos
ilícitos através de normas regulamentares. 125

124
CARVALHO,Antonio Carlos Alencar . A & C R. de Direito Administrativo. ano 6. nº 26. Belo Horizonte,
Out./Dez. 2006, p.169-171.
125
Não trataremos do tema relacionado às relações de sujeição especial, considerando que o trabalho está voltado à
análise das sanções aplicadas pelo Tribunal de Contas, cujas relações estão situadas no âmbito da sujeição geral. Em
linhas gerais, das lições extraídas dos ensinamentos dos doutrinadores que se dedicaram ao tema, como Renato
Alessi, Adolfo Carretero Perez e Guido Zanobini, vemos que a diferença apontada decorre de um regime de dever
75

Definido que deverão os ilícitos e respectivas sanções serem estabelecidos


em lei em sentido estrito, coloca-se a relevante questão relacionada a densidade da
norma, cuja conclusão orientará o aspecto relacionado aos limites impostos aos atos
regulamentares, que enfrentaremos no item subseqüente e cujas conclusões serão
aplicadas na análise voltada à atuação do Tribunal de Contas.

De tudo o que até aqui foi dito, não parece restar dúvida sobre a incidência
do princípio da reserva legal para a instituição de sanções administrativas, por se tratar
de matéria que interfere no âmbito da liberdade dos indivíduos, cuja censura consiste
na aplicação de penalidades administrativas que somente poderão ser criadas por lei
específica. Seria a legalidade como exigência do monopólio de lei formal.

Mas o cerne da questão, se situa no questionamento sobre se a aceitação de


normas de baixa densidade, abertas ou elásticas, instituidores de sanções
administrativa que descrevem as condutas ilegais de forma genérica e ampla afastam a
tipicidade e dão espaço para a mera reserva de lei.

Cumpre alertar que utilizaremos, de forma indistinta os vocábulos tipicidade


e legalidade estrita, considerando-se que na doutrina encontramos autores que utilizam
ambos para designar a situação em que a previsão da infração e respectiva sanção
devem ser veiculadas por lei específica, com a descrição taxativa do ilícito. É a estrita
legalidade denominada por Ferrajoli e reiterada por Peces-Barba Martinez no sentido
de que não significa só a tipificação legal, mas representa como condição indispensável
para que o Juiz possa aplicar a pena, a existência de leis claras e precisas. Diz o jurista

geral (sujeição geral) que atinge a todos, e de um regime decorrente de uma relação jurídica especial, que atinge
somente as partes (sujeição especial). Para Carretero Perez o regime geral tem origem no próprio ordenamento
jurídico dirigido a todos, sem distinção, ao passo que no regime de especial sujeição os deveres não são gerais e
decorrem de uma relação jurídica estabelecida entre o sujeito e a Administração. Para Zanobini, os deveres gerais
decorrem imediatamente do ordenamento jurídico e ensejariam as penas de polícia, e os deveres especiais decorrem
de um vínculo que coloca os particulares e a Administração em uma relação nova, dando ensejo às sanções
disciplinares..Conforme citação de DANIEL, Ferreira. Sanções administrativas. São Paulo, Malheiros, 2001. p. 35-
37, apud ZANOBINI, Guido. Le sanzioni amministrative. Torino, Fratelli Bocca Editori, 1924 e PEREZ, Adolfo
Carretero, e SANCHEZ, Adolfo Carretero. Derecho administrativo sancionador. Madrid., Editoral Revista de
Derecho Privado, 1992.
76

que “(...) só mediante leis claras, precisas e uniformes os direitos devem ser protegidos,
os deveres estabelecidos e as ações danosas castigadas”. 126

Com tal esclarecimento, reafirmamos a incidência da reserva legal no âmbito


das sanções administrativas e passamos à discussão acerca da possível convivência
da tipicidade enquanto exigência voltada ao legislador relacionada a descrição do ilícito
e respectiva sanção e as normas abertas ou elásticas.

Importa destacar que a legalidade estrita ou tipicidade é decorrência de


aspiração antiga decorrente do processo de formação do Estado moderno, que vem em
garantia da segurança jurídica, não apenas no sentido da anterioridade da lei que
prescreve os crimes e as penas, mas também relacionada à certeza do direito, no
sentido de que qualquer pessoa possa prever qual comportamento está proibido e
passível de ser apenado, situação que nas palavras de Sérgio de Andréa Ferreira,
extraídas da lição de Norberto Bobbio, se traduz no seguinte:

Por certeza do direito entende-se, o mais das vezes, a determinação,


de uma vez para sempre, dos efeitos que o ordenamento jurídico atribui
a um certo tipo de ato ou fato, de modo que o cidadão esteja apto a
saber, com antecipação, as conseqüências da própria ação e de
regular-se, consabidamente, de conformidade com as normas
estabelecidas.

Complementa o autor com o seguinte comentário: “Por certo que essa


certeza não pode ser um apanágio mas os cidadãos devem ter condições de saber,
127
com antecipação, as conseqüências jurídicas da própria ação.”

Considerando-se que não vislumbramos diferenças ontológicas entre as


sanções penais e as administrativas, vemos como tormentosa a questão sobre qual
seria o grau mínimo de precisão exigido pela norma sancionatória administrativa, ou
seja, se as leis que veiculam previsão genérica dos ilícitos e respectivas sanções,
significariam o afastamento do princípio da tipicidade que deve incidir igualmente..

126
História de los derechos fundamentales. p. 159/160.
127
O princípio da segurança jurídica em face das reformas constitucionais. p. 191- 192
77

Isto porque, a legislação nacional que cria os ilícitos administrativos é em sua


esmagadora maioria genérica, como ocorre com a Lei Orgânica do Tribunal de Contas
da União, cujo conteúdo será analisado em capítulo específico, e porque seria
ingenuidade inescusável não aceitar que a lei não pode antever todas as possibilidades
de condutas censuráveis, existindo efetivas dificuldades no estabelecimento detalhado
de todas as condutas ilegais e passiveis de aplicação de sanções, sobretudo
considerando o amplo âmbito de atuação da Administração Pública. Ao mesmo tempo,
reconhecemos que a segurança há que ser conferida e afastamos a utilização do
recurso à analogia em matéria sancionatória.

Desta feita, concluímos que, de fato, nosso ordenamento jurídico exige que o
princípio da legalidade tenha o mesmo alcance em matéria de sanções administrativas
daquele conferido ao direito penal, a exemplo do que ocorre na Espanha, e que a
aceitação das normas que descrevem os ilícitos de forma apenas genérica não afastam
necessariamente o princípio da tipicidade, o que ocorreria apenas se a generalidade
fosse tal, que não conferisse aos indivíduos a possibilidade de saber de antemão quais
são as condutas vedadas pela lei e as respectivas sanções, situação esta não passível
de aceitação, pois acarretaria na impossibilitação do direito de defesa.

Passemos ao item subseqüente, onde aprofundaremos esta questão.

2.1.1. A norma sancionatória e o princípio da tipicidade.

Embora existam divergências doutrinárias sobre o tema, a maioria dos


teóricos defendem a incidência do princípio da tipicidade em matéria de sanção
administrativa, situação em que, a exemplo do que ocorre na legislação penal, a
conduta considerada como crime deve ser descrita na lei, de forma que o ato praticado
corresponda à descrição contida na norma, com a indicação da pena correspondente.
78

A tipicidade é decorrência natural do princípio da reserva de lei, mas com


ele não se confunde porque o princípio da tipicidade vai além, no sentido de que
determinada conduta para ser adjetivada de típica precisa adequar-se a um modelo
descrito na lei, ou seja, a conduta deve subsumir-se na moldura descrita na lei,
havendo uma operação intelectual do Juiz, de conexão entre a infinita variedade de
fatos possíveis da vida real e o modelo típico descrito no texto legal. Se o resultado
desse juízo for positivo, significa que a conduta analisada reveste-se de tipicidade, e ao
contrário, ocorrerá a atipicidade, pois não haverá a correspondência entre o ato
praticado pelo agente e a descrição de cada espécie de crime contido na lei penal.

César Roberto Bitencourt, sobre as funções do tipo penal diz o seguinte:

Em verdade, o tipo cumpre, além da função fundamentadora do injusto`


também uma `função limitadora` do âmbito do penalmente relevante.
Assim tudo o que não corresponder a um determinado tipo de injusto
será penalmente irrelevante. 128

Em linhas gerais, a tipicidade estará presente quando a lei delinear


perfeitamente as restrições impostas e estabelecer as respectivas sanções. Neste
sentido transcrevemos passagem do texto de Garcia de Enterria e Tomás-Ramón
Fernandez:
(...) a Lei deve haver determinado de maneira prévia que ‘ações ou
omissões’ em concreto constituem ’infração administrativa’, o que exclui
causas abertas ou indeterminadas. (...) Esta técnica genérica de
qualificação do ilícito volatiza o rigor do princípio da tipicidade, que exige
determinações mais claras e precisas e não uma remissão em branco
que possa satisfazer qualquer norma mínima, à qual fica assim confiada
a delimitação do espaço do ilícito e do proibido ou sancionável, com
129
violação do princípio de legalidade formal. (destaque nosso)

128
Erro de Tipo & Erro de proibição: Uma análise comparativa.São Paulo: Saraiva. p. 11-12.
129
GARCIA DE ENTERRÍA, Eduardo & FERNANDEZ, Tomás-Ramón. Curso de derecho administrativo., p. 165.
No original: (...) “la Ley ha de haber determinado de manera previa qué ‘acciones u omisiones’ en concreto
constituyen ‘infracción administrativa’, lo que excluye cláusulas abiertas o indeterminadas (...) Esta técnica
genérica de calificación del ilícito volatiza el rigor el principio de tipicidad, que exige determinaciones más
acotadas y precisas y no una remisión en blanco que pueda llenar cualquier norma mínima, a la cual queda así
confiada la delimitación del espacio de lo ilícito y de lo prohibido o sancionable, con violación del principio de
legalidad formal”.
79

Na Espanha, por força de dispositivo constitucional, o principio da legalidade


ganha o mesmo alcance em matéria penal e administrativa, situação que pode levar à
afirmação categórica sobre a impossibilidade da existência de punição, decorrente da
prática de atos ilícitos, sem a prévia previsão legal.

E assim é a lição dos catedráticos espanhóis acima mencionados, ao


afirmarem que a atribuição sancionatória da Administração tem que se realizar
precisamente através de lei formal, uma vez que desde a lógica da doutrina das
matérias de reserva legal se justifica a exigência de uma legalidade formal, porque a
infração administrativa define o âmbito do lícito, o limite da liberdade e habilita a
Administração a operar uma privação de bens e direitos sobre o administrado. Para os
renomados juristas: “por uma e outra razão, só a lei pode legitimar a posteridade
sancionatória da Administração e sua medida concreta. O art. 27 LRJAE corrobora
explicitamente esta conclusão”. 130

Mas, como se denota, a afirmação vai além, pois nela também está contida a
impossibilidade da existência de cláusulas abertas ou indeterminadas em matéria
sancionatória.

O Estado de Direito, como afirma Eduardo Rocha Azevedo, exige que a


norma tenha um grau mínimo de precisão, suficiente para permitir aos indivíduos a
verificação dos tipos de comportamentos tidos por censuráveis e as respectivas
penalidades a que estarão sujeitos em caso de praticá-las. 131

Reforçando esta linha de raciocínio, Marçal Justen Filho, ao fazer referência


às sanções administrativas previstas na lei de licitações, em análise do artigo 87 do
130
GARCIA DE ENTERRÍA, Eduardo; FERNANDEZ, Tomás-Ramón. Curso de derecho administrativo., p. 160.
No original: “por una y otra razón, solo la ley puede legitimar le potestad sancionatoría de la Administración y su
medida concreta. El art. 27 LRJAE corrobora explicitamente esta conclusión”.
131
Nesse sentido, diz o autor: “O princípio da tipicidade (lex certa), em sentido positivo, significa que a previsão
normativa das sanções e infrações deve assumir um grau mínimo de precisão de modo a permitir aos interessados
mensurar o tipo de comportamentos sancionáveis e as punições a que estão sujeitos. Em sentido negativo, significa a
proibição de normas incriminadoras em branco. Lembre-se, porém, que exigir uma precisão absoluta constitui um
desígnio irrealista, bastando, porém, verificar se é possível estabelecer com certeza um nexo entre a conduta descrita
e a punição aplicável” (Op. cit., p. 39).
80

mencionado diploma legal, pondera que a lei não pode remeter a Administração a
faculdade de escolher quando e como aplicar as sanções ali previstas, porque isso
ofenderia o princípio da legalidade, uma vez que não estão explicitadas as condições
de imposição. 132

Em outro sentido, Maria Sylvia Zanella Di Pietro afasta a incidência do


princípio da tipicidade em âmbito administrativo, considerando que não há com relação
ao ilícito administrativo a mesma tipicidade que caracteriza o ilícito penal, aduzindo o
seguinte:

Ao contrário do direito penal, em que a tipicidade é um dos princípios


fundamentais, decorrente do postulado segundo o qual não há crime
sem lei que o preveja (nullum crimem, nulla poena sine lege), no direito
administrativo prevalece a atipicidade.

Em face dessa afirmação, e do fato de que a maior parte das infrações não é
definida com precisão, segundo a jurista, fica a maior parte das infrações sujeita ao
juízo discricionário administrativo em cada caso concreto. Por esse entendimento,
destaca a importância do princípio da motivação do ato punitivo pela autoridade, porque
só assim ficará demonstrado o correto enquadramento da falta e a dosagem adequada
da pena. 133

A respeitada jurista, aceita, como se denota, que a lei genericamente preveja


as infrações, remetendo à autoridade julgadora a competência discricionária para
enquadrar diante de cada caso concreto a pena que deverá incidir.

Já firmamos nossa posição acerca da incidência da tipicidade na norma


sancionatória administrativa e remetemos a discussão, que ora iniciamos com a posição
de Maria Sylvia, sobre se as normas de baixa densidade, que reduzem a segurança do

132
JUSTEN FILHO, Marçal. Comentários à Lei de Licitações e Contratos Administrativos, p. 622.
133
. Op. cit., p. 515. Cretella Jr. adota o mesmo entendimento de Maria Sylvia, afirmando o seguinte: “Como a falta
administrativa é atípica, diversamente do que ocorre, no campo penal, em que vigora o princípio da tipicidade,
também a respectiva sanção é elástica, ficando na dependência do poder discricionário da Administração”.Prescrição
da falta administrativa. p. 66.
81

administrado acerca das condutas repelidas pelo Direito e das respectivas sanções,
afastam a incidência desse princípio.

Acerca da postura adotada pela jurista, relacionada à competência


discricionária do administrador no momento da imposição da pena, cumpre ponderar
que os inúmeros princípios norteadores da conduta do administrador por ocasião da
aplicação da pena são ferramentas de controle indispensáveis, que, todavia, para nós
não afastam a discussão acerca da segurança em face da descrição legal.

Não são poucos os juristas que se filiam à corrente que defende a incidência
do princípio da tipicidade no âmbito administrativo, e nesse sentido Régis Fernandes de
Oliveira rebate a postura de Maria Sylvia, afirmando que para a identificação da
infração administrativa impõe-se, além da antijuridicidade, o tipo, que define como “(...)
o conjunto de elementos de comportamento punível previsto na lei administrativa”. E
afastando a discricionariedade conferida por Maria Sylvia, assevera que o juízo de valor
a ser empregado pelo julgador não caracteriza a dispensa do princípio da tipicidade,
asseverando que: “ A descrição da infração deve estar prevista em lei ou em
regulamento, quando a hipótese normativa for genérica, incumbindo à
Administração limitar as probabilidades fáticas.” 134(destaque nosso)

A discricionariedade, enquanto competência expressamente atribuída pela


norma jurídica à autoridade administrativa, a quem confere margem de decisão, não se
confunde com a interpretação do direito. A primeira decorre da formulação de juízos de
oportunidade e conveniência, onde a lei autoriza a escolha daquilo que Eros Grau
denomina de indiferente jurídico, e que segundo nosso entendimento não é conferida à
autoridade encarregada legalmente de aplicar a pena. O poder discricionário se
fundamenta em critérios extrajurídicos e na esfera da aplicação de sanções não incide
a vontade do aplicador, mas a emissão de juízo de legalidade formulado através da

134
Infrações e sanções administrativas. p. 20.
82

atividade interpretativa, que é intelectiva e não se confunde com escolha entre as


possibilidades viáveis. 135

Assim, tratando-se de formulação de juízo de legalidade, de interpretação e


aplicação da lei, que deve ser realizado à luz dos princípios constitucionais, o ato de
aplicação da penalidade há de ser objeto de controle pelo Judiciário, e portanto, está
fora dos atos em que a autoridade pode aplicar juízos de conveniência e oportunidade.

Retomando a questão relacionada à tipicidade, é de se notar que além de


não existir unanimidade na doutrina acerca da incidência ou não do princípio da
tipicidade em matéria de sanção administrativa, também não existe unanimidade na
identificação do exato conteúdo da tipicidade. Consideramos que talvez o que existam
são entendimentos divergentes sobre seu conteúdo e daí o afastamento de sua
incidência para alguns.

Melhor explicando, mesmo reconhecendo a existência de um aumento


considerável na legislação moderna dos elementos normativos do tipo, com a
diminuição de sua precisão e firmeza, e o alargamento da função do julgador quanto a
conformidade típica do fato concreto com prejuízo da segurança, entende Régis de
Oliveira, que tal abertura não implica na atipicidade. 136 Todavia, como se percebe, para
Maria Sylvia a situação descrita implica no afastamento da tipicidade.

Também há imprecisões relacionadas às situações que exigem a tipicidade e


outras que a dispensam, à exemplo daqueles que defendem que as sanções mais
brandas não dependem da descrição minuciosa do ilícito, mas para as mais graves, a
lei terá que descrevê-los. Tais posturas tornam o terreno por demais pantanoso, porque
consideramos que em qualquer situação ao indivíduo deve ser assegurada a

135
Segundo o Ministro do STF existe a viabilidade de decisão à margem da lei, “(...) porque à lei é indiferente a
escolha que o agente da Administração vier a fazer. Indiferente à lei, estranhas à legalidade, não há porque o Poder
Judiciário controlar essas decisões.” RMS nº 24.699/DF
136
Op cit. p. 22
83

cientificação antecipada das conseqüências de seus atos e em decorrência a


possibilidade de defender-se de forma plena.

Cumpre primeiro, para bem colocar o tema, consignar o entendimento


esposado por alguns juristas, sobre a tipicidade.

Egon Bockmann Moreira, defendendo a incidência do princípio da tipicidade


afirma: “que o direito sancionador não pode se satisfazer com o respeito ao princípio da
legalidade. É imprescindível o recurso à teoria do tipo”. 137

O referido jurista, ao defender a busca do recurso à teoria do tipo, afasta a


existência de normas sancionatórias abertas ou elásticas, para concluir que no direito
administrativo sancionador incide o princípio da tipicidade, que, em suas palavras, “(...)
exige que a legalidade contemple uma descrição específica do comportamento passível
de punição administrativa. É uma descrição clara e minuciosa da conduta cuja
concretização implica uma violação à ordem jurídica- administrativa e faz eclodir o
dever funcional de aplicar a sanção correspondente”.

Afirma ainda o autor que não basta a definição da ação ou omissão proibida,
devendo ocorrer também a definição das conseqüências de seu descumprimento,
sendo necessária a predeterminação normativa de todas as condutas e respectivas
sanções, porque na aplicação da pena não há espaço para juízo de conveniência e
oportunidade. 138

Dessa opinião não discrepa Rafael Munhoz de Mello, para quem a lei não
pode criar figuras ilícitas imprecisas e elásticas que não permitam o prévio
conhecimento de qual conduta o legislador quis proibir. Diz o jurista, defendendo a
incidência do princípio da tipicidade, que “Para que a tipicidade seja cumprida, a norma

137
Agências reguladoras independentes, poder econômico e sanções administrativas (reflexões iniciais acerca da
conexão entre os temas). RTDP, nº 41. São Paulo: Malheiros, 2003, p. 112.
138
Ibidem, p. 113.
84

deve conter densidade suficiente, é dizer, deve prever todos os elementos essenciais à
configuração do ilícito, bem como definir a sanção que lhe corresponde”. 139

Partindo-se da constatação feita no item anterior, da exigência de lei em


sentido estrito e da não possibilidade de haver delegação legislativa ao administrador,
exceto para estabelecer normas voltadas a propiciar o fiel cumprimento da lei ou suprir
ausência de norma adjetiva, cumpre-nos, neste momento a tarefa de justificar nosso
ponto de vista sobre a possibilidade de se admitir a existência de normas constituídas
por cláusulas genéricas que regem os processos punitivos, sem que com isso se afaste
a tipicidade.

Carlos Ari Sundfeld assevera que no Estado de Direito a lei deve traduzir
padrão de referência que cientifique antecipadamente as pessoas das conseqüências
de seus atos. Invocando Geraldo Ataliba, transcreve que:

O Estado não surpreende seus cidadãos: não adota posições


inopinadas que os aflijam. A previsibilidade da ação estatal é magno
desígnio que ressuma de todo o contexto de preceitos orgânicos e
140
funcionais postos no âmago do sistema constitucional.

Marçal Justen Filho acentua que se aplica o princípio da legalidade no


tocante à definição das infrações e na fixação das sanções e, quanto à pena de
demissão, frisa que a gravidade da sanção impede sua aplicação sem previsão legal
das hipóteses de seu cabimento. 141

Repetimos, portanto, que em matéria de sanção administrativa o princípio da


legalidade não deve ser atenuado, devendo a norma disciplinar o tratamento a ser dado
ao ilícito prescrito, à medida que não deve haver espaço para aplicação de sanções
sem prévia cominação legal. Todavia, em relação à descrição das condutas trazemos à
baila o sensato comentário de Eduardo Rocha Dias, com o seguinte teor: “lembre-se,

139
Sanção administrativa e princípio da legalidade. In: FIGUEIREDO, Lúcia Valle (Coord.). Devido processo legal
na administração pública., p. 168.
140
Direito administrativo ordenador, p. 81.
141
Curso de direito administrativo, p. 665-674.
85

porém, que exigir uma precisão absoluta constitui um desígnio irrealista, bastando,
porem, verificar se é possível estabelecer com certeza um nexo entre a conduta
descrita e a punição aplicável.” 142

Concordamos com a observação de Eduardo Rocha Dias, e por essa razão


não afastamos a possibilidade da existência de normas jurídicas de textura aberta, que
instituem ilícitos e respectivas sanções. Todavia, a densidade normativa deve ser
suficiente para garantir o prévio conhecimento dos atos que pretendeu o legislador
proibir, a fim de que, como já consignamos acima, nenhum prejuízo cause à defesa do
atingido.

A Constituição Federal exige a fixação das sanções através de lei formal,


sendo decorrência do Estado de Direito a garantia de que os indivíduos saibam de
antemão quais condutas são proibidas pela lei, pois nisto consiste a previsibilidade da
ação estatal. Só há ilícito se a pessoa descumpre um dever jurídico anteriormente
imposto pelo ordenamento e só há sanção se ocorrer o ilícito. Por tal razão é de rigor
poder saber de antemão qual conduta é tida pelo ordenamento como ilícita.

Sabemos que em geral as normas repressivas são informadas por preceitos


jurídicos indeterminados ou vagos, situação que no plano legal também não pode ser
afastada. Nesses casos, a exemplo da lição de Maria Sylvia, remetemos a solução ao
julgador que em cada caso concreto, com a indispensável observância dos princípios
da proporcionalidade e da motivação, deverá subsumir a conduta à descrição legal,
situação que leva ao campo da interpretação e afasta o juízo discricionário, pois o juízo
de valor sobre o conceito indeterminado empregado pela lei não criará a infração, mas
tornará viável o alargamento do alcance da norma, com a adequação do fato ao texto
legal. 143

142
Sanções administrativas aplicáveis a licitantes e contratados, p. 39.
143
JUSTEN FILHO, Marçal. Comentários à Lei de Licitações e Contratos Administrativos. 8ª ed. São Paulo:
Dialética, 2001, p. 622.
86

Neste ponto, reiteramos ponderação já feita anteriormente no sentido de que,


por não ser juízo de conveniência e oportunidade, o ato punitivo estará sujeito ao
controle jurisdicional, situação em que o Poder Judiciário verificará se o ato é correto.
Isto porque, na interpretação, sobretudo de textos normativos que veiculam conceitos
indeterminados, inexistirá uma única interpretação, a interpretação verdadeira, a única
correta, de modo que ao Judiciário caberá apenas analisar se o ato foi correto, fazendo,
nas palavras de Eros Grau “(...) atuar as pautas da proporcionalidade e da
razoabilidade, que não são princípios, mas sim critérios de aplicação do direito,
ponderados no momento das normas de decisão”. 144

Mas a densidade da norma, embora sofra efeitos decorrentes dos conceitos


indeterminados, não é apenas a norma informada por tais preceitos, mas aquela que
não possibilita a imediata subsunção da conduta praticada ao tipo legal discriminado
como infração e que, tampouco estabelece um rol exaustivo das condutas ilícitas. A
norma sancionatória pode se utilizar de conceitos jurídicos indeterminados, que são
abstratos, imprecisos, dotados de generalidade, como de cláusulas gerais, e em
qualquer situação a solução deve ser dada pelo que se compreende da lei.

A tipicidade formal, segundo Francisco de Assis Toledo consiste na


correspondência que possa existir entre uma conduta da vida real e o tipo legal de
crime constante da lei penal, de modo que um fato da vida real será típico na medida
em que apresentar características essenciais coincidentes com as de algum tipo legal
de crime e será atípico se não se ajustar a nenhum dos tipos existentes. Para ele, tais
considerações põem em destaque a necessidade de se contar com um rol exaustivo de
tipos, que decorre da função de garantia do tipo e se observe o princípio da
anterioridade da lei penal. 145

Ora, parece indispensável que a conduta, para ser apenada se ajuste a


algum tipo pré-existente também em âmbito administrativo, onde igualmente deve estar

144
RMS nº 24.699/DF.
145
Princípios básicos de direito penal. p. 125
87

presente a anterioridade da lei. Todavia, a lei poderá prever condutas genéricas e


abranger os casos semelhantes. Trata-se de técnica amplamente empregada no âmbito
administrativo e que confere grande elasticidade e alcance ao texto legal, mas não
afasta a necessidade do estabelecimento da previsão legal da conduta ilícita e
respectivas sanções A tipicidade decorrerá de previsão genérica ou exemplificativa.
Esse é o entendimento de Régis Fernandes de Oliveira. 146

Aliás, no direito penal também assim ocorre, embora em situações que


constituem exceções, uma vez que a adequação típica pode ocorrer de forma mediata,
necessitando da ocorrência de outra norma secundária, de caráter extensivo, que
amplie a abrangência da figura típica.

Não obstante, cumpre consignar que não é o entendimento esposado pela


maior parte da doutrina que se dedicou ao tema. Rafael Munhoz, por exemplo, entende
que a definição do ilícito deve ser precisa e segura e que as figuras ilícitas imprecisas,
elásticas que não permitem a compreensão prévia de qual conduta o legislador quis
proibir, dando ampla margem à decisão administrativa não devem ser admitidas. Admite
o autor a existência de cláusulas abertas apenas nas relações de sujeição especial,
onde o regulamento cumpriria o papel da tipicidade dentro dos limites estabelecidos na
cláusula genérica contida na lei. Afirma que nas relações de sujeição geral, as condutas
devem ser tipificadas na lei formal. 147

Cumpre salientar que o mesmo autor, citando Nieto, admite que a tipificação
pode ser bastante flexível, mas não ao ponto de permitir que sejam criadas figuras de
infração que supram as imprecisões da norma por ocasião de sua aplicação.

Assim, entendemos necessário estabelecer que as figuras ilícitas imprecisas


ou elásticas não se confundem com a lei que não permite a compreensão prévia das
condutas que o legislador quis proibir. Esta segunda situação deve ser afastada, mas

146
Infrações e Sanções Administrativas, p. 24.
147
Sanção Administrativa e princípio da legalidade. p.164/179.
88

com isso necessariamente não estamos afastando as normas elásticas ou abertas. O


que não se pode admitir são as normas cuja amplitude torne impossível ou muito
dificultosa a identificação da conduta considerada ilegal pelo legislador, prejudicando o
direito de defesa.

Acompanhando a lição de Régis Fernandes de Oliveira, consideramos que a


descrição dos ilícitos de forma genérica não afasta a incidência do princípio da
tipicidade, mas naturalmente não desconsideramos que normas dessa natureza
diminuem a garantia e a segurança exigidas pela Constituição Federal nos inúmeros
dispositivos mencionados no primeiro capítulo deste estudo.

Por tal razão defendemos que deverão ser alcançadas por outras vias,
indispensáveis para conferir a segurança. Uma delas é o momento de aplicação da
pena, que será tratado em item específico, procedimento a ser conduzido de forma a
conferir a segurança e direitos assegurados na Carta Magna aos acusados em geral. A
viabilidade da descrição mais abrangente dando a possibilidade da busca da decisão
mais adequada faz com que o controle se torne mais sofisticado e impõe rigor no
procedimento. Os regulamentos também podem cumprir esse papel, sem criar ilícitos
novos, mas sim, aclarar, exemplificar, conferindo maior segurança.

Por esta razão entendemos que os regulamentos autorizados, assim


denominados por Eros Grau, que não decorrem propriamente de uma delegação de
função, mas de uma atribuição explícita do exercício da função normativa do Executivo,
são mecanismo admitido por nosso ordenamento jurídico para completar a norma
sancionatória aberta trazendo a segurança necessária e exigida pelo Estado de Direito.

As normas penais em branco e os conceitos indeterminados são


amplamente admitidos e utilizados na legislação penal, não havendo razão para afastá-
los no âmbito administrativo, mas é fato que a lei penal também faz uso da tipificação
genérica invocando, a própria lei, a utilização do dispositivo para as situações análogas.
Assim também ocorre com a lei de improbidade administrativa, que estabelece tipos
89

absolutamente genéricos para a imposição de penalidades bastante graves. Não


afastamos essa realidade no âmbito da lei que estabelece sanções administrativas.

Seria retrocesso inadmissível permitir a existência da lei de textura aberta e


não exigir sua explicitação no plano regulamentar, como admitido por Régis de Oliveira
na passagem que destacamos acima. Basta que as cláusulas legais confiram os
contornos, estabeleçam as situações não admitidas, genericamente. Ao regulamento
caberá o papel de minudenciar as condutas, estabelecer rol exemplificativo.

A nós parece que o que não deve se admitir é que a lei genérica não seja
regulamentada para o fim de esclarecer os indivíduos quanto às condutas que cabem
no tipo genérico estabelecido, o que normalmente ocorre por ocasião da aplicação das
sanções. O regulamento que desborde dessa orientação será passível de controle pelo
Judiciário, situação que amplia a segurança dos indivíduos.

A doutrina, embora admita diferenças entre as relações de sujeição geral e


especial e no Brasil afaste a possibilidade de estabelecimento de ilícito em
regulamento, ainda que nas relações de sujeição especial, onde via de regra seriam
admitidas apenas as cláusulas abertas e a tipificação em regulamento, também não é
uníssona, já que em várias situações invoca a descrição da falta na lei, como ocorre
com freqüência na doutrina que trata das penas disciplinares de maior gravidade, como
a demissão.

Não são raras as normas que prevêem a imposição de punição


administrativa, deixando ao administrador larga margem de atuação no momento de
impor as sanções. Estão presentes nas situações de sujeição especial e geral, como as
infrações das normas de proteção ambiental, de defesa do consumidor, e outras.

O fato de serem normas abertas, ou seja, de descreverem a conduta nem


sempre de forma absolutamente definida e, ainda, de não prescreverem as sanções
respectivas de forma precisa, como ocorre no direito penal, é sem dúvida uma questão
90

que resvala na extensão da aplicação do princípio da legalidade. Todavia, nem sempre


em tais situações podemos considerar peremptoriamente que foi afastada a tipicidade.

Tomemos, apenas para exemplificar, dois dispositivos legais, escolhidos sem


maior critério, já que nosso ordenamento está repleto de leis com conteúdos
semelhantes, no que diz respeito à imprecisão das condutas puníveis e também das
sanções correspondentes.

O disposto no § 2º do artigo 59 da Lei n.º 7347/85 – Código de Defesa do


Consumidor:

Art. 59. As penas de cassação de alvará de licença, de interdição e de


suspensão temporária da atividade, bem como a de intervenção
administrativa serão aplicadas mediante procedimento administrativo,
assegurada ampla defesa, quando o fornecedor reincidir na prática das
infrações de maior gravidade previstas neste Código e na legislação de
consumo.

§ 1º...

§ 2º. A pena de intervenção administrativa será aplicada sempre que as


circunstâncias de fato desaconselharem a cassação de licença, a
interdição ou suspensão de atividade.

Vemos aqui que a lei deixa larga margem de atuação subjetiva, permitindo
que a Administração analise se é aconselhável ou não a cassação, segundo critérios
não estabelecidos ou especificados na lei. Nessa situação, o agente competente para
aplicar a penalidade vai valorar o caso concreto e definir se deve ou não cassar a
licença, interditar ou suspender a atividade, conforme autorizado pela lei.

Note-se que a norma não dá a devida segurança ao administrado acerca da


punição correspondente à prática da infração tipificada, o que dá margem ao tratamento
privilegiado para alguns e rigoroso para outros, ou seja, dá margem do tratamento
diferenciado pela Administração.
91

Todavia, se ato infra-legal estabelecer de forma exemplificativa as situações


em que a Administração considera desaconselhável a cassação, a interdição ou a
suspensão, aumentará a segurança na medida em que o administrado conhecerá
previamente os parâmetros adotados para a decisão pela intervenção, situação que
também reduzirá o âmbito de atuação do Administrador e consequentemente a
viabilidade de tratamento diferenciado em situações semelhantes, já que estará
submetido a uma regra geral e abstrata orientadora de sua atuação, sem que com isso
esteja criando ilícito ou sanção não previstos em lei.

Um segundo exemplo está disposto no artigo 104, inciso II, da Lei Orgânica
do Tribunal de Contas do Estado de São Paulo, quando dispõe que:

Art. 104 – O Tribunal de Contas poderá aplicar multa de até 2.000 (duas
mil) vezes o valor da Unidade Fiscal do Estado de São Paulo (UFESP)
ou outro valor unitário que venha a substituí-la, aos responsáveis por:
I-...
II- ato praticado com infração à norma legal ou regulamentar.

Nesta situação, igualmente há ampla margem de atuação subjetiva,


permitindo que a autoridade aplique a multa dentro de uma larga escala de valores, o
que, como já se falou, é admissível, considerando que deverá o agente valorar a
conduta em face de sua gravidade e aplicar o valor condizente, de forma motivada e
proporcional.

Todavia, como ocorre no exemplo anterior, a norma não dá a devida


segurança ao administrado nesta situação, acerca da sanção aplicável à conduta, o que
dá margem a desvios e abusos por parte do aplicador da norma.

Afinal, todas as infrações a normas legais e regulamentos serão passíveis de


punição, inclusive aquelas praticadas sem intenção do agente e que não causam danos
de qualquer natureza, e de conteúdo meramente formal? Pode ficar no âmbito de
valoração do aplicador da sanção essa decisão?
92

A aplicação da sanção é indisponível, devendo incidir em toda e qualquer


situação em que se constata inobservância de qualquer natureza à norma legal.

Trata-se de ato vinculado, à medida que não cabe ao administrador decidir,


diante do caso concreto, se aplicará a sanção estabelecida na norma. Constatada a
ocorrência do fato tipificado como irregular, surge o inafastável dever de aplicar a
sanção. Esta afirmação não afasta, tampouco resolve o problema acerca da ampla
possibilidade de valoração na aplicação da sanção, diante das possibilidades
estabelecidas na lei.

É certo que a atuação do administrador no exercício da competência


sancionatória é bastante limitada, devendo o agente interpretar e levar a norma diante
do caso concreto para o campo da certeza, utilizando-se para tanto dos princípios
constitucionais, sobretudo os da razoabilidade, proporcionalidade e igualdade. Mas
seriam estas efetivas garantias para os indivíduos contra eventuais abusos e
arbitrariedades da Administração?

Diz Régis Fernandes de Oliveira, ao tratar da proporcionalidade das sanções


administrativas, que “a dosagem da penalidade a ser imposta atenderá à finalidade
objetivada pela lei. Será discricionária dentro dos limites legais, mas vinculada à
finalidade a ser alcançada” 148. De fato, teremos aqui importante forma de controle da
atuação da Administração Pública e de defesa dos indivíduos, que sempre poderão
buscar a invalidação do ato perante o Poder Judiciário. Trata-se de garantia inafastável.

A lei, por seu caráter genérico e impessoal, não teria mesmo condições de
especificar todas as condutas e respectivas sanções, mas em matéria de sanção
administrativa, pelo fato de se tratar de uma das formas mais gravosas de atuação da
Administração, há de existir uma preocupação maior com a descrição da conduta tida
por ilegal, ainda que não de forma exaustiva e absolutamente detalhada.

148
Infrações e sanções administrativas., p. 73.
93

Jescheck e Weigend, tratando do significado da técnica legislativa para a


função garantista da lei penal consideram que a lei deve vincular o juiz de modo mais
forte possível, porque uma redação legal que tente incorporar em detalhes todos os
pressupostos possíveis da punibilidade, deve ficar necessariamente incompleta.
Apresentam como soluções para minimizar essa realidade, a utilização de conceitos
comuns, seguidos de uma lista exemplificativa. 149

Por esse entendimento, consideramos que o regulamento poderá cumprir o


papel de detalhar, estabelecendo quais condutas seriam passíveis da aplicação da
pena, nos termos previstos genericamente na lei, conferindo maior segurança aos
indivíduos sem que isso acarretasse na delegação de competência legislativa.
Evidentemente sempre poderá ocorrer abuso, que será passível de controle pelo Poder
Judiciário.

Citamos passagem do voto do Ministro Eros Grau em decisão proferida por


unanimidade de votos dos membros integrantes da 1ª Turma do Supremo Tribunal
Federal, em recurso ordinário interposto em mandado de segurança, onde restou clara
a aceitação da desnecessidade da tipificação estrita que subsuma rigorosamente a
conduta à norma, para a aplicação de penalidade administrativa, no caso, a pena de
demissão:

Nesse ponto, importa deixar consignado que, embora no campo


administrativo não seja necessária a tipificação estrita que subsuma
rigorosamente a conduta á norma, a capitulação do ilícito
administrativo não pode ser aberta a ponto de impossibilitar o
direito de defesa, pois nenhuma penalidade poderá ser imposta, tanto
no campo judicial, quanto nos campos administrativos ou disciplinar, sem
que ao acusado seja propiciada a ampla defesa (CB, art.
5º,LV). 150(destaque nosso)

Para concluir, consignamos que a legalidade estrita não se refere somente


aos pressupostos da punição, mas também ao estabelecimento das conseqüências

149
Tratado de derecho penal. p. 136/137.
150
RMS 24.699/DF– 1ª Turma. Supremo Tribunal Federal. DJ 01.07.2005. Ementário nº 2198-2.
94

jurídicas respectivas, de forma que as leis que conferem espaço muito amplo para a
determinação da pena também resvalam no princípio da lei em sentido estrito.
95

CAPÍTULO III
O TRIBUNAL DE CONTAS

1.Breve histórico e evolução das competências do Tribunal de Contas da União.

Dada a natureza humana, existe uma tendência inata de todo administrador


de bens utilizá-los em benefício próprio ou em desacordo com estabelecido na lei. A
observação de que o homem tende a abusar do poder levou o Barão de Montesquieu a
aprimorar e sistematizar a teoria da separação dos poderes, anteriormente concebida
por Aristóteles. O ponto fundamental da teoria da separação dos poderes reside na
necessidade dos poderes instituídos serem controlados por órgãos diferenciados.
Subjaz, nessa doutrina, a idéia de proteção dos direitos e liberdades dos indivíduos,
tendo a mesma influenciado de forma definitiva o moderno Estado de Direito.

Atualmente a teoria da tripartição dos poderes vem sofrendo severas críticas


relacionadas à sua insuficiência e incompatibilidade com as dimensões do Estado
contemporâneo, chegando-se mesmo a afirmação de que perdeu autoridade, vigor e
prestígio, porque os valores que a inspiraram desapareceram ou estão em via de
desaparecer, não havendo mais lugar para a prática de um princípio rígido de
separação, onde o povo é o verdadeiro detentor do poder e o Estado assumiu
responsabilidades que o Estado liberal jamais conheceu 151.

Não obstante as críticas, indubitavelmente a teoria cumpriu papel


fundamental na evolução jurídica do poder político, tendo sido um dos mais valiosos
instrumentos para a organização do poder e salvaguarda dos direitos individuais,
subsistindo na organização atual do Estado facetas que ainda se aplicam
perfeitamente, sendo uma delas, a relativa ao controle por órgãos diferentes e
independentes do órgão controlado. A necessidade desse controle permanece viva
porque é decorrência lógica do Estado de Direito.

151
BONAVIDES,Paulo. Ciência Política. 10ª edição. Malheiros. São Paulo. 1999. p.146.
96

Por essa razão, consideramos que poucas instituições possuem papel tão
relevante e indispensável como aquela criada com o objetivo primordial de fiscalizar e
controlar os gastos públicos. Roque Citadini salienta que:

(...)nos dias atuais, não existe país democrático sem um órgão de


controle com a missão de fiscalizar a boa gestão do dinheiro público.
São exceções apenas os regime ditatoriais – nos quais o que os
dirigentes menos querem e menos aceitam é o controle de seus atos – e
os Estados de forte atraso na organização política e econômica 152

O controle de contas de determinado órgão, por outro distinto dele, é tradição


do nosso direito constitucional sendo que desde o nascimento do Estado brasileiro,
esse controle, mediante ação fiscalizadora, é exercido pelo Poder Legislativo, que o faz
com o auxílio do Tribunal de Contas.

Historicamente o Tribunal de Contas surgiu no Brasil por iniciativa de Ruy


Barbosa, sendo atualmente entidade prevista no ordenamento jurídico em âmbito
constitucional, com atribuições fiscalizatórias e controladoras da atividade
administrativa.

Inicialmente faremos uma breve explanação sobre o surgimento e a evolução


das competências constitucionais do Tribunal de Contas no ordenamento nacional, a
fim de que seja possível situar adequadamente sua competência sancionatória, ocasião
em que também situaremos a natureza dessa competência, desempenhada no
exercício de função controladora.

Só é possível afirmar que um Estado é de Direito se existirem instituições e


mecanismos hábeis para garantir sua submissão à lei, de modo que, no exercício de
suas funções, a Administração Pública se sujeita ao controle externo por parte dos
poderes Legislativo e Judiciário, além de exercer, ela mesma controle sobre seus
próprios atos.

152
CITADINI,Antônio Roque. O Controle Externo da Administração Pública, p.12.
97

Angélica Petian, em artigo dedicado ao estudo da competência do Tribunal


de Contas para declarar a inconstitucionalidade, expõe que nas sociedades mais
remotas já era possível identificar um sentimento coletivo acerca da necessidade de
controle dos atos praticados pelas pessoas incumbidas de gerir a coisa pública, com o
objetivo de preservá-la. Segundo a citada autora, na Grécia antiga as contas dos
arcontes, administradores dos arcondados gregos, eram julgadas por um colegiado
com a finalidade de verificar o nível de satisfação da sociedade em relação às
atividades por eles desenvolvidas e a conclusão de que os atos por eles praticados não
atendiam às expectativas da coletividade poderia levar à aplicação de pena de
decapitação, de acordo com o juízo do colegiado. 153

Como se verifica, nas civilizações antigas pode-se constatar a existência


desse controle e, igualmente, já se visualiza a aplicação de sanções em decorrência de
atuação em desconformidade com as expectativas da sociedade.

A consagração do direito à prestação de contas como direito fundamental


ocorreu em 1789, com a previsão, no artigo 15 da Declaração dos Direitos do Homem e
do Cidadão, de que a sociedade tem o direito de pedir conta a todo agente público.
Todavia, menciona a autora acima citada que anteriormente, na França, de 1318, já
havia sido instalada a Chambre des Comptes, órgão integrante do Parlamento francês
que tinha por competência examinar as contas anuais dos agentes reais, aprovando-as
ou não. A decisão só era passível de ser reformada pelo rei.

Em 1807, Napoleão substituiu a Chambre de Comptes pela Cour dês


Comptes, em funcionamento até os dias atuais. Esta instituição teve grande influência
na criação e desenvolvimento das instituições de controle em outros países, de forma
que órgãos de controle foram criados por toda a Europa.

153
PETIAN, Angélica. O controle de constitucionalidade das leis e dos atos normativos pelos Tribunais de Contas.
Fórum Administrativo, Direito Público. ano 7. nº 74. Belo Horizonte: Fórum, Abr. 2007, p. 17-29.
98

No Brasil, segundo José Afonso da Silva, a tentativa de instituir Tribunal de


Contas surgiu pela primeira vez em 1826, por idéia dos Senadores do Império,
Visconde de Barbacena e José Inácio Borges. Não obstante as tentativas, o Império
não teve seu Tribunal de Contas 154 idéia que só ganhou força com a Proclamação da
República, em 1889.

Dessa forma, durante o governo de transição da Monarquia para a


República, foi editado o Decreto 966-A, de 7 de novembro de 1890, da lavra do então
Ministro da Fazenda Rui Barbosa, criando o Tribunal de Contas, órgão destinado ao
exame, revisão e julgamento dos atos concernentes à receita e despesa pública.

Todavia, o Tribunal de Contas institucionalizou-se somente na Carta de


1891, através do artigo 89 das Disposições Gerais, com as funções de liquidar as
contas da receita e despesa e verificar a sua legalidade. Foi efetivamente instalado em
1893, quando se iniciou a fiscalização das contas públicas, de forma independente do
Poder Executivo, num modelo bastante influenciado pelo francês.

Não obstante a independência garantida, sobretudo pela permanência dos


Ministros nos cargos, as decisões do Tribunal passaram a ser fortemente contestadas
pelo Poder Executivo, que as via como provocações e passou a reduzir suas
competências através de decretos.

A Constituição Federal de 1934, com a preeminência das preocupações


sociais, em ambiente inteiramente diverso daquele que deu origem à Constituição de
1891, ampliou as competências do Tribunal de Contas, inserindo-o no capítulo
denominado “dos órgãos de cooperação nas atividades governamentais”, juntamente
com o Ministério Público.

A Carta outorgada de 1937, segundo Paulo Bonavides e Paes de Andrade


“conhecida como ‘a polaca’ por assimilar muitos elementos da vaga autoritária que

154
Curso de direito constitucional positivo. p. 753.
99

assolava a europa na época” 155, inseriu o Tribunal de Contas no âmbito do Poder


Judiciário, e, em consonância com o regime político da época, conhecido como Estado
Novo, restringiu a competência desta instituição, suprimindo a função de emitir parecer
prévio sobre as contas do Presidente da República.

O liberalismo do Texto Constitucional de 1946, pôs fim à ditadura de Vargas,


restaurou o princípio federativo, as liberdades e garantias individuais e buscou devolver
ao Legislativo e ao Judiciário a dignidade e prerrogativas de um regime democrático.
Nesse contexto, o Tribunal de Contas reassumiu as competências antes suprimidas e,
de acordo com José Afonso da Silva, “ganhou grande prestígio dadas as suas
relevantes e independentes atribuições constantes do art. 77”. 156

A partir de 1946, as Constituições brasileiras passaram a tratar do Tribunal


de Contas no capítulo destinado ao Poder Legislativo, de forma que tanto na
Constituição de 1967 como na Emenda Constitucional n.º 1 de 1969, os Tribunais de
Contas foram disciplinados em seção integrante do capítulo do Poder Legislativo, mas
especificamente destinada à fiscalização financeira e orçamentária. Cumpre registrar
que as alterações promovidas no texto de 1967 diminuíram substancialmente as
prerrogativas do Tribunal de Contas, que só voltaram a ser elevadas por ocasião da
promulgação da Carta de 1988.

A Constituição Federal de 1988, além de consolidar as conquistas advindas


com a Carta de 1946, ampliou as atribuições do Tribunal de Contas, acrescentando a
competência para exercer a fiscalização operacional, ao lado da financeira,
orçamentária, contábil e patrimonial. E além do exame sob o aspecto da legalidade,
introduziu a competência para avaliar os aspectos da legitimidade e economicidade dos
atos da Administração Pública direta e indireta.

155
História constitucional do Brasil. 3ª ed. Rio de Jaeiro: Paz e Terra, 1991. p.331
156
Op. cit., p.753.
100

Desta forma, fortalecendo o papel do controle, de limitar o exercício do


poder, a Constituição Federal colocou o Tribunal de Contas ao lado do Poder
Legislativo, para auxiliá-lo no controle externo, com atribuições bastante ampliadas,
uma vez que a atual noção de legalidade, antes concebida por um ângulo puramente
formal, em sua evolução superou essa concepção, passando-se a exigir do
administrador uma conduta não apenas em consonância com a lei, mas com o Direito,
como teremos oportunidade de aprofundar em capítulo específico.

O controle externo da função administrativa prescrito pela Constituição


Federal, nos artigos 70 e seguintes, compreende dois aspectos: o político, atribuído aos
órgãos do Poder Legislativo, e o técnico, exercido pelo Tribunal de Contas. O controle
externo também é exercido pelo Poder Judiciário. 157

O controle exercido pelo Tribunal de Contas, de natureza técnica, está


previsto na redação do artigo 71 da Constituição Federal, que determina que o controle
externo, a cargo do Congresso Nacional, será exercido com o auxílio do Tribunal de
Contas da União, compreendendo a fiscalização contábil, financeira, orçamentária,
operacional e patrimonial, com o objetivo de verificar a legalidade, legitimidade e
economicidade das atividades administrativas.

Estão sujeitos a esse controle todos os órgãos, ou seja, o próprio Legislativo,


o Executivo e o Judiciário, além de qualquer pessoa que não necessariamente integre a
estrutura organizacional do Estado, mas que utilize, arrecade, guarde, gerencie ou
administre dinheiros, bens e valores públicos.

Sem entrar no mérito da discussão acerca da independência do Tribunal de


Contas em relação ao Poder Legislativo, tema que suscita bastante polêmica, apenas
consignaremos que nos filiamos à corrente daqueles que consideram a Corte de

157
O direito brasileiro adotou o sistema de jurisdição una, possuindo o Judiciário o monopólio do controle
jurisdicional, de forma que o controle externo também é exercido pelo Poder Judiciário que por força do disposto no
artigo 5º, XXXV é o único Poder competente para apreciar com força de coisa julgada a lesão ou ameaça a direitos
individuais ou coletivos.
101

Contas órgão independente e autônomo, situado no arcabouço constitucional, retirando


suas competências diretamente da Constituição Federal. Invocamos em abono a essa
postura, argumento utilizado por Angélica Petian, de que o Tribunal de Contas não se
insere “em nenhum dos elencos que enumeram os órgãos que compõem os Poderes
Legislativo, Executivo e Judiciário, como se depreende da leitura dos artigos 44, 76 e
92.” 158

Trata-se de órgão auxiliar do Poder Legislativo, mas não subordinado, e que


tampouco integra sua estrutura. Foi criado posteriormente a teoria da separação dos
poderes e não se insere nas linhas rígidas da tripartição, a exemplo do que ocorre com
o Ministério Público. Todavia, não o concebemos como um dos poderes da República,
mas, adotando o entendimento do Ministro Celso de Mello e Odete Medauar 159, o
consideramos um conjunto orgânico autônomo. A subordinação hierárquica a qualquer
poder representaria limitação e até mesmo a inviabilidade da efetivação da função de
controle em sua plenitude.

Suas relevantes atribuições estão arroladas no artigo 70 e vários incisos do


artigo 71 da Carta Magna 160.

158
O controle de constitucionalidade das leis e dos atos normativos pelos Tribunais de Contas. Fórum
Administrativo p. 17- 29.
159
MENDAUAR, Odete: “Se a função é de atuar em auxílio ao legislativo, sua natureza, em razão das próprias
normas da Constituição é a de órgão independente, desvinculado da estrutura de qualquer dos três poderes. A nosso
ver, por conseguinte, o Tribunal de Contas configura ´instituição estatal independente´.”In Controle da
Administração Pública. p.140. Em sentido semelhante, Jorge Ulisses Jacoby Fernandes cita manifestação do Ministro
Celso de Mello: “(...) como o Texto maior desdenhou designá-lo Poder, é inútil ou improfícuo perguntarmo-nos se
seria ou não um Poder. Basta-nos uma conclusão ao meu ver irrefutável: o Tribunal de Contas, em nosso sistema, é
um conjunto orgânico perfeitamente autônomo”.In Tribunais de Contas: Enquadramento na estrutura tripartite dos
poderes. Revista Fórum Administrativo. p.6527.
160
As atribuições do Tribunal de Contas da União são agrupadas por José Afonso da Silva da seguinte forma: “(1)
emissão de parecer prévio sobre as contas prestadas anualmente pelo Presidente da República, dentro do prazo de
sessenta dias a contar de seu recebimento;(2) julgamento das contas dos administradores e demais responsáveis por
dinheiros, bens e valores públicos da administração direta e indireta, incluídas as fundações e sociedades instituídas e
mantidas pelo Pode Público federal, e as contas daqueles que derem causa a perda, extravio ou outra irregularidade
de que resulte prejuízo ao erário público; não se trata de função jurisdicional, pois não julga pessoas nem dirime
conflitos de interesses, mas apenas exerce um julgamento técnico das contas; (3) apreciação para fins de registro, da
“legalidade dos atos de admissão de pessoal, a qualquer título, na administração direta e indireta, incluídas as
fundações instituídas e mantidas pelo Poder Público, excetuadas as nomeações para cargos de provimento em
comissão, bem como as das concessões de aposentadoria, reformas e pensões, ressalvadas as melhorias posteriores
que não alterem o fundamento legal do ato concessório”, que significa “apreciar para fins de registro?” Por certo que
isso não há de ter sentido puramente cartorário. O texto significa que, se os atos forem ilegais, recusa o registro,
102

O Tribunal de Contas da União é composto por 9 Ministros e, conforme


dispõe o artigo 73 § 1º da Constituição Federal, para a nomeação deverão cumprir os
seguintes requisitos: ter mais de 35 e menos de 65 anos de idade, possuir idoneidade
moral, reputação ilibada, notórios conhecimentos jurídicos, contábeis, econômicos e
financeiros ou de administração pública e mais de 10 anos de exercício de funções ou
efetiva atividade profissional que exija os conhecimentos relacionados aos assuntos
mencionados.

Aos Ministros do Tribunal de Contas da União, por força do estabelecido no §


3º do artigo 73 da Carta Magna são asseguradas as mesmas garantias, prerrogativas,
impedimentos, vencimentos e vantagens dos Ministros do Superior Tribunal de Justiça.
O processo de escolha se dará de acordo com o estabelecido no § 2º do mesmo
dispositivo constitucional, sendo um terço pelo Presidente da República, com
aprovação do Senado Federal, escolhidos dentre os indicados em lista tríplice do
Tribunal e de forma alternada entre auditores e membros do Ministério Público junto ao
Tribunal de Contas, e dois terços são escolhidos pelo Congresso Nacional.

A abrangência das atribuições da Corte de Contas faz com que a matéria


relacionada à natureza jurídica de seus atos encerre acirradas controvérsias em âmbito
doutrinário e jurisprudencial. Respeitados juristas defendem que, com exceção dos

assinará prazo para que o órgão ou entidade competente adote as providências necessárias ao exato cumprimento da
lei (art 71,IX), corrigindo e invalidando os atos viciados; (4) inspeção e auditoria de natureza contábil, financeira,
orçamentária, operacional e patrimonial, por iniciativa própria, da Câmara dos Deputados, do Senado Federal, de
comissões Técnicas ou de inquérito, nas unidades administrativas de todos os Poderes, quer da administração direta
ou indireta, assim como nas fundações e sociedades instituídas ou mantidas pelo Poder Público; (5) fiscalização das
contas nacionais das empresas supranacionais de cujo capital social a União participe, de forma direta ou indireta,
nos termos do trabalho constitutivo, assim como da aplicação de qualquer recurso repassado pela União mediante
convênio, acordo, ajuste ou outros instrumentos congêneres, a estado, ao distrito Federal ou a Município; (6)
prestação de informações solicitadas pelo Congresso Nacional, por qualquer de suas Casas ou Comissões, sobre
fiscalização de sua competência e sobre resultados de inspeções ou auditorias; (7)aplicação de sanções previstas em
lei aos responsáveis, no caso de ilegalidade de despesa ou irregularidade de contas; (8) assinação de prazos a órgãos
ou entidades para providências necessárias ao exato cumprimento da lei, quando verifique ocorrência de ilegalidade
de atos ou procedimentos sob seu controle; (9)sustação da execução de ato impugnado, se não tomadas, no prazo
assinado,as providências para a correção das ilegalidades e irregularidades, comunicando a decisão à Câmara dos
Deputados e ao Senado Federal; (10) representação à autoridade competente sobre irregularidades ou abusos
apurados; (11) elaboração de relatório trimestral e anual a ser encaminhado ao Congresso Nacional, conforme consta
do art.71,§ 4º. (In: Curso de direito constitucional positivo. p. 755-756).
103

aspectos processuais ou de manifesta ilegalidade, a decisão da Corte de Contas se


impõe ao Judiciário no que concerne aos aspectos técnicos, ocorrendo um
abrandamento no princípio da unidade de jurisdição, quando a própria Constituição
confere a competência privativa aos Tribunais de Contas para julgar as contas dos
administradores e demais responsáveis por dinheiro, bens e valores públicos (inciso II
do artigo 71 da Constituição Federal). 161

Em relação à emissão de parecer prévio sobre as contas anuais do


Presidente da República, competência inserida no inciso I do artigo 71, já se posicionou
o Supremo Tribunal Federal no Mandado de Segurança nº 1.197-9, que se trata de
pronunciamento técnico, sem conteúdo deliberativo ou vinculante, destinado apenas a
subsidiar a decisão do Poder Legislativo.

Todavia, em relação ao contido no inciso II do artigo 71, não obstante


inúmeras manifestações de respeitados juristas em sentido contrário - ou pela natureza

161
Dentre eles podemos citar Jorge Ulisses Jacobi, o Ministro do Supremo Tribunal Federal, Carlos Aires Brito, o
Conselheiro do Tribunal de Contas do Estado de São Paulo, Roque Citadini e Jarbas Maranhão, Conselheiro do
Tribunal de Contas da União. Jorge Ulisses Jacobi: o princípio da unidade de jurisdição sofre abrandamento pela
própria Constituição, que admite a competência privativa (quanto ao mérito, aspectos processuais podem ser
submetidos ao Judiciário) das cortes de contas para julgar as contas dos administradores e demais responsáveis por
bens e valores públicos.In: Tribunais de Contas do Brasil. p. 143. .Min. Carlos Aires Brito: a função jurisdicional do
Estado é competência exclusiva do Poder Judiciário. (...) Algumas características de jurisdição, no entanto,
permeiam os julgamentos a cargo dos Tribunais de Contas. Primeiramente, porque os Tribunais de Contas julgam
sob o critério exclusivamente objetivo. Segundamente, porque o fazem com a força ou a irretratabilidade que é
própria das decisões judiciais com trânsito em julgado. Isto, quanto ao mérito das avaliações que as Cortes de Contas
fazem incidir sobre a gestão financeira, orçamentária, patrimonial, contábil e operacional do Poder Público. Não,
porém, quanto aos direitos propriamente subjetivos dos agentes estatais e das demais pessoas envolvidas nos
processos de contas, porque aí prevalece a norma constitucional que submete à competência judicante do Supremo
Tribunal Federal a impetração do hábeas corpus, mandado de segurança e hábeas data contra o TCU (Art. 102, inciso
I, alínea d)...” In: O regime constitucional dos tribunais de contas. Revista Diálogo Jurídico. ano I. nº 9.
Salvador/Bahia, Dezembro de 2001, p. 8. Disponível em: http://www.direitopublico.com.br, acesso em agosto de
2007. Conselheiro Roque Citadini: No caso de países como o Brasil, onde existe o monopólio de jurisdição com os
órgãos do Judiciário, as decisões dos Tribunais de Contas, são normalmente questionadas apenas quando não tiver
sido obedecido o direito de defesa pelo órgão de fiscalização das contas ou contiverem ilegalidade manifesta. A regra
é a de que o conteúdo da apreciação de contas não tenha revisão – exceto nos casos citados – até porque, como
afirmava Seabra Fagundes, tendo os Tribunais de Contas competências precisas e fixadas pela Constituição para
exercer o controle e fiscalização das contas públicas e o fazendo na forma da lei, não há porque o Judiciário fazê-lo
em autêntico ‘bis in idem’.In: RIBEIRO Manuel: “O Tribunal de Contas tem funções jurisdicionais e pratica
atividades próprias do Poder Judiciário. (...) As suas decisões não podem voltar a ser apreciadas na esfera judicial” In
Revista de Direito Administrativo n º 68. Atividade jurisdicional do Tribunal de Contas. Abr/jun. 1962. p. 52.
Seabra Fagundes: “O Tribunal de Contas não é simples órgão administrativo, mas exerce uma verdadeira judicatura
sobre os exatores, os que têm em seu poder, sob sua gestão, bens e dinheiros públicos”. In: O Controle dos atos
administrativos pelo Poder Judiciário. E Ed. Rio de janeiro. Forense, 1984.
104

meramente administrativa das Cortes de Contas, ou pelo primado da unidade de


jurisdição, ou ainda, invocando o princípio da separação dos poderes 162 - o Supremo
Tribunal Federal, no Mandado de Segurança nº 55.821/67-STF, de relatoria do Ministro
Vitor Nunes Leal, já firmou posição no seguinte sentido: “salvo nulidade decorrente de
irregularidade formal grave ou manifesta ilegalidade, é do Tribunal de Contas a
competência exclusiva para julgamento das contas dos responsáveis por haveres
públicos”.

Apesar disso, cumpre consignar que no Mandado de Segurança nº 20.999, o


Ministro do Supremo Tribunal Federal, Celso de Mello, enfatizando o princípio da
unidade de jurisdição, manifestou-se da seguinte forma: “é preciso evoluir cada vez
mais no sentido da completa justiciabilidade da atividade estatal e fortalecer o postulado
da inafastabilidade de toda e qualquer fiscalização judicial”.

E nesse sentido, a professora Lúcia Valle Figueiredo, discordando da tese


acolhida pelo Supremo Tribunal Federal, anota que o termo “julgar” empregado na
Constituição é inadequado, considerando-se o monopólio de jurisdição pelo Judiciário.
Para a respeitada jurista, o termo não pode denotar atividade excludente da apreciação
do Poder Judiciário, explicando que o Texto Constitucional não traz qualquer
impedimento para que se postule tutela jurisdicional depois da aprovação pelo Tribunal
de Contas. 163

Na linha desse entendimento manifestaram-se também Luiz Roberto Siqueira


Castro, consignando que a atuação do Tribunal de Contas não revela função
jurisdicional em face do princípio da separação dos poderes do Estado, 164 e Maria
Sylvia Zanella Di Pietro, asseverando, por sua vez, que:

162
Defendem a natureza administrativa das decisões do Tribunal de Contas, diante do princípio da unidade de
jurisdição, dentre outros, Luciano Ferraz, Lúcia Valle Figueiredo, Oswaldo Aranha Bandeira de Mello, Odete
Medauar, Cretella Jr., Maria Sylvia Zanella Di Pietro e Mario Mazagão. Na mesma linha, mas invocando o princípio
da Separação dos Poderes, defende Luiz Roberto Siqueira Castro.
163
Curso de Direito Administrativo. 8ª edição. Malheiros. 2006. p.368.
164
RTCERJ. ano 18, nº 38 ,Out/Dez, 1997, p.46.
105

(...) embora o dispositivo fale em ‘julgar’ (inciso II do art. 71), não se trata
de função jurisidicional, porque o Tribunal apenas examina as contas
tecnicamente, e não aprecia a responsabilidade do agente público, que
é de competência exclusiva do Poder Judiciário; por isso se diz que o
julgamento das contas é uma questão prévia, preliminar, de
competência do Tribunal de Contas, que antecede o julgamento do
165
responsável pelo Poder Judiciário.

E ainda nesse sentido, Oswaldo Aranha Bandeira de Mello cita opinião de


Mário Mazagão, que fez a seguinte afirmação: “Em face da Constituição Federal, não
existe, no Brasil, o Contencioso Administrativo”, concluindo que, em completo estudo
sobre o contencioso administrativo no Brasil, devia ser havida por inconstitucional
porque a Constituição de 1891 revogou diretamente esse instituto e estabeleceu a
jurisdição una, afeta, com exclusividade, ao Poder Judiciário. 166

Em sentido contrário à jurisprudência firmada e nos filiando as teses que


afastam a natureza jurisidicional das decisões do Tribunal de Contas, uma vez que
suas decisões não têm força de coisa julgada e também por não reconhecemos
natureza política em quaisquer de suas atribuições, comungamos com a opinião
daqueles que consideram que suas decisões, inclusive as decorrentes do estabelecido
no inciso II do artigo 71, têm natureza meramente administrativa, podendo ser revista
pelo Poder Judiciário, por força do princípio da unidade de jurisdição adotada pelo
sistema constitucional brasileiro.

Muito embora, na realidade brasileira, além do Tribunal de Contas da União


existam, ainda, 26 Tribunais de Contas Estaduais, 4 Tribunais de Contas Estaduais
dos Municípios (Goiás, Bahia, Ceará e Piauí), 1 Tribunal de Contas do Distrito Federal
e 2 Tribunais de Contas Municipais (São Paulo e Rio de Janeiro), estes últimos agora
só viáveis se préexistentes à Carta de 1988 167, a análise enfocará o Tribunal de Contas
da União, aplicando-se as conclusões, no que couber, aos demais Tribunais de Contas,

165
Direito administrativo. 14ª ed. São Paulo: Atlas, 2002, p. 615.
166
BANDEIRA DE MELLO, Oswaldo Aranha. Tribunais de Contas:natureza, alcance e efeitos de suas funções.
RDP nº 73. São Paulo. Ed. RT. p. 182
167
A Constituição Federal de 1988, em seu artigo 31, § 4º proibiu expressamente a criação de Tribunais, Conselhos
ou Órgãos de Contas Municipais
106

pelo princípio da simetria e em sintonia com o disposto no artigo 75 da Constituição


Federal, que estendeu a disciplina a ele conferida às demais Cortes de Contas,
limitando-se a estabelecer o número de Conselheiros que integrarão os Tribunais de
Contas estaduais. No mais, remeteu a disciplina de cada qual às Constituições dos
respectivos Estados e Municípios.

As competências do Tribunal de Contas estão detalhadamente expostas no


artigo 71 do Texto Constitucional e não nos ocuparemos de todas, mas apenas
fixaremos nosso estudo na competência estabelecida no inciso VIII desse dispositivo,
que, a exemplo das demais, está destinada a viabilizar o desempenho da função de
controle para a qual foi o órgão instituído.

Originariamente, o controle era ligado apenas à noção de arrecadação, pois


no medievo, estaria voltado apenas à arrecadação dos recursos para a Coroa. Todavia,
como função evoluiu muito, atingindo atualmente uma dimensão que encampa, por
exemplo, a revisão qualitativa e a racionalização da despesa pública, uma vez que no
modelo constitucional consagrado em nosso país, o controle deve abarcar a legalidade,
a legitimidade e a economicidade, sendo os controles operacional e contábil absorvidos
pelos anteriormente apontados.

A tendência do modelo atual é a de cada vez mais investir no controle de


gestão, onde é possível a verificação de indicadores de eficiência e eficácia dos atos
controlados. Todavia, na prática, ainda se observa excessiva concentração de ações
voltadas ao controle meramente formal. 168

168
Nesse sentido, Maximo Severo Giannini, ao agrupar a função de controle por gêneros, como: controle técnico,
contábil, de gestão, de eficiência ( que considera uma espécie limitada ao controle de gestão, e de inspeção, este de
natureza formal, comenta o seguinte: “La tendenza odierna è nel senso dellábbandono dei controlli formali, che sono
molto costosi e danno risultati non sempre validi, e di preferire i controlli tecnici e di gestione, per i quali tuttavia si
è ancora allá ricerca di modelli soddisfacenti”. Istituzioni di Diritto Amministrativo. p. 51/52.
107

2. A competência sancionatória aplicada no exercício de função de controle


estabelecida na Carta de 1988.

A sanção é um dos instrumentos colocados à disposição do Tribunal de


Contas pelo legislador constituinte, no sentido de que este bem realize o controle das
contas públicas. Sem a possibilidade de impor sanções certamente suas funções se
esvaziariam porque se trata de elemento que impõe ao administrador o cumprimento
das obrigações determinadas. Nesse sentido, diz Helio Saul Mileski que “(...) Não
havendo sanção, na prática, qualquer decisão do órgão de controle resultaria em mera
recomendação”. 169

Iniciaremos o presente tópico invocando lição do Ministro do Supremo


Tribunal Federal Carlos Ayres Britto, em artigo dedicado ao tratamento do regime
constitucional dos Tribunais de Contas, por considerarmos que as observações, da
forma colocada, contribuirão para facilitar o entendimento sobre o ponto de partida que
adotaremos para análise da disciplina da competência sancionadora do Tribunal de
Contas.

O eminente Ministro esclarece que a função de controle externo exercida


pelo Tribunal de Contas e pelo Poder Legislativo é a mesma, mas as competências são
distintas, de forma que, as competências do Congresso Nacional estão arroladas nos
incisos IX e X do artigo 49 da Constituição Federal e as do Tribunal de Contas da União
estão arroladas no artigo 71 da mesma Carta Magna, anotando que parte dessas
competências o Tribunal de Contas federal desempenha como forma de auxílio do
legislativo, e outra parte sequer é exercida sob esse regime de obrigatória ação
conjugada.

Nesse contexto, invocando a distinção entre função e competências,


esclarece, no caso, que a função é uma só, o controle externo, e as competências são
múltiplas. Assim, a função é a atividade que justifica a existência do órgão e as

169
O controle da gestão pública. p. 328
108

competências são poderes instrumentais ao exercício da função, sendo meios para o


alcance de específica finalidade. 170

As sanções, são, portanto, uma das competências conferidas ao Tribunal de


Contas para bem desempenhar a função controladora, que segundo Bento José
Bugarin possui três elementos constitutivos, a saber: a) verificação, que consiste no
exame da conduta do sujeito controlado em face de uma determinada norma ou
princípio; b) juízo, que consiste na conclusão sobre a conformidade do ato examinado à
norma ou princípio e c) providência, que é a medida corretiva adotada pelo controlador,
ou a proposta para a adoção de providências pela autoridade controlada. 171

As modalidades de controle existentes são classificadas de várias formas


pela doutrina, porque são várias as espécies de controle (interno, externo, preventivo,
simultâneo ou sucessivo, administrativo, jurisdicional, político, controle sobre atos,
controle sob atividades e etc.). Tradicionalmente, quanto ao momento de seu exercício,
o controle é classificado em prévio, que ocorre antes do ato e visa impedir a prática de
ato ilegal ou contrário ao interesse público; concomitante, que ocorre ao tempo de
elaboração do ato e visa à correção de distorções, imperfeições e impropriedades, e
posterior, que é a modalidade mais comum, tendo por objetivo rever os atos já
praticados para corrigi-los, desfazê-los ou simplesmente confirmá-los.

Pelos termos utilizados pela Constituição, mesmo anteriormente, nas Cartas


que antecederam a atual, é possível concluir que o legislador constitucional optou, em
princípio, pelo modelo francês, do controle a posteriori, com algumas exceções, como a
possibilidade da sustação de atos prevista no inciso X do artigo 71 da Carta Magna.

A distinção dessas fases assume importância em matéria sancionatória, pois,


defendemos que na modalidade do controle prévio, por sua própria finalidade
preventiva e corretiva, não devem incidir sanções. Umas das primeiras garantias do

170
O regime constitucional dos tribunais de contas. Revista Diálogo Jurídico. ano I. nº 9. Salvador/Bahia, Dezembro
de 2001, p. 6.
171
O Tribunal de Contas da União e o controle da administração pública. p.13
109

direito penal, cuja regra se aplica perfeitamente às sanções administrativas, porque se


trata de imputação de penas, é o princípio da retribuição ou do caráter de conseqüência
do delito que a pena tem. Assim, explica Luigi Ferrajoli, invocando Hart que “(...) Graças
a ele, a pena não é um prius, senão um posterius, não uma medida preventiva ou ante
delictum, senão uma sanção retributiva ou post delictum”. 172

As sanções caberão apenas nas modalidades concomitante, quando


constada a consumação de despesa irregular e, a posteriori, cuja legalidade da
despesa é apreciada apenas quando já efetuada, cabendo em muitas situações apenas
providenciar a punição dos culpados. Tais questões serão aprofundadas no item
subseqüente.

A competência sancionadora da Corte de Contas está estabelecida dentre as


demais competências arroladas nos vários incisos do artigo 71 da Constituição Federal
é instrumento conferido pelo legislador constituinte para que melhor seja
desempenhada a função de controle, constitucionalmente adjudicada ao Tribunal de
Contas.

Conforme se extrai do artigo 71, inciso VIII, da Constituição Federal, o


Tribunal de Contas, no exercício do controle externo da Administração Pública, terá por
competência, dentre outras, “aplicar aos responsáveis, em caso de ilegalidade de
despesa ou irregularidade de contas, as sanções previstas em lei, que estabelecerá,
entre outras cominações, multa proporcional ao dano causado ao erário”.

Tal competência sancionatória, desconhecida nos textos das Constituições


anteriores, é haurida diretamente da Carta Magna, e, sem dúvida, dentre todas as
competências relacionadas nos vários incisos do artigo 71 da Constituição, como a
consultiva, a fiscalizadora, a de informação, a corretiva e ainda outras apontada pela
doutrina de acordo com a classificação que se adota, a sancionatória é que menos
recebeu atenção doutrinária. Depende seu efetivo desempenho, de previsão legal das

172
Direito e Razão. p. 297.
110

sanções aplicáveis, tendo a Constituição imposto verdadeiro dever de agir ao legislador


quando ordenou que preveja as punições a serem aplicadas pelo Tribunal de Contas e
quais fatos darão ensejo à aplicação desta ou daquela penalidade.

Importa contextualizar tal competência no universo do “ius puniendi” estatal.


O direito sancionador é um só. É gênero que comporta algumas espécies – o penal, o
civil e o administrativo – admitindo essas, algumas subespécies que não devem ser
objeto de maior preocupação, na medida em que só importa para o desenvolvimento
deste estudo estabelecer que a sanção administrativa não se confunde com a penal ou
a civil, embora alguns autores enquadrem a sanção administrativa como sub-espécie
da civil. 173

O tema sobre as diferenças entre as sanções administrativas e penais já foi


abordado no capítulo anterior, razão pela qual, nesta oportunidade, nos limitaremos a
afirmar que a sanção administrativa engloba diversos sistemas punitivos e é aplicada
por autoridade administrativa ou autoridade no exercício de função administrativa, tais
como as disciplinares, as decorrentes do exercício do poder de polícia, as aplicadas
pelas corporações profissionais cujos integrantes exercem atividade privada que o
Direito reputa como de interesse público (OAB, CREA, CRM e etc).

As sanções aplicadas pelo Tribunal de Contas se enquadram na espécie de


sanção administrativa, porque são aplicadas por autoridade administrativa, porém no
exercício da função controladora, que embora revele a natureza administrativa de seus
atos, não é a função administrativa propriamente dita, de executar a lei de ofício, mas
de fiscalizar a adequada execução pelos órgãos dos Poderes do Estado e de todos
aqueles que estão sob sua jurisdição.

Com tais considerações, deixamos desde já consignado que as decisões do


Tribunal de Contas que implicam no estabelecimento de sanções, são de natureza

173
BRITO DOS SANTOS, Carlos Frederico. Improbidade Administrativa: Reflexões sobre a Lei nº 8.429/92.
Editora Forense. Rio de Janeiro. 2007. p.2.
111

administrativa, sempre passíveis de revisão pelo Poder Judiciário. Quanto a esse


aspecto não nos parece remanescer nenhuma dúvida ou divergência doutrinária,
porque como já apontamos adrede, as maiores discussões sobre a natureza dos atos
do Tribunal de Contas estão concentradas precipuamente na competência insculpida
no inciso II do artigo 71. 174

Como já demonstramos no item anterior, alguns renomados juristas


reconhecem que o Tribunal de Contas também desempenha função jurisdicional em
algumas situações, e ainda há aqueles que lhe confere dimensão parlamentar. 175
Cumpre destacar que a natureza de seus atos não se confunde com sua função. Em
nosso entendimento seus atos são de natureza administrativa pelas razões que já
consignamos adrede, mas sua função é fiscalizadora.

Por essa razão, embora não seja pacífico o entendimento acerca da


natureza jurídica dos atos do Tribunal de Contas, a afirmação que ora fazemos está
relacionada tão somente a competência sancionatória, onde não nos parece existir
maiores controvérsias, uma vez que estas estão situadas em outras competências.
Vejamos:

O próprio Tribunal de Contas da União já se manifestou no sentido de que


não exerce função administrativa estrito senso, uma vez que está encarregado do
exercício do controle externo da Administração Pública Federal, quando da apreciação
da legalidade das aposentadorias, reformas e pensões. Tal posicionamento está
consignado na Decisão nº 1020/2000, proferida na ocasião em que aquela Corte

174
Não são poucos os autores que admitem e defendem que o Tribunal de Contas exerce função jurisdicional. Jorge
Ulisses Jacoby Fernandes, que encampa essa tese, cita Frederico Pardini, que invoca o artigo 73 da Carta Magna
porque o dispositivo fala em “jurisdição em todo o território nacional”, como faz em relação ao STF e aos Tribunais
Superiores. Cita ainda, dentre outros, Seabra Fagundes, Roberto Rosas, Pinto Ferreira e Pontes de Miranda. In:
Tribunais de Contas do Brasil: Jurisdição e Competência. Editora Fórum. 1ª edição. 2003. p.138/146.
175
CAMPOS, Francisco. Direito Constitucional. Rio: São Paulo: Freitas Bastos, 1956. v.2 ps.134/136.
112

apreciou a sua submissão à lei federal de processo administrativo, para concluir que
não está obrigado a se submeter à integralidade daquela lei. 176

Todavia, defendemos que a lei federal de processo administrativo incide no


âmbito de atuação do Tribunal de Contas da União, porque seus atos são de natureza
administrativa, razão pela qual não vislumbramos argumentos razoáveis para justificar
seu afastamento.

Referida lei regula o processo administrativo no âmbito da Administração


direta e indireta federal, e também se aplica aos órgãos do Poder Legislativo e
Judiciário no exercício da função administrativa. Assim dispõe expressamente o artigo
1º, § 1º, da Lei Federal nº 9.784/99.

O entendimento de que o Tribunal de Contas não se enquadra na estrutura


de qualquer do Poderes do Estado, não é argumento hábil para afastar a incidência da
lei que estabelece normas básicas de processo administrativo visando à proteção dos
administrados e o cumprimento dos fins da Administração. Seria absolutamente
desarrazoado concluir que a lei se aplica aos órgãos dos Poderes do Estado porque
assim estabelece explicitamente, não se aplicando aos demais órgãos que não se
enquadram nessa estrutura, quando desempenham atividade administrativa.

Além disso, o argumento invocado na decisão citada, há que ser afastado


porque, quando o Tribunal de Contas aprecia ato de aposentadoria, pensão ou revisão
de proventos, está exercendo atividade administrativa no exercício da função de
controle. Os precedentes da Súmula Vinculante nº 03 demonstram claramente que o
Supremo Tribunal Federal fez a ressalva em relação à incidência dos princípios do
contraditório e da ampla defesa nas situações de apreciação da legalidade do ato de
concessão inicial de aposentadoria, reforma e pensão, apenas por se tratarem de atos
complexos, que começam na Administração Pública e são concluídos no Tribunal de

176
BRASIL, Tribunal de Contas da União. Solicitação. Decisão 1020/2000 – Plenário. Processo nº TC-
013.829/2000-0. Relator: Ministro Marcos Vinícius Vilaça. Brasília, 29 de novembro de 2000. Diário Oficial da
União, Brasília, DF, 15 dez. 2000.
113

Contas da União. Em tais situações o contraditório e o direito à ampla defesa só


incidirão após a apreciação da legalidade do ato concessivo.

É importante observar ainda que, em tais precedentes, a exemplo do que


ocorreu no voto do Ministro Gilmar Mendes no Mandado de Segurança nº 24.268-0/MG,
há a invocação da lei de processo administrativo para a afirmação de que o Tribunal de
Contas deve observar os princípios do contraditório e da ampla defesa. Nesse voto, o
Ministro deixa consignada apenas sua insegurança quanto à aplicabilidade do artigo 54
da lei – que trata do prazo de 5 anos para a anulação do ato – considerando, de
qualquer forma, que havia uma relação com a segurança jurídica a ser considerada e
que as situações criadas, em algum momento devem se tornar estáveis. Este tema,
relacionado à segurança das relações jurídicas e sua relação com o tempo, receberá
tratamento específico.

Por ora, basta consignarmos que a Súmula Vinculante nº 03 do STF, tem em


seus precedentes a invocação da lei federal de processo administrativo, estando
vazada nos seguintes termos:

Nos processos perante o Tribunal de Contas da União asseguram-se o


contraditório e a ampla defesa quando a decisão puder resultar
anulação ou revogação de ato administrativo que beneficie o
interessado, excetuada a apreciação da legalidade do ato de concessão
inicial de aposentadoria, reforma e pensão.

Repetimos, portanto, que as discussões acirradas e que geram controvérsias


estão concentradas na competência insculpida no inciso II do artigo 71 da Carta Magna,
diante da utilização do vocábulo “julgar”.

Convém lembrar que o Tribunal e Contas possui lei própria que disciplina
suas atribuições e atividades, de forma que a lei de processo administrativo incidirá
apenas de forma subsidiária. Nesse sentido é clara a lição de Celso Antonio Bandeira
de Mello, que assevera, em relação ao âmbito de incidência de lei de processo
administrativo, o seguinte: “É importante anotar que a lei em causa aplica-se apenas
114

subsidiariamente aos processos administrativos específicos, regidos por leis


próprias, que a elas continuarão sujeitos. Como é lógico, aplica-se integralmente a
quaisquer outros processos administrativos”. 177(destaque nosso)

Fixamos, pois, o entendimento de que as sanções aplicadas pelo Tribunal de


Contas são de natureza administrativa e que, portanto, sua criação e aplicação estão
submetidas ao regime jurídico administrativo.

Todavia, por serem aplicadas no exercício da função controladora, há que se


perquirir se sofrem influxos decorrentes dessa específica função, que não é a mesma
desempenhada pela Administração Pública enquanto executa a lei de ofício, ou pelos
demais Poderes do Estado, quando exercem de forma atípica a função administrativa.
As decisões do Tribunal de Contas se revestem de caráter administrativo, mas não
decorrem do exercício de função administrativa enquanto atividade que importa na
direta prestação de serviços pelo Estado à coletividade como um todo.

Assim, há doutrinadores, a exemplo de Pedro José Decomain, que entendem


apropriado que se sustente se revestirem as decisões do Tribunal de Contas de caráter
de efetivos atos de controle porque se destinam a verificar se a atividade objeto de
exame guardou conformação aos parâmetros constitucionais e legais pelos quais
deveria ser pautada. Defende que por não se tratar da direta prestação de serviços
públicos específicos, também não se revestem de caráter administrativo, mas possuem
natureza de atividade de controle em face de suas atividades ou ações que são
desenvolvidas no âmbito do controle externo da administração Pública. 178

Assim, embora as decisões do Tribunal de Contas, segundo nosso


entendimento, sempre estejam sujeitas ao controle pelo Poder Judiciário, não podem
ser descumpridas pelos órgãos administrativos, que estarão a elas vinculados, podendo

177
Curso de Direito Administrativo. p. 491.
178
Tribunais de Contas no Brasil. p. 168
115

a Administração Pública também se valer do Judiciário para solicitar a reapreciação de


decisão do Tribunal de Contas que eventualmente entender equivocada.

E nessa linha de raciocínio, considerando as semelhanças existentes com a


função administrativa, Maria Silvia Zanella Di Pietro considera que “(...) não se pode
colocar a decisão proferida pelo Tribunal de Contas no mesmo nível que uma decisão
proferida por órgão integrado na Administração Pública. Não teria sentido que os atos
controlados tivessem a mesma força que os atos de controle”. 179

Nesse sentido é que analisaremos também a existência de sanções


semelhantes previstas nas leis de aplicabilidade simultânea pelo Tribunal de Contas e
outros órgãos do Poder, no exercício da atividade administrativa, por exemplo em
relação aos servidores públicos ou aos contratantes com o Poder Público. Há situações
ainda, que as penas previstas, por sua gravidade, parecem reclamar reserva de
competência judicial, sendo incompatíveis e excessivas para conferir efetividade ao
desempenho da função fiscalizadora.

Tais situações ficam no âmbito da atuação do legislador, que estabelecerá


as sanções e deverá observar os limites, inclusive decorrentes de competências
conferidas a outros órgãos para aplicação das penalidades assemelhadas e da mesma
natureza. Estaria eventual conflito de competências afastado em face da natureza
controlada a justificar a aplicação da sanção?

É o que procuraremos enfrentar no item subseqüente.

3. Limites do legislador para o estabelecimento das sanções a serem aplicadas


pelo Tribunal de Contas e a competência regulamentar.

A análise das sanções passíveis de serem aplicadas pelos Tribunais de


Contas deve partir da ordem jurídica consubstanciada na Constituição de 1988, pois é

179
Coisa julgada :aplicabilidade a decisões do Tribunal de Contas da União. p. 33.
116

dela que retiramos o fundamento de validade das normas infraconstitucionais e só a


partir daí teremos condições de analisar o conteúdo da legislação. Serão passíveis de
aplicação as sanções previstas na lei, que deverá observar os ditames constitucionais,
sob pena de inconstitucionalidade.

Nesse sentido é a lição do jurista Diogo de Figueiredo Moreira Neto, quando


adverte que fora da Constituição não há direito punitivo possível ou viável, afirmando
que: “qualquer debate travado em uma sociedade democrática sobre o Direito Público
Punitivo não pode ignorar, menos ainda, desprezar os princípios e regras
constitucionais”. 180

Perfilhando essa postura, referido jurista arrola dispositivos constitucionais a


serem observados nessa matéria 181, e esclarece que o patamar constitucional não se
dá apenas em nível de controle repressivo e fulminante, mas em patamar hermenêutico
que permite o ajuste do conteúdo das leis às normas constitucionais que lhes são
aplicáveis 182, e é essa proposta que desenvolveremos no item subsequente, em que
analisaremos o conteúdo da legislação infraconstitucional que estabelece as sanções
administrativas a serem aplicadas pelos Tribunais de Contas, em face dos limites
normativos gerais e abstratos estabelecidos na Constituição Federal.

Referida lei poderá padecer do vício de inconstitucionalidade se desbordar


dos contornos materiais estabelecidos na Carta Magna e também se não descrever os
ilícitos e sanções de forma suficiente para permitir aos indivíduos saberem com

180
OSÓRIO, Fábio Medina. Direito administrativo sancionador, p. 10.
181
São os seguintes os dispositivos constitucionais que o autor arrola, insculpidos nos incisos do artigo 5º: III –
ninguém será submetido a tortura nem a tratamento desumano ou degradante; XXXIX - não há crime sem lei anterior
que o defina, nem pena sem prévia cominação legal; XL - a lei penal não retroagirá, salvo para beneficiar o réu; XLV
- nenhuma pena passará da pessoa do condenado, podendo a obrigação de reparar o dano e a decretação do
perdimento de bens ser, nos termos da lei, estendidas aos sucessores e contra eles executadas, até o limite do valor do
patrimônio transferido; XLVI - a lei regulará a individualização da pena e adotará, entre outras, as seguintes: a)
privação ou privação da liberdade; b) perda de bens; c) multa; d) prestação social alternativa; e) suspensão ou
interdição de direitos; XLVII – não haverá penas: a) de morte, salvo em casos de guerra declarada, nos termos do art.
84, XIX; b) de caráter perpétuo; c) de trabalhos forçados; d) de banimento; e) cruéis; XLVIII – a pena será cumprida
em estabelecimentos distintos, de acordo com a natureza do delito, a idade e o sexo do apenado. (ibidem., p. 10).
182
Ibidem, p. 11.
117

segurança qual a conduta proibida e a respectiva sanção, nos termos tratados no


capítulo em que nos referimos à norma sancionatória e o princípio da tipicidade.

Sabemos que o Poder Legislativo desempenha sua função típica de criar a


lei, com discricionariedade desconhecida no âmbito dos demais Poderes do Estado,
que possuem fortes limites à atuação discricionária na aplicação da lei. Todavia, a
liberdade do legislador não é absoluta, e deve respeitar os standards fixados na
autorização prévia, de modo que os limites estabelecidos na Constituição não podem
ser ultrapassados.

Por essa razão, nossa Constituição previu e reservou ao Poder Judiciário o


controle de constitucionalidade das leis, que nos Estados Unidos da América encontra
célere caminho através do devido processo legal em sua dimensão substantiva. Sobre
esse controle, comenta Manoel Gonçalves Ferreira Filho que:

(...) a Suprema Corte dos Estados Unidos largamente se serviu da


Quinta Emenda á Constituição, que proíbe ao Congresso despojar
qualquer pessoa de sua ”vida, liberdade ou propriedade, sem o devido
processo de direito (without due process of law) para fulminar o
conteúdo de certas leis. E o fez com toda facilidade, visto que essa
183
expressão é vaga”.

E o respeitado professor Celso Antônio Bandeira de Mello, tratando do


desvio de poder, afirma que: “por ser, como visto, a utilização de uma competência fora
da finalidade em vista da qual foi instituída, também pode irromper em leis expedidas
com burla aos fins que constitucionalmente deveriam prover”. 184

Assim, embora seja possível reconhecer que o legislador goza de


discricionariedade para definir se determinada conduta será considerada ilícito penal ou
administrativo, o mesmo não se pode admitir em relação à criação das sanções, pois se
em nosso ordenamento não existem regras objetivas orientando a atuação do legislador
na escolha da natureza da pena, o mesmo não se dá em relação ao seu

183
Do processo legislativo. 3ª ed. São Paulo: Saraiva, 1995, p.277.
184
Discricionariedade e controle jurisdicional. São Paulo: Malheiros, 1992, p. 76.
118

estabelecimento das condutas ilícitas, porque no âmbito penal ou administrativo as


sanções devem ser instituídas nos limites e para as finalidades previstas no
ordenamento jurídico.

Sabemos que as competências são verdadeiros poderes-deveres e que a lei


os confere aos administradores para que estes possam atingir as finalidades da lei.
Nesse contexto, quando a Carta Magna estabelece que o Tribunal de Contas poderá
aplicar sanções previstas na lei, esta deverá observar os contornos conferidos pelo
legislador constituinte, uma vez que a penalidade não é um fim em si mesmo, mas
busca atingir o objetivo visado na lei, e esses são os limites a serem observados pelo
legislador.

Além disso, são de indiscutível observância no processo de criação da lei, os


princípios da razoabilidade e da proporcionalidade, e embora as discussões acerca da
declaração de inconstitucionalidade de lei com fundamento nos mencionados princípios
sejam infindáveis, erguendo-se a acusação de que podem conduzir ao governo dos
juízes, que podem fazer prevalecer suas opiniões políticas em determinadas situações
o que em parte, reputamos verdadeiro, trata-se aparentemente de risco com o qual o
sistema deve lidar, já que o controle há de ser feito, e dentro do sistema que se
convencionou chamar de checks and balances, o papel do controle é limitar o exercício
do poder, partindo-se da premissa de que todo detentor do poder tende a dele abusar.
Não obstante as críticas atuais e a suposta crise da tripartição dos Poderes,
acreditamos que a concepção e os fundamentos da teoria não estão superados. 185

Desse modo, negamos liberdade absoluta do legislador na criação das


infrações administrativas e respectivas sanções. As infrações devem ser criadas para
atingir as finalidades da lei, e as sanções devem guardar proporcionalidade com sua

185
Em relação a esta questão o professor Manoel Gonçalves Ferreira Filho diz que o exemplo predileto dos
acusadores do controle de constitucionalidade é o que ocorreu nos Estados Unidos da América, quando durante a
primeira parte do New Deal, a Suprema Corte Americana atuou de forma claramente prepotente. In: Do processo
legislativo. 3ª ed. São Paulo: Saraiva, 1995, p. 277.
119

gravidade, não só por ocasião de sua aplicação, devendo a proporcionalidade também


estar contemplada na lei.

No caso, a Constituição Federal estabeleceu que competirá à Corte de


Contas “aplicar aos responsáveis, em caso de ilegalidade de despesa ou irregularidade
das contas, as sanções previstas em lei, que estabelecerá, entre outras cominações,
multa proporcional ao dano causado ao erário” (inciso VIII do artigo 71).

As sanções a serem aplicadas pelo Tribunal de Contas devem ser criadas


em sintonia com a função de controle e devem ser estabelecidas na medida necessária
e indispensável para instrumentalizar o desempenho dessa específica função. Uma lei
restritiva, característica das leis que impõem sanções, mesmo adequada e necessária,
pode ser inconstitucional por adotar cargas coativas de direitos desmedidas,
desproporcionais em relação aos resultados que se pretende obter

Ademais, o legislador deve adotar as necessárias cautelas para não


estabelecer situações que possam ensejar pronunciamentos díspares na aplicação de
sanções igualmente de natureza administrativa estabelecidas no âmbito de outras
funções, a executiva, a legislativa e a jurisdicional.

Com esta afirmação não estamos afastando o entendimento assentado no


sentido de que as penas podem ser aplicadas de forma concomitante diante de
infrações administrativas, civis e penais, mas que a titularidade para a aplicação de
sanções de natureza administrativa iguais, não deve ser conferida a autoridades
diferenciadas, sob pena de causar pronunciamentos diferenciados. Nessa situação
determinado indivíduo poderia sofrer a aplicação de penalidade de natureza
administrativa em razão da mesma conduta, por duas autoridades ou mesmo, duas
autoridades poderiam aplicar penas diferenciadas, por exemplo, em sua gradação.
Detalharemos este assunto no próximo item, quando trataremos da análise da Lei
Orgânica do Tribunal de Contas da União e teremos oportunidade de concretizar a
questão ora colocada.
120

Assim, os limites ao legislador infraconstitucional estão dados pela


Constituição. Está vedada a criação de sanções a serem aplicadas pelos Tribunais de
Contas que desbordem das hipóteses delineadas pelo constituinte no dispositivo supra
transcrito. Cumpre, portanto, analisar esses contornos.

Apenas para aclarar o conteúdo da preocupação colocada neste tópico,


mencionamos trecho do voto proferido pelo Ministro Joaquim Barbosa, do Supremo
Tribunal Federal, na Reclamação nº 2138, em que se discutia o foro privilegiado de
agentes políticos, sob a alegação de que não estariam submetidos à lei de improbidade
administrativa, mas aos crimes de responsabilidade.

Em determinada passagem de seu voto, ao firmar seu convencimento no


sentido de que estão os agentes políticos submetidos à lei de improbidade, e, portanto
não gozam de foro privilegiado, fez a seguinte observação, que, embora longa,
consideramos relevante transcrever:

Por fim, senhora Presidente, como eu já adiantei neste meu voto, há um


ponto em que o meu entendimento converge parcialmente com o do
eminente relator. É que, a meu sentir, não cabe ao juiz de primeira
instância decretar, muito menos em ação de improbidade, a perda do
cargo político, do cargo de ministro de Estado, por ser esta uma
modalidade de punição que é típica do elenco de mecanismos de controle
e aferição da responsabilidade política no sistema presidencial de
governo. Trata-se, como já adiantei, de elemento característico de
checks-and-balances tal como magistralmente concebido na Convenção
de Filadélfia, onde pela primeira vez se institucionalizou o sistema do
governo sob o qual vivemos há mais de um século.

E para concluir, deixa consignado o seguinte:

O juiz de primeiro grau pode sim, conduzir ação de improbidade contra


autoridades detentoras de prerrogativa de foro. Em consequência,
poderá aplicar todas as sanções previstas na Lei 8.429/1992, salvo uma:
não poderá decretar a perda do cargo político, do cargo estruturante à
organização do estado, pois isto configuraria um fator de
121

desestabilização político-institucional para a qual a lei de improbidade


186
administrativa não é vocacionada.

Nossa proposta passa ao largo da discussão jurídica colocada na


Reclamação nº 2138 à medida em que esta não tem interesse direto ao assunto tratado
neste trabalho. Todavia, tem o condão de aclarar a discussão que permeia os limites da
atuação do legislador na criação de penas a serem impostas pelo Tribunal de Contas.

De fato, na respeitável opinião do eminente Ministro existem sanções não


passíveis de serem aplicadas pelo magistrado de primeira instância, e, para nós, essa
reflexão também há de ser feita acerca das penalidades passíveis de serem aplicadas
pelo Tribunal de Contas no exercício da função controladora das atividades
administrativas do Estado.

Não se trata, em hipótese alguma, de amesquinhar a atividade do Tribunal


de Contas. Pelo contrário, seu papel dentro da estrutura do Estado é de inafastável
relevância e suas atribuições de fundamental interesse para a sociedade. Cumpre,
portanto, ressaltar sua importância e buscar respostas para o direcionamento de uma
correta e efetiva atuação.

Por óbvio que o exercício da competência punitiva, quando em conformidade


com os ditames constitucionais, confere seriedade ao órgão e efetividade às suas
decisões. Nesse contexto, embora estejamos nos referindo ao Tribunal de Contas,
consideramos que essa meta deve ser buscada por qualquer um dos Poderes do
Estado, que atualmente vivem crise seríssima de credibilidade e de legitimidade. Nesse
sentido, Manoel Gonçalves Ferreira Filho assevera que:

A crise de legitimidade que aponta no horizonte brasileiro decorre


basicamente de dois pontos. Um é a insatisfação generalizada com a
conduta do Estado; outro, com a dos governantes, os ‘políticos’. A
primeira resulta do imenso descompasso entre as promessas da
187
Constituição e sua concretização.

186
Reclamação nº 2138. DF. Relator Min. Nelson Jobim. Voto-vista do Ministro Joaquim Barbosa.
187
Constituição e governabilidade: ensaio sobre a (in)governabilidade brasileira. São Paulo: Saraiva, 1995, p. 89.
122

A aplicação das penalidades dentro dos contornos previstos na Constituição


Federal não só em relação às penalidades mas à atuação nos limites gizados pela
Carta Magna, concorre para fortalecer e dar credibilidade, conferindo maior legitimidade
à instituição.

Assim, estariam os limites direcionados à finalidade de suas próprias


atribuições. As penas mais severas, como o impedimento para ocupar cargos públicos
por determinados períodos, por exemplo, não nos parece se coadunarem com a
orientação constitucional, como aprofundaremos no item subseqüente.

Estabelecendo a Constituição que as penalidades deverão ser aplicadas em


decorrência de ilegalidade de despesa e de irregularidade de contas, deverá a lei voltar-
se a descrever as condutas de acordo com essas diretrizes.

Todavia, não há como negar que as hipóteses apontadas abarcam situações


muito amplas. Sabemos que por uma diversidade muito abrangente de motivos as
contas são rejeitadas, e igualmente, por inúmeras situações, despesas são
consideradas ilegais. E é por esta razão que consideramos que a lei que cria as
sanções deve igualmente prescrever as condutas a serem apenadas, de forma menos
vaga, menos imprecisa.

O ilustre Ministro Joaquim Barbosa, em outra interessante passagem de seu


já invocado voto, constatando as diferenças nas tipificações das duas leis discutidas, a
saber, a de improbidade administrativa e a de crimes de responsabilidade, trata do grau
de especificidade de conduta a ser exigido nas leis e explica, sobre a Lei nº 1.079/1950,
que:

(...) essa vagueza, essa aparente imprecisão, essa parcimônia descritiva


na tipificação, se explicam pela natureza eminentemente política do
processo de responsabilização dos agentes políticos que, não podemos
123

esquecer, é a versão local do impeachment do direito norte-americano


188
(...).

A Carta Política brasileira definiu que as sanções a serem aplicadas pelo


Tribunal de Contas no exercício de sua competência punitiva deverão estar
estabelecidas em lei, afastando-se assim, em sintonia com todo o sistema, a
possibilidade do estabelecimento de sanções através de ato infra-legal.

A competência para criar sanções foi reservada ao Poder Legislativo, sendo


matéria de reserva de lei, que, em sentido formal, qualifica-se como instrumento
constitucional de preservação da integridade de direitos e garantias fundamentais, de
modo que o princípio da reserva legal atua como expressiva limitação constitucional ao
poder do Estado, cuja competência regulamentar não se reveste de suficiente
idoneidade jurídica que lhe permita restringir direitos ou criar obrigações.

Caberá, portanto à Corte de Contas regulamentar sua aplicação, sem criar


novas obrigações ou restrições de direitos, sob pena de incidir em domínio
constitucionalmente reservado ao âmbito de atuação material de lei em sentido formal.
Caberá ainda à Corte de Contas a aplicação das sanções.

Delimitamos, portanto em dois aspectos a atuação do Tribunal de Contas no


exercício da competência sancionatória: regulamentar e aplicar as sanções previstas na
lei.

Ambos os aspectos comportam análise em relação aos limites estabelecidos


na Constituição, a serem observados pelo órgão de controle de contas. Trataremos da
competência regulamentar nesta oportunidade e remeteremos a relacionada ao ato
punitivo ao próximo capítulo.

Se é verdade que o ordenamento jurídico pátrio veda a criação de sanções


ou situações que restrinjam direitos e criem deveres através de ato infra-legal, há que

188
Reclamação nº 2138. DF. Relator Min. Nelson Jobim. Voto-vista do Ministro Joaquim Barbosa.
124

se perquirir quais são os contornos e limites materiais dos atos regulamentares


expedidos pelo Tribunal de Contas no exercício da competência sancionadora.

A questão colocada nesta oportunidade, retoma o debatido tema acerca das


exigências mínimas necessárias na descrição das condutas ilícitas e respectivas
sanções na lei.

Cumpre lembrar, a afirmação de que nosso sistema jurídico exige que a lei
minimamente descreva as condutas censuradas e respectivas sanções, de forma a
garantir a antecipada ciência dos indivíduos, e com isso resguardando em sua plenitude
o direito de defesa. Todo indivíduo deve ter a possibilidade de saber antecipadamente
se sua ação é punível ou não antes de praticá-la.

Podemos constatar que, nos casos das sanções aplicáveis pelo Tribunal de
Contas, tanto pelos contornos conferidos pela Constituição Federal, quanto pela
descrição das infrações na Lei Orgânica do TCU, a exemplo de grande parte das
normas que definem ilícitos administrativos, que a adequação do ilícito na maioria das
situações dependerá de outra norma – financeira, orçamentária, etc.

Trata-se de fórmula perfeitamente aceita, até mesmo na Espanha, onde a


Constituição exige expressamente a tipificação nos mesmos parâmetros do Direito
Penal, como já destacamos neste trabalho. 189 O fenômeno das normas que dependem
de outras para sua aplicação, também ocorre em âmbito penal, ainda que com menor
freqüência. Tratam-se das normas designadas pela doutrina, de normas penais em
branco.

189
Eduardo Rocha Dias cita Alejandro Nieto quando o jurista espanhol alerta para as diferenças e peculiaridades do
mandato de tipificação em sede de direito administrativo sancionador e em sede de direito penal: “ O Tribunal
Constitucional Espanhol, a propósito, na sentença 219/89, já considerou legítima a remição a outras leis para
complementação do tipo da infração: `No vulnera la exigencia de lex certa la remissión que el precepto que tipifica
lãs infraciones realice a otras normas que impongan deberes y obligaciones concretas de includible cumplimiento
de forma que su conculcación se asuma como elemento definidor de la infración sancionable misma, siempre que
sea asimismo previsible, com suficiente grado de certeza, la consecuencia punitiva derivada de aquel
incumplimiento o transgresión”. Os Tribunais de Contas e o sancionamento administrativo de licitantes e
contratados. p. 206
125

Como já consignamos anteriormente, num plano legal é quase impossível


que o legislador descreva todas as condutas passíveis de serem sancionadas,
sobretudo pela diversidade da atuação estatal, cujas sanções podem incidir em
decorrência de ilícitos fiscais, tributários, econômicos, de polícia, de trânsito,
atentatórios saúde pública, ou qualquer outro campo que comporte uma atuação
fiscalizadora e repressiva do Estado.

Assim, a norma estabelecedora de sanções administrativas, embora também


deva descrever os ilícitos aos quais corresponderão as sanções, poderá se utilizar de
cláusulas genéricas, afastando-se a necessidade de o legislador esgotar os conceitos
ou reduzir de forma radical a vagueza semântica, situação, inclusive, que poderia levar
a lei a ficar defasada da realidade social, que é extremamente dinâmica. Neste ponto, a
elasticidade conceitual cumpre importante papel de manter o texto atualizado, sem que
com isso se tolere arbitrariedades, porque o tipo sancionador deve conter grau mínimo
de certeza e previsibilidade acerca da conduta reprovada.

A dificuldade sempre residirá em verificar se, de fato, a descrição legal


cumpriu seu papel mínimo garantindo antecipadamente a ciência ao interessado, do
conteúdo do ato dado por censurável e sua consequência. Por obvio que nem todas as
normas “abertas” ou “elásticas” estarão aptas a cumprir a função inasfastável de
possibilitar essa identificação e, consequentemente, garantir em sua amplitude o direito
de defesa. Todavia, nessas situações incidirá o mecanismo de controle de
constitucionalidade da lei.

Defendemos que no plano infralegal, os regulamentos possuem papel


relevante no sentido de esclarecer, de descrever de forma mais detalhada, garantindo
desta forma, a ciência antecipada da conseqüência dos atos considerados ilícitos. Não
deverá o regulamento se limitar a estabelecer a gradação da pena, mas sim, deverá
também descrever as condutas ilícitas genericamente previstas na lei. Por óbvio esse
detalhamento não poderá criar tipo novo, tampouco sanção não prevista anteriormente
na lei. Além disso, não suprirá insuficiência legal. Se a lei de textura aberta não cumpriu
126

o mínimo exigido pelo Estado de Direito, não caberá ao regulamento suprir tal
deficiência.

As cláusulas gerais possibilitam a circunscrição em determinada hipótese


legal de uma variedade de situações cujas características específicas serão formadas
por via jurisprudencial e não legal, e, nas palavras de Fábio Medina Osório “(...) abrindo
possibilidade, também, em alguns casos, que os próprios efeitos sejam determinados
por decisões jurisprudenciais”. 190

Nesse sentido, defendemos que na competência sancionatória da Corte de


Contas está incluída a obrigação de, através de norma regulamentadora, criar efetivas
condições para a aplicação da norma legal sancionatória, descrevendo as condutas
genericamente previstas na lei como irregulares, ainda que não de forma exaustiva, em
disposição exemplificativa, a possibilitar que a compreensão da norma abranja outras
situações assemelhadas não catalogadas. Como já asseveramos, esta competência
deve se dar nos limites da lei, mas deve estar voltada, sobretudo, a minimizar a
generalidade desta, conferindo maior segurança aos indivíduos.

A lei também não deve abrir espaço para uma atuação administrativa
arbitrária. Há situações em que a própria lei estabelece as situações a serem
consideradas pelo aplicador para a caracterização da gravidade (circunstâncias
atenuantes ou agravantes), como, por exemplo, a reincidência, o prejuízo ou lesão ao
erário, a improbidade, a violação ao interesse público etc., de forma que o aplicador
deverá esclarecer os motivos ensejadores da imposição da penalidade, com base na
descrição legal, pois a processualização das decisões dentro do cânone da
razoabilidade é instrumento hábil a garantir o equilíbrio das relações entre a autoridade
e a liberdade.

Mas em outras oportunidades a lei é omissa. Segundo nosso entendimento,


não pode o legislador deixar ao critério do administrador, de forma absolutamente livre,

190
Direito Administrativo Sancionador. p. 272.
127

a decisão acerca da gravidade da infração e respectiva pena, mas deve estabelecer


contornos mínimos e seguros, conferindo parâmetros para a gradação segundo a
gravidade do ato, para que sejam evitadas arbitrariedades.

Nesta linha de raciocínio, diz Luciano Ferraz que:

(...) As hipóteses em que a regulamentação, por intermédio de atos


normativos, têm lugar se apresentam quando o texto da lei se mostra
insuficiente, incompleto, sendo necessário: a)desdobrar seu conteúdo
sintético; b) limitar a discricionariedade administrativa definindo regras
procedimentais para a Administração ou caracterizando fatos, situações
ou comportamentos enunciados na lei, mediante conceitos vagos, os
quais, para a exata definição, envolvam critérios técnicos (normas
administrativas em branco). 191

Não se trata de delegação de função legislativa porque não estaria o


legislativo abdicando de seu exercício, uma vez que a lei estabelece os limites, os
standards necessários para que se possa saber de antemão se o executor se
conformou ou não à orientação da lei. Há, portanto, parâmetros prévios de legalidade a
orientar o ato regulamentar.

O mesmo autor, em artigo dedicado a examinar a competência normativa do


Tribunal de Contas, assevera que: “as competências dos Tribunais de Contas
conquanto não possam ser mitigadas pela legislação infraconstitucional, podem ser
ampliadas por esta via”. Uma primeira leitura da afirmação pode levar ao entendimento
de que o autor considerou que a norma infraconstitucional pode ampliar as
competências dos Tribunais de Contas. Todavia, como não poderia deixar de ser, no
decorrer da leitura e contextualizada a frase, denota-se que o entendimento é no
sentido de que o legislador pode minudenciar as atribuições das Cortes de Contas para
que estas possam desempenhar melhor suas funções, no contexto em que afirma que:

(...) as leis orgânicas dos Tribunais de Contas, em geral prescrevem-lhes


atribuições genéricas para o exercício da parcela que lhes cabe no

191
Poder de Coerção e poder de sanção dos tribunais de contas: Competência normativa e devido processo legal.
Fórum Administrativo. Direito Público. Belo Horizonte: Fórum, ano 2, n. 14 p . 438/439
128

controle externo da Administração. Contudo, hipóteses há em que as leis


orgânicas não estabelecem minuciosamente todos os detalhes para que
a obrigação pública de prestar contas seja adimplida pelo responsável
(v.g. prazo, forma, rotinas). Quando isso acontece tem cabimento a
edição de um ato normativo subseqüente.

Assim, ressaltando que os limites dessa competência são dados pela lei, o
autor trata da competência normativa do Tribunal de Contas, no sentido de que seus
atos normativos podem estabelecer as situações concretas que dão lugar à obrigação
pública de prestar contas e acrescentamos que também poderão esclarecer em rol
exemplificativo, as situações passíveis de apenação. 192

Todavia, já é possível adiantar que, pela amplitude do conteúdo das fórmulas


adotadas pelo legislador constituinte, ilegalidade de despesa ou irregularidade de
contas, provavelmente a solução será remetida ao agente responsável pela aplicação
da penalidade, que deverá agir diante das peculiaridades do caso concreto, situação
que não exime a lei de conferir maior precisão e segurança aos indivíduos, a fim de que
a atuação do aplicador da pena não encontre abrangência extrema dando espaço a
arbitrariedades.

O papel do intérprete na aplicação da sanção será objeto de capítulo


específico, mas nesta oportunidade, diante da constatação que fizemos, cumpre
destacar sua responsabilidade, e nesse aspecto invocamos alerta de Eros Grau, no
seguinte sentido:

(...) os textos normativos carecem de interpretação não apenas por não


serem unívocos ou evidentes – isto é, por serem destituídos de clareza -
mas sim porque devem ser aplicados a casos concretos, reais ou
fictícios (Muller). Quando um professor discorre, em sala de aula, sobre
a interpretação de um texto normativo sempre o faz – ainda que não se
dê conta disso – supondo a sua aplicação a um caso, real ou fictício. O
fato é que a norma é construída, pelo intérprete, no decorrer do

192
Poder de coerção e poder de sanção dos tribunais de contas: competência normativa e devido processo legal.
Revista Diálogo Jurídico. nº 13. Salvador: CAJ – Centro de Atualização Jurídica, Abril-Maio de 2002. Disponível
em: http://www.direitopublico.com.br, acesso em agosto de 2007.
129

processo de concretização do direito. O texto, preceito jurídico, é, como


193
diz Friedrich Muller, matéria que precisa ser “trabalhada”.

Daí a relevância da detida análise da situação concreta, papel que só pode


ser desempenhado pelo aplicador da lei.

No próximo item, indicaremos de forma exemplificativa algumas situações da


lei orgânica do Tribunal de Contas da União e de seu regimento interno, onde teremos
oportunidade de demonstrar de forma mais clara esta proposta os aspectos apontados
neste item.

3.1. As multas

Conferiremos, em face do dispositivo constitucional que outorga a


competência sancionadora (inciso VIII do artigo 71), especial atenção às multas, não só
pelo fato de ser a modalidade mais comum de punição, como observa o ilustre
professor Celso Antônio Bandeira de Mello 194, mas porque uma primeira compreensão
do dispositivo constitucional nos leva a entender que a pena de multa só poderia ser
aplicada em razão da ocorrência de efetivo dano ao erário.

Pretendeu o legislador constituinte afastar a previsão de pena de multa


diante da ausência de dano ao erário ou, ao contrário, além da possibilidade do
estabelecimento de multa, mesmo na ausência de dano, também pretendeu garantir a
previsão legal de multa proporcional ao dano limitando essa proporcionalidade ao valor
máximo do dano apurado?

Antes da análise do dispositivo constitucional, consideramos adequada uma


breve explanação sobre a multa, enquanto modalidade sancionatória largamente
utilizada no âmbito administrativo, mas também no penal e civil.

193
Ensaio e discurso sobre a interpretação/aplicação do direito. São Paulo: Malheiros, p.19.
194
Curso de direito administrativo. p. 828.
130

A doutrina costuma conferir naturezas diversificadas a essa modalidade de


sanção, conforme prevista na lei, podendo se revestir de caráter coercitivo ou de
reparação civil. Seguindo essa linha, Oswaldo Aranha Bandeira de Mello, em sua
sempre atual obra “Princípios gerais do direito administrativo”, ensina que: “se
coercitiva, visa a forçar, ante a intimidação da sua aplicação, torne o infrator a
desobedecer às determinações ordinatórias de serviço ou legais. Se de composição de
prejuízos, objetiva simplesmente compensar o dano presumido pela infração
cometida”. 195

Luciano Ferraz denomina de multa-coerção aquela destinada a obrigar o


indivíduo a observar o cumprimento das obrigações impostas por lei e de multa-sanção
aquelas voltadas à punição dos infratores, possuindo caráter reparador. 196

O dispositivo constitucional consubstanciado no inciso VIII do artigo 71 da


Carta Magna, fez referência expressa à multa, utilizando-se da expressão “multa
proporcional ao dano causado ao erário”. As noções universais das palavras são
apenas um vetor a ser seguido na busca do conteúdo da norma, uma vez que não
podemos nos conduzir apenas por elas, mas é preciso buscar o tratamento que lhes é
conferido pelo ordenamento jurídico. Assim, para o Direito, o dano geralmente é
considerado em decorrência da violação de um direito que cause prejuízo a terceiros.
Todavia o prejuízo não está adstrito à dimensão material, mas abrange também a moral
e outros direitos intangíveis. Trata-se, portanto, de conceito jurídico bastante
abrangente.

No caso, pelo conteúdo das expressões utilizadas, concluímos que há estrita


ligação com o dano em seu aspecto monetário, de forma que parece não restar
qualquer dúvida quanto ao conteúdo pecuniário estabelecido pelo legislador na parte
final do dispositivo, ao fazer referência à “multa proporcional ao dano causado ao

195
Princípios gerais de direito administrativo, p. 562.
196
Poder de coerção e poder de sanção dos tribunais de contas: competência normativa e devido processo legal.
p.439.
131

erário”. O legislador deverá estabelecer multa a ser aplicada na proporcionalidade do


dano apurado.

Mas o dispositivo constitucional delegou para o legislador infra- constitucional


a previsão para o estabelecimento das sanções, prescrevendo que a lei deverá, entre
outras cominações, estabelecer a multa proporcional ao dano causado ao erário.

O texto comporta interpretações divergentes pelo menos em dois aspectos, a


saber: no que se refere à possibilidade de o legislador infra-legal criar a pena de multa
quando não há dano ao erário e quanto à possibilidade da previsão de sanções,
inclusive a multa, aplicáveis a atos não relacionados com a ilegalidade de despesas e
irregularidade de contas. Como veremos seriam atos relacionados ao comportamento
dos agentes controlados em face de determinações e atuação do Tribunal de Contas no
exercício da atividade controladora, como por exemplo, o não atendimento de
determinação no prazo estabelecido, sonegação de documentos e outras.

Reside a dúvida na fórmula utilizada. Cumpre transcrevê-la novamente, para


facilitar a visualização e compreensão. Reza o inciso VIII do artigo 71 da Carta Magna
que compete ao Tribunal de Contas “aplicar aos responsáveis, em caso de ilegalidade
de despesa ou irregularidade de contas, as sanções previstas em lei, que
estabelecerá, entre outras cominações, multa proporcional ao dano causado ao
erário.”(destaques nossos).

Por qual razão não se limitou o legislador constituinte em remeter


genericamente a competência para o legislador infra-constitucional para estabelecer
sanções, optando por consignar que as mesmas devem ser aplicadas em face da
existência de ilegalidade de despesa ou irregularidade de contas. Optou ainda por fazer
referência expressa às multas, que deverão ser proporcionais ao dano causado ao
erário. Em não havendo dano não incidiria a pena de multa, mas apenas outras
cominações previstas na lei? Dessas outras cominações estaria excluída a
132

possibilidade do estabelecimento de multa, que somente seria viável diante da


existência de efetivo dano?

Régis Fernandes de Oliveira, sobre o inciso VIII do artigo 71, diz que o
legislador outorgou um feixe de competências ao próprio Tribunal de Contas no tocante
à aplicação de sanções, alertando, pelo texto do dispositivo, o seguinte:

(...) Então, temos, primeiro, que ter uma lei; segundo, estabelecer quais
as sanções previstas em lei; terceiro,havendo a ilegalidade deve haver
a imposição dessa sanção, é um dever do administrador público tão
logo detecte uma ilegalidade, necessariamente, estabeleça multa
proporcional ao dano causado ao erário. 197 (destaque nosso)

Jorge Ulisses Jacoby Fernandes considerando que tradicionalmente as Leis


Orgânicas dos Tribunais de Contas prevêem a aplicação de multas, observou que
ocorreu certa confusão por ocasião do advento da Carta de 1988, que teria limitado a
aplicação de multa aos casos de ilegalidade com dano ao erário. Todavia, afasta essa
interpretação, defendendo que basta a ocorrência de grave infração à ordem moral para
a incidência da multa. Aparentemente, não é o que se extrai do Texto Constitucional.

Consideramos que os raros comentários existentes acerca do conteúdo do


dispositivo constitucional são insuficientes para espancar as dúvidas suscitadas. O fato
de existir uma prática reiterada, uma tradição na aplicação da pena de multa pelo
Tribunal de Contas não justifica a possibilidade de sua permanência, se inexistir
adequação ao Texto Constitucional. Ora, se concluirmos que a interpretação adequada
é no sentido de que o legislador constituinte pretendeu que fosse prevista a pena de
multa apenas em situações em que haja dano, a tradição deve ser interrompida com a
imediata adequação da lei à Constituição.

O problema da multa está relacionado ao teor do dispositivo constitucional e


deve ser solucionado através de métodos interpretativos do Texto. O primeiro vetor a

197
Fiscalização financeira e orçamentária. p. 219
133

ser observado é o de que as normas restritivas de direitos, em geral, devem ser


interpretadas literalmente.

Todavia, a expressão literal da lei nem sempre esgota a sua total


compreensão. O conteúdo real da norma pode ter menor ou maior alcance que a sua
literalidade, mas em certos setores do Direito, não se permite que a lei tenha alcance
maior do que o expressado em sua literalidade, e sujeitam-se a esse regime restritivo
as normas que instituem sanções e outras limitações à liberdade do cidadão.

A Inteligência da lei é única e deve se compor dos vários métodos


disponíveis, que deverão se entrosar estabelecendo o alcance do preceito legal. Para
perscrutar o aspecto escrito da norma, o exegeta lança mão do método literal e, para
traduzir seus elementos intrínsecos, utiliza o método lógico.

Segundo José Armando da Costa “(...) o método literal trabalha com os


elementos gramatical, lingüístico e verbal. E o lógico, com os elementos racional,
sistemático e histórico”. Acrescenta ainda que “(...) Toda e qualquer lei se preordena a
cumprir finalidade de ordem prática. É o que se chama de ratio legis (razão da lei), a
qual não se confunde com a ocasio legis, que é o momento histórico condicionador da
decisão política que redundou na elaboração da lei” 198

Luís Roberto Barroso ensina que:

O intérprete da Constituição deve partir da premissa de que todas as


palavras do texto Constitucional têm uma função e um sentido próprios.
Não há palavras supérfluas na Constituição, nem se deve partir do
pressuposto de que o constituinte incorreu em contradição ou obrou
com má técnica. Idealmente, ademais, deve o constituinte, na medida
do possível, empregar as palavras com o mesmo sentido sempre que
tenha que repeti-las em mais de uma passagem. De toda sorte, a
eventual equivocidade do Texto deve ser remediada com a busca do
espírito da norma e o recurso aos outros métodos de interpretação
(...) 199

198
Interpretação e integração das normas processuais disciplinares. p.20
199
Interpretação e aplicação da constituição. p. 130- 131.
134

No intuito de justificar a possibilidade da aplicação da pena de multa,


desvinculada da existência de dano, Jorge Ulisses Jacoby Fernandes aponta como
requisitos legais para a aplicação da pena de multa: a) ilegalidade do ato (violação de
ordem legal); b) despesa ou irregularidade de contas (situação em que esclarece, que o
fato gerador deve estar ligado a despesa ou contas, não devendo incidir multa, por
exemplo em situação de condescendência, onde a autoridade deixa de punir
disciplinarmente um servidor; c) previsão em lei; d) limite máximo, que não pode
ultrapassar o valor do dano, conforme fixado na Constituição; e) ampla defesa e
contraditório. 200

É de se notar que a postura adotada, ao mesmo tempo que defende a


possibilidade da aplicação de multa independentemente da ocorrência de efetivo dano
ao erário, também estabelece que o fato gerador deve estar relacionado a despesa ou
contas, o que parece bastante sensato, considerando-se que a Constituição submeteu
a aplicação de penalidades à existência de duas situações condicionantes, ilegalidade
de despesa e irregularidade de contas.

O jurista agrega ainda ao raciocínio, que o legislador constituinte fixou o


limite máximo para a multa em caso de lesão, que não poderá ultrapassar o valor do
dano, interpretação que parece conferir à parte final do dispositivo o sentido de que o
legislador pretendeu que, em ocorrendo dano, a multa, que a ele deve ser proporcional,
não poderá ultrapassar o seu valor.

A discussão não é meramente acadêmica. Ao contrário, é árdua na medida


em que o Tribunal de Contas, como veremos, conferiu clara ênfase à multa,
estabelecendo sua aplicação para sancionar parte significativa dos atos estabelecidos
na lei orgânica como ilícitos.

200
FERNANDES, Jorge Ulisses Jacoby. Multas aplicadas pelos Tribunais de Contas: Limites do poder punitivo
pecuniário e devido processo legal.p.1432- 1433.
135

Há que se perquirir se a Lei Orgânica da Corte de Contas poderia prever a


pena de multa em situações em que não se constata a existência de dano ao erário,
mas apenas outras modalidades de sanções e, ainda, se seria possível a instituição de
pena de multa para situações que não estejam relacionadas a “irregularidade de contas
ou ilegalidade de despesas”, vetores estabelecidos na Carta Magna para a instituição
de sanções de qualquer natureza a serem aplicadas pela Corte de Contas.

Acreditamos que o argumento razoável para defender a possibilidade de


aplicação da pena de multa independentemente da existência de dano ao erário seria o
de que as competências conferidas ao desempenho da função controladora foram
muito ampliadas e já não estão mais voltadas apenas às questões financeiras e
orçamentárias de forma estrita, embora sempre estejam vinculadas e estes vetores.
Além disso, o dispositivo parece estabelecer que o legislador constituinte quis garantir a
previsão legal de multa na proporcionalidade do dano, onde buscou limitar seu valor
máximo, sem, todavia, excluir a viabilidade da criação de multas para outras situações.

No próximo item estamos nos propondo a examinar algumas penas de


natureza diversa das multas estabelecidas na Lei Orgânica do Tribunal de Contas da
União. Os dispositivos relacionados às multas serão abordados nesta oportunidade,
considerando-se os questionamentos e ponderações lançados acima.

A Lei Federal nº 8.443 de 16 de julho de 1992 - Lei Orgânica do Tribunal de


Contas da União - dispõe sobre sanções no capítulo V, que é constituído por seis
artigos, subdivididos em duas seções.

A primeira seção estabelece genericamente no artigo 56 que o Tribunal de


Contas da União poderá aplicar aos administradores ou responsáveis, na forma
prevista na lei e seu regimento interno, as sanções previstas naquele capítulo. A seção
II, dedicada às multas, prevê no artigo 57 sua aplicação diante da constatação de
débito, na proporcionalidade de até cem por cento do dano causado ao erário, estando
em plena consonância com o disposto na Constituição Federal, pelo menos, no que diz
136

respeito à existência de lesão ao erário. Trata-se da denominada pela doutrina, multa-


sanção, ressarcitória ou reparatória.

O artigo subseqüente, prevê a possibilidade da aplicação de multa no valor


de R$ 42.000.000,00 (quarenta e dois milhões de cruzeiros), desvinculada, portanto, da
existência de efetivo dano ao erário, a ser aplicada nas várias infrações elencadas em
seus sete incisos, que tratam desde contas julgadas irregulares de que não resulte
débito, até o não atendimento no prazo fixado e sem justificativa, de diligência ou
201
decisão do Tribunal.

Percebe-se, portanto, que a Lei Orgânica do Tribunal de Contas da União


previu a aplicação de pena de multa em face da existência de dano ao erário, quando
com ele deverá guardar proporcionalidade, mas também previu a incidência da pena de
multa para situações em que o dano não esteja presente – caso do artigo 58, inciso I –
contas julgadas irregulares de que não resulte débito. E mais, previu a aplicação de
multa para situações que não cuidam sequer de irregularidade de contas ou ilegalidade
de despesas – situações dos incisos IV a VII e parágrafo 1º.

Tratam-se das multas denominadas pela doutrina de multa-coerção, uma vez


que claramente voltadas a cumprir uma função intimidadora, na medida em que buscam
dar efetividade às determinações expedidas pela Corte de Contas, fazendo com que os
responsáveis sejam compelidos a cumpri-las. Poderia a lei estabelecer esta modalidade
de multa? Inquestionável que são de elevada relevância para a eficácia da função
controladora.

Primeiro cumpre reafirmar que a Lei Orgânica do Tribunal de Contas da


União conferiu clara ênfase às multas, na medida em que dedicou seção específica a

201
As infrações descritas são as seguintes: Inciso I - contas julgadas irregulares de que não resulte débito, nos termos
do parágrafo único do artigo 19 desta lei; Inciso II – ato praticado com grave infração à norma legal ou regulamentar
de natureza contábil, financeira, orçamentária, operacional e patrimonial; Inciso III – ato de gestão ilegítimo ou
antieconômico de que resulte injustificado dano ao erário, Inciso IV – não atendimento, no prazo fixado, sem causa
justificada, a diligência do relator ou a decisão do Tribunal; Inciso V – obstrução do livre exercício das inspeções e
auditorias determinadas; Inciso VI- sonegação de processo, documento ou informação, em inspeções ou auditorias
realizadas pelo tribunal; VII – reincidência no descumprimento de determinação do Tribunal.
137

elas. Quatro dos seis artigos que compõem o capítulo das sanções são relacionados às
penas de multa. As demais sanções estão previstas nos artigos 60 e 61, sendo que a
prevista no artigo 61, não deve ser classificada como sanção, sendo verdadeira medida
acautelatória (solicitação pelo Ministério Público para que a Advocacia Geral da União
adote medidas para arrestar bens dos responsáveis em débito).

Não vemos como de fácil solução as questões aventadas e também


consideramos que não podem ser solucionadas pela via da tradição. Não importa se o
Tribunal de Contas historicamente aplica pena de multa para situações que não
resultem em dano ao erário e ainda, para situações desvinculadas dos vetores
constitucionais “ilegalidade de despesa ou irregularidade de contas”.

Compreendemos a posição adotada por aqueles que defendem a


possibilidade da previsão de multa para tais situações, por serem a multas-coerção
penalidades que cumprem perfeitamente o papel de conferir eficácia às decisões e
determinações exaradas no exercício da função de controle.

Todavia, não vislumbramos autorização constitucional para a previsão de


sanções de qualquer natureza, desvinculadas ou que não decorram de atos que
tenham resultado em ilegalidade de despesa ou irregularidade de contas, exatamente
porque o legislador constituinte estabeleceu que competirá ao Tribunal de Contas
“aplicar aos responsáveis, em caso de ilegalidade de despesa ou irregularidade de
contas, as sanções previstas em lei...” Ora, parece que a lei somente poderá
estabelecer sanções para as situações que tenham dado causa às situações
especificadas na Carta Magna.

A função controladora, como já afirmamos, não se confunde com a função


administrativa, no exercício da qual a Administração Pública aplica sanções
administrativas visando compelir os indivíduos a observarem as leis e regulamentos que
estabelecem limites à liberdade e propriedade, com o propósito de organizar a vida em
138

sociedade. É função específica, cujos contornos estão traçados na Constituição Federal


que confere a competência sancionatória a ser exercida nos limites traçados.

Concordamos que tal entendimento levará inexoravelmente a criticas no


sentido de que referidas sanções – as estabelecidas na lei em desacordo com os
vetores constitucionais - concorrem para dar eficácia às determinações do Tribunal de
Contas, sobretudo as relacionadas a atraso na resposta de diligências, obstrução de
auditorias e inspeções, sonegação de processo, reincidência no descumprimento de
ordens do Tribunal de Contas, não cumprimento de decisões, mas nem por isso
podemos considerar que houve autorização constitucional para sua previsão.

Mas cumpre também perquirir se estaria a eficácia das ações do Tribunal de


Contas comprometida pelo fato de não poderem ser aplicadas multas ou outro tipo de
sanção quando inexistente situação de irregularidade de contas ou ilegalidade de
despesa. Afinal não são estes os bens protegidos pela ação fiscalizatória? Os estatutos
dos servidores públicos e as leis que regulam a atuação dos agentes políticos contém
inúmeras penalidades a serem aplicadas para agentes públicos desidiosos, de modo
que o Tribunal de Contas pode requerer a instauração de procedimento para apuração
dessas condutas em face do desatendimento ou obstrução de sua ação. A sanção seria
aplicada no âmbito do órgão controlado, porque atinente a comportamento relacionado
com o desempenho funcional dos agentes públicos, e não à função de controle externo
exercida pelo Tribunal de Contas.

Com isso queremos demonstrar que existem mecanismos de punição dos


agentes responsáveis e embora reconheçamos que tal entendimento possa dificultar a
eficácia das determinações da Corte de Contas, tendemos a concordar com Jorge
Ulisses Jacoby no sentido de que o fato gerador da sanção deve estar relacionado a
despesa ou contas, pois assim prescreve a Constituição. Nesse sentido, as
denominadas penas-coercitivas estariam vedadas à Corte de Contas, quando
desvinculadas da irregularidade de contas e de despesas ilegais. Ao contrário, se com
tais vetores relacionados, seriam plenamente cabíveis.
139

Concluímos, portanto, que algumas das multas previstas na Lei Orgânica do


Tribunal de Contas da União não estão em conformidade com o Texto Constitucional.
São aquelas previstas nos incisos IV a VIII e § 1º do artigo 58 do diploma legal
mencionado.

Todavia, este não foi o entendimento esposado pelo Supremo Tribunal


Federal no Recurso Especial interposto pelo Estado de Santa Catarina na ação direta
de inconstitucionalidade que visava à declaração de inconstitucionalidade de
dispositivos da Lei Orgânica do Tribunal de Contas daquele Estado, que prescrevem a
aplicação de pena de multa em situações idênticas às estabelecidas na Lei Orgânica do
Tribunal de Contas da União. 202

Nesta ação, o Tribunal de Justiça do Estado de Santa Catarina acatou parte


da pretensão e julgou inconstitucional os vários dispositivos da lei que guardam
redação correspondente à dos artigos 57 e 58 da Lei Federal nº 8.443/92 (LOTCU),
considerando que as multas devem guardar proporcionalidade com o dano e ainda
deverão estar vinculadas às expressões “ilegalidade de despesas” e “irregularidade de
contas”.

Entretanto, o Supremo Tribunal Federal, reviu a decisão para desvincular a


aplicação de multa das expressões ilegalidade de despesa e irregularidade de contas,
vislumbrando a existência de autorização legislativa em toda a sua plenitude.
Considerou ainda que a expressão irregularidade de contas abriga os comportamentos
enumerados pelas leis organizativas dos Tribunais de Contas, argumentando ainda que
várias das unidades federadas adotaram o padrão da Lei Federal nº 8443/92.

Com o respeito devido a mais alta Corte do país, alguns argumentos


invocados no acórdão parecem insustentáveis. Não vislumbramos como a expressão
“irregularidade de contas", possa abarcar as situações estabelecidas nos incisos IV a

202
RE nº 190.985- Santa Catarina. Relator Min. Néri da Silveira. 14/02/1996. DJ 24/08/2001
140

VII do artigo 58 da Lei Orgânica do Tribunal de Contas da União. Não são situações
relacionadas às condutas dos agentes enquanto gestores que praticam atos passíveis
de gerar a irregularidades nas contas, mas de descumprimento de determinações que,
embora visem a consecução da função controladora, não tem como fato gerador a
irregularidade das contas. Seriam em sua generalidade comportamentos irregulares no
âmbito funcional.

Dentre os vários argumentos utilizados na decisão, podemos citar aquele


que considera aplicável a multa porque possui grau de severidade bem mais brando do
que aquelas penalidades impostas outrora, cuja situação poderia até dar ensejo à pena
de detenção. Além disso também foi considerado que a sanção, através de multas, já
era prática cometida ao Tribunal de Contas antes da vigência da Constituição Federal
de 1988.

Outro argumento merecedor de citação (porque, em nosso entender, é


incompreensível, está na seguinte passagem do voto do Ministro Relator Néri da
Silveira: “(...) Então, se a lei é o meio legítimo para assegurar ao Tribunal de Contas
afastar os obstáculos que se interpuserem em seu caminho, como pode ser ela taxada
de inconstitucional?” Acreditamos que o fato da lei ser o meio idôneo e legítimo de
assegurar a imposição de sanções pelo Tribunal de Contas, não pode levar a conclusão
de que será a mesma incontestavelmente constitucional, sejam quais forem suas
previsões. Se o legislador sempre atuasse de maneira ideal, jamais haveria
necessidade de subordinar a compreensão da lei à Constituição.

Portanto, não consideramos juridicamente hábeis e sustentáveis, embora


invocados pelo órgão maior da pirâmide jurisdicional, no precedente citado, os
argumentos utilizados para a defesa da constitucionalidade das multas-coerção, dentre
os quais, repetimos, estão a prática reiterada pelo Tribunal de Contas nesse sentido, a
menor severidade das penas em relação ao passado, bem como que a expressão
irregularidade de contas abrange as situações descritas nos incisos atinentes às
141

condutas dos gestores relacionadas ao cumprimento de obrigações e determinações


que dizem respeito ao procedimento fiscalizatório.

Acreditamos juridicamente relevante o argumento no sentido de que as


multas-coerção são importantes para conferir eficácia à atuação da Corte de Contas,
pois os agentes não podem ser relapsos demonstrando descaso, desatendendo as
determinações ou dificultando o exercício das inspeções. Contudo, como já afirmamos,
não vislumbramos no Texto Constitucional autorização para a criação de tais
penalidades, desvinculadas dos vetores estabelecidos: irregularidade de contas e
ilegalidade de despesa.

4. Análise jurídica crítica da legislação infra-constitucional que disciplina as


sanções administrativas aplicáveis pelo Tribunal de Contas.

Não temos por pretensão a realização de análise detalhada de todas as


sanções estabelecidas na Lei Orgânica do Tribunal de Contas da União, mas apenas a
de destacar algumas situações que aparentemente destoam dos parâmetros e
diretrizes estabelecidos na Constituição Federal, além de tecer breve comentário acerca
do tratamento, para nós ainda deficiente, conferido pelo legislador às sanções, que, por
vezes, revelam preocupação ainda bastante tímida em relação ao tema, gerando a
necessidade de maior reflexão em face do conteúdo do instituto e das diretrizes
estabelecidas no Texto Constitucional, já tratadas em várias passagens deste trabalho.

Na referida lei, além das multas, há ainda a previsão de sanções nos artigos
60 e 61, que, apesar de inseridas na seção que trata das multas, dispõem sobre duas
outras modalidades de sanções, a saber: inabilitação pelo período de cinco a oito anos
para o exercício de cargo em comissão ou função de confiança no âmbito da
Administração Pública, caso a maioria do Plenário considere grave a infração cometida;
bem como a possibilidade de solicitação, por intermédio do Ministério Público à
Advocacia Geral da União, das medidas necessárias ao arresto de bens dos
responsáveis julgados em débito, devendo ser ouvido quanto à liberação dos bens
142

arrestados e sua restituição. Como já nos manifestamos anteriormente, não nos parece
que a solicitação do arresto de bens possa ser caracterizada como sanção, possuindo
natureza que mais se aproxima de medida cautelar.

No corpo da lei existem ainda outras referências às sanções, que não estão
inseridas no capítulo próprio mas na seção destinada à fiscalização dos atos e
contratos, constantes do capítulo que trata da fiscalização a cargo do Tribunal de
Contas. São elas: a possibilidade prevista no artigo 46, de a Corte de Contas declarar a
inidoneidade de licitante, quando comprovada fraude à licitação, para participar, por até
cinco anos, de licitação da Administração Pública Federal e o estabelecimento da
responsabilidade solidária, previsto no § 1º do artigo 44 à autoridade superior
competente que não afastar o responsável no prazo determinado, nos termos
estabelecidos no caput do dispositivo.

Destacaremos, para maior reflexão as medidas cautelares, ainda que não


possuam natureza sancionatória. O artigo 44, autoriza no curso de qualquer apuração,
o afastamento cautelar temporário do responsável diante da existência de indícios
suficientes de que, prosseguindo no exercício de suas funções, possa retardar ou
dificultar a realização de auditoria ou inspeção, causar novos danos ao erário e
inviabilizar o seu ressarcimento, bem como a decretação da indisponibilidade de bens
do responsável por prazo não superior a um ano, independentemente das medidas
previstas nos artigos 60 e 61 da lei.

Explicamos o motivo do destaque dessas medidas cautelares. É que, na


verdade o assunto merece reflexão por muito se assemelharem às sanções, sobretudo
o estabelecimento de solidariedade à autoridade, mas também porque na prática, como
veremos, são aplicadas com nítido caráter sancionatório.

O Regimento Interno, aprovado pela Resolução nº 155 de 04 de dezembro de


2002 trata das sanções no Título VII, estabelecendo no capítulo II a gradação das
multas considerando o valor máximo fixado na lei. No capítulo III denominado “outras
143

sanções” disciplina o procedimento para a aplicação da pena de inabilitação para o


cargo ou função prevista no artigo 60 da Lei 8.443/92 e faz referência à pena de
declaração de inidoneidade, nos mesmo termos da lei.

No título subseqüente cuida das medidas cautelares, na forma estabelecida


no artigo 44 da Lei 8.443/92.

Este é o quadro geral dos dispositivos que tratam das sanções


administrativas aplicáveis pelo Tribunal de Contas da União.

A referida lei pode ser considerada dentre aquelas que a doutrina denomina
de “aberta” ou “elástica”, na medida em que descreveu parte significativa dos ilícitos de
forma ampla e imprecisa, e a mesma amplitude e imprecisão ocorreu em relação ao
estabelecimento das sanções correspondentes.

A lei remete a gradação para o regimento interno, que a estabelece nos


vários incisos do artigo 268, delimitando os valores a cada uma das condutas
censuráveis arroladas na lei. Tais valores são delimitados em percentuais que variam
para cada situação.

Já nos posicionamos anteriormente no sentido de que os regulamentos


devem cumprir o relevante papel na disciplina infra-legal das sanções administrativas,
sobretudo, no sentido de esclarecer, explicitar, exemplificar, conferindo maior
segurança no que diz respeito ao ilícito genericamente previsto na lei e à pena
correspondente. A gradação da pena de multa cumpre esse relevante papel, desde que
a lei não tenha previsto a possibilidade de variação entre valores com diferenças
exorbitantes. Essa gradação delimita o âmbito de atuação subjetiva do julgador e
confere segurança na medida em que norma geral e abstrata estará estabelecendo
critérios e parâmetros de forma isonômica, o que reduz a margem de arbítrio.
144

Por essa razão, acreditamos que o regimento interno teria por função, além
de estabelecer a gradação da pena de multa, descrever as condutas consideradas
censuráveis de forma a facilitar a visualização dos atos ilícitos. Explicamos: se a lei
estabelece que será aplicada a sanção de multa que variará de acordo com os valores
fixados, diante de contas julgadas irregulares, cumprirá ao regulamento explicitar ainda
que de forma exemplificativa as situações ensejadoras de julgamento pela
irregularidade de contas.

Mas o que se constata é que a Constituição se refere, por exemplo, a


irregularidade de despesas, e a lei descreve como ilícito o ato praticado com grave
infração à norma legal ou regulamentar de natureza contábil, financeira, orçamentária,
operacional e patrimonial. Ora, são infindáveis as normas e regulamentos a serem
observados, gerando enorme dificuldade na identificação da conduta que
eventualmente poderá vir a ser punida. Ao regulamento competirá estabelecer um rol
das situações que normalmente dão ensejo ao julgamento, por exemplo por
irregularidade de despesas. Pode decorrer de um contrato irregular, de irregularidade
em adiantamento e etc. São irregularidades que comportam graus extremamente
diferenciados de gravidade, de forma que a gradação da pena também deverá se dar
em face das situações arroladas. Outras, não previstas, mas assemelhadas, desde que
passíveis de serem inseridas no tipo estabelecido na norma, encontrarão parâmetros
mais seguros para serem aplicadas. Consideramos que se trata de inestimável
contribuição a ser conferida pelo regulamento em matéria de sanção administrativa.

Cremos que as dificuldades do legislador em descrever todas as


possibilidades de condutas ilícitas podem e devem ser atenuadas no âmbito
regulamentar, porque a autoridade que aplica as penas, pela especialidade da matéria
possui maiores condições de estabelecer um rol exemplificativo, com base nos
precedentes, guardados os limites estabelecidos na lei.

Com tais considerações, não podemos concluir que o Regimento Interno do


Tribunal de Contas da União desempenhou esse desiderato, uma vez que se limitou a
145

repetir as disposições da lei com a indicação da gradação em relação aos incisos que
descreveram os ilícitos. Apenas de forma exemplificativa citaremos algumas das
situações:

O artigo 267 do regimento interno regulamenta a multa estabelecida no


artigo 57 da Lei nº 8.443/92 que assim dispõe: “Quando o responsável for julgado em
débito, poderá ainda o Tribunal aplicar-lhe multa de até cem por cento do valor
atualizado do dano causado ao erário.” Reza o artigo 267 do regimento: “ Quando o
responsável for julgado em débito, poderá ainda o Tribunal aplicar-lhe multa de até cem
por cento do valor atualizado do dano causado ao erário, conforme estabelecido no
artigo 57 da Lei nº 8.443, de 1992”.

O regimento repetiu a disposição genérica da lei, sem introduzir nenhum


elemento acerca da descrição da conduta, não contribuindo para aumentar a segurança
ao indivíduo, além daquilo já dito na lei, no sentido de que, por qualquer ato de que
resulte débito, poderá ser multado em valor até cem por cento do dano apurado. Não
há qualquer referência à gravidade do ato, reincidência ou elementos capazes de
orientar a decisão do julgador. É de se notar que o regimento não estabelece gradação
para tipos de atos que resultem em débito.

A gradação vem apenas em relação à regulamentação do artigo 58 da lei,


que fixa valor de multa nas situações genéricas dos seus sete incisos. Mas também
nessa situação, limita-se a repetir os ilícitos genericamente descritos na lei, tais como
“contas julgadas irregulares sem débito”, mas com a ocorrência de uma das situações
estabelecidas no três primeiros incisos do artigo 58 da lei orgânica. São eles: “ato
praticado com grave infração a norma legal ou regulamentar de natureza contábil,
financeira, orçamentária, operacional ou patrimonial, e atos de gestão ilegítimo ou
antieconômico de que resulte injustificado dano ao erário”, estes agrupados em uma
situação única de gradação, entre cinco e cem por cento do valor da multa estabelecido
na lei.
146

A estabelece em seu artigo 16, inciso III, as situações em que as contas


serão julgadas irregulares. São elas: a) omissão do dever de prestar contas; b) prática
de ato de gestão ilegal, ilegítimo, antieconômico, ou infração à norma legal ou
regulamentar de natureza contábil, financeira, orçamentária, operacional ou patrimonial;
c) dano ao erário decorrente de ato de gestão ilegítimo ou antieconômico; desfalque ou
desvio de dinheiros, bens ou valores públicos. Há ainda no § 1º do mesmo dispositivo a
hipótese de reincidência no descumprimento de determinação de que o responsável
tenha tido ciência, feita em processo de tomada ou prestação de contas.

É certo que algumas delas são objetivas e dispensam descrição mais


detalhada da conduta, mas outras, como ato de gestão ilegítimo ou infração genérica à
norma contábil, orçamentária, operacional ou patrimonial, são de amplitude tal que
exigem maior detalhamento no regimento interno e não mera repetição dos ilícitos
genericamente descritos na lei.

Ora, se admitimos que a lei pode, dentro dos limites já tratados neste
trabalho, estabelecer as sanções e descrever as condutas de forma genérica, o
regimento deverá proporcionar a identificação da conduta considerada como ilegal. Não
pode criar situação nova, mas pode e deve descrever, por exemplo, o que será
considerado como ato de gestão ilegítimo para fins de aplicação das sanções previstas
na lei, ainda que de forma exemplificativa.

Sabemos, que o administrador está cercado dos limites decorrentes do


regime de direito administrativo e alguns do regime penal para aplicar sanções, mas a
margem de sua atuação não deve ser tão ampla, cabendo aos atos normativos delineá-
la, sob pena de assim não o fazendo, trazer inadmissível insegurança jurídica aos
indivíduos sujeitos às cláusulas demasiadamente genéricas da lei e regulamento, e
também inadmissível margem de atuação do administrador.

Por sua vez, a Lei Orgânica do Tribunal de Contas faz referência à boa-fé no
§ 2º do artigo 12, inserido na seção que trata do processo de tomada de contas, como
147

elemento atenuador para fins de saneamento do processo. No capítulo relacionado às


sanções, não há na lei, tampouco no regimento interno, referências às situações
atenuantes ou agravadoras para a finalidade específica de orientar a autoridade na
aplicação das penas estabelecidas.

Ponderamos ainda que, com relação ao procedimento, não há como


considerar que alguns aspectos estejam de acordo com os preceitos constitucionais, a
exemplo do procedimento que resulta na grave decisão de inabilitar o responsável para
a ocupação de cargo ou função pública. O procedimento estabelecido no Regimento
Interno revela a supressão de etapas indispensáveis ao salvaguardo dos direitos dos
indivíduos, uma vez que, segundo o preconizado, após o Plenário decidir pela maioria
de seus membros acerca de sua gravidade, decidirá sobre o período da inabilitação e
aplicará a sanção. Depois de aplicada, segundo dispõe o § 3º do artigo 270, o Tribunal
de Contas comunicará ao responsável e à autoridade competente para o cumprimento
da decisão.

Nesta oportunidade, passaremos a realizar análise jurídica crítica em relação


a algumas das sanções já mencionadas, porque de duvidosa constitucionalidade. São
elas:

Artigo 60 da LOTCU:

sem prejuízo das sanções previstas na seção anterior e das


penalidades administrativas, aplicáveis pelas autoridades competentes,
por irregularidades constatadas pelo Tribunal de Contas da União,
sempre que este, por maioria absoluta de seus membros, considerar
grave a infração cometida, o responsável ficará inabilitado, por um
período que variará de cinco a oito anos, para o exercício de cargo em
comissão ou função de confiança no âmbito da Administração Pública

O dispositivo legal comporta questionamentos que vão desde a possibilidade


de o legislador estabelecer sanção dessa natureza a ser aplicada pelo Tribunal de
Contas, o que poderia significar intromissão indevida no âmbito de competência do
148

Poder Executivo, até a severidade da sanção que, aparentemente, não tem qualquer
relação com a eficácia da função de controle.

A ocupação de cargos e funções de confiança é realizada na forma e


condições estabelecidas nas leis de organização dos Poderes, sendo a indicação para
a ocupação dos cargos em comissão e das funções de confiança, ato discricionário da
autoridade competente dentro da estrutura do órgão.

A decisão sobre a inabilitação para ocupação do cargo interfere na esfera de


competência privativa do Poder controlado, que inclusive dispõe de legislação
específica regulamentando as situações em que poderá ser aplicada a pena de
destituição, a exemplo dos incisos V e VI, do artigo 127, da Lei federal nº 8112/90, que
dispõe sobre o regime jurídico dos servidores públicos da União. É típica situação que
poderá dar ensejo a pronunciamentos díspares por parte das autoridades competentes
para aplicação da mesma sanção.

Este raciocínio ainda trás a lume a manifestação do Ministro Joaquim


Barbosa na Reclamação nº 2138, já transcrita neste capítulo em item anterior, quando
considerou que não cabe ao Juiz de primeira Instância decretar a perda de cargo
político por ser punição típica dos mecanismos de aferição de responsabilidade política
no sistema presidencial de governo. Aduziu ainda o Ministro que a decretação da perda
do cargo estruturante à organização do Estado configuraria fator de desestabilização
político-institucional. 203

Pela generalidade da lei, não é possível saber de antemão quais cargos


estariam sujeitos à sanção, mas, na linha do raciocínio empregada pelo Ministro
Joaquim Barbosa, defendemos que em nenhuma hipótese poderia a Corte de Contas
aplicar a pena de inabilitação para ocupantes de cargos estruturantes de qualquer dos
Poderes controlados.

203
Reclamação nº 2138. DF. Relator Min. Nelson Jobim. Voto-vista do Ministro Joaquim Barbosa.
149

Acreditamos que nessa situação, a Corte de Contas poderia apenas


determinar que o órgão controlado adote as providências legais instaurando
procedimento disciplinar para apuração e, em sendo necessário, afaste cautelarmente o
agente, decisão que não poderia deixar de ser acatada.

Outra previsão da lei que consideramos passível de discussão quanto à


constitucionalidade, está inserida no âmbito das medidas cautelares, que, embora não
se confunda com as sanções, também desperta discussão quanto à sua
constitucionalidade. Está disciplinada no artigo 44 da LOTCU e vazada nos seguintes
termos:

No início do curso de qualquer apuração, o Tribunal, de ofício ou a


requerimento do Ministério Público, determinará, cautelarmente, o
afastamento temporário do responsável, se existirem indícios
suficientes de que, prosseguindo no exercício de suas funções, possa
retardar ou dificultar a realização de auditoria ou inspeção, causar
novos danos ao erário ou inviabilizar o seu ressarcimento

§ 1º- Estará solidariamente responsável a autoridade superior


competente que, no prazo determinado pelo Tribunal, deixar de atender
à determinação prevista no caput do artigo.

§ 2º - Nas mesmas circunstâncias do caput deste artigo e do parágrafo


anterior, poderá o Tribunal, sem prejuízo das medidas previstas nos
arts. 60 e 61 desta lei, decretar, por prazo não superior a um ano, a
indisponibilidade de bens do responsável, tantos quantos considerados
bastantes para garantir o ressarcimento dos danos em apuração.

A norma comete ao Tribunal de Contas da União atribuição reservada com


exclusividade ao órgão controlado, pois somente a ele caberá afastar ou suspender
servidores, em conformidade com os procedimentos previstos na lei que regula o
regime jurídico que são submetidos, ressalvadas as situações decorrentes de decisões
judiciais. 204

204
A discussão acerca da constitucionalidade do artigo 44 da lei Federal nº 8.443/92 foi alegada incidentalmente no
MS 22.801-6-DF, através do qual o Ministro Relator Menezes Direito concedeu a segurança ao Presidente do Banco
Central do Brasil para afastar a ordem do Tribunal de Contas da União para quebrar o sigilo bancário de instituições
financeiras privadas. Pelo não cumprimento da determinação por entender que não havia autorização legal para o
TCU determinar a quebra de sigilo, foi aplicada multa ao Presidente do Banco Central com base no artigo 58, inciso
IV da Lei 8.443/92, além da ameaça do afastamento temporário do exercício de suas funções, prevista no artigo 44
da mesma lei. Na referida ação o Procurador Geral da República manifestou-se no sentido da inconstitucionalidade
150

Aqui igualmente incide a questão relacionada aos ocupantes de cargos


estruturais, uma vez que o afastamento temporário interferirá na organização do Poder
e poderá gerar crise político-institucional. Não vislumbramos como viável o afastamento
temporário de agente público, senão por força de determinação judicial ou pelo próprio
órgão a que está o responsável subordinado, no caso do Poder Executivo, nos termos
do artigo 147 da Lei Federal nº 8112/90.

A indisponibilidade de bens, prevista no § 2º do artigo 44 da Lei Federal nº


8.443/92 é ato de extrema severidade que afeta direito fundamental que, segundo
nosso entendimento não poderá ser decretada pela Corte de Contas, tampouco pelo
órgão controlado.

A Constituição Federal consagra a tutela jurídica da propriedade, sendo


portanto, prerrogativa de ordem jurídica. É certo que não possui caráter absoluto
porque em nosso sistema constitucional não há direitos e garantias que se revistam de
caráter absoluto, mesmo porque, razões de relevante interesse público e de
convivência das liberdades legitimam, ainda que excepcionalmente a adoção por parte
dos órgãos estatais de medidas restritivas, desde que respeitados os termos
estabelecidos na Carta Magna. Trata-se de valor constitucionalmente assegurado, cuja
proteção normativa busca erigir e reservar sempre em favor do indivíduo e contra a
ação expansiva do arbítrio do poder Público.

A decretação de indisponibilidade de bens, ato que se reveste de extrema


gravidade jurídica só deve ser decretada em caráter de absoluta excepcionalidade,
quando existentes fundados elementos que se justifiquem à partir de critério
essencialmente apoiado na prevalência do interesse público. A relevância do direito

do artigo 44, questão apontada pelo Ministro Gilmar Mendes. Todavia, a alegação incidental de
inconstitucionalidade não foi enfrentada, por ter a segurança sido concedida só pela impossibilidade da quebra de
sigilo pelo TCU. O Relator considerou que não havia razão para enfrentar a inconstitucionalidade porque a ordem
seria concedida na linha da medida liminar.
151

assegurado impõe cautela e prudência porque importa em inquestionável restrição à


esfera jurídica das pessoas afetadas.

Somente o Poder Judiciário poderia decretar tal medida, porque a relevância


da questão exige que o órgão incumbido de aplicá-la tenha os predicados que só a
magistratura possui. A ruptura do círculo de imunidade do valor constitucional só se
justificará desde que ordenada por órgão estatal investido de competência jurídica para
suspender a eficácia do princípio de proteção à propriedade.

Acreditamos que somente o Poder Judiciário poderá dispor de poder de


decretar essa medida excepcional, sob pena de a autoridade administrativa interferir
indevidamente na esfera de direito constitucionalmente assegurada ás pessoas. A
intervenção jurisdicional é fator de preservação do regime das franquias individuais, de
forma que acreditamos tratar-se de matéria de reserva jurisdicional.

Dentro dessa perspectiva revela-se de inteira pertinência a invocação do


devido processo legal em sua dimensão substantiva, como instrumento de expressiva
limitação constitucional ao próprio poder do Estado, sendo forma de controle que
examina a necessidade, razoabilidade e justificação das restrições aos direitos
individuais, não admitindo que a lei ordinária desrespeite a Constituição, considerando
que as restrições ou exceções estabelecidas pelo legislador ordinário devem ser
justificadas por evidente interesse público.

A solidariedade estabelecida no § 1º do mesmo dispositivo legal, possui nítido


conteúdo sancionatório, e não tem relação com a ilegalidade de despesa ou
irregularidade de contas, mas, novamente, com conduta do agente público em
detrimento de determinação da Corte de Contas, razão pela qual não encontra respaldo
constitucional, conforme raciocínio que desenvolvemos adrede.
152

Por fim, há a sanção estabelecida na seção destinada à fiscalização dos atos


e contratos, inserida no capítulo que trata da fiscalização a cargo do Tribunal,
estabelecida no artigo 46, e vazada nos seguintes termos:

Verificada a ocorrência de fraude comprovada á licitação, o Tribunal


declarará a inidoneidade do licitante fraudador para participar, por até
cinco anos, de licitação na Administração Pública Federal.

Trata-se de sanção semelhante à estabelecida no artigo 87 da Lei nº


8.666/93, cuja competência para aplicação é conferida às autoridades administrativas
indicadas na lei, razão pela qual alguns doutrinadores consideram que foi o dispositivo
revogado pela lei geral de licitações, norma especial e posterior àquela, razão pela qual
afastam a possibilidade de sua aplicação pelo Tribunal de Contas, o que geraria conflito
de atividades.

Outros, contudo, e mesmo o Tribunal de Contas da União, que permanece


aplicando essa penalidade, consideram que o dispositivo não foi revogado e que a
declaração de inidoneidade poderá ser aplicada pela autoridade administrativa
competente, nos termos da Lei Federal nº 8.666/93 e também pelo Tribunal de Contas,
nos termos da Lei Orgânica diante do pressuposto específico estabelecido nesta lei,
que é a fraude comprovada e apurada pela Corte de Contas no curso de sua atuação
fiscalizatória. 205

Nesta questão, o Supremo Tribunal Federal já afastou a alegação da


existência de conflito positivo de atribuições em mandado de segurança, em que o
Ministro dos Transportes requereu liminar para suspender o processo no âmbito do
Tribunal de Contas da União, com a fixação da sua competência para proferir decisões
sobre o caso até decisão final do conflito, argumentando que o pressuposto lógico para
que o Tribunal de Contas da União pudesse aplicar sanção administrativa seria o
exercício do poder de polícia e não o exercício do poder de fiscalização.

205
Eduardo Rocha Dias defende a aplicabilidade do dispositivo legal pelo TCU e aponta Floriano Azevedo marques
Neto em defesa da tese contrária, no sentido de que o dispositivo da LOTCU foi revogado pela lei geral de licitações.
Os Tribunais de Contas e o sancionamento administrativo de licitantes e contratados. p. 207- 208.
153

A alegada existência de conflito foi afastada porque o Supremo Tribunal


Federal considerou que são diversas e inconfundíveis as áreas de atuação, no caso,
entre o Ministério dos Transportes e o Tribunal de Contas da União, já que o segundo
age como órgão de controle externo de legalidade.

Segundo nosso entendimento é inafastável o reconhecimento de que são


diversas e inconfundíveis as áreas de atuação, de modo que a sanção de natureza
administrativa aplicada pela Corte de Contas no exercício do controle externo sofre
influxos decorrentes da função controladora. Todavia, tal reconhecimento não implica
em concluir que em toda e qualquer situação estará afastado o conflito de
competências, que como já destacamos, deve ser evitado pelo legislador. Já
demonstramos algumas situações em que essa realidade está presente.

É preciso sempre ter em mente os vetores constitucionais que devem orientar


o estabelecimento das penalidades a serem aplicadas pelas Cortes de Contas, cujas
condutas sempre devem estar relacionadas à ilegalidade de despesa ou irregularidade
de contas. No caso, a pena de aplicação de inidoneidade diante da constatação de
fraude comprovada e apurada pela Corte de Contas parece estar em consonância com
os contornos constitucionais.

Para encerrar este capítulo consignamos que aspecto a ser investigado diz
respeito ao elemento subjetivo da culpa, que importa para todos os tipos de sanções
em todos os âmbitos de atuação do Poder Público. Todavia, no âmbito do Tribunal de
Contas, devido às dificuldades na aferição dos responsáveis pelos atos puníveis
administrativamente, a questão ganha relevância, porque costuma-se punir o ordenador
da despesa, independentemente do nível de responsabilidade envolvido no ato
administrativo considerado em desacordo com a lei. E nesse contexto, invocamos
novamente o saudoso Oswaldo Aranha Bandeira de Mello, que, ao afirmar que o juiz
pode reduzir a multa aplicada administrativamente se considerar que foi abusiva, aduz
154

que: “entretanto, não poderá desobrigar o infrator do pagamento de qualquer multa,


salvo se considerar que inexistiu culpa do multado, e, então, ela não se justifica”. 206

Voltaremos a abordar o aspecto da culpa no capítulo subseqüente, quando


trataremos do ato punitivo e o procedimento que o antecede.

206
Princípios gerais de direito administrativo, p. 563.
155

CAPÍTULO IV

O PROCEDIMENTO PUNITIVO

1. O ato punitivo: procedimento a ser observado pelo Tribunal de Contas.

A imposição da sanção administrativa é um ato jurídico e como tal deve ser


aplicado através de procedimento que confira as garantias necessárias à defesa dos
interessados em sua plenitude. Por esta razão dedicamos o primeiro capítulo deste
trabalho ao tema do devido processo legal, onde já tivemos oportunidade de traçar os
elementos que o integram e demonstrar sua importância no Estado de Direito, sendo,
portanto, garantia inafastável a ser observada no processo desenvolvido no âmbito do
Tribunal de Contas. Neste capítulo apontaremos os princípios a serem observados no
procedimento que culminará na aplicação da punição.

O devido processo legal é tema que tem evoluído consideravelmente em


nosso País com evidentes reflexos no âmbito do Tribunal de Contas, tendo inclusive
sido objeto da edição da Súmula nº 03 do Supremo Tribunal Federal que estabelece
que a Corte de Contas está obrigada a observar o devido processo legal em seus
procedimentos.

E não poderia ser diferente, pois a observância de certos atos prévios é


condição da prática de qualquer ato administrativo. Não obstante, cumpre consignar
que a evolução que mencionamos não significa que o devido processo legal esteja
sendo aplicado de forma satisfatória. Pelo contrário, evoluiu, mas para atingir a sua
plenitude nos termos tratados no primeiro capítulo deste trabalho, garantindo
efetivamente a realização da justiça no caso concreto, ainda precisa evoluir muito. Não
são poucas as decisões do Tribunal de Contas da União anuladas pelo Poder Judiciário
por ausência do direito de ampla defesa dos interessados atingidos pelos atos.

E a questão assume especial relevância em matéria sancionatória onde os


atos procedimentais que propiciam a oportunidade de defesa aos acusados são
156

frequentemente olvidados ou ainda, não são realizados de maneira a conferir em sua


plenitude as garantias albergadas pelo devido processo legal em sua dimensão
adjetiva.

Segundo Carlos Ari Sundfeld, a peculiaridade da sanção administrativa em


relação à penal está ligada ao procedimento que exige. 207 Concordamos plenamente
com a afirmação, cuja posição já deixamos firmada no capítulo II deste trabalho. Deste
modo, a imposição de penas no âmbito penal exige um procedimento judicial e a
sanção administrativa seguirá um rito em consonância com o procedimento
administrativo e as peculiaridades do regime de direito administrativo, o que não
significa que não possam ter concomitâncias, sobretudo no que diz respeito ao direito
de defesa em sua plenitude.

Assim, não basta um procedimento meramente formal, mas há necessidade


da existência de um procedimento que garanta a efetiva participação do acusado, a fim
de que possa o mesmo exercer efetivamente o direito de ampla defesa, produzindo as
provas necessárias, inclusive periciais, caso a situação exija, além do direito de que tais
provas sejam efetivamente apreciadas.

Com isso queremos afirmar que o Tribunal de Contas e nesse caso a


Administração Pública de um modo geral, deve se abster de utilizar os jargões tão
conhecidos como “a parte não trouxe elementos novos ou suficientes para alterar ou
afastar as conclusões anteriores”. É preciso que sejam explicitadas as razões pelas
quais estão sendo afastadas as alegações, os motivos pelos quais os argumentos não
serão aceitos.

Pelo fato de os agentes estatais exercerem poderes em nome de uma


finalidade estabelecida na lei, e, portanto, desempenharem função pública, não se pode
discutir acerca da obrigatoriedade da instauração de um procedimento sempre que um

207
A defesa nas sanções administrativas. Revista Forense. Vol 298. abril.maio.junho 1987 – Forense. p. 99)
157

ato unilateral expedido pelo Poder Público possa vir a atingir a esfera de direitos de
alguém.

O processo é forma de garantir o equilíbrio entre a liberdade do indivíduo que


poderá vir a ser atingido pelo ato unilateral e a autoridade, própria de quem exerce
função. Nesse sentido são preciosas as palavras de Carlos Ari Sundfeld:

(...) O processo garante, então, que a vontade funcional, que se


expressará no ato, não seja empolgada pela vontade do agente, mas
signifique uma vontade equilibrada, esclarecida, racional, imparcial. Em
suma, assegura que o agente não se transforme em fim, mas guarde
apenas seu papel de intermediário. 208

Daí a importância do procedimento. Não só pelas razões que mencionamos,


mas porque concluímos que em termos de sanção administrativa embora os ilícitos e as
sanções devam estar previstos em lei, a norma nem sempre será absolutamente
abrangente classificando todos os ilícitos de forma taxativa, de modo que, conforme já
consignamos anteriormente parte significativa da solução é remetida ao momento da
aplicação da penalidade. Por esta razão também ressaltamos a enorme
responsabilidade da autoridade julgadora.

Edílson Pereira Nobre Júnior estabelece um vínculo entre a aplicação da


pena e sua finalidade e a vinculação ao interesse público protegido, levando em conta,
sobretudo, a existência de normas abertas que podem redundar na punição de conduta
que na prática seja inidônea para lesar bem jurídico de interesse coletivo, invocando
para tanto no momento da aplicação da pena, o princípio da insignificância, com a
relevação de situações em que não há lesão a bens jurídicos da coletividade, afirmando
o seguinte: “basta que a autoridade incumbida de aplicar a regra se guie pela senda de
somente infligir sanção quando o preceito inobservado disser respeito a um dever
pessoal do agente”.

208
A defesa nas sanções administrativas. Revista Forense, p. 101- 102
158

Enfrentando a inafastável existência de conceitos indeterminados, entende o


autor que tais tipos hão de ganhar tecnicidade a fim de que obtenham nos casos
concretos, a delineação da conduta que decorra dos deveres e proibições, invocando a
necessidade de que a autoridade administrativa, nessas situações “(...) ao valorar tais
tipos, busque a sua vinculação com o interesse público, contido, tácita ou
explicitamente, na norma de Direito”. 209

Em lapidar conclusão, afirma que eventual injustiça pode ser contornada com
a incidência de um juízo de proporcionalidade, de sorte a se exigir um razoável motivo
para se impor a restrição de direito que a pena acarreta.

Nesse sentido, os princípios da proporcionalidade, razoabilidade e motivação


deverão estar presentes, sob pena de nulidade do ato sancionatório.

Dois fatos nunca são totalmente iguais. Serão diferentes porque singulares,
irrepetíveis os motivos, a gravidade do dano, a intensidade da culpa. São
especificidades que fazem com que cada fato seja diferente do outro, embora
possivelmente previstos na mesma figura jurídica. Competirá, portanto, ao julgador a
análise concreta da situação a ele submetida com a devida individualização que
requererá, inevitavelmente juízos de valor, de gravidade, de insignificância, que são
subjetivos. São critérios numerosos que escapam a uma pré-determinação legal. Não
são exaustivos e por isso a necessidade da motivação.

No âmbito do Tribunal de Contas tais juízos assumem especial relevância


exatamente diante da função controladora que exerce. A Corte de Contas examina atos
administrativos da Administração Pública praticados por vários agentes, nem sempre
sendo fácil a identificação do responsável. Por vezes, um ato irregular subscrito por
determinada autoridade decorreu de práticas anteriores não cabendo a essa autoridade
a responsabilização. Vejamos:

209
Sanções administrativas e princípios de direito penal. Revista de Direito Administrativo – RDA, p. 138-139.
159

No julgamento das contas de determinada Autarquia, poderá chegar a Corte


de Contas à conclusão de que a gestão temerária levou a entidade a déficit
insustentável e portanto ensejador da rejeição das contas daquele determinado
exercício fiscal, com todas as conseqüências à autoridade gestora. Todavia, a situação
deficitária pode ter decorrido de gestões anteriores, de modo que é preciso singularizar
a situação concreta para analisar os atos daquele gestor que responderá pela contas
do exercício julgado. Não é rara a constatação de que gestores que atuam visando o
saneamento das finanças, que por vezes demora a se concretizar, têm as contas
rejeitadas em decorrência de gestões anteriores, e portanto, de atos de gestão
temerários, que de fato geraram a situação ensejadora da rejeição das contas, mas que
não podem ser imputados àquela autoridade.

É certo e inafastável que a Administração Pública é contínua e a alteração


dos gestores não interrompe a responsabilidade de cada qual em dar a devida
continuidade aos procedimentos necessários para que a entidade cumpra as
finalidades para as quais foi instituída. Mas em caso de responsabilização pela prática
de atos ilegais ou irregulares, não há como conferir de forma indiscriminada a
responsabilidade a todos que responderam pela entidade, mas somente àqueles que
agiram, que adotaram posturas que contribuíram para a irregularidade do ato.

Pois bem, no primeiro capítulo concluímos que o devido processo legal não
possui um rol taxativo e exaustivo de procedimentos e princípios prévios que garantam
de antemão sua observância, devendo ser aplicado em cada situação concreta.

Todavia, essa realidade não impossibilita a indicação dos princípios que, em


geral, devem incidir, de forma que no item subseqüente cuidaremos dos princípios a
serem observados pelo Tribunal de Contas, no procedimento que culminará no ato
punitivo.
160

1.1 Princípios aplicáveis à atividade punitiva do Tribunal de Contas.

Trataremos a seguir dos princípios informadores da atividade sancionatória


do Tribunal de Contas, que não destoam dos princípios a serem observados pelos
órgãos do Estado em geral, no exercício do ius puniendi estatal.

A despeito da relevância da questão, o direito positivo pátrio jamais se


preocupou em estabelecer um rol de princípios norteadores da atividade punitiva do
Estado, inclusive a serem observados pelo legislador por ocasião da criação dos ilícitos
e sanções administrativas, e não o fez também a Lei Federal de Processo
Administrativo (Lei nº 9.784/99), que dedicou ao Capítulo XVII um único artigo
relacionado ao tema das sanções, o 68, situação que, nas palavras de Rafael Munhoz
de Mello, “(...) contrasta com a legislação atual de outros países, nos quais há grande
preocupação em disciplinar – e, de conseqüência, limitar – a atividade punitiva da
Administração Pública”. 210

García de Enterría e Tomás-Ramón Fernandez comentam sobre a imensa


lacuna que causa a ausência de um quadro normativo geral que defina os princípios
gerais que devam incidir para a aplicação de sanções administrativas, afirmando,
todavia, que tal lacuna, em seu país, foi suprida pelas remissões do Tribunal
Constitucional em 30 de janeiro e 8 de junho de 1981, no sentido de que os princípios
gerais que regem o direito penal devem incidir, uma vez que se tratam, ambos, de
manifestação do ordenamento punitivo do Estado. Esclarecem os juristas espanhóis
que essa postura é refletida pela própria Constituição espanhola, em seu artigo 25, que
cuida do princípio da legalidade, e também por reiterada jurisprudência do Tribunal

210
Sanção administrativa e princípio da legalidade. In: FIGUEIREDO, Lúcia Valle (coord.). Devido processo legal
na Administração Pública. São Paulo: Max Limonad, 2001, p. 143-185. O autor menciona como exemplos: Lei nº
689, de 24 de novembro de 1981, da Itália; a Gesets uber Ordnungswidrigkeiten alemã, de 19 de fevereiro de 1987 e
a Lei espanhola nº 30, de 26 de novembro de 1992. A Lei Estadual 10.177/98, no título que trata dos Princípios da
Administração Pública, estabeleceu em seu artigo 6º o princípio da reserva legal para a previsão de infrações ou
prescrição de sanções. Dispõe o artigo 6º, II: “Somente a lei poderá: (...) II - prever infrações ou prescrever sanções”.
161

Supremo da Espanha, de modo que um mesmo bem jurídico pode ser protegido por
técnicas administrativas ou penais. 211

Os catedráticos espanhóis esclarecem que o Tribunal Constitucional


construiu entendimento no sentido de que os princípios penais não se aplicariam em
sua generalidade, ressalvando as relações de sujeição especial. Mas tal
posicionamento foi alterado pela Sentença de 29 de março de 1990, que
aparentemente marcou uma postura definitiva do Tribunal Constitucional sobre a
matéria, no sentido de que não deveria ser estabelecida diferenciação decorrente da
espécie de sujeição - geral ou especial - no âmbito da incidência dos princípios
constitucionais e os direitos fundamentais neles subjacentes.

Festejando o caminho adotado pelo Tribunal Constitucional, concluem esses


juristas que: “(...) sempre deverá ser exigível no campo sancionatório administrativo
(não há dúvida no penal) o cumprimento dos requisitos constitucionais de legalidade
212
formal e tipicidade como garantia da segurança do cidadão”.

O mesmo não ocorre em nosso país, na medida em que não há um quadro


normativo explícito a ser aplicado na Administração Pública, o que não significa, por
óbvio, a inexistência de garantias, mas há o desafio na identificação desses princípios,
e, embora as realidades de outros países só possam ser utilizadas como referências
uma vez que as soluções devem ser encontradas no direito positivo brasileiro, é
indiscutível que são referências de profunda valia.

A sanção administrativa é o resultado final de um procedimento que culmina


na expedição de um ato jurídico, de modo que, como aduz Carlos Ari Sundfeld, seu
estudo pode aproveitar à teoria dos atos, podendo-se afirmar que “(...) todo ato
sancionador tem como motivo, a ocorrência de uma infração de um ato ilícito, que

211
Todavia, as sentenças de amparo à matéria estabeleceram a aplicação nos seguintes termos: “Los princípios
inspiradores del orden penal son de aplicación, com ciertos matices, al derecho sancionador, dado que ambos son
manifestaciones del ordenamiento punitivo del Estado”, de modo que tais matizes precisavam ser concretizadas. Op.
cit., p. 164-165.
212
Curso de derecho administrativo, p. 165.
162

constitui o pressuposto de fato da emanação do ato. Portanto, a legalidade do ato


sancionador pressupõe a anterior ocorrência do motivo, sem a qual não se abre a
possibilidade de sancionar”. 213

Inegável a relevância da verificação da ocorrência dos requisitos


(pressupostos de sua prática, competência, formalidades, causa e procedimento) do ato
sancionador a fim de constatar sua legalidade. Todavia, perfilhando o caminho proposto
por Celso Antônio Bandeira de Mello, que incluiu nos pressupostos do ato
administrativo os requisitos procedimentais, como “atos que devem, por imposição
normativa, preceder a determinado ato” 214, nos preocuparemos nessa oportunidade
com o procedimento, ou seja, com a observância de atos prévios que necessariamente
devem ser levados em conta pela Administração. 215

Diogo de Figueiredo Moreira Neto, citando Alejandro Nieto e Heinz Mattes,


esclarece que a partir da década de 1960 as Cortes Constitucionais européias deram
início a um movimento de equiparação das garantias, arrolando, lado a lado, as penais
e administrativas, de modo que os princípios penais passaram a ser aplicáveis aos
processos administrativos punitivos, na ausência de um sistema de garantias expressas
na Administração Pública, acrescentando que o direito penal era a fonte inspiradora
para a construção dogmática ainda incipiente no direito administrativo sancionador,
assentado em tradicional doutrina e jurisprudência, nacionais e comparadas.

Seguindo o ponto de vista de Enrique Ruiz Vadillo, no sentido de que


“prepondera hoje, a tese, de que os princípios penais são aplicáveis ao Direito

213
A defesa nas sanções administrativas. Revista Forense. v. 298, Rio de Janeiro: Forense, Abr./Maio/Jun. 1997, p.
99.
214
Ato administrativo e direitos dos administrados. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1981, p. 77.
215
Lúcia Valle Figueiredo, nessa mesma linha de pensamento, ao tratar das formalidades legais do ato
administrativo, considera que o tema está intimamente ligado ao tema do procedimento administrativo, e pondera
que o cumprimento das formalidades legais é requisito indispensável à validade do ato, além de ser garantia
fundamental do Estado de Direito, do due process of law. Observa, contudo, que os autores brasileiros não têm se
preocupado com este importante tema como os autores estrangeiros. Aponta o procedimento administrativo como a
maneira pela qual se exercita a função administrativa e cita Giannini no sentido de que tende a compor o interesse
público primário. Afirmando que existem atos que não prescindem de processo administrativo formal e vinculado,
complementa o raciocínio de que o procedimento adequado condiciona a emanação dos atos e é responsável pela
democratização da atividade administrativa (Curso de direito administrativo. 8ª ed., p. 202-203).
163

Administrativo sancionador, com matizes, a efeito de assegurar aos acusados as


básicas garantias constitucionais comuns ao Direito Público Punitivo”, concluiu Moreira
Neto que o fundamento dessa construção vai além do princípio isonômico, para garantir
também obediência ao devido processo, que interdita a arbitrariedade dos Poderes
Públicos e a ausência de distinções substanciais entre ilícitos penais e
administrativos. 216

Hodiernamente encontramos ilícitos classificados como administrativos, com


sanções mais severas do que as impostas a muitos atos qualificados pelo legislador
como crimes, de forma que a discussão acerca dos princípios que os informam não é
de menor importância.

Ainda, em face da inafastável existência de normas que não definem de


forma precisa as condutas tidas por ilegais e consideradas pelo legislador como
infrações administrativas - normas estas, comumente denominadas pela doutrina
nacional e alienígena como “abertas” ou “elásticas”, e, claro, não só por essa razão,
estamos convencidos de que a forma mais segura de garantir uma atuação justa e
imparcial do Estado no exercício da atividade punitiva, é por meio da observância de
um procedimento legítimo, que assegure a ampla participação dos indivíduos que
poderão vir a ser atingidos pelo ato final decorrente do procedimento administrativo.

A doutrina e a jurisprudência já trataram de buscar no ordenamento jurídico


algumas garantias inafastáveis e de observância obrigatória para a imposição de
sanções administrativas, que deverão ser sempre externadas por atos devidamente
motivados.

Segundo Canotilho, o Estado de Direito tem como corolários os princípios da


legalidade, segurança jurídica, proibição de excesso, proteção jurídica e garantias
processuais, que bastam para a formação de um regime jurídico punitivo. 217

216
MOREIRA NETO, Diogo de Figueiredo,In: OSÓRIO, Fábio Medina. Direito administrativo sancionador. 2ª ed.
rev., atual. e ampl. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2005, p. 13-14.
217
Direito constitucional e teoria da Constituição. p. 491- 527.
164

Além dos princípios estatuídos no caput do artigo 37, o artigo 5º da


Constituição Federal estabelece os direitos e garantias fundamentais dos indivíduos,
arrolando, ainda no Capítulo I, os direitos individuais e coletivos que hão de ser
observados no processo que antecede a aplicação de qualquer penalidade
administrativa, decorrentes do princípio do devido processo legal, dentre eles, como
registrado anteriormente, os do contraditório e da ampla defesa, consubstanciados no
inciso LV do mencionado dispositivo constitucional.

Embora seja inegável a influência do regime protetivo do direito penal, a


sanção administrativa se dá de acordo com o conjunto sistematizado de regras e
princípios peculiares ao direito administrativo, ou seja, incide o regime jurídico
administrativo. Assim, ainda que exista extrema proximidade dos regimes, a atividade
punitiva estatal resultante da função administrativa possuirá suas próprias
peculiaridades, tal como ocorre com a penal.

Nesse sentido, citando Quintero Olivares, Rafael Munhoz de Mello adverte


que “Os princípios que regem o poder punitivo do Estado, que devem ser observados
quando da aplicação das sanções penais e administrativas, não são os de direito penal,
mas sim os que decorrem do Estado de Direito” 218.

Muitos autores afirmam categoricamente que devem incidir os princípios do


direito penal, mas isso não contradiz a afirmação supra, ou seja, a incidência de
princípios inerentes ao direito penal igualmente decorre das proteções albergadas pelo
Estado de Direito.

Destarte, parece adequado concluir que o procedimento sancionatório deve


observar princípios que decorrem do Estado de Direito, que, além de ser o Estado
submetido à lei, também é o Estado que garante a existência de direitos individuais que

218
Sanção administrativa e princípio da legalidade. In: FIGUEIREDO, Lúcia Valle (Coord.). Devido processo legal
na administração pública. p. 157.
165

podem ser opostos contra o próprio Estado. E em se tratando de competência


sancionatória, esses princípios abrigarão também alguns próprios do processo penal,
voltados à proteção do sujeito sancionado, o que não significa que o processo
sancionatório deixará de ter natureza administrativa.

Com isso estamos afirmando que existem princípios comuns à atividade


punitiva do Estado, seja ela no âmbito judicial ou administrativo, estando voltados à
limitação da atuação punitiva do Estado, todos decorrentes da Constituição Federal.
Nesse sentido, o Tribunal de Contas estará igualmente submetido aos mesmos
princípios, ainda que no exercício da função controladora, que apesar de receber
influxos resultantes dessa específica função, como retratamos no capítulo anterior,
estará submetido aos mesmos princípios norteadores dos procedimentos punitivos em
geral.

Na busca da identificação desses princípios, não estaremos desbravando


seara desconhecida, à medida que vários estudiosos já se debruçaram sobre o tema.

Para Rafael Munhoz de Mello, os princípios do Estado de Direito arrolados


pelo constitucionalista português Gomes Canotilho bastam para a formação de um
regime jurídico punitivo. 219

Daniel Ferreira, defensor de um próprio e apartado regime jurídico-


administrativo sancionador, afasta a importação de princípios de direito penal para o
direito administrativo, defendendo a idéia da existência de um regime jurídico
sancionador afeto à teoria geral do direito e à noção de função pública, de forma que,
independentemente da natureza da sanção, serão reconhecidos alguns princípios como
de cogente aplicação. Seriam, para ele, princípios representativos de normas comuns à
atividade punitiva do Estado, na esfera judicial ou administrativa, dispostos no artigo 5º
da Constituição Federal. 220

219
Sanção administrativa e princípio da legalidade. In: FIGUEIREDO, Lúcia Valle (Coord.). Devido processo legal
na administração pública, p. 158.
220
Sanções administrativas. São Paulo: Malheiros, 2001, p. 86. (Coleção temas de direito administrativo).
166

Edílson Pereira Nobre Júnior, juiz federal e professor da Universidade


Federal do Rio Grande do Norte, em artigo dedicado ao tema, apesar de apontar
diferenças ontológicas entre as penas e os ilícitos administrativos, conclui que, estando
ambos no âmbito da atividade punitiva do Estado, em linha de princípio nada obsta -
pelo contrário, em sua palavras, recomenda-se - “serem os postulados retores da
aplicação das punições criminais, cuja sistematização doutrinária e legislativa é bem
anterior à ordenação das sanções administrativas, a estas aplicáveis”. Considerando,
porém, a necessidade de sempre serem levadas em conta as peculiaridades das
últimas, finca os balizamentos emergentes do direito penal, para nortear o desempenho
das atribuições punitivas da Administração, agrupando-as da seguinte forma:
legalidade, tipicidade, culpabilidade, proporcionalidade, retroatividade da norma
favorável, non bis in idem, non reformatio in pejus. 221

Acreditamos, por conseguinte, que os princípios que necessariamente


deverão ser observados nos procedimentos administrativos sancionatórios são
desdobramentos dos princípios caracterizadores do Estado de Direito, que visam
proteger os indivíduos da própria atuação do Estado, que, em decorrência de um
regular procedimento, deverá proferir decisões imparciais e justas.

Decorrem, ainda, do princípio do devido processo legal (inciso LIV do artigo


5º da CF), que conforme evidenciado, como garantia tem em mira fundamentalmente o
processo penal, tendendo a proteger o indivíduo em sua liberdade. E por isso, nos
processos administrativos punitivos, não há como afastá-los, pois visam a proteção dos
acusados em geral.

221
Sanções administrativas e princípios de direito penal. RDA, nº 219, jan./mar. 2000, p. 128 e 130. Ensina o jurista
que a incidência de postulados criminais à apuração de responsabilidade administrativa não é privilégio de nosso
país, citando o direito hispânico, que equipara os delitos das infrações administrativas e exige tipificação prévia, bem
como a incidência de princípios da ordem penal ao direito administrativo sancionador, por força de entendimento do
Tribunal Supremo. Dentre outras, cita a Sentença 1.397, de 27 de fevereiro de 1991, que explicitou alguns dos
princípios incidentes, com destaque para a antijuridicidade, tipicidade, imputabilidade, culpabilidade e punibilidade.
167

O Supremo Tribunal Federal já admitiu a proximidade do processo judicial


com o administrativo no exercício do ius puniendi estatal, conforme se depreende do
voto do Relator, Ministro Celso de Melo, no MS 20.994, que foi acolhido à unanimidade
pelo Tribunal Pleno, no sentido de que a consagração, na Constituição Federal, do
contraditório e da ampla defesa (art. 5º, LV) implicou o reconhecimento, no âmbito do
processo administrativo disciplinar, de clara limitação aos poderes da Administração,
em contrapartida à crescente intensificação do grau de proteção jurisdicional
dispensada aos direitos dos agentes públicos. Considerando-se que a concreção da
responsabilidade criminal é privativa do Judiciário, a aproximação do processo
administrativo frente ao judicial é traduzível, pelo menos no plano formal, pela implícita
constatação de que os parâmetros aplicáveis ao ius puniendi, no tocante aos crimes ou
delitos, são extensíveis, na medida do possível, à responsabilização pela prática de
infrações administrativas. 222

Sem a pretensão de esgotar o assunto no que se refere à indicação dos


princípios, mas apenas na expectativa de identificar e arrolar aqueles que nos parecem
indispensáveis para as garantias retrocitadas, também esclarecemos que, com exceção
do princípio da legalidade, que recebeu tratamento apartado no capítulo II em face de
sua relevância no desenvolvimento dos aspectos polêmicos travados no decorrer deste
trabalho, os demais serão citados com meras referências sem o compromisso de
esgotar seus conteúdos. 223

Iniciemos lembrando que são inafastáveis os princípios decorrentes do


devido processo legal, com a observação de que apenas diante das situações
concretas é que será possível a constatação de que o princípio do “due process of law”
foi efetivamente observado, sendo, portanto, tais princípios meramente indicativos.

222
MS 20.999. RDA 179-180, p. 117-123.
223
A relevância a que nos referimos não significa em hipótese alguma o estabelecimento de alguma hierarquia ou
grau de importância entre os princípios arrolados. É que, como se verá, o conteúdo do princípio da legalidade assume
especial relevância em face das discussões que introduziremos mais à frente, sobre sua extensão em matéria
sancionatória administrativa.
168

Sobre o princípio do devido processo legal, consignamos a observação de


Sergio Ferraz e Adilson Abreu Dallari no minucioso estudo monográfico sobre o
processo administrativo, no sentido de que referido princípio não pertence ao âmbito
interno do processo administrativo, mas o antecede, sendo seu principal fator
determinante.

Explicam os referidos autores que todos os princípios indicados como


incidentes no processo administrativo estão nele embutidos e destacando a pouca
importância que boa parte da doutrina e membros do Poder Judiciário dão a eles, e
também a dificuldade que o intérprete tem de extrair todo o riquíssimo conteúdo do
princípio do devido processo, assinalam ser conveniente analisar aqueles que pareçam
de maior aplicabilidade ou utilidade prática para a solução dos problemas que surgem
em matéria de processo administrativo. 224

Outra importante observação é a de que muitos princípios que arrolaremos


abrigam outros, como própria decorrência de sua aplicação. Nessas situações
procuraremos, sempre que possível, tratá-los conjuntamente. Tais princípios, como
observa Héctor Escola, não se excluem, pelo contrário, devem ser reunidos para uma
aplicação harmônica, resultando em um procedimento eficaz e simples, e que ao
mesmo tempo respeite os interesses e direitos dos administrados. 225

Por fim, como derradeira observação, invocando lição de Carlos Roberto


Siqueira Castro, consignamos haver uma importante garantia do processo penal, ínsita
ao postulado do “due process of law”, que assegura a presunção de inocente aos

224
Segundo os autores, “a garantia do devido processo legal já compreende uma série de direitos, deveres e
responsabilidades, conforme muito bem observou o então professor e agora Ministro Celso Mello (Constituição
Federal anotada, p. 341), dizendo ele, em síntese, que visa a ‘garantir a pessoa contra a ação arbitrária do estado e a
colocá-la sob a imediata proteção da lei’, abrangendo, entre outros, ‘os seguintes direitos: (a) direito à citação e ao
conhecimento de teor da peça acusatória; (b) direito a um rápido e público julgamento; (c) direito ao arrolamento de
testemunhas e à notificação destas para o comparecimento perante os Tribunais; (d) direito ao procedimento
contraditório; (e) direito de não ser processado, julgado ou condenado por alegada infração às leis editadas ex post
facto; (f) direito à plena igualdade com a acusação; (g) direito de não ser usado nem condenado com base em provas
ilegalmente obtidas ou ilegitimamente produzidas; (h) (sic) direito à assistência judiciária, inclusive gratuita; (i)
privilégio contra a auto-incriminação; (j) direito de não ser subtraído ao seu juiz natural” (Op. cit., p. 51-52).
225
Tratado general del processo administrativo. Buenos Aires: Depalma, p.149.
169

acusados até que sobrevenha a condenação definitiva com o trânsito em julgado, a


qual, a nosso ver, também deve ser observada no âmbito do processo administrativo
sancionatório, no caso, até que se ultime o procedimento e ocorra a preclusão
administrativa, pois, como dissemos anteriormente, existem infrações e sanções delas
decorrentes muito mais severas que ações tipificadas como crimes.

Trata-se da presunção de inocência, que embora não mencionada


expressamente até a nossa Constituição de 1988, já estava consagrada na Declaração
de Direitos adotada pela ONU em 1948, cujo art. 11 enuncia o seguinte:

Toda pessoa acusada de prática de um ato delituoso tem o direito de ser


presumida inocente até que a sua culpabilidade tenha sido provada de
acordo com a lei, no curso do processo público no qual lhe tenham sido
asseguradas todas as garantias necessárias à sua defesa.

Diz Carlos Roberto Siqueira Castro que, conquanto tal previsão somente
tenha integrado nosso ordenamento constitucional em 1988, consubstanciada no inciso
LVII do artigo 5º, a presunção de inocência já era ampla e expressamente aceita por
nossos Tribunais, como consectário lógico do princípio do devido processo legal. 226

Na seqüência, iniciaremos pelos princípios gerais do processo administrativo


de segundo grau ou em sentido estrito, para, ao final, tratarmos dos princípios
incidentes especificamente nos processos sancionatórios.

Princípios da legalidade, da igualdade, da impessoalidade e da finalidade.

Além da previsão constitucional insculpida no inciso II do artigo 5º, o


princípio da legalidade, inerente ao Estado de Direito, encontra importante referência
na Lei Federal de Processo Administrativo (Lei nº 9.784/99), no caput do seu artigo 2º,
que arrola os princípios de observância obrigatória pela Administração Pública.

226
Estabelece o artigo 5º, inciso LVII, da Constituição Federal brasileira: “ninguém será considerado culpado até o
trânsito em julgado de sentença penal condenatória”. In: O devido processo legal e os princípios da razoabilidade e
da proporcionalidade. 4ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 2006, p. 287-291.
170

Como já mencionamos, o princípio da legalidade foi objeto de atenção


específica no Capítulo II deste trabalho, pois é componente indissociável da
competência sancionatória, de forma que nessa oportunidade bastará destacar a sua
relevância para o tema, no sentido de que assegura genericamente que a ninguém será
imposta obrigação de fazer ou não fazer, sem prévia cominação legal, ou seja, que o
Estado, no exercício de qualquer de suas funções, só poderá agir debaixo da lei e em
busca de suas finalidades.

Significa, segundo afirma Celso Antônio Bandeira de Mello, que o Poder


Público só poderá expedir regulamentos, decretos e atos que coartem a liberdade dos
administrados, se existir prévia autorização legal. 227

Importa relembrar, invocando lição do saudoso e sempre atual jurista


Geraldo Ataliba, que no exercício da competência legislativa também não há plena
liberdade do legislador, visto que os representantes do povo, verdadeiro detentor do
poder, quando decidem de modo inaugural, genérico e abstrato as diretrizes para a
atuação do Estado, estarão presos à vontade do constituinte. São suas palavras:

(...) daí o especial significado que assume, entre nós, o princípio da


legalidade, como expressão primeira da representatividade. Na sua
conformidade, toda ação estatal subordina-se à lei e desta depende.
228
Toda ação pública tem por base e limite a lei.

Trata-se, portanto, de garantia dos indivíduos contra a arbitrariedade e abuso


do poder, sendo fator de estabilidade das relações entre estes e o Estado.

Celso Antônio Bandeira de Mello aponta, além do inciso II do artigo 5º, outras
fontes constitucionais do princípio da legalidade, como o artigo 37, caput, e o artigo 84,
IV, que, segundo o ilustre jurista, atribuem ao princípio da legalidade compostura muito

227
Curso de direito administrativo., p. 100.
228
República e Constituição. São Paulo: Revista dos Tribunais, p. 153-154.
171

estrita e rigorosa, “não deixando válvula para que o Executivo se evada de seus
grilhões”. 229

O princípio da legalidade não se esgota em si mesmo, sendo meio de


implementação de muitos outros princípios, mas seguindo o entendimento esposado
por Alberto Martins, destacamos o da isonomia, haja vista que a lei é o meio mais
eficaz de sua implementação. Diz o autor: “(...) isto porque, a última razão de ter-se
obrigado a Administração a agir segundo a lei foi a clara e nobre intenção republicana
de igualar os Homens, dando a cada um o que é seu”. 230

Nesse sentido, indispensável invocar novamente as sábias ponderações de


Celso Antônio Bandeira de Mello, que ao abordar o princípio da legalidade consignou
que quando o Estado está submetido a um quadro normativo, concretizado mediante
normas gerais e abstratas, e por isso mesmo impessoais, está sujeito a ações que
afastam favoritismos, perseguições ou desmandos, apontando para a implementação
do princípio da isonomia e também, como se denota de sua lição, ao da
impessoalidade. Para o jurista, o princípio da impessoalidade é o próprio princípio da
231
igualdade ou isonomia . São suas palavras: “O princípio da legalidade contrapõe-se,
portanto, visceralmente, a quaisquer tendências de exacerbação personalista dos
governantes.” 232

A Constituição Federal de 1988 introduziu o princípio da impessoalidade -


que surgiu pela primeira vez com essa denominação - explicitamente no caput do artigo

229
Segundo o mesmo autor há situações excepcionais em que a Carta Magna afasta a incidência do princípio da
legalidade e faculta que o Presidente da República enfrente situações anômalas, que exigem uma atuação ágil. É o
caso das medidas provisórias (art. 62, parágrafo único); decretação do Estado de Defesa (art. 136) e do Estado de
Sítio (arts. 137 a 139). In: Curso de direito administrativo. 22ª ed., Op. cit., p. 99 e p. 103.
230
Os princípios do processo sancionatório na Lei paulista 10.177/98. In: MUÑOZ Guilhermo Andrés &
SUNDFELD, Carlos Ari (coords.). As leis de processo administrativo: Lei federal 9.784/99 e Lei paulista 10.177/98.
São Paulo: Malheiros, 2000, p. 175.
231
Op. cit., p. 110.
232
Ibidem, p. 97.
172

37. Embora esse não apareça de forma expressa na Lei Federal de Processo
Administrativo (Lei nº 9.784/99), está implicitamente nela contido. 233

Esse é o posicionamento adotado por Maria Sylvia Zanella Di Pietro, ao


apontar que quando a Lei Federal exige, no artigo 2º, parágrafo único, inciso III,
“objetividade no atendimento do interesse público, vedada a promoção pessoal de
agentes ou autoridades”, está aquele princípio se referindo, e o faz nos dois sentidos
que sua leitura admite, em relação aos administrados ou em relação à própria
Administração. 234

A doutrina apresenta posições diferenciadas quanto ao conteúdo do princípio


da impessoalidade, sobretudo no que diz respeito a confundir-se com o princípio da
isonomia previsto no caput do artigo 5º da Carta Magna. Lúcia Valle Figueiredo, por
exemplo, assinala que apenas numa primeira leitura poder-se-ia concluir que o princípio
da impessoalidade consubstancia-se no da igualdade, mas que não é assim, e que
embora estejam próximos não se confundem. Afirma que a impessoalidade pode levar
à igualdade, mas com ela não se confunde 235.

Em brevíssimas palavras, o princípio da igualdade abriga o tratamento


isonômico dos envolvidos, de modo que o administrador deverá agir segundo regra
objetiva e previamente estabelecida, em todas as situações. É a igualdade entre as
partes, admitindo-se certas “desigualações”, quando coerentes e justificadas. Assim,
situações diferenciadas podem ser estabelecidas, desde que decorram de igualdades

233
Podemos ainda encontrar outras referências constitucionais a esses princípios no art. 37, inciso XXI (licitação) e
inciso II (concurso público).
234
Segundo a autora, referido princípio dá margens a diferentes interpretações, pois quando se exige impessoalidade
da Administração, tal atributo pode se dar em relação aos administrados ou em relação à própria Administração. No
primeiro sentido, estaria relacionado com a finalidade pública que deve nortear a atividade administrativa, que não
pode atuar beneficiando ou prejudicando determinadas pessoas, e no segundo sentido, significa que os atos da
Administração não são do funcionário que os pratica, mas do órgão ou entidade administrativa da Administração
Pública. Cita José Afonso da Silva, ao dizer que “as realizações governamentais não são do funcionário ou da
autoridade, mas da entidade pública em nome de quem as produzira”. No que tange à Lei Federal de Processo
Administrativo, lembra ainda que, nos artigos 18 a 21, que estabelecem normas sobre impedimento e suspeição, está
a lei se referindo ao princípio da impessoalidade. In: Direito administrativo. 14ª ed. p. 71.
235
Curso de direito administrativo. 8ª ed. rev., ampl. e atual., p. 63.
173

ou desigualdades existentes e que o estabelecimento das diferenciações seja


devidamente demonstrado. 236

A ilustre professora Lúcia Valle Figueiredo afirma que o princípio da


igualdade é um limite ao legislador e ao aplicador da lei, juiz ou administrador, pois
estes não são livres e devem respeitar os princípios constitucionais. Nessa medida, traz
à baila a relevantíssima diferenciação entre a igualdade na lei e perante a lei. A
igualdade na lei seria a aplicação do princípio sem discriminações, no momento de
aplicar a lei. A igualdade perante a lei é a garantia de que a lei a ser aplicada preservou
os princípios constitucionais e os direitos e garantias dos indivíduos. 237

Ainda incluiremos outro princípio nesse primeiro “bloco” e assim o estamos


fazendo apenas por uma questão de sistematização, pois, como já dissemos, os
princípios terminam por se desdobrar em outros que os complementam ou que
contribuem para a sua implementação. Aqui, agrupamos os princípios que identificamos
como implementadores do princípio da legalidade e, a seguir, inseriremos o princípio da
finalidade, diante de sua estreita proximidade com a legalidade. Assim é que o
consagrado mestre Celso Antônio Bandeira de Mello considera que a finalidade

236
A respeito do conteúdo do princípio da igualdade, citamos algumas passagens do voto do brilhante Ministro do
Supremo Tribunal Federal, Carlos Ayres Brito, na Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 3.330-1 –DF: “O
substantivo ‘igualdade’ mesmo significando qualidade das coisas iguais (e, portanto, qualidade das coisas idênticas,
indiferenciadas, colocadas no mesmo plano ou situadas no mesmo nível de importância), é valor que tem no combate
aos fatores de desigualdade o seu modo próprio de realização. Quero dizer: não há outro modo de concretizar o valor
constitucional da igualdade senão pelo decidido combate aos fatores reais de desigualdade. O desvalor da
desigualdade a proceder e justificar a imposição do valor da igualdade”. E mais à frente: “Nessa vertente de idéias,
anoto que a desigualação em favor dos estudantes que cursaram o ensino médio em escolas públicas e os egressos de
escolas privadas que hajam sido contemplados com bolsa integral não ofende a Constituição pátria, porquanto se
trata de uma discrímen que acompanha a toada da compensação de uma anterior e factual inferioridade. Isso, lógico,
debaixo do primacial juízo de que a desejada igualdade entre as partes é quase sempre obtida pelo gerenciamento do
entrechoque de desigualdades (uma factual e outra jurídica, esta última a contrabalançar o peso da primeira). Com
isso se homenageia a insuperável máxima aristotélica de que a verdadeira igualdade consiste em tratar igualmente os
iguais e desigualmente os desiguais, máxima que Ruy Barbosa interpretou como o ideal de tratar igualmente os
iguais, sim, porém na medida em que se igualem; e tratar desigualmente os desiguais, também na medida em que se
desigualem”. Recomendamos também a leitura da obra de Celso Antônio Bandeira de Mello, O conteúdo jurídico do
Princípio da Igualdade.
237
Op. Cit., p. 48-49.
174

encarta-se no princípio da legalidade, uma vez que compreender o objetivo da lei é


condição para entendê-la. 238

Tem o princípio da finalidade papel importantíssimo para manter o


administrador circunscrito ao que pretendeu a previsão normativa ao lhe conferir
competência. As competências são instrumentos colocados apenas para que o agente
público atinja as finalidades da lei, ou seja, desempenhe a função administrativa apenas
para atingir as finalidades buscadas pela lei, que sempre são o interesse público
primário, e não o interesse da Administração e, menos ainda, do administrador.

Não é por outra razão que Celso Antônio Bandeira de Mello o coloca como
encartado na legalidade. Por óbvio que não basta a mera previsão legal, mas, como
afirmam Sérgio Ferraz e Adilson Abreu Dallari, “é preciso examinar, também, à luz das
circunstâncias do caso concreto, se o ato em exame atendeu ou concorreu para o
atendimento do específico interesse público almejado pela previsão normativa
genérica”. 239

O princípio da finalidade não está expresso na Carta Magna, tratando-se de


princípio implícito. Sem afastar a relevância que assume em qualquer questão, veremos
que em matéria sancionatória o princípio da finalidade atinge fundamental e
inquestionável importância.

No plano infraconstitucional, está expressamente disposto dentre os


arrolados no artigo 2°, caput, da lei federal de processo. A lei estadual paulista, além de
inserí-lo dentre os princípios arrolados no artigo 4º, foi além, expressando no artigo 5º o
conteúdo já explorado pela doutrina. Assim, essa lei, dirigindo-se ao intérprete e ao
aplicador da norma administrativa, impõe que: “a norma administrativa deve ser

238
O tema é abordado pelo jurista da seguinte forma: “não se compreende uma lei, não se entende uma norma, sem
entender qual o seu objetivo Donde, também não se aplica uma lei corretamente se o ato de aplicação carecer de
sintonia com o escopo por ela visado. Implementar uma regra de Direito não é homenagear exteriormente sua dicção,
mas dar satisfação a seus propósitos. Logo, só se cumpre a legalidade quando se atende à sua finalidade. Atividade
administrativa desencontrada com fim legal é inválida e por isso judicialmente censurável”. In: Curso de direito
administrativo, p. 74.
239
Op. cit., p. 58.
175

interpretada e aplicada da forma que melhor garanta a realização do fim público que se
dirige”.

Como já comentado, o princípio da finalidade assume especial relevância em


tema de atuação punitiva do Estado, sendo um dos aspectos que os doutrinadores
apontam para diferenciar as penas e as infrações administrativas. Muitos doutrinadores
fixam na finalidade da punição a diferenciação ente sanção penal e administrativa,
como veremos mais adiante.

Carlos Ari Sundfeld adverte para a importância do estudo do princípio da


finalidade no tema de sanção administrativa, dizendo o seguinte: “tem grande
importância, ao estudar-se a sanção administrativa em conexão com o procedimento
que a deve anteceder, atentar para sua finalidade”. Segundo ele, é sempre a de impor
uma conseqüência desfavorável ao infrator, para castigá-lo, quando assume tom
didático, seja para permitir sua recuperação, seja para ressarcir o lesado do prejuízo
que lhe foi causado 240. As sanções devem levar sempre em consideração o objetivo
principal para o qual foram instituídas.

Assim também entende Alberto Martins, que, referindo-se aos princípios do


processo administrativo aplicáveis ao processo sancionatório, indica o da finalidade,
com a seguinte observação: “sua aplicação ao Processo Sancionatório é de grande
importância e faz com que a Administração fique impedida de agir com desatenção à
finalidade legal, o que não raro ocorre”. 241

Princípios do contraditório e da ampla defesa e seus corolários

Os princípios do contraditório e da ampla defesa, vazados nos termos


estabelecidos no inciso LV do artigo 5º da Constituição Federal, como já vimos, são

240
A defesa nas sanções administrativas. Revista Forense, v. 298, Abr./Maio/Jun. 1987, p. 100.
241
Op. cit., p. 181.
176

inerentes ao devido processo legal e têm como corolários vários outros princípios que
deverão incidir para que efetivamente restem observados.

O princípio do contraditório é visto como condição essencial para a garantia


de uma decisão justa em face do conteúdo substancial do devido processo legal, à
medida que para sua observância não basta um procedimento encadeado e seqüencial
de atos voltados a um resultado final, sendo necessário, sim, um processo que
assegure todas as garantias do contraditório, que engloba a produção de provas com a
efetiva participação das partes envolvidas e a ampla defesa, além de um julgamento
realizado por juiz imparcial, mediante procedimentos previamente estabelecidos que
assegurem tratamento isonômico aos envolvidos e eventualmente atingidos pelo ato.

Embora o contraditório e a ampla defesa não se confundam, é comum


encontrarmos, na doutrina e também nas referências jurisprudenciais relacionadas às
garantias dos sujeitos no desenvolvimento do processo em que haja acusados ou
litigantes, menção a ambos, sem maior preocupação no estabelecimento do conteúdo
de cada um de forma absolutamente apartada, uma vez que se complementam.

Segundo Maria Sylvia Zanella Di Pietro, o princípio do contraditório supõe o


conhecimento dos atos processuais pelo acusado e seu direito de resposta ou de
reação, sendo inerente ao direito de defesa e decorrente da bilateralidade do processo,
à medida que, quando uma parte alega uma coisa, há de ser ouvida também a outra,
dando-se-lhe oportunidade de resposta. 242

No mesmo sentido é o entendimento de Carlos Roberto Siqueira Castro, ao


afirmar que o princípio do contraditório desdobra-se na existência da informação e na
possibilidade de reação. 243

242
Direito administrativo, p. 412.
243
Op. cit., p. 293.
177

Assim, acreditamos que na informação estará implícita a necessidade da


ciência efetiva de tudo o que se passa no processo, ao passo que na reação estará
compreendida a interferência direta do administrado na produção das provas
necessárias a sua defesa. Na reação surgem os elementos configuradores da ampla
defesa, quando incidirão os princípios indispensáveis a sua garantia. Com isso
queremos afirmar que a prévia e integral ciência aos envolvidos e atingidos, bem como
a possibilidade de reagir, é conteúdo do princípio do contraditório, e na reação, no seu
efetivo exercício, estará o conteúdo da ampla defesa.

Desse modo, a ampla defesa seria desdobramento, conseqüência lógica do


contraditório, que por sua vez deve ser entendido como a interferência ampla na defesa
e produção da prova.

Egon Bockmann Moreira tratou de forma bastante aprofundada do conteúdo


dos princípios do contraditório e da ampla defesa, dedicando capítulo específico para
um deles, razão pela qual recomendamos a leitura de sua obra para maior
aprofundamento sobre o tema. Em linhas gerais, todavia, seu entendimento não destoa
daquilo que até aqui foi dito, no sentido de que o contraditório “significa a participação
do administrado na integralidade do processo administrativo, no exercício do direito de
influenciar ativamente a decisão a ser proferida”. Para o jurista, o contraditório vai além
da mera garantia formal da cientificação de tudo o que se passa no processo às partes
e aos interessados, envolvendo também seus desdobramentos substanciais, ou seja, a
garantia de que se alcancem resultados concretos a partir da participação dos
interessados. 244

Com relação à ampla defesa, diz o autor tratar-se de “garantia de poder


defender-se e articular suas razões, garantia de que essas razões serão apreciadas e
levadas em conta, garantia de um processo legítimo e garantia do respeito a um Estado
Democrático de Direito.” 245

244
Processo administrativo – princípios constitucionais e a Lei 9.784/1999, p. 276-277.
245
Ibidem, p. 298.
178

Via de regra, para que se considere observado o princípio, a defesa deve ser
prévia e para que seja efetivamente assegurada os prazos devem ser exeqüíveis,
devem ser compatíveis e proporcionais ao grau de dificuldade do caso concreto, a fim
de que se possibilite a adoção das providências necessárias para o cumprimento do
devido processo legal em sentido material, pois a mera observância do prazo legal
pode apenas garantir o devido processo em sua dimensão formal, já que, diante do
caso concreto, este pode ser insuficiente e, portanto, não cumprir sua finalidade.

No princípio da ampla defesa também está inserido o direito de recorrer e


isso em decorrência dos próprios dispositivos constitucionais consubstanciados nos
incisos LIV e LV do artigo 5º da Lei Fundamental brasileira. Mas a Lei Federal de
Processo Administrativo, Lei nº 9.784/99, ao tratar dos recursos em seu Capítulo XV,
inclui expressamente o direito à interposição de recursos no conteúdo da ampla
defesa. 246

Conforme se concluiu dos ensinamentos doutrinários, decorrerão do


contraditório e da ampla defesa os seguintes princípios:

Direito de audiência dos interessados, que, segundo entendimento de


Héctor Escola, constitui-se, em essência, na possibilidade de ser ouvido no curso do
procedimento administrativo, tendo a possibilidade de fazer escutar as razões e
alegações no momento oportuno, tendo como único limite o decoro e a boa ordem do
procedimento.

De acordo com o jurista argentino, para que se cumpra o princípio da


audiência do interessado, não basta a mera formalidade da notificação, devendo
ocorrer a efetiva possibilidade de o administrado ser ouvido, o que inclui a oportunidade

246
Celso Antônio Bandeira de Mello diz que os dispositivos consubstanciados nos incisos LIV e LV do artigo 5º da
Constituição Federal consagram “a exigência de um processo formal regular para que sejam atingidas a liberdade e a
propriedade, de quem quer que seja e a necessidade de que a Administração Pública, antes de tomar decisões
gravosas a um dado sujeito, ofereça-lhe oportunidade de contraditório e de defesa ampla, no que se inclui o direito de
recorrer das decisões tomadas” . In: Curso de direito administrativo.
179

de conhecer todos os elementos do procedimento, seu caráter e finalidade, devendo


ainda as informações ser leais. 247

Como se denota, a garantia não se resume a uma única manifestação,


requerendo a oportunidade de o interessado se manifestar durante todo o
desenvolvimento do processo e com livre acesso ao expediente administrativo, o que
significa que lhe devem ser franqueadas vistas do processo, de modo que as
informações, ainda que declaradas reservadas, confidenciais ou secretas, não lhe
poderão ser ocultadas, e nesses casos deverá ser exigida a observância das
precauções e cuidados necessários à segurança das informações sigilosas.

Correlato a esses direitos está o direito à representação ou direito de ser


assistido por pessoa capaz. Trata-se de assessoramento profissional técnico
qualificado, não somente quando o administrado esteja impossibilitado de se defender
pessoalmente, mas quando considerar adequada a representação, por qualquer outro
motivo, como, por exemplo, a necessidade de apurações técnicas que demandem a
realização de perícia. 248

Lúcia Valle Figueiredo, denominando-o de defesa técnica, afirma que o


direito está ínsito no direito de ampla defesa inserido no processo penal, uma vez que
sempre que houver “acusação” (processo sancionatório ou disciplinar), se a parte não
se defender por meio de advogado, deverá ser nomeado defensor. Se não houve
constituição de defesa, seja por revelia ou por vontade da parte, a nomeação de
defensor dativo é obrigatória, sob pena de nulidade, tal qual ocorre no processo
penal. 249

247
Nessa senda, informa que a Corte Suprema de Justiça argentina tem entendimento no sentido de que: “la
audiencia del interesado supone la leal información del mismo de la existencia de la cuestión que le incumbe,
porque lo que la garantía constitucional tutela no es la mera formalidad de la citación de los litigantes, sino la
posibilidad de su efectiva participación útil en el litigio”.Op. cit., p. 145.
248
No processo tributário, o Decreto 70.235/72, alterado pela Lei n.º 8.748/93, prevê a figura do perito do sujeito
passivo em seu artigo 18, parágrafo 1.º. Não se aplica, porém, somente ao processo tributário.
249
Op. cit., p. 452.
180

Para Jesus Gonzalez Salinas, a prova no processo administrativo serve de


contrabalanço à prerrogativa da Administração, já que esta funciona como juiz e
parte. 250

Diz Héctor Escola que para que a defesa seja completa não basta ser
ouvido, devendo ser reconhecida ao interessado a possibilidade de produzir provas e
efetivamente produzí-las antes da decisão que colocará fim ao procedimento. Assim, o
efetivo contraditório inclui o direito à produção das provas necessárias à demonstração
do direito.

O renomado autor cita Gordillo, para quem o direito de oferecer e produzir


provas compreende: (a) que toda prova razoável seja produzida, devendo a decisão de
não a aceitar ser feita com extrema cautela e razoabilidade; (b) que as provas sejam
produzidas antes da decisão; e (c) possibilidade de controle da produção das provas
pelo administrado, não só com referência às produzidas por ele, mas às que a própria
Administração tenha feito, ou mesmo outra parte envolvida. 251

Como se constata, é possível que o administrador indefira a produção de


prova requerida pela parte, desde que demonstre que as provas são impertinentes,
procrastinatórias ou tenham por finalidade tumultuar o processo. Também estão
vedadas as provas ilícitas. 252

250
Em relação ao procedimento sancionatório, o jurista argentino cita a lei de processo administrativo argentina, que
dispõe em seu artigo 136 o seguinte: “El instructor ordenará la práctica de cuantas pruebas y actuaciones
conduzcan al esclarecimiento de los hechos y a determinar las responsabilidades susceptibles de sanción”. In:
Procedimiento administrativo. Universidad Del Norte Santo Tomas de Aquino – Católica de Tucuman. Argentina:
UNSTA, 1982, p. 138.
251
Op. Cit., p. 147.
252
A Lei n.º 9.784/99, em seu artigo 30, veda expressamente a utilização de provas obtidas de maneira ilícita. A
professora Lúcia Valle Figueiredo informa, em sua obra Curso de Direito Administrativo, que no caso de gravação
de conversas a jurisprudência tem aceitado a prova quando aquele que pretende utilizá-la tenha participado, caso
contrário deve ser recusada. Quanto à escuta telefônica como prova utilizável, a jurista cita acórdão do STF,
proferido nos autos do HC 69.912-0-RS, Rel Min Sepúlveda Pertence, no sentido de que deve haver autorização
legislativa, até agora não editada, indicando as hipóteses e formas admitidas.a fim de que o juiz possa, nos termos do
artigo 5º, XII, da Constituição Federal, autorizar a interceptação de comunicação para fins de investigação. (Op. cit.,
p. 449-450).
181

O direito à notificação do interessado inclui, certamente, a notificação do


teor da decisão, a partir da qual surge o direito de recorrer ou o direito ao duplo grau,
inerente ao contraditório e à ampla defesa.

Trata-se do direito ao reexame da matéria, o que engloba a possibilidade da


revisão da decisão, pela mesma autoridade (reconsideração), ou por autoridade
hierarquicamente superior (revisão). Assim, conforme asseveram García de Enterría e
Tomás Ramón Fernandez, os recursos administrativos têm como nota característica a
finalidade impugnatória dos atos e disposições preexistentes e são interpostos e
resolvidos perante a própria Administração, que reúne, neste caso, a dupla condição de
juiz e de parte. 253

Celso Antônio Bandeira de Mello considera que o princípio da revisibilidade é


princípio geral de direito, além de embasar-se no direito de petição previsto no artigo 5º,
XXXIV, da Constituição Federal. Ademais, considera estar ele implícito na estrutura
hierarquizada da Administração Pública. 254

Na mesma linha é o entendimento de Maria Sylvia Zanella Di Pietro, que o


denomina de princípio da pluralidade de instâncias decorrente do poder de autotutela
da Administração e que lhe permite rever seus próprios atos quando ilegais,
inconvenientes ou inoportunos, existindo tantas instâncias administrativas quantas
forem as autoridades com atribuições superpostas na estrutura hierárquica. Assim, o
administrado que se sentir lesado pode interpor recursos hierárquicos até chegar à
autoridade máxima da organização administrativa. 255

Isso sem prejuízo da inafastável viabilidade da revisão dos atos pelo Poder
Judiciário, conforme garantia insculpida no inciso XXXV do art 5º da Constituição

253
Curso de derecho administrativo,.p. 416-417.
254
Curso de Direito Administrativo. 22 ed., p. 487.
255
Op. cit., p. 515-516.
182

Federal, direito que decorre do devido processo legal, como já destacamos no início
deste capítulo. 256

Todavia, embora a revisibilidade pelo Poder Judiciário seja garantia


inafastável, concordamos plenamente com Lúcia Valle Figueiredo, quando observa que
remeter o administrado a via mais onerosa, quando a questão pode ser resolvida pela
via administrativa, afronta os princípios do informalismo a favor do administrado, da
verdade material, economia processual e gratuidade. 257

Princípio da motivação

Em texto publicado sob o título “Processo Administrativo e Constituição de


1988”, o professor da Universidade Católica carioca, Sérgio Ferraz, lamenta que, por
ocasião da elaboração do artigo 37 da Carta Magna, restou amesquinhada sua
redação, com a supressão dos princípios da motivação e da proporcionalidade. Não
obstante, constata o ilustre jurista que os processos administrativos hão de ser
motivados, não só por simetria e aplicação analógica ao que a Constituição dispôs para
o ato judicial no inciso IX do artigo 93, mas, sobretudo e diretamente, em razão da
garantia de ampla defesa insculpida no inciso LV do artigo 5º:

(...) somente realizável, na sua inteireza, se declarada e conhecida a


motivação do agir administrativo (através do desvendamento da
motivação fazendo-se, ao mesmo tempo, cristalina e pública a
proporcionalidade da atuação da Administração Pública. 258

Na mesma linha de raciocínio, a professora Lúcia Valle Figueiredo afirma que


o fundamento constitucional do princípio da motivação está albergado no inciso X do
artigo 93 da Carta Magna, que obriga sejam as decisões administrativas do Judiciário
256
O esgotamento da via administrativa, como condição para que se recorra às vias judiciais, depende do
estabelecido no ordenamento de cada país. No Brasil, não se exige o exaurimento da via administrativa para que o
administrado possa se valer da via judicial. Na Espanha, por exemplo, o esgotamento administrativo é obrigatório. Já
na França, trata-se de mera opção do administrado. (ENTERRÍA, García de. Op. cit., p. 418-419)
257
Op. cit., p. 451. Sobre o assunto, recomendamos a leitura do texto “Recursos no processo administrativo”, de
autoria de Cássio Scarpinella Bueno, constante da sua obra As leis de processo administrativo – Lei Federal nº
9.784/99 e Lei paulista nº 10.177/98 (São Paulo: Malheiros, 2000), em que o autor, às p. 187-226, analisa o
tratamento dado aos recursos pelas leis federal e estadual paulista de processo administrativo.
258
RTDP, nº 1, 1993, p. 86-87.
183

motivadas, já que, se o Judiciário, no exercício de sua função atípica, está obrigado a


motivar seus atos, não haveria razão para estar o administrador isento da mesma
obrigação. 259

Celso Antônio Bandeira de Mello aponta ainda vários outros dispositivos


constitucionais em que estaria albergado o princípio da motivação, voltados à
valorização da cidadania e à soberania popular (artigo 1º, incisos I e II, e parágrafo
único), às garantias constitucionais relativas ao direito de informação sobre dados e
registros administrativos (artigo 5º, XXXIII, XXXIV, “b”, e LXXII), no dever administrativo
de publicidade (artigo 37, caput), e por fim, por aplicação analógica ao disposto no
artigo 93, incisos IX e X, da Carta Magna. Explica o ilustre mestre que tais dispositivos
demonstram haver um projeto constitucional que assegura a transparência da
Administração, no sentido de que está assegurado ao administrado não somente saber
o que a Administração faz, mas também por que o faz. 260

O conteúdo do princípio é a exposição administrativa, ainda que sucinta, das


razões que levaram à prática do ato, a explicitação das circunstâncias de fato que,
ajustadas às hipóteses normativas, determinaram a sua prática.

Explica Lúcia Valle Figueiredo que não se trata de mera alusão a dispositivos
legais, pois isto não serve para justificar a prática do ato, de forma que faz
esclarecedora distinção entre a motivação e a fundamentação do ato. A alusão aos
dispositivos legais seria fundamentação, mas não motivação. 261

Héctor Escola, por sua vez, referindo-se ao direito de uma decisão motivada
ao tratar do direito do administrado de ser ouvido, afirma ser dever geral da
Administração motivar seus atos. Para o jurista, na motivação da decisão devem estar
mencionadas as causas que a determinaram, como garantia da regularidade da

259
Curso de direito administrativo, p. 52-53.
260
Op. cit., p. 486.
261
Ibidem, p. 193-194.
184

atuação administrativa, entendendo, igualmente, tratar-se de eficaz meio de controle da


Administração.

Diz o referido autor que essa regra, de observância obrigatória pelo


administrador, se transforma para o administrado na prerrogativa de que, ao motivar o
ato, deva-se fazer menção às suas pretensões e alegações, aceitando-as total ou
parcialmente ou afastando-as mediante as devidas razões. 262

Assim, as petições feitas pelos interessados devem ser objeto de


conhecimento e manifestação, resultando em obrigação de duas ordens para a
Administração: considerar os argumentos e razões do administrado, referindo-se a elas
por ocasião da decisão, e resolver expressamente, aceitando ou afastando as razões
alegadas.

O direito a uma decisão fundamentada, que conheceu e enfrentou as


manifestações introduzidas durante a instrução do processo, ou seja, a motivação das
decisões, é uma das formas mais eficazes de controle dos atos administrativos, pois, se
não explicitadas as razões condutoras do ato, não será viável aferir se este se manteve
dentro da competência administrativa e da razoabilidade.

O princípio está ainda expresso dentre o rol de princípios norteadores do


processo administrativo em âmbito federal, conforme o artigo 2º da Lei nº 9.784/99 263.
Referida lei dedicou o Capítulo XII ao princípio da motivação e definiu no artigo 50, in
verbis: “Os atos administrativos deverão ser motivados, com a indicação dos fatos e dos
fundamentos jurídicos”. Complementou, no § 1º desse dispositivo, que a motivação
264
deve ser explícita, clara e congruente.

262
Tratado general de processo administrativo, p. 148.
263
A lei de processo administrativo paulista, nº 10.177/98, também previu expressamente o princípio da motivação
em seu artigo 4º, dentre os demais princípios regedores da atuação administrativa.
264
No entanto, a lei não adotou a corrente doutrinária segundo a qual todos os atos administrativos necessitam de
motivação. Isto porque, no artigo 50 a lei arrola as situações em que o ato deverá ser motivado. Aparentemente, esse
tratamento legal não é adequado, configurando restrição do âmbito de incidência do princípio, o que é intolerável,
nas palavras de Celso Antônio Bandeira de Mello, que aponta, por exemplo, não constar no rol os atos ampliativos
de direito. Lúcia Valle Figueiredo lembra que a Administração não pode conceder a alguns o que nega a outros sem
185

A ausência, prévia ou concomitante, da motivação configura vício por si só


capaz de gerar a nulidade do ato praticado.

Princípio do juiz natural

O princípio do “juiz natural” ou “administrador competente” está previsto


nos incisos LIII e XXXVII do artigo 5º da Constituição Federal. É o primeiro princípio a
ser citado por Lúcia Valle Figueiredo quando trata do procedimento administrativo,
como pertinente ao devido processo legal. Segundo a jurista, trata-se do juiz
competente para o feito, já designado pela norma, ou o administrador já com a
competência anteriormente estabelecida para o fato. 265

Traduz-se como verdadeira garantia de um julgamento imparcial, vedando-se


a designação de administrador ad hoc ou órgão colegiado posteriormente à ocorrência
do fato. A competência deve preexistir ao fato, e não ser atribuída apenas para dada
situação. 266

Se a existência de um Judiciário independente é requisito à qualificação do


Estado como de Direito, é elemento indispensável à configuração do devido processo
legal, ao lado da ampla defesa e do contraditório, que ele seja imparcial, ou seja, que
inexistam foros privilegiados e tribunais de exceção. Estão excluídas destas situações
as hipóteses de foro especial, pois, como observa o saudoso Geraldo Ataliba, trata-se

motivação. Constitucionalmente, a motivação se torna obrigatória em outras hipóteses, razão pela qual entendemos
que o rol não pode ser tido como exaustivo, apesar de não ter dado qualquer indicação nesse sentido. Se for tido por
exaustivo, estaremos diante de uma restrição inconstitucional.
265
Op. cit., p. 444. A Lei Federal nº 9.784/99 regulou o instituto da competência em seu Capítulo VI, em que
procurou limitar as ações de avocação e de delegação, largamente utilizadas na Administração Pública, muitas vezes
a ponto de desnaturar o administrador competente.
266
Lúcia Valle Figueiredo aponta as exceções relacionadas à mudança legal de competências para situações em
geral, e não para situação específica ou para comissões que tenham de ser formadas para situações singulares (Cf..
Curso de direito administrativo. 8. ed., p. 444).
186

de hipóteses previstas na própria Constituição, que não se confundem com privilégio,


nem com exceção. 267

Cássio Scarpinella Bueno destaca a relevância do princípio, sobretudo


quando analisado em seu contexto histórico de perseguições, a ponto de alguns juristas
identificá-lo como o único pressuposto processual de existência do processo, ou seja, o
único requisito que necessariamente deve estar presente para que se possa conceber a
atuação do Estado-juiz. Diz, ainda, que a doutrina não hesita em indicar o princípio da
imparcialidade como decorrência do princípio do juiz natural, ou como fator que o
complementa. 268

A jurisdição é fixada pelas regras do instituto da competência, as quais


estabelecerão antecipadamente quais órgãos ou agentes investidos nos cargos serão
competentes para determinadas ações, sempre de forma anterior e abstrata. No âmbito
do processo administrativo não é diferente, e é por essa razão que Lúcia Valle
Figueiredo, como mencionado adrede, faz referência ao “administrador competente”
como aquele já competente antes da ocorrência do fato.

Princípio da publicidade

O princípio da publicidade está explicitamente previsto no caput do artigo


5º da Constituição Federal e também contemplado nos incisos XXXIII e XXXIV desse
mesmo dispositivo, relativos, respectivamente, ao direito de informação e de certidão.

Egon Bockmann Moreira indica ainda os incisos LX e LXXII do artigo 5°, o


caput e § 3°, II, do artigo 37, e o inciso IX do artigo 93, todos da Constituição Federal,
267
República e Constituição, p. 155. Ao tratar dos instrumentos e condições da República, Geraldo Ataliba cita
Balladore Pallieri (Diritto Costituzionale, p. 85), dizendo: “Balladore Pallieri demonstra a impossibilidade de
qualificar-se como estado de direito aquele onde o Poder judiciário não seja efetivamente imparcial, como aliás
decorre da própria proposta contida na mitologia grega e traduzida ma imagem de Têmis, a Deusa da Justiça: uma
mulher que segura a balança do direito de olhos vendados, exatamente para não saber a quem favorece ou a quem
desagrada o movimento do peso da balança. Este é o símbolo máximo da imparcialidade que, desde as mais remotas
eras, se desejou da magistratura judicial” (Op. cit., p. 88).
268
Curso sistematizado de direito processual civil: teoria geral do direito processual civil. São Paulo: Saraiva, 2007,
p. 115-117.
187

como dispositivos que dão magnitude ao princípio da publicidade, ampliado, segundo


ele, pela Carta Magna de forma jamais vista na história constitucional brasileira. 269

Trata-se de princípio inerente ao Estado Democrático de Direito, sendo dever


da Administração manter plena transparência de seus atos e comportamentos,
considerando-se que exerce o poder em nome do povo, nada tendo a esconder dos
verdadeiros titulares do poder.

Ainda, acrescenta Egon Bockmann Moreira que a finalidade do princípio da


publicidade é levar a informação definida e precisa ao conhecimento dos interessados,
e, se restrita a divulgação tanto no que diz respeito ao seu conteúdo como em relação
às pessoas a serem alcançadas, não se poderá reputar como atendido o princípio. 270

No âmbito do processo administrativo, o princípio possui inegável relevância,


à medida que a publicidade manterá informados os sujeitos afetados individualmente
pelo Estado. Nesse sentido, afirma Maria Sylvia Zanella Di Pietro que o princípio aplica-
se ao processo administrativo, por ser pública a atividade da Administração, de modo
que os processos que ela desenvolve devem estar abertos ao acesso dos interessados,
que seriam todos os que eventualmente tenham algum interesse atingido por ato
constante do processo, ou que atuem na defesa do interesse coletivo ou geral. 271

Tem, portanto, o princípio da publicidade a função de tornar público o ato


administrativo, tornando-o oficial, e, por outro lado, a de cientificar os interessados dos
procedimentos instaurados que, de alguma forma, possam vir atingi-los.

A lei federal de processo prevê, no inciso V do artigo 2º, que os atos


administrativos devem ser oficialmente publicados, ressalvando as hipóteses de sigilo
estabelecidas na Carta Magna. Por óbvio que a divulgação estabelecida deve ser
realizada de forma a atingir o objetivo do princípio insculpido no caput do art. 37 da

269
Processo administrativo – princípios constitucionais e a Lei 9.784/1999, p. 117.
270
Processo administrativo – princípios constitucionais e a Lei 9.784/1999, p. 125.
271
Op. cit., p. 510.
188

Carta Magna, que é o de dar conhecimento, ciência, dos atos praticados pela
Administração, não só às partes e interessados, mas neste caso também a todos os
administrados.

A lei silencia acerca da declaração de sigilo, apesar de ressalvar as


situações previstas na Constituição, imprescindíveis para a segurança da sociedade e
do Estado. 272

Todavia, ainda que o processo seja sigiloso, deve ser preservada a garantia
de pleno acesso do interessado e seus representantes legais, para preservação da
amplitude de defesa. Caso contrário, segundo Egon Bockmann Moreira, estaria sendo
afrontada a razoabilidade. 273

Princípios da moralidade, da lealdade e da boa-fé

O princípio da moralidade foi constitucionalizado no caput do artigo 37 da


Constituição de 1988 como um dos princípios norteadores da atividade da
Administração Pública, e, segundo Celso Antônio Bandeira de Mello, assumiu foros de
pauta jurídica, de modo que sua violação implica ilicitude que sujeita a conduta viciada
à invalidação. De acordo com o renomado professor, compreendem-se em seu âmbito
os princípios da lealdade e da boa-fé, porque a Administração não deve agir de forma
astuta e maliciosa, mas sim com sinceridade, não confundindo ou dificultando o
exercício dos direitos por parte dos cidadãos. 274

O princípio da moralidade busca fazer com que, no exercício da função


pública, os agentes ajam em conformidade com os princípios éticos. Seria o conjunto
das condutas administrativas realizadas em dada época, de acordo com o que a
sociedade deseja ou espera. Todavia, sabemos que o conceito de ética, cujo objeto de

272
Sergio Ferraz e Adilson Abreu Dallari, sobre o assunto, afirmam que quando a lei for omissa, somente poderá
haver segredo de ordem lógica, ou seja, nas situações em que a prévia divulgação das ações a serem empreendidas
pode torná-las inúteis, mas advertem que não se pode perder de vista de que a regra geral é a publicidade.
273
Op. cit., p. 124.
274
Op. cit., p. 115.
189

estudo é a moral, é bastante relativo e variável, de modo que a definição do conteúdo


do princípio da moralidade não é tarefa fácil.

Comenta Maria Sylvia Zanella Di Pietro que alguns autores não aceitam a
existência desse princípio porque o conceito de moral administrativa é vago e
impreciso, ou que acaba por ser absorvido pelo princípio da legalidade. Assevera,
todavia, que a distinção entre moral e direito é antiga, sendo que a idéia de imoralidade
administrativa surgiu e se desenvolveu ligada à idéia de desvio de poder. A imoralidade
estaria na intenção do agente, e por essa razão muitos entenderam que se reduzia a
uma das hipóteses de ilegalidade que pode atingir os atos administrativos, qual seja, a
ilegalidade quanto aos fins.

Contudo, conclui a renomada professora que, em face do direito positivo


brasileiro, a moralidade não se identifica com a legalidade, sendo princípios
autônomos. 275

Igualmente, Weida Zancaner, discorrendo sobre os princípios da


razoabilidade e moralidade como essenciais à concreção e à persistência do Estado de
Direito, lembra que o princípio da moralidade, mesmo quando ainda não recepcionado
pelo direito positivo, não passou desapercebido pelos juristas, a exemplo de Hauriou e
seu discípulo Welter, que já o viam como obediência às regras da boa administração,
voltada à missão da Administração Pública, associada à idéia finalística do direito, ou
seja, às idéias de interesse público e de função, coincidindo, assim, com o princípio da
legalidade em sentido amplo.

Porém, pondera a jurista que a compreensão do princípio da moralidade


como princípio autônomo é mais consentânea com as idéias que embasam o Estado
Democrático de Direito, e ainda, que sua redução ao da legalidade “obstaculariza que o

275
Direito administrativo, p. 77-78.
190

perfil constitucional do Estado Democrático de Direito se concretize em sua


inteireza”. 276

Egon Bockmann Moreira, acompanhando o conceito formulado por Marçal


Justen Filho 277, entende que o conteúdo do princípio da moralidade não se exaure em
comandos concretos e definidos, não havendo possibilidade de definição apriorística da
moralidade, uma vez que o termo é, por excelência, aberto, fluido. Acrescenta, todavia,
que a adoção de definições fechadas limitaria o conceito que naturalmente é amplo e
implicaria prestígio à moral conservadora. 278

E quanto a esse aspecto, invocamos novamente Weida Zancaner, que, ao


consignar tratar-se a moralidade de conceito de experiência e de valor, ou dos
denominados pela ciência jurídica como conceitos indeterminados, assevera que essa
situação não impede sua compreensão e tampouco sua aplicação, afirmando que tais
conceitos promovem a comunicação jurídica.

Afirmando que a moralidade, ao ser absorvida pelo direito posto, se espraia


por todo o sistema normativo, concorda a ilustre professora com o conceito oferecido
por Marçal Justen Filho, no sentido de que o princípio “contempla a determinação
jurídica da observância de preceitos éticos produzidos pela sociedade, variáveis
segundo as circunstâncias de cada caso”. E em conclusão aduz que:

Esta posição, isto é, a compreensão do princípio da moralidade com um


plus ao princípio da legalidade, inclusive enquanto autônomo em relação
a este, é a aceitação de valores éticos e morais pelo sistema jurídico,
valores que se espraiam por todo o sistema porque ajudaram a compor
o perfil constitucional do estado adotado por uma determinada
sociedade em uma determinada época. 279

276
Razoabilidade e moralidade: princípios concretizadores do perfil constitucional do estado social e democrático de
Direito. In: BANDEIRA DE MELLO, Celso Antônio (org.). Direito administrativo e constitucional: estudos em
homenagem a Geraldo Ataliba. 2ª ed. São Paulo: Malheiros, 1997, p. 629.
277
“O princípio da moralidade é, por assim dizer, um princípio jurídico em ‘branco’, o que significa que seu
conteúdo não se exaure em comandos concretos e definidos, explícita ou implicitamente previstos no Direito
legislado” (Cf. JUSTEN FILHO, Marçal. O princípio da moralidade pública e o direito tributário. RTDP, nº 11, São
Paulo: Malheiros, 1995, p. 44-58).
278
Ibidem, p. 95.
279
Op. cit., p. 632.
191

Após tecer valiosas considerações históricas sobre a evolução do princípio


da moralidade, Lúcia Valle Figueiredo também distingue a moral administrativa da moral
comum. Transpondo para o mundo jurídico a acepção de morale retirada do
Vocabulaire Técnique et Critique de André Lalande, afirma que “o princípio da
moralidade vai corresponder ao conjunto de regras de conduta da Administração que,
em determinado ordenamento jurídico, são consideradas os standards
280
comportamentais que a sociedade deseja e espera.”

Marcio Cammarosano, em sua brilhante tese de doutorado apresentada à


Banca Examinadora da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, posteriormente
publicada, sem desconsiderar as dificuldades desde sempre existentes nas discussões
que envolvem o direito e a moral, propõe-se a desvendar o conteúdo do princípio da
moralidade em face dos preceitos constitucionais e, situando o estudo no plano da
ciência do direito – e, portanto, tendo por objeto do direito posto -, adverte já no início
de sua obra que o princípio da moralidade administrativa, em face do primado da
segurança jurídica e da relatividade da moral, não pode ser considerado como referido
direta e imediatamente à moral comum, mas sim ao próprio direito. Afirma que “é
moralidade jurídica”. 281

O renomado jurista não considera equivocadas as construções teóricas que


buscam um fundamento jurídico para conformar a atuação do administrador público a
determinados valores prevalecentes na sociedade, mas sim a suposição de que:

(...) o princípio da moralidade administrativa nos remete a uma ordem


normativa superior, ou paralela, suplementar ou subsidiária à ordem
jurídica posta; a uma ordem que ‘reflete ou condensa uma moral
extraída do conteúdo da ética socialmente afirmada’, ou que possa se
identificar com ideais de uma justiça absoluta; a uma ordem que permita
superar, enfim, a distinção entre o Direito e a Moral. 282

280
Curso de direito administrativo, p. 57.
281
O princípio constitucional da moralidade e o exercício da função administrativa., p. 14 e 19.
282
Ibidem.
192

Assim, embora advirta que não se deva voltar as costas para as concepções
valorativas prevalecentes na sociedade em um dado momento histórico, conclui que o
princípio da moralidade remete à moralidade jurídica e não à comum. Trata-se de
conteúdo jurídico que incorpora no direito posto os valores que seleciona e
institucionaliza, valores esses consubstanciados em normas jurídicas que os expressam
em conceitos jurídicos indeterminados, retirados do mundo da cultura. Destarte,
reporta-se o princípio a valores albergados no sistema jurídico, “cuja intelecção e
aplicação não pode se dar fora desse mesmo sistema, ainda que permeável, pela
própria fluidez dos conceitos normativos, às concepções significativas prevalecentes em
dada sociedade e em dado momento histórico.” 283

Marcelo Figueiredo, um dos juristas nacionais que tratou do tema de forma


pioneira, após informar em nota de rodapé não haver encontrado no “texto das
constituições do mundo ocidental contemporâneo qualquer alusão ao princípio da
moralidade tal como vazado na Constituição brasileira” 284, aponta em sua obra
basicamente três fases no desenvolvimento do tema da moralidade administrativa:
como elemento interno da legalidade; com a tônica voltada ao controle do ato
administrativo, em que se constata a necessidade de verificação dos motivos e
finalidades consideradas pelo agente público, com apoio nas teorias dos motivos
determinantes e do desvio de poder; e a moralidade sob a perspectiva da ética, do
desejo de um governo honesto. 285

A moralidade, como se constata da evolução das fases indicadas pelo citado


professor, difere da legalidade, porque nem tudo que é legal é honesto, encontrando-se
a moralidade administrativa vinculada à idéia de legitimidade, sendo composta de
regras da boa administração. Defende que há um substrato ético-moral que preside as
relações sociais, terreno em que o direito vai buscar os valores reinantes em dado
tempo e lugar. 286

283
O princípio constitucional da moralidade e o exercício da função administrativa, p. 74-75 e 82.
284
O controle da moralidade na Constituição, p. 16.
285
Ibidem, p. 86.
286
Ibidem, p. 19.
193

Por sua vez, Hely Lopes Meirelles, ao tratar dos princípios básicos da
Administração Pública, diz que além de atender à legalidade os atos do administrador
público também devem se conformar com a moralidade e a finalidade administrativas,
para que sua atuação seja legítima. Também seguindo a orientação no sentido de que
a moral administrativa não se confunde com a moral comum, aduz que aquela está
ligada ao conceito de bom administrador, sendo composta por regras de boa
administração, voltada à busca do bem comum e, nesse sentido, à idéia de função
administrativa. 287

Independentemente das riquíssimas discussões que o princípio alberga, que


podem ser vislumbradas facilmente pela mera descrição do entendimento de alguns
estudiosos, em relação tanto ao seu conteúdo como à sua autonomia, é cediço em
nossa doutrina e jurisprudência que a observância da ética e do princípio da moralidade
na Administração Pública pode e deve ser imposta, existindo uma variedade de
instrumentos de controle. Um deles é a ação popular prevista no inciso LXXIII do artigo
5º da Constituição Federal, por meio da qual qualquer cidadão poderá requerer a
anulação de ato atentatório à moral administrativa.

A Lei Federal de Processo Administrativo (Lei nº 9.784/99) inseriu o princípio


da moralidade no caput do artigo 2º, dentre os demais a serem observados pela
Administração Pública na condução do processo administrativo, exigindo, no inciso IV

287
Analisando a teoria da moralidade administrativa, Hely Lopes Meirelles conclui que “constitui hoje em dia,
pressupostos da validade de todo ato da Administração Pública (Const. Rep. Art 37, caput). Não se trata – diz
Hauriou, o sistematizador de tal conceito – da moral comum, mas sim de uma moral jurídica, entendida como ‘o
conjunto de regras de conduta tiradas da disciplina interior da administração’’”. Citando ainda doutrina de Hauriou,
aduz que “o agente administrativo, como ser humano dotado de capacidade de atuar, deve, necessariamente,
distinguir entre o bem e o Mal, o honesto do desonesto. E ao atuar não poderá desprezar o elemento ético de sua
conduta. Assim, não terá que decidir somente entre o legal e o ilegal, o justo e o injusto, o conveniente e o
inconveniente, o oportuno e o inoportuno, mas também entre o honesto e o desonesto. Por considerações de direito e
de moral, o ato administrativo não terá que obedecer somente à lei jurídica, mas também à lei ética da própria
instituição, porque nem tudo que é legal é honesto, conforme já proclamavam os romanos – non omne quod licet
honestum est. A moral comum, remata Hauriou, é imposta ao homem para sua conduta externa; a moral
administrativa é imposta ao agente público para sua conduta interna, segundo as exigências da instituição a que
serve, e a finalidade de sua ação: o bem comum”. (Direito administrativo brasileiro. 14ª ed. São Paulo: Revista dos
Tribunais, 1989, p. 79).
194

do parágrafo único do mesmo dispositivo, “atuação segundo padrões éticos de


probidade, decoro e boa-fé”.

Conforme acima consignado, entende Celso Antônio Bandeira de Mello que


se compreendem em seu âmbito os princípios da lealdade e da boa-fé. E nessa linha
também Maria Sylvia Zanella Di Pietro assinala que a Administração deve agir com boa-
fé, e que isto faz parte de sua moralidade. 288

De igual forma, Lúcia Valle Figueiredo fala do princípio da boa-fé antes de


abordar a moralidade administrativa, por considerar a estrita simbiose existente entre
eles, de modo a considerar que a boa-fé está implícita no princípio da moralidade.
Indica estar o princípio agasalhado expressamente no artigo 231, § 6º, da Carta Magna,
e em diversas leis regedoras da atividade administrativa, como a de licitações,
concessões e permissões de serviços públicos, e em variadas passagens do Código
Civil. 289

Assim é que os princípios da lealdade e da boa-fé aparecem na legislação


infraconstitucional no sentido de que deve a Administração agir de forma sincera, leal e
honesta, afastando-se comportamentos ardilosos e desleais.

Para Egon Bockman Moreira, o princípio da boa-fé baseia-se na confiança


no comportamento alheio, que tem os componentes da ética e da segurança jurídica,
no sentido de que a conduta administrativa deve guiar-se pela transparência,
estabilidade e previsibilidade. Afirma que “A boa-fé impõe a supressão de surpresas,
ardis ou armadilhas.” 290

Segundo Sérgio Ferraz e Adilson Abreu Dallari, trata-se de importante


instrumento para decisão sobre a manutenção de ato eivado de alguma irregularidade,
à medida que a boa-fé do particular envolvido deve ser levada em consideração, já que

288
Discricionariedade administrativa na Constituição de 1988, p. 109.
289
Op. cit., p. 54.
290
Op. cit., p. 107.
195

sua intenção é relevante para o direito, “no tocante à decisão de validar ou invalidar um
ato, manter ou desconstituir uma situação jurídica, de aplicar ou não uma
penalidade.” 291

Mas a boa-fé não está voltada apenas à Administração, devendo instruir o


comportamento de todos os envolvidos na relação processual, dispondo o artigo 4º da
lei federal de processo administrativo que os particulares devem “proceder com
lealdade, urbanidade e boa-fé” e “não de modo temerário”(incisos II e III). Está
relacionado com a boa-fé o dispositivo da lei que veda a produção de provas ilícitas,
desnecessárias, protelatórias ou impertinentes (art. 38, § 2º).

Princípios da eficiência, da oficialidade, da verdade material e do informalismo

O princípio da eficiência, já implícito em nossa Carta Política, foi galgado a


princípio constitucional explícito por meio da Emenda Constitucional nº 19/98, que, por
ocasião da chamada Reforma Administrativa do Estado, o introduziu no rol do caput do
artigo 37, juntamente com outros dispositivos que tinham por propósito a substituição
do modelo burocrático pelo gerencial, com o abrandamento dos controles rígidos dos
procedimentos e incrementação do controle de resultados.

Foi, portanto, introduzida no bojo desses novos valores, significando, para


Sérgio Ferraz e Adilson Abreu Dallari, que as concepções puramente formalísticas
foram superadas, dando-se maior ênfase ao exame da legitimidade, da economicidade
e da razoabilidade em benefício da eficiência. Desse modo, meras formalidades
burocráticas devem ser superadas quando resultarem em empecilho à realização do
interesse público, devendo o formalismo ceder diante da eficiência. 292

A forma como se deu a introdução do referido princípio rendeu muita crítica


doutrinária, não por se entendê-lo indesejável, mas porque o poder constituinte

291
Processo administrativo, p. 83.
292
Processo administrativo., p. 78.
196

derivado pretendeu instalar um novo modelo de Administração guiado por motivação


ideológica, mediante emenda constitucional. Nas palavras de Egon Bockmann Moreira:

(...) pretendeu outorgar à Administração pública uma máxima não


jurídica, típica da administração e da economia, que se referem
basicamente em desempenho de entes privados. Para tais Ciências, o
conceito do termo ‘eficiência’ pertence à relação entre trabalho, tempo,
investimento e resultado lucrativo obtido em determinada ação
empresarial. 293

Trata-se, portanto, de conceitos diversos daqueles essenciais à


Administração Pública.

Nesse sentido, também a professora Maria Sylvia Zanella Di Pietro realçou a


acentuada oposição entre o princípio da eficiência pregado pela ciência da
administração e o da legalidade, inerente ao Estado de Direito, e, invocando Jesús
Leguina Villa, asseverou que a eficácia que a Constituição exige da Administração não
deve se confundir com a eficiência das organizações privadas, não resultando em valor
absoluto diante dos demais. 294

O respeitado jurista Celso Antônio Bandeira de Mello referiu-se ao princípio


de forma sumária, considerando sua fluidez e dificuldade de controle ao lume do direito,
afirmando só poder ser o princípio concebido na intimidade do princípio da legalidade,

293
Processo administrativo e princípio da eficiência. In MUÑOZ, Guilhermo Andrés & SUNDFELD, Carlos Ari
(coords.). As leis do processo administrativo: Lei federal 9.784/99 e Lei paulista 10.177/98., p. 325-326.
294
Parcerias na Administração Pública. 5ª ed. São Paulo: Atlas, 2005, p. 295-296. Transcrevemos a seguir parte do
alerta feito por Jesús Leguina Villa, citado por Maria Sylvia Zanella Di Pietro, por consideramos de extrema lucidez
suas ponderações para o entendimento do conteúdo do princípio da eficiência. Diz o jurista espanhol: “Agora, o
princípio da legalidade deve ficar resguardado, porque a eficácia que a Constituição propõe é sempre suscetível de
ser alcançada conforme o ordenamento jurídico, e em nenhum caso ludibriando este último, que haverá de ser
modificado quando sua inadequação às necessidades presentes constituía um obstáculo para a gestão eficaz dos
interesses gerais, porém nunca poderá se justificar a atuação administrativa contrária ao direito, por mais que possa
ser elogiado em termos de pura eficiência. Por ouro lado, o princípio da legalidade está acompanhado de uma
constelação de direitos, valores e garantias constitucionais que a eficácia administrativa não pode desconhecer. A
igualdade perante a lei, a liberdade de concorrência, a segurança jurídica e o controle efetivo dos gastos públicos –
que são, entre outros, pilares básicos do ordenamento jurídico da administração – condicionam ou limitam, em
concreto, o alcance do princípio da eficácia. Não se deve esquecer que o Direito administrativo deve garantir
simultaneamente os interesses gerais e os direitos e interesses individuais, não sendo razoável seu abandono em prol
da sacralização de uma lógica eficiente, que não consegue ver na legalidade pública outra coisa senão insuportáveis
obstáculos que devem ser eliminados a todo custo”.
197

sendo uma faceta do princípio da boa administração, já tratado de forma mais ampla
pelo direito italiano. 295

Não obstante as críticas, sobretudo pelo pouco que inovou, uma vez que
sempre coube à Administração Pública agir com eficiência, é possível extrair
interpretação proveitosa em conjunto com os demais princípios insculpidos na redação
original do artigo 37 da Constituição Federal, de modo que o agir de forma eficiente
jamais poderia suplantar qualquer dos demais princípios, mas estaria relacionado com o
modo de agir da Administração para atingir as finalidades da norma com resultados
positivos e satisfatórios.

E assim o fez a doutrina, perquirindo o que mudou com a inclusão desse


princípio. Em busca da resposta, Lúcia Valle Figueiredo extraiu do princípio outro
significado, além da eficácia já esperada da Administração. Aliando-o ao artigo 70 da
Carta Magna, levou a eficiência para o campo do controle, que não deve ser exercido
apenas do ponto de vista da legalidade, mas também da legitimidade e economicidade.
É sua a seguinte afirmação: “(...) portanto, praticamente chegando-se ao cerne, ao
núcleo, dos atos praticados pela Administração Pública, para verificação se foram úteis
o suficiente ao fim a que se preordenaram, se foram eficientes”. Acrescenta ainda que o
controle jurisdicional também pode se tornar mais eficaz, analisando os atos
administrativos sob o enfoque de mais esse princípio. 296

Maria Sylvia Zanella Di Pietro diz que o princípio da eficiência apresenta dois
aspectos a serem considerados: quanto ao modo de atuação do agente público, que
deve agir com o melhor desempenho possível de suas atribuições para atingir os
melhores resultados, e em relação ao modo de organizar, estruturar, disciplinar a
Administração Pública, com o mesmo objetivo de alcançar os melhores resultados na
prestação do serviço público. 297

295
Curso de direito administrativo. p. 118.
296
Curso de direito administrativo, p. 64-65.
297
Op. cit., p. 83.
198

O princípio da eficiência não é em geral indicado pela doutrina como


informador do processo administrativo, mas está previsto expressamente no caput do
artigo 2º da lei federal de processo, e ainda, conforme afirma Egon Bockmann Moreira,
está implícito em diversos outros dispositivos da referida lei. Afirma o jurista que “sob o
aspecto processual a eficiência garante o desenvolvimento de um processo célere,
simples, com finalidade predefinida, econômico e efetivo”. Continua o autor
desenvolvendo seu raciocínio, dizendo que nenhuma dessas qualidades é inédita, mas
que unidas conferem noção processual plena ao princípio da eficiência, devendo o
processo se desenvolver de forma contínua e coordenada, no mais curto espaço de
tempo possível, não podendo parar ou ser desenvolvido em ritmo lento. 298

É de se notar a relevância da colocação, pois, ao contrário do processo


judicial, o administrativo é orientado pelo princípio da oficialidade e, com a exceção
indicada por Celso Antônio Bandeira de Melo, relativa aos processos instaurados em
exclusivo benefício individual do interessado, deve a Administração instaurá-lo e
conduzi-lo, impulsionando-o até a produção do ato final conclusivo. E nesse sentido a
lei federal de processo estabelece a impulsão de ofício em todas as fases do processo
(artigos 2º, parágrafo único, inciso XII, 5º, 29, 36 e 37), além de estabelecer prazos para
a prática dos atos processuais por parte da Administração e dos particulares.

Deflagrado o processo, surgirá para a Administração a obrigação de


impulsioná-lo. Para Sérgio Ferraz e Adilson Abreu Dallari, “(...) o processo, uma vez
instaurado, não pode ficar paralisado, pois isso corresponderia a deixar descurado, em
estado latente, um interesse público. Há interesse público na decisão em si mesma,
seja lá qual venha a ser.” 299

E no sentido de que o processo não deve se revestir de formalidades


extravagantes, também em socorro da eficiência, Egon Bockmann Moreira invoca o
princípio da informalidade a favor do administrado, para assegurar que meras

298
Processo administrativo e princípio da eficiência. As leis do processo administrativo: Lei federal 9.784/99 e Lei
paulista 10.177/98. p. 334-336.
299
Op. Cit., p. 85.
199

imprecisões formais não venham prejudicar os envolvidos, de modo que as


formalidades devem se dirigir fundamentalmente à garantia dos direitos, prestando-se o
formalismo à segurança das pessoas envolvidas. Indica o jurista que, em cumprimento
à simplicidade do processo, a lei federal determina que devem ser elaborados
formulários padronizados para assuntos que versem sobre pretensões equivalentes
(artigo 7º da Lei n° 9.784/99), bem como que os atos não dependem de forma
determinada, exceto quando a lei expressamente a exigir (artigo 22), devendo ser
realizados da forma menos onerosa para os interessados (artigo 26, § 2º). 300

Existem tantos outros dispositivos na lei que apontam para a simplicidade do


procedimento e informalismo, no intuito de facilitar a vida dos indivíduos, sem contudo
afastar o caráter formal do processo, uma vez que a celeridade decorrente da busca de
eficiência não pode implicar supressão de fases e procedimentos, o que resultaria na
distorção do princípio e perda do caráter de segurança do processo administrativo.
Assim, o formalismo deve ser moderado com a adoção de condutas simples que, nas
palavras de Héctor Escola, dariam lugar a um procedimento dinâmico, gerando uma
atividade útil para o interesse geral. 301

Gordillo adverte sobre a importância da interpretação congruente do princípio


da eficiência com os demais princípios, uma vez que a celeridade, simplificação e
economia processual não podem implicar em prejuízo à defesa do interessado. 302

O princípio da oficialidade, ou da impulsão de ofício, tem correlação lógica


com o princípio da verdade material ou inquisitório, informador do processo
administrativo e do processo penal, em oposição ao processo civil regido pelo princípio
dispositivo, em que o juiz se deve ater ao princípio da verdade formal, ou seja, às
provas produzidas pelas partes, que podem ou não coincidir com a verdade material. 303

300
O princípio do informalismo também não se aplica a todos os processos administrativos, não incidindo nos
concorrenciais.
301
Op. cit., p. 132.
302
Tratado de derecho administrativo. p. IX-46.
303
Assim é o entendimento de Héctor Escola ao afirmar o seguinte:“La administración, dejando de lado el
panorama que pretenda ofrecerle el administrado, debe esclarecer os hechos, circunstancias y condiciones,
200

Deste modo, a autoridade administrativa não fica adstrita à provas


produzidas nos autos, nem está obrigada a restringir seu exame ao que foi alegado,
podendo buscar elementos que repute necessários á formação de seu convencimento,
em decorrência do princípio da oficialidade e da indisponibilidade do interesse público.

Princípio da segurança jurídica

Trata-se de princípio geral do direito, que foi explicitamente inserido no inciso


XIII do artigo 2º da Lei Federal nº 9.784/99, vedando a aplicação retroativa de nova
interpretação, uma vez que a Administração Pública, acompanhando a evolução dos
fatos e do direito, freqüentemente altera a interpretação dada a determinadas normas
jurídicas e com isso muda a orientação normativa, atingindo situações já consolidadas e
reconhecidas na vigência da interpretação anterior, gerando insegurança jurídica.

Assim, acatando, na lei, doutrina consolidada sobre o assunto, pretendeu o


legislador proteger tais situações, vedando que a alteração de entendimento sobre
determinada questão as atinja, preservando a interpretação anteriormente válida
conferida às situações já resolvidas. 304

Adverte Maria Sylvia Zanella Di Pietro que essa situação não se confunde
com a anulação de atos ilegais, já que não se pode levar ao absurdo de a
Administração não poder anular os atos praticados com inobservância da lei. Também
diz que esse princípio tem muita relação com o da boa-fé, pois se a Administração
adotou determinada interpretação e a aplicou corretamente ao tempo em que foi
expedida, deve respeitar a boa-fé daqueles que foram atingidos, visto que “não é

tratando, por todos los medios admisibles, de precisarlos en su real configuración, para luego, sobre ellos, poder
fundar una efectiva decisión.” Op. cit., p. 127.
304
Nesse sentido, já dizia Hely Lopes Meirelles que: “a mudança de interpretação da norma ou da orientação
administrativa não autoriza a anulação dos atos anteriormente praticados, pois tal circunstância não caracteriza
ilegalidade, mas simples alteração de critério da administração, incapaz de invalidar situações jurídicas regularmente
constituídas” (Op. cit., p. 180-181).
201

admissível que o administrado tenha seus direitos flutuando ao sabor das


interpretações jurídicas variáveis no tempo”. 305

Todavia, o princípio da segurança jurídica não se esgota nesse conteúdo,


servindo de base a vários institutos jurídicos, como os da decadência e da prescrição,
conforme observa Maria Sylvia na obra acima anotada.

Marcio Cammarosano dedicou capítulo específico ao tema segurança


jurídica em sua obra sobre o princípio da moralidade, consignando que:

O valor da segurança está significativamente referido já no preâmbulo


da Constituição, que, ao instituir um Estado Democrático, a ele se
reporta como um daqueles que se destina a assegurar. E o artigo 5º,
caput, da nossa Lei maior volta a prescrever a inviolabilidade, dentre
306
outros direitos, da segurança.

É de notar, portanto, que o conteúdo do princípio vai muito além do contido


na lei federal de processo, que naquele contexto tem objetivo bastante específico.
Trata-se de princípio implícito na Constituição Federal, voltado a zelar por um dos
maiores interesses do direito, que é a estabilidade das relações jurídicas, onde
encontra importante arrimo no instituto da prescrição. Está ainda intimamente ligado à
boa-fé e à certeza do direito, no sentido de que o administrado deve conhecer de
antemão as conseqüências de seus atos, em face do que está prescrito no
ordenamento jurídico.

Assim, como já observamos, a segurança jurídica tem estreita relação com


os efeitos conferidos pelo direito ao tempo, tanto no sentido indicado por Maria Sylvia,
relacionado à prescrição e à decadência, como, enquanto dimensão do processo, no
intuito de assegurar um razoável tempo de sua duração. E quanto a isso não discrepa a
doutrina, conforme se vislumbra das afirmações dos seguintes juristas.

305
O princípio constitucional da moralidade e o exercício da função administrativa. Editora Fórum. 2006, p. 85.
306
O princípio constitucional da moralidade e o exercício da função administrativa, p. 33.
202

Segundo Celso Antônio Bandeira de Mello: “O estado de pendência eterna


parece-nos incompatível com o objeto nuclear da ordenação jurídica, que é a ordem, a
estabilidade”. 307

Para Diogenes Gasparini:

Não se justifica uma instabilidade jurídica, mesmo que potencial, por


todo o sempre. Destarte, decorrido um certo prazo, o ato, mesmo que
inválido, firma-se, estabiliza-se, não podendo mais ser anulado, quer
308
administrativa, quer judicialmente.

Ao seu turno Hely Lopes Meirelles explica que:

A nosso ver, a prescrição administrativa e a judicial impedem a anulação


de ato no âmbito da Administração e pelo Poder Judiciário. E justifica-se
essa conduta porque o interesse da estabilidade das relações jurídicas
entre o administrado e a Administração ou entre esta e seus servidores
é também de interesse público, tão relevante quanto os demais. Diante
disso, impõe-se a estabilização dos atos que superem os prazos
admitidos para sua impugnação, qualquer que seja o vício que se lhe
309
atribua.

O Supremo Tribunal Federal já assentou, em acórdão de relatoria do Ministro


Gilmar Mendes, que a proteção da confiança tem assento constitucional no princípio do
Estado de Direito, e no plano federal, na lei de processo, posição que já podia ser
verificada em remotos acórdãos, tais como os datados, respectivamente, de 1989, do
Superior Tribunal de Justiça, no MS 009-DF, e de 1978, do Supremo Tribunal Federal,
no RE 85179/RJ. 310

Nessa oportunidade, preocupamo-nos apenas em estabelecer linhas gerais


sobre o conteúdo do princípio da segurança jurídica, tendo em vista que se trata de
tema a ser retomado, na ocasião em que abordaremos - voltados ao exercício da

307
Curso de direito administrativo, p. 440.
308
Direito administrativo, p. 90.
309
Op. cit., p. 183.
310
STF- MS 24.268/MG; STJ- MS 009-DF. Órgão julgador: 1ª Sessão. Rel. Min. Pedro Accioli. Julgado em 31 de
outubro de 1989. Revista do STJ, Brasília. V. 17, p. 195, 1990 e STF. RE 85179/RJ. Rel. Bilac Pinto. DJ 02/03/78.
203

competência punitiva do Tribunal de Contas e à inexistência de um poder-dever eterno


de revisão - o princípio da segurança jurídica e os limites temporais para a anulação
dos atos no exercício da função controladora.

Princípios da razoabilidade e da proporcionalidade

O princípio da razoabilidade está implícito na Constituição brasileira e tem


por conteúdo, em linhas gerais extraídas das lições de Celso Antônio Bandeira de
Mello, a tentativa de controle dos atos à disposição do administrador público, sobretudo
aqueles que comportam discricionariedade, de modo que, quando o administrador tiver
de valorar situações concretas, ou seja, quando estiver diante de mais de uma situação
possível, depois de interpretar a norma a ser aplicada, não poderá decidir segundo
seus valores próprios, mas sim em sintonia com o senso comum das pessoas, com
critérios aceitáveis do ponto de vista racional.

Destarte, quando a lei confere ao administrador certa margem de liberdade


diante da diversidade de situações possíveis, a providência mais adequada deve ser
escolhida no atendimento do interesse público, de forma que não serão apenas
inconvenientes, mas também ilegítimas, e, portanto, invalidáveis judicialmente, as
condutas desarrazoadas, incoerentes ou praticadas com imprudência e insensatez, pois
tais providências não podem estar de acordo com a finalidade da lei.

É de notar, por conseguinte, que o princípio da razoabilidade funda-se nos


mesmos preceitos que arrimam os princípios da legalidade e finalidade, de forma que a
correção judicial dos atos considerados irrazoáveis deve se limitar a corrigir a
ilegalidade, visto que não pode ser substituída a vontade do administrador pela do juiz.
Existindo discrição, é ao administrador e não ao juiz que cabe decidir qual seria a
medida mais adequada.

A exemplo de outros princípios de que já cuidamos, estamos tratando de


princípio ditado por conceito indeterminado, uma vez que a razoabilidade também não
204

pode ser aferida de forma objetiva, estando seu conteúdo repleto de conceitos
plurissignificativos. Todavia, conforme adverte Celso Antônio Bandeira de Mello, a
impossibilidade absoluta de saber qual seria a melhor solução não afasta a viabilidade
de constatar que a adotada efetivamente não o foi. 311

Lúcia Valle Figueiredo diz ser o princípio de fundamental importância no


exercício da função administrativa, porque por meio da razoabilidade das decisões é
que se pode aferir e contrastar se estas estão dentro da moldura comportada pelo
Direito. Citando Ricasén Siches, acrescenta que o princípio da razoabilidade “traduz a
relação de congruência lógica entre o fato (o motivo) e a atuação concreta da
administração.” 312

Referida jurista, a exemplo do que também faz Maria Sylvia Zanella Di Pietro,
trata o princípio da razoabilidade juntamente com o princípio da proporcionalidade.
Destaca, porém, este último, por considerá-lo um plus em relação ao primeiro, e, apesar
de entender que eles se imbricam a ponto de quase se confundirem, não afasta a
possibilidade de diferenciá-los, e o faz apontando que a proporcionalidade está voltada
à verificação da inexistência de excessos da Administração.

Explica, portanto, que a proporcionalidade está voltada à adequação das


medidas tomadas diante das necessidades administrativas, no sentido de que “só se
sacrificam interesses individuais em função de interesses coletivos, de interesses
primários, na medida da estrita necessidade, não se desbordando do que seja
realmente indispensável para a implementação da necessidade pública”. 313

Maria Sylvia Zanela Di Pietro entende que, embora a lei federal de processo
administrativo faça referências apartadas dos dois princípios, o da proporcionalidade
está contido no da razoabilidade, porque este, “dentre outras coisas, exige

311
Curso de direito administrativo, p. 105-106.
312
Op. cit., p. 50.
313
Ibidem, p. 51.
205

proporcionalidade entre os meios de que se utiliza a Administração e os fins que ela


tem que alcançar”. 314

Ao lado da razoabilidade, este princípio resume-se na direta adequação das


medidas tomadas às necessidades administrativas. As competências administrativas só
devem ser exercidas na medida necessária para o cumprimento da finalidade pública a
que estão atreladas, qualificando-se a proporcionalidade enquanto coeficiente de
aferição da razoabilidade dos atos estatais.

Assim, trata-se de princípios voltados à contenção dos excessos, visando


inibir e neutralizar o abuso do Poder Público no exercício das funções que lhe são
inerentes, notadamente na produção de atos legislativos e regulamentares. 315

Paulo Bonavides, discorrendo com maestria acerca do princípio da


proporcionalidade no início do capítulo que dedica ao tema, inserido em sua obra Curso
de Direito Constitucional, cita a advertência feita por Xavier Philippe, “de que há
princípios mais fáceis de compreender do que definir”, e insere a proporcionalidade na
categoria desses princípios. 316

Segundo o mesmo autor, em nosso país é princípio vivo, elástico e voltado à


proteção do cidadão contra o excesso do Estado, servindo de “escudo à defesa dos
direitos e liberdades constitucionais”. Afirma que:

No Brasil a proporcionalidade pode não existir enquanto norma geral de


direito escrito, mas existe como norma esparsa no texto constitucional. A
noção mesma se infere de outros princípios que lhes são afins, entre os
quais avulta, em primeiro lugar, o princípio da igualdade, sobretudo em
se atentando para a passagem da igualdade-identidade à igualdade-

314
Direito administrativo, p. 81.
315
Não estando o presente estudo voltado especificamente aos princípios regedores do processo administrativo,
bastará os contornos gerais de seus conteúdos. Todavia, como não poderia deixar de ser, trata-se de princípios de
conteúdo muito rico, de modo que Carlos Roberto Siqueira Castro e Paulo Bonavides são leituras indispensáveis para
o aprofundamento do tema (Cf. Carlos Roberto Siqueira Castro. O devido processo legal e os princípios da
razoabilidade e proporcionalidade. 4ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 2006; Paulo Bonavides. Curso de direito
constitucional. 7ª ed. São Paulo: Malheiros, 1997).
316
Op. cit., p. 356.
206

proporcionalidade, tão característica da derradeira fase do Estado de


317
direito.

Em relação ao tema de sanções administrativas, são princípios de inegável


relevância, uma vez que as sanções devem ser adequadas aos fins da lei,
correspondentes à gravidade da infração cometida, sendo vedada a proibição de
excesso, e a razoabilidade deve nortear a decisão do agente competente, consistindo
em forma de controle da conformidade do ato punitivo.

No sentido da proporcionalidade entre meios e fins, a lei federal de processo


administrativo a contemplou implicitamente no artigo 2º, parágrafo único, inciso VI.

Considerando tudo o que já foi dito, passaremos a tratar dos princípios do


direito penal que consideramos extensíveis à responsabilização pela prática de
infrações administrativas, destacando, como vimos, que a incidência dos postulados
criminais não é privilégio de nosso sistema jurídico.

Direito ao silêncio

Lúcia Valle Figueiredo defende que o direito ao silêncio é princípio


plenamente aplicável ao processo administrativo sancionatório ou disciplinar. Fazendo
suas as palavras de Rogério Lauria Tucci, diz que:

(...) representa o direito ao silêncio, por certo, a proteção constitucional


assegurada contra a auto-incriminação, de sorte a não se poder concluir
desfavoravelmente ao indiciado, ao acusado, pelo simples fato de ter-se

317
Curso de Direito Constitucional, p. 395. Paulo Bonavides aponta diversos dispositivos da Constituição brasileira,
onde a aplicação do princípio da proporcionalidade se insere: “Incisos V, X e XXV do art. 5º. Sobre direitos e
deveres individuais e coletivos; incisos IV e XXI do art. 7º sobre direitos sociais; § 3º do art. 36 sobre intervenção da
União nos estados e no Distrito federal; inciso IX do art. 37 sobre disposições gerais pertinentes à administração
pública; § 4º, bem como alíneas c e d do inciso III do art. 40 sobre aposentadoria de servidor público, inciso V do art.
40 sobre competência exclusiva do Congresso nacional; inciso VIII do art. 71 da seção que dispõe sobre fiscalização
contábil, financeira e orçamentária; parágrafo único do art. 84 relativo à competência privativa do presidente da
república; incisos II e IX do art 129 sobre funções constitucionais do ministério Público; caput do art. 170 sobre
princípios gerais da atividade econômica; caput e §§ 3º, 4º e 5º do art. 173 sobre exploração da atividade econômica
pelo estado; § 1º do art. 174 e inciso IV do art. 175 sobre prestação de serviços públicos”.
207

calado, isto é, de abster-se de prestar declarações, em especial das que


318
possam incriminá-lo.

Trata-se, portanto, de prerrogativa constitucional, uma vez que a


Constituição protege aquele que se abstém de prestar declarações que possam
prejudicá-lo - inciso LXIII do art. 5º -, sendo proteção contra a auto-incriminação, de
forma a não se poder concluir desfavoravelmente ao indiciado pelo fato de este se ter
calado, abstendo-se de prestar declaração, em especial a que possa incriminá-lo.

Lúcia Valle, invocando Edgar Silveira Bueno, aduz que ninguém está
obrigado a oferecer elementos que contribuam para a sua condenação, e na dúvida
quanto à conveniência de depor, poderá permanecer calado, uma vez que o silêncio
não tem valor negativo à defesa do preso ou do réu, que sequer precisa explicar as
razões que o levam ao silêncio. 319

Impossibilidade de reformatio in pejus

Trata-se de princípio do direito penal que deve incidir de forma absoluta em


processos sancionatórios, a despeito do tratamento dado pela lei federal do processo
administrativo ao assunto, que possibilitou a reformatio in pejus em seu artigo 64,
parágrafo único.

Pela disciplina da lei, o ato ilegal sempre poderá ser revisto, exceto se
precluso, uma vez que a Administração, ao tomar ciência de uma irregularidade através
de recurso, terá a obrigação de restabelecer a legalidade do ato, e essa atividade, pela
dicção do artigo 64, parágrafo único, poderá agravar a situação do recorrente em razão
do recurso, estabelecendo a lei, como condição prévia, apenas que o recorrente seja
cientificado para formular suas alegações finais.

318
Curso de direito administrativo, p. 453 e 455.
319
Curso de direito administrativo., p. 454.
208

Parece que agiu o legislador de forma coerente, à medida que, se assim não
fosse, estaria a Administração impedida de rever os atos ilegais, tratando-se, pois, de
preservar e legalidade.

Para Lúcia Valle Figueiredo, não se trata de reformatio in pejus, mas de


natural conseqüência da função administrativa. Afirma a autora ser mero ato de controle
da legalidade em face da nulidade do procedimento e estar a Administração adstrita à
legalidade. 320

Essa situação pode limitar o direito de recurso e, conseqüentemente, de


ampla defesa, porquanto o interessado pode ficar receoso de piorar a situação, de
forma que, embora a lei não faça qualquer ressalva, não deve se aplicar aos processos
sancionatórios, como decorrência dos princípios de direito penal aplicáveis ao processo
administrativo sancionatório. 321

Irretroatividade

O princípio da irretroatividade está consagrado nos incisos XXXIX e XL da


Carta Magna, proibindo a aplicação de sanção a fato que, à época em que foi praticado,
não era considerado ilícito. É corolário dos princípios da legalidade e da segurança
jurídica, tendo em vista que o legislador não pode prescrever penas para condutas já
consumadas.

Embora a Constituição vede a retroatividade dos efeitos da lei, também


permite que a lei retroaja em benefício do réu. Trata-se da retroatividade da lei mais
benigna.

320
Curso de direito administrativo, p. 455.
321
Diz Alberto Martins que a Lei estadual nº 10.177/98, em seu artigo 49, vedou a incidência da reformatio in pejus
nos processos sancionatórios. Assim disciplina o dispositivo legal: “A decisão de recurso não poderá, no mesmo
procedimento, agravar a restrição produzida pelo ato ao interesse do recorrente, salvo casos de invalidação”. (Op.
cit., p. 183).
209

Rafael Munhoz de Mello, fazendo suas as palavras de Geraldo Ataliba,


ressalta que “(...) a irretroatividade das leis decorre do Estado de Direito, no qual a
segurança jurídica ΄postula absoluta e completa previsibilidade da ação estatal pelos
cidadãos e administrados’”. 322

Referido princípio, próprio do direito penal, aplica-se aos processos


administrativos sancionatórios em sua plenitude, pois está voltado a assegurar que os
indivíduos conheçam de antemão as conseqüências que a lei prescreve para
determinados atos considerados ilícitos.

Princípio da legalidade estrita ou tipicidade.

Segundo o princípio da reserva legal insculpido no inciso XXXIX do artigo


5˚ da Carta Magna, os crimes e as respectivas penas somente poderão ser criados
mediante lei em sentido formal, o que exclui a possibilidade de outras fontes normativas
para a incriminação e punição.

No âmbito das infrações administrativas tampouco há divergências


doutrinárias acerca da obrigatoriedade da existência de lei criando as infrações e as
penalidades decorrentes, ou seja, não se discute tratar-se de matéria de reserva de lei.

Desse modo, também no âmbito administrativo não deve haver espaço para
aplicação de sanções sem prévia cominação legal, de forma que o princípio
estabelecido no artigo 5º, inciso XXXIX, da Carta Magna – “não há crime sem lei
anterior que o defina, nem pena sem prévia cominação legal” - tem absoluta
aplicabilidade no âmbito das sanções administrativas, ou seja, não há que se falar em
possibilidade de punir, sem a prévia existência de previsão em lei em sentido estrito.

322
Sanção administrativa e princípio da legalidade. In FIGUEIREDO, Lúcia Valle (coord.). Devido processo legal
na administração Pública. Coleção Oswaldo Aranha Bandeira de Mello, p.169.
210

Assim, em matéria de sanção administrativa, o princípio da legalidade deve


ser tomado em termos absolutos. A nossa Carta Política não admite a imposição de
penas, ainda que de natureza administrativa, sem lei que as estabeleça de forma
específica.

Em matéria de sanções administrativas o princípio da legalidade há de ter o


mesmo alcance daquele estabelecido no direito penal material, o que redunda no
reconhecimento da incidência do princípio da tipicidade que decorre do princípio da
legalidade, mas com ele não se confunde, resultando em situação em que a lei deve
descrever de modo preciso a conduta ilícita e definir a sanção que lhe corresponde.

A idéia básica do princípio da legalidade estrita reside em que o castigo não


deve depender da arbitrariedade dos órgãos aplicadores da pena, no âmbito judicial ou
administrativo. As sanções devem ser fixadas pelo legislador legitimado
democraticamente para tanto, de modo que o princípio é fonte de segurança jurídica
para os indivíduos.

O tipo não se confunde com o princípio da reserva legal. Na verdade são


princípios que se complementam. Através do tipo são descritos os elementos nodais de
uma conduta como ilícita e a dimensão da respectiva sanção, descrevendo a lei, com
firmeza e minúcias o fato concreto ao qual se pretende aplicar determinada sanção.

Na Espanha, segundo ensinam Garcia de Enterría e Tomás-Ramón


Fernandez, o princípio da legalidade impõe a exigência material absoluta de
predeterminação normativa das condutas e sanções correspondentes, incidindo o
princípio da tipicidade. Consignam estes autores, pois, que não cabem cláusulas
genéricas ou indeterminadas de infração que permitam ao órgão aplicador da pena
atuar com excessivo arbítrio. 323

323
Os juristas citam sentença constitucional de 29 de março de 1990, e esclarecem ser: “(...) exigência que afecta a
la tipificación de lãs infraciones, a la graduación y escala de lãs sanciones y a la correlación entre unas y otras, de
tal modo que ... el conjunto de lãs normas aplicables permita predicir, com suficiente grado de certeza, el tipo y el
grado de sanción susceptible de ser impuesta”. Op. cit., p. 117.
211

Como já observamos anteriormente, a doutrina alienígena é relevante e


indispensável fonte de informação, mas não apta para fornecer as respostas para a
realidade de nosso ordenamento jurídico. Assim, ainda que encontremos em diversos
países o reconhecimento da incidência do princípio da tipicidade em matéria de
sanção administrativa, servirá a informação apenas como referência e jamais para
fundamentar eventual conclusão acerca do que dispõe o direito posto brasileiro a esse
respeito.

Reconhecemos que a descrição da infração e respectiva sanção devem


estar previstas em lei permitindo aos indivíduos o conhecimento prévio do
comportamento que poderá resultar na aplicação de sanção e que a analogia não pode
ser utilizada para caracterizar uma infração administrativa.

Todavia, há que se estabelecer discernimento entre mera legalidade e e


tipicidade. Sendo a tipicidade concebida como elemento indispensável ao afastamento
da analogia e da irretroatividade, a exemplo do que faz Ferrajoli, então só poderemos
entender que incidirá em âmbito administrativo. 324 E nesse sentido, será necessário
admitir que as normas que fixam os ilícitos e respectivas sanções estarão submetidas à
legalidade estrita, ainda que com baixa densidade, situação inadmitida por Ferrajoli,
que vincula a exatidão dos elementos do tipo à estrita legalidade.

Não há na doutrina nacional unanimidade sobre o assunto, na medida que,


como já consignamos no Capítulo II, alguns autores entendem que a tipicidade não

324
Luigi Ferrajoli faz distinção entre mera legalidade e legalidade estrita, levando o conteúdo desta segunda a uma
proximidade muito grande com a tipicidade. Esclarece o jurista italiano que a legalidade estrita , que tem função
garantista, reside no fato de que os delitos estejam predeterminados pela lei de maneira taxativa, sem reenvio (ainda
que seja legal) a parâmetros extralegais, a fim de que sejam determinados pelo juiz mediante asserções refutáveis e
não mediante juízos de valor autônomos. Entende o jurista que as normas por ele denominadas de – modelos penais
de legalidade atenuada, caracterizadas por figuras delituosas elásticas e indeterminadas, por espaços de fato e não de
direito, abrem espaço à analogia, inclusive in malam partem. Faz portanto, distinção entre legalidade ampla e estrita,
conferindo à primeira apenas legitimação formal ao fazer equivaler à simples reserva de lei qualquer que seja o modo
em que as leis estejam formuladas, limitando-se a exigir que os pressupostos das penas estejam estabelecidos de
antemão por um ato legislativo, e à segunda –estrita legalidade-, a legitimação material, que condiciona a validade
das leis vigentes à taxatividade de seus conteúdos e exige uma lei penal dotada de referências empíricas para que
seja possível a sua aplicação em proposições verificáveis. Op Cit., p. 306/307.
212

incide em matéria de sanções administrativas e a maioria defende sua incidência,


considerando, pelo que se denota, que a existência de tipos abertos não afasta a
tipicidade. Não é essa a lição de Ferrajoli e de Garcia de Enterría e Tomás-Ramón
Fernandez, que afastam a aceitação de tipos abertos. Consideram estes juristas que
essa situação implica no afastamento do que Ferrajoli denomina de legalidade estrita
(noção que associa á irretroatividade e proibição de analogia).

Todavia, devemos enfrentar o fato de que são incontáveis os elementos


normativos do tipo, situação que reduz a firmeza e precisão de sua descrição, levando
o legislador a estabelecer tipos demasiadamente amplos, conferindo grande
elasticidade ao texto legal. Cumpre, portanto, remeter estas considerações aos
aspectos já enfrentados no Capítulo II, quando concluímos que a existência de leis
com baixo grau de densidade no que diz respeito à descrição dos ilícitos e sanções,
não afastam necessariamente a tipicidade.

Para a eficácia da função garantista da lei sancionatória a técnica legislativa


assume papel essencial. Diante de tudo o que já foi dito neste trabalho sobre esta
intrincada questão, consideramos que nesta oportunidade cumpre apenas reafirmar que
a tipicidade é princípio que incide no âmbito administrativo sancionatório enquanto
exigência que pesa sobre o legislador por ocasião da elaboração da lei sancionadora.

Culpabilidade

O inciso XLV do artigo 5º da Constituição Federal abriga o princípio da


culpabilidade, vedando a aplicação de sanção a quem não tiver colaborado, ao menos
de forma culposa, para a prática da conduta reputada pela lei como ilícita.

A teoria da culpa surgiu com a evolução do direito penal, que em sua gênese
tinha a responsabilidade apenas como objetiva, e somente com o aprimoramento da
cultura começou-se a perceber a diferença existente entre o causar inevitavelmente um
dano e o causar um dano evitável. Desse modo esse importante aspecto do agir
213

humano – a evitabilidade do fato, passou a assumir importância para a aplicação das


penas, ou seja o querer ou não querer humano de evitar ou provocar determinados
acontecimentos, e ao lado da evitabilidade descobriu-se igualmente a previsibilidade e
a voluntariedade do resultado danoso.

Assim a noção de culpa desenvolveu-se em face da existência de


previsibilidade, mas sem a voluntariedade do resultado danoso, decorrendo a
tipicidade do crime culposo da prática de conduta não diligente causadora de lesão ou
perigo a um bem jurídico protegido. Nesse sentido diz Cezar Roberto Bitencourt:

(...) Contudo, a falta de cuidado objetivo devido, configurador da


imprudência, negligência ou imperícia, é de natureza objetiva. Em
outros termos, no plano da tipicidade, trata-se, apenas, de analisar se o
agente agiu com o cuidado necessário e normalmente exigível. 325

Portanto, culpa é a inobservância do dever objetivo de cuidado manifestada


numa conduta produtora de um resultado não querido, objetivamente previsível. Como
afirma Cerezo Mir, “ (...) o fim perseguido pelo autor é geralmente irrelevante, mas não
os meios escolhidos, ou a forma de sua utilização.” 326

No momento da aplicação da pena há que ser feito o juízo de culpabilidade,


pois como afirma Bockelmann “(...) Pena pressupõe culpabilidade, nulla poena sine
culpa. Culpabilidade....é, pois, a mais nítida característica do conceito de crime”. 327

Garcia de Enterría e Tomás-Ramón Fernandez indicam o princípio da


culpabilidade dentre os que incidem no direito sancionatório administrativo. Explicam
que outrora se pretendeu afastar a existência de dolo ou culpa para a punição
administrativa, qualificando-se a responsabilidade como objetiva, situação alterada pela
jurisprudência desde os meados dos anos setenta e, depois, pela regra de aplicação
dos princípios do direito penal ao direito sancionador. 328

325
Erro de tipo & erro de proibição. p. 38
326
Curso de derecho penal español. p. 279
327
Relaciones entre autoria e participación. p. 31.
328
Curso de derecho administrativo., p. 173.
214

É pois a culpa reconhecida de forma harmoniosa pela doutrina penal como


condição para a aplicação da pena, e assim é a sua aplicação no âmbito das sanções
administrativas reconhecida também em nosso país, pois a responsabilização do
infrator deve ser estudada à luz do enfoque dado pela Constituição Federal, que, como
observa Régis Fernandes de Oliveira:

(...) estendeu a sua proteção, expressamente, aos litigantes, em


processo judicial e administrativo, e aos acusados em geral,
assegurando-lhes o contraditório e a mais ampla defesa, além da
presunção de inocência (art. 5º LV e LIV)”. Analisando o quadro
normativo pátrio afirma o jurista que “(...) a responsabilidade objetiva do
suposto infrator, presumidamente inocente até final decisão na esfera
administrativa (art. 5º LVII, da CF) não pode mais ser admitida(...) 329

Invocando palavras de Vital Moreira, também se manifesta Egon Bockmann


Moreira nesse mesmo sentido: “(...) Com a aplicação de sanções administrativas a
administração visa punir atuações ilícitas que pressupõem a culpa do agente pela
330
violação de uma regulamentação preexistente”

Assim, a culpa deve ser considerada como requisito para sua imputação,
incidindo este princípio do direito penal na esfera administrativa.

Finalizamos este item com a conclusão de que, resulta inegável a influência


do regime protetivo do direito penal, consubstanciado, sobretudo, nos direitos
consagrados nos vários incisos do artigo 5º da Constituição Federal, em matéria de
sanção administrativa.

Cumpre mencionar, apenas a título de complementação o tratamento


dispensado pelas Leis nº 9.784, de 29 de janeiro de 1999, que regula o processo
administrativo no âmbito da Administração Pública federal, e n.º 10.177, de 30 de

329
Infrações e sanções administrativas. p. 25
330
Agências reguladoras independentes, poder econômico e sanções administrativas: reflexões iniciais acerca da
conexão entre os temas. p. 106
215

dezembro de 1998, que regula o processo administrativo no âmbito da Administração


Pública estadual paulista. Ambas estabelecem os princípios a serem observados pela
Administração Pública no processo administrativo.

Entretanto, no que se refere a sanções administrativas, constata-se que as


aludidas leis foram tímidas. Na lei estadual o assunto veio disciplinado na Seção III do
Capítulo III, que apenas uniformizou o procedimento, ressalvando a aplicação da
legislação específica sobre a matéria respectiva. Isto porque, como advertem Sérgio
Ferraz e Adilson de Abreu Dallari, “a lei não se aplica aos atos e procedimentos que
331
contem com disciplina legal específica”

A Lei Federal também nada inovou nessa questão, apenas estabelecendo,


de forma explícita, como já consignamos neste trabalho, que os atos administrativos
que imponham sanções deverão ser motivados, com a indicação dos fatos e
fundamentos jurídicos (artigo 50, caput e inciso II).

2. O limite temporal para imposição de sanções administrativas pelo Tribunal de


Contas: segurança jurídica e razoável duração do processo

Um dos fundamentos do Estado de Direito consagrado em nossa


Constituição é a segurança jurídica, de modo que, além de estabelecer os direitos
individuais, cuidou a Carta Magna de institutos voltados à garantia do cumprimento
desses direitos. Dentre os instrumentos voltados à estabilidade das relações jurídicas
estão a prescrição, a preclusão e a decadência, todos de inegável importância para o
Estado de Direito.

O direito a um prazo razoável de duração do processo também está inserido


dentre as garantias voltadas à estabilização das relações e à segurança jurídica,
porque situações de pendência conduzem a instabilidade, que é repelida pelo Direito. O
tempo é variável que não pode ser desprezada em face dos direitos, porque exerce

331
Processo administrativo, p. 38.
216

papel da maior importância na teoria geral do Direito, em hipóteses legais de aquisição


e extinção de deveres e direitos.

A Convenção Americana de Direitos Humanos de 1969, “Pacto de San José


da Costa Rica”, reconheceu dentre os inúmeros direitos dos indivíduos arrolados no
extenso rol de seu capítulo segundo, especificamente no artigo 25, relacionado à
proteção judicial, o direito a um recurso simples e rápido, nos seguintes termos:

Toda pessoa tem direito a um recurso simples e rápido ou a qualquer


outro recurso efetivo, perante os juízes ou tribunais competentes, que a
proteja contra atos que violem seus direitos fundamentais reconhecidos
pela Constituição, pela lei ou pela presente Convenção, mesmo quando
tal violação seja cometida por pessoas que estejam atuando no
exercício de suas funções oficiais.

Em evidente reconhecimento da importância de procedimentos céleres em


âmbito judicial ou administrativo, a Constituição brasileira garantiu aos indivíduos o
direito a duração razoável do processo consubstanciado no inciso LXXVIII do artigo 5º,
vazado nos seguintes termos: “a todos, no âmbito judicial e administrativo, são
assegurados a razoável duração do processo e os meios que garantam a celeridade de
sua tramitação”.

Trata-se, sem dúvida, de primado a ser observado com rigor para a


subsistência do Estado de Direito, o que não significa admitir a supressão de fases
necessárias e indispensáveis para, igualmente, garantir outros direitos individuais
assegurados pela Carta Magna. A celeridade e a observância dos procedimentos
necessários à garantia de um processo que culmine em uma decisão justa são medidas
que não se excluem, ao contrário, que devem se complementar.

O tema aqui invocado tem relação com diversos princípios regedores da


atividade administrativa estatal já tratados no item anterior, tais como o da segurança
jurídica, da impulsão de ofício do processo, da eficiência e outros a exemplo da
manifestação de Paulo de Barros Carvalho ao tratar dos princípios incidentes no
processo administrativo tributário, quando faz referência expressa à rapidez,
217

simplicidade e economia como fatores externos que devem inspirar a figura do protótipo
do procedimento porque em suas palavras: “(...) A rapidez interessa a todos. O direito
existe para ser cumprido e o retardamento na execução de atos ou nas manifestações
de conteúdo volitivo hão de sugerir medidas coibitivas, tanto para a Fazenda, como o
particular”. Prossegue afirmando que situações indefinidas não se compadecem com a
segurança e as garantias das relações jurídicas. 332

Por certo que esse conteúdo se aplica a qualquer das funções do Estado,
inclusive a função controladora desempenhada pelo Tribunal de Contas.

Não negamos as dificuldades existentes em torno da questão, e


principalmente o fato de que a morosidade normalmente é justificada pela necessidade
da observância da ampla defesa e do contraditório, dentre outras dificuldades
invariavelmente relacionadas à falta de estrutura dos órgãos públicos. Todavia, tais
argumentos devem ser considerados como elementos para a busca de soluções viáveis
no sentido de os direitos previstos na Constituição serem efetivamente garantidos.
Jamais poderão ser reconhecidos como juridicamente hábeis a justificar a
inobservância de dispositivos constitucionais.

Como se denota, estamos tratando do tempo, fator não desprezado pelo


ordenamento jurídico e, portanto, fato jurídico desencadeador de direitos e deveres em
decorrência de sua passagem. E, de acordo com o que prescreve a Constituição, o
fator tempo também deverá ser motivo de atenção do agente público responsável pela
condução processual, uma vez que está consagrado o direito a duração razoável do
processo.

Certamente, a duração razoável do processo somente poderá ser averiguada


no caso concreto, de forma que seria impossível a lei estabelecer o prazo de duração
para cada tipo específico de processo. Os processos possuem suas especificidades,
que de acordo com cada situação demandarão maior ou menor tempo de duração.

332
Processo administrativo tributário. p.288.
218

Assim, a celeridade jamais poderá justificar a supressão de etapas e a demanda de


maior tempo é passível de controle, de modo que sempre será possível identificar
eventual desídia, abandono, descaso e, ao contrário, situações em que houve, de fato,
necessidade da utilização de maior tempo para a conclusão do processo. Não obstante,
poderá a lei fixar prazos máximos para a instauração e conclusão dos processos.

Nossa proposta é de demonstrar que a duração razoável do processo


também é elemento de inegável relevância para a segurança das relações jurídicas,
razão pela qual retomaremos e aprofundaremos as anotações já inseridas no item
anterior sobre o princípio da segurança jurídica, quando enfocamos sua vertente
relacionada à modificação dos atos, sobretudo diante da superveniência de nova
interpretação, situação que a lei federal de processo administrativo enfatizou e visou
proteger.

Nesta oportunidade nos dedicaremos a explorar a segurança jurídica em sua


dimensão temporal no que diz respeito ao direito a um deslinde processual ágil,
portanto, mais relacionada com a proteção à confiança das pessoas. Trata-se da
vertente subjetiva da segurança jurídica.

Sobre segurança jurídica, encontramos em texto de autoria de Almiro Couto


e Silva informações preciosas. Em considerações preliminares observa o jurista que
não obstante seja bastante comum encontrarmos referências à boa-fé, segurança
jurídica e proteção à confiança como se fossem expressões sinônimas, na verdade são
noções que embora pertençam a mesma constelação de valores, de algum modo se
diferenciam sem contudo afastarem-se completamente umas das outras. 333

Também já tratamos do princípio da boa- fé no item anterior, de forma que


nesta oportunidade fixaremos nossa atenção no princípio da segurança jurídica,

333
Revista de Direito Administrativ.o nº 237. Rio de janeiro, julho/set/2007. p.272
219

aspecto relevante para o desenvolvimento da proposta relativa ao tempo razoável de


duração do processo. 334

J.J.Gomes Canotilho, trata a segurança jurídica como elemento constitutivo


do Estado de Direito, asseverando o seguinte:

O homem necessita de segurança para conduzir, pacificar e conformar


autônoma e responsavelmente a sua vida. Por isso, desde cedo se
consideravam os princípios da segurança jurídica e da proteção à
confiança como elementos constitutivos do Estado de direito. Estes dois
princípios – segurança jurídica e proteção á confiança – andam
estreitamente associados, a ponto de alguns autores considerarem o
princípio da proteção de confiança como um subprincípio ou como uma
dimensão específica da segurança jurídica. 335

Como se denota, estaria a segurança jurídica voltada aos elementos objetivos


do ordenamento (estabilidade, segurança de orientação) e a proteção à confiança mais
relacionada aos elementos subjetivos de segurança (confiabilidade e previsibilidade).
336

É o que destaca Karl Larenz, que tem na consecução da paz jurídica um


elemento nuclear do Estado de Direito material e também vê como aspecto do princípio
da segurança o da confiança:

(...) O ordenamento jurídico protege a confiança suscitada pelo


comportamento do outro e não tem mais remédio que protege-la,
porque poder confiar (...) é condição fundamental para uma pacífica
334
Sobre a segurança jurídica, ensina Almiro do Couto e Silva que esse princípio se ramifica em duas partes: “uma
de natureza objetiva e outra de natureza subjetiva. A primeira, de natureza objetiva, é aquela que envolve a questão
dos limites à retroatividade dos atos do estado até mesmo quando estes se qualifiquem como atos legislativos. Diz
respeito, portanto, à proteção do direito adquirido, ao ato jurídico perfeito e à coisa julgada...” “ A outra, de natureza
subjetiva, concerne à proteção à confiança das pessoas no pertinente aos atos, procedimentos e condutas do estado,
nos mais diferentes aspectos de sua atuação.” ibdem. p. 273- 274.
335
Direito Constitucional e Teoria da Constituição. p. 256
336
Almiro do Couto e Silva condensou os pontos principais, segundo ele atualmente dominantes no direito
comparado e brasileiro sobre os dois princípios, da seguinte forma: “a)(...) a manutenção no mundo jurídico de atos
administrativos inválidos por ilegais ou inconstitucionais (p.ex. licenças, autorizações, subvenções, atos pertinentes
a servidores públicos, tais como vencimentos e proventos, ou de seus dependentes, p.ex. pensões, etc.); b) a
responsabilidade do Estado pelas promessas firmes feitas por seus agentes, notadamente em atos relacionados com o
planejamento econômico; c) responsabilidade pré-negocial do Estado; d) o dever do Estado estabelecer regras
transitórias em razão de bruscas mudanças introduzidas no regime jurídico(p.ex. da ordem econômica, do exercício
de profissões, dos servidores públicos).” Op. Cit. p. 277- 278
220

vida coletiva e uma conduta de cooperação entre os homens e,


portanto, da paz jurídica. 337

Na Alemanha, o princípio da segurança jurídica, denominado como “princípio


da proteção à confiança” nasceu por construção jurisprudencial tendo por objetivo
predominante a preservação dos atos inválidos, ou pelo menos de seus efeitos, quando
presente a boa-fé. No Brasil, não foi previsto em âmbito constitucional, mas está
presente em leis esparsas, dentre elas, a lei federal de processo administrativo (Lei nº
9.784/99), a lei que dispõe sobre a ação declaratória de constitucionalidade e direta de
inconstitucionalidade (Lei 9868/99) e a lei que regula a argüição de descumprimento de
preceito fundamental (Lei 9.882/99). 338

No âmbito jurisprudencial pátrio ainda há timidez, sendo escassas as


decisões invocando o princípio da segurança jurídica, até porque, pelo fato de termos
consagrados em nível constitucional a garantia ao direito adquirido, à coisa julgada e ao
ato jurídico perfeito, normalmente a invocação se dá em relação a estas garantias, mas
a jurisprudência vem avançando nesse sentido. 339

Os institutos jurídicos que estabelecem prazos extintivos de direitos e


deveres em decorrência da passagem do tempo têm em mira o interesse público pela
estabilidade das relações, indispensável para o convívio em sociedade. Concorrem eles
para a agilidade dos processos, negando um direito ilimitado à atuação estatal. Diga-se

337
Derecho justo: fundamentos de ética jurídica. p. 91.
338
Lei Federal 9.784/99, inclui o princípio da segurança jurídica dentre os princípios a serem obedecidos pela
Administração pública, em seu artigo 2º, nos seguintes termos “ A Administraçao Pública obedecerá, dentre outros,
aos princípios da legalidade, finalidade, motivação, razoabilidade, proporcionalidade, moralidade, ampla defesa,
contraditório, segurança jurídica, interesse público e eficiência”. A Lei Federal nº 9.868/99, dispõe em seu artigo 27,
o seguinte: “ Ao declarar a inconstitucionalidade de lei ou ato normativo, e tendo em vista razões de segurança
jurídica ou de excepcional interesse social, poderá o Supremo Tribunal Federal, por maioria de dois terços de seus
membros, restringir os efeitos daquela declaração ou decidir que ela só tenha eficácia a partir de seu trânsito em
julgado ou de outro momento que venha a ser fixado”. E .a lei Federal 9.882/99 dispõe em seu artigo 11: “Ao
declarar a inconstitucionalidade de lei ou ato normativo, no processo de argüição de descumprimento de preceito
fundamental, e tendo em vista razões de segurança jurídica ou de excepcional interesse social, poderá o Supremo
Tribunal Federal, por maioria de dois terços de seus membros, restringir os efeitos daquela declaração ou decidir que
ela só tenha eficácia a partir de seu trânsito em julgado ou de outro momento que venha a ser fixado.”
339
Segundo informa Almiro do Couto e Silva existem três decisões do Supremo Tribunal Federal “enfrentando
diretamente o tema e afirmando, em conclusão, que a segurança jurídica integra o princípio do Estado de Direito,
sendo, pois, limite ao poder da administração Pública de anular seus atos administrativos”. Op cit. p. 280
221

de passagem que se trata de importantíssimo instrumento garantidor de justiça, que


também atua no sentido de assegurar a racionalidade da função do Estado, evitando
que os cidadãos fiquem à mercê de um poder absolutamente despido de limites
temporais.

Anteriormente, quando nos referimos ao princípio da legalidade com o


objetivo de fixar nosso entendimento acerca de seu conteúdo e dimensão,
demonstramos que embora se trate de princípio nuclear do Estado de Direito, de
inafastável relevância e de observância obrigatória pelo administrador público, em
determinadas situações, ainda que excepcionais, deve a legalidade ceder espaço a
outros princípios que diante de determinado caso concreto, deverão prevalecer para
resguardar a segurança das relações jurídicas.

Nesse sentido, deixamos assentado que ao princípio da legalidade


modernamente se atribui dimensão maior do que a observância à lei em sentido estrito,
sendo necessária a aplicação de preceitos jurídicos vigentes, de forma que a
Administração, sobretudo no exercício da auto-tutela, deve observância a outros
princípios igualmente consagrados pelo ordenamento jurídico, não sendo sua
submissão restrita à lei mas ao Direito.

É a partir dessa noção que deveremos desenvolver o tema proposto no


presente tópico, uma vez que a revisão do ato administrativo encontra limites em outros
princípios, como o da boa-fé e da segurança jurídica, este último tendo como
consectário inafastável, o tempo. Tudo visa à preservação da ordem. Afirma Celso
Antônio Bandeira de Mello que “O estado de pendência eterna parece-nos incompatível
com o objetivo nuclear da ordenação jurídica, que é a ordem, a estabilidade”. 340

Ao enfatizarem a relevância do princípio da segurança jurídica, Sérgio Ferraz


e Adilson Dallari comentam que a doutrina e a jurisprudência têm sido muito tímidas em

340
Curso de direito administrativo. 22ª ed. São Paulo: Malheiros, 2007, p.463-464.
222

sua afirmação, e também invocam as palavras de Almiro do Couto e Silva, no seguinte


sentido:

Ao dar-se ênfase excessiva ao princípio da legalidade da Administração


Pública e ao aplicá-lo a situações em que o interesse público estava a
indicar que não era aplicável, desfigura-se o Estado de Direito, pois se
lhe tira um dos seus fortes pilares de sustentação, que é o princípio da
341
segurança jurídica, e acaba-se por negar a justiça.

O problema relacionado à dimensão temporal para a revisão do ato


administrativo até há pouco tempo comportava muita polêmica, predominando o
entendimento segundo o qual os atos viciados poderiam ser revistos a qualquer tempo
em decorrência da necessária observância dos princípios da legalidade e da auto-
tutela, segundo os quais a Administração Pública deve atuar sempre visando o
restabelecimento da legalidade.

Todavia, tal entendimento não era pacífico, e com o advento da Lei Federal
de Processo Administrativo nº. 9.784/99, que fixou em seu artigo 54, o prazo
decadencial de 5 anos para a anulação dos atos administrativos de que decorram
efeitos favoráveis para os destinatários, o tema tomou outro rumo, existindo atualmente
disciplina legal limitando essa atuação da Administração Pública no tempo. 342

Assim, o procedimento instaurado pela Corte de Contas para analisar a


conformidade dos atos praticados pela Administração Pública com os dispositivos legais
pertinentes, deve também ser submetido a limite temporal vez que se trata de regra
geral do direito, a qual todos os órgãos devem se submeter. De igual forma devem
estar sujeitas a um limite temporal as penalidades aplicadas em decorrência da
fiscalização.

341
Processo Administrativo. São Paulo: Malheiros, 2001. p.167.
342
A lei Estadual de processo administrativo nº10.177/98, adotou o mesmo sistema, e fixou em seu artigo 10º o
prazo de dez anos para a administração pública anular seus atos inválidos, excetuando as situações em que a
irregularidade não resultou em prejuízo ou os atos forem passíveis de convalidação.
223

Os indivíduos não devem permanecer por períodos de tempo


excessivamente longos no aguardo do deslinde de processos instaurados no âmbito do
órgão controlador. Essa situação, além de permitir que as pendências fiquem em aberto
impedindo a consolidação dos direitos, implica invariavelmente em prejuízo ao direito
de defesa na medida em que a passagem do tempo dificulta a obtenção de informações
necessárias aos esclarecimentos pertinentes.

Parte significativa da doutrina e jurisprudência contemporânea tem se


posicionado no sentido de que não é possível realizar a revisão dos atos a qualquer
tempo quando consolidados direitos subjetivos incorporados ao patrimônio de servidor.
Sobre o assunto, Marcelo Figueiredo afirma que: “a prescrição, em princípio, atinge
todas as pretensões e ações, quer veiculem direitos pessoais, quer reais, privados ou
públicos. No tema da prescrição, a imprescritibilidade é sempre excepcional”. 343

Importa fazermos as devidas distinções entre os institutos. Conforme ensina


Maria Helena Diniz, o instituto da prescrição “foi criado como medida de ordem pública
para proporcionar segurança às relações jurídicas, que seriam comprometidas diante
da instabilidade oriunda do fato de se possibilitar o exercício da ação por prazo
indeterminado”. Assim, trata-se a prescrição de fato jurídico, uma vez que o
ordenamento confere ao fato “passagem do tempo” o efeito jurídico da perda do direito
de ação, que, segundo a renomada jurista, “constitui-se como uma pena para o
negligente, que deixa de exercer seu direito de ação, dentro de certo prazo, ante uma
pretensão resistida”. 344

Como se denota, a prescrição não atinge o direito propriamente dito, mas sim
a possibilidade de agir processualmente, de forma que o sujeito passivo da ação não
proposta poderá cumprir com sua obrigação, caso queira, uma vez que poderá dispor
da prescrição que lhe beneficia. Desse modo, caso alguém pague uma dívida prescrita,
esse valor não poderá ser reclamado posteriormente.

343
Probidade administrativa: comentários à Lei 8.429/92 e legislação complementar. São Paulo: Malheiros, 1995.
p.102.
344
Curso de direito civil brasileiro. 25 ed. v. 1. São Paulo: Saraiva, 2008. p. 388/389.
224

Já a decadência, instituto referido na lei de processo administrativo federal,


bastante confundido com o da prescrição pelo fato de, segundo Maria Helena Diniz,
“terem o traço comum da carga deletéria do tempo aliada à inatividade do titular do
direito” 345, na verdade com a prescrição não se confunde, pois opera a extinção do
direito propriamente dito pela inação de seu titular que deixa escoar o prazo legal fixado
para o seu exercício. Perece o direito, não sendo mais viável ao titular exercitá-lo. A
decadência, ao contrário da prescrição, é irrenunciável, não se suspende nem se
interrompe.

Por meio da prescrição civil adquirem-se e extinguem-se direitos e


obrigações; a prescrição penal é sempre extintiva do poder-dever de punir do Estado.

O fato é que, em âmbito administrativo, embora existam leis esparsas


estabelecendo prazos prescricionais para a Administração Pública agir, a exemplo do
que ocorre com a punição de servidores públicos, não existe um tratamento geral, como
o assunto requer e, por isso, as dificuldades em sua aplicação no âmbito de atuação do
Tribunal de Contas, cuja lei orgânica não cuidou do assunto.

Todavia, a Corte de Contas, ao analisar os atos dos administradores, os dá


por regulares ou não e na segunda hipótese tais atos devem ser anulados,
invariavelmente atingindo a esfera jurídica de terceiros, tanto no aspecto de reparação
civil como no âmbito de eventual aplicação de penalidades, razão pela qual não temos
dúvida e reiteramos a afirmação de que o processo submetido à análise da Corte de
Contas igualmente deve ser submetido a prazos.

Como vimos, a regra geral do direito é a prescrição. A imprescritibilidade só


pode ser admitida se assim for expressamente estabelecida. Esta afirmação nos obriga
ao enfrentamento da questão relacionada ao estabelecido no § 5º, do artigo 37 da Carta

345
Curso de direito civil brasileiro, p. 409.
225

Magna de forma mais aprofundada, considerando as divergências doutrinárias e


jurisprudenciais existentes.

Assim, embora não se trate da prescrição da pretensão punitiva, tema central


deste tópico, consideramos adequado, nesta oportunidade, tecer breves considerações
por se tratar de assunto que não pode ser desprezado porque inúmeras decisões dos
Tribunais de Contas resultam na determinação de ressarcimento ao erário. A presente
análise também contribuirá para a condução do raciocínio que respaldará a defesa do
prazo a ser considerado para a prescrição para aplicação de sanções, que não se
confunde com o prazo para o julgamento dos atos administrativos sob controle da Corte
de Contas.

Explicitaremos as razões pelas quais nos filiamos à corrente que não confere
ao dispositivo a interpretação segundo a qual se trata de disposição excepcionadora da
prescrição, alertando que vários e respeitados juristas defendem a tese no sentido de
que a Constituição Federal estabeleceu a imprescritibilidade para as ações que visam o
ressarcimento ao erário. 346

Como regra geral, a violação de um direito faz nascer para seu titular a
pretensão que se extingue pela prescrição, sendo certo que as regras que estabelecem
prazos extintivos tem em mira o interesse público pela estabilidade das relações,
indispensável para o convívio em sociedade, de forma que, para nós, o artigo 37, § 5º
da Constituição Federal deve ser entendido sob esse enfoque.

Em alentado parecer intitulado “Ação de Improbidade Administrativa –


Decadência e Prescrição, Ada Pellegrini Grinover, manifestando entendimento pela
prescritibilidade da pretensão ressarcitória do Poder Público, ressalta, citando vasta
doutrina nacional e alienígena, o caráter público do preceito legal que institui a

346
Podemos apontar como juristas de escola que adotam essa postura, Celso Antonio Bandeira de Mello (In: Curso
de Direito Constitucional, p. 1015), Uadi Lammêgo Bulos (In: Constituição Federal Anotada, p. 615) e José Afonso
da Silva (In: Curso de direito constitucional positivo. p. 653) e Marino Pazzaglini Filho (In: Improbidade
Administrativa. p. 202)
226

prescrição, para demonstrar que outro entendimento não pode ser emprestado ao
artigo 37 § 5º da Constituição Federal, advertindo que “nem mesmo o apelo ao
interesse público do direito de cuja extinção se cogita pode superar as regras que
estabelecem – via prescrição ou decadência – o fenômeno extintivo”. Invocando lição
de Câmara Leal, a jurista cita a seguinte passagem:

Ora, na prescrição, dando-se o sacrifício do interesse individual do


titular do direito, pelo interesse público da harmonia social, que exige a
estabilidade do direito tornado incerto, é evidente que sua instituição
obedeceu, direta e principalmente, à utilidade pública e que a norma
que a estatui é de ordem pública. 347

Prossegue a referida autora citando a doutrina de Elody Nassar que


invocando o conteúdo ético das normas que estabelecem os efeitos estabilizantes das
relações, considera um paradoxo angustiante extrair do disposto no artigo 37 § 5º da
Constituição Federal que as ações de ressarcimento são imprescritíveis, afirmando que
:
É notório princípio de exegese não presumir que disposições
normativas novas infirmam as precedentes, sobretudo quando implicam
rompimento com larga tradição legislativa anterior, a menos que isto
resulte clara e induvidosamente dos termos do regramento
superveniente”. E prossegue: “Daí porque afirmar que se a regra é de
prescritibilidade das ações condenatórias, não se pode afirmar
derrogada essa regra em face do disposto no § 5º do art. 37 da
Constituição da República. 348

No mundo jurídico é pacífico o entendimento de que o titular de direito deve


por sua inércia, ser punido com a perda da ação, segundo a máxima “o Direito não
socorre os que dormem” (Dormientibus non succurrit ius).

Fábio Medina Osório, revendo posição anterior a respeito do tema,


escreveu:

Até mesmo um crime de homicídio (art. 121, caput, do CP) sujeita-se a


prazo prescricional, por que uma ação de danos materiais ao erário

347
Interesse Público. p. 56.
348
Op cit., p. 61
227

escaparia desse tratamento? Dir-se-á que essa medida não constitui


uma sanção, eis a resposta. Sem embargo, tal medida ostenta efeitos
importantes e um caráter nitidamente aflitivo de um ponto de vista
prático. Ademais, gera uma intolerável insegurança jurídica a ausência
349
de qualquer prazo prescricional.

Cumpre consignar que até mesmo dentre os renomados juristas que se filiam
à tese da imprescritibilidade há ponderações em face dos princípios. José Afonso da
Silva se filia a essa corrente, mas não sem assentar que: “É uma ressalva constitucional
e, pois, inafastável, mas, por certo, destoante dos princípios jurídicos, que não
socorrem a quem fica inerte (dormientibus non succurrit ius)”. 350

Lúcia Valle Figueiredo, que outrora se filiara ao entendimento pela


imprescritibilidade das ações de ressarcimento ao erário, após reflexão mais
aprofundada reviu a posição para concluir que se aplica o maior prazo prescricional
previsto no Código Civil (art. 205 do CC). 351

Ensina Pontes de Miranda que a prescrição, em princípio, alcança todas as


pretensões e ações, mesmo que se trate de direitos pessoais, dos reais, privados ou
públicos. 352

Considerando tais relevantes premissas, acreditamos que a correta exegese


do mencionado dispositivo constitucional é no sentido de que a prescrição da pretensão
punitiva dos atos ilícitos praticados pelos agentes, servidores públicos ou não, está
expressa no § 5º, do artigo 37 da Constituição Federal e esse dispositivo, ao fazer a
ressalva relacionada às respectivas ações de ressarcimento, pretendeu excluir da lei
que estabelecerá os prazos prescricionais para os ilícitos o estabelecimento de prazo
para as ações de ressarcimento.

349
Direito administrativo sancionador. p. 66.
350
Curso de direito constitucional positivo. p. 653.
351
Direito público: Estudos. p.38.
352
Tratado de Direito Privado. p 164
228

Por tais razões defendemos que a interpretação razoável para o dispositivo é


a de que o legislador não pretendeu tornar imprescritíveis as ações de ressarcimento, já
que não o fez de forma clara e expressa como no outros exemplos mencionados, mas
que remeteu à lei específica, que deveria tratar dos prazos prescricionais apenas os
prazos para os atos ilícitos I) que importem em enriquecimento ilícito; II) que causem
prejuízo ao erário; e III) atos que atentam contra os princípios da Administração Pública.

Este também é o entendimento de Rita Andréa Rehem Almeida, ao afirmar o


seguinte: “Ora, o artigo 37 § 5º, da Constituição apenas afirma que as ações de
ressarcimento decorrentes de prejuízos causados ao erário não estarão sujeitas ao
prazo prescricional a ser estabelecido em lei para ilícitos praticados por agentes
públicos. Em momento algum afirmou que estas ações de ressarcimento seriam
imprescritíveis” 353

Assim, entendemos que pretendeu o legislador constituinte que referida lei


não deveria tratar da prescrição para as ações de ressarcimento oriundas dos atos
ilícitos acima mencionados, mas que a essa matéria poderiam ser aplicadas as regras
que disciplinam os prazos prescricionais para ressarcimento a exemplo da disciplina
estabelecida na lei geral, o Código Civil que, aliás, dedica um título à prescrição e à
decadência, ou por analogia, em leis que tem a mesma natureza, como a lei da ação
popular. 354

353
A prescrição e a lei de improbidade administrativa. p. 56
354
A Primeira Turma do Superior Tribunal de Justiça, no julgamento da RESP nº 406.545/SP já decidiu e aplicou
por analogia o prazo é o estabelecido no artigo 21 da Lei 4717/65 a aplicação do prazo estabelecido na lei de Ação
popular, declarando-a prescrita, eis que, segundo entendimento adotado por aquele Tribunal, a Ação Civil Pública
não veicula bem jurídico mais relevante que o da ação popular. Ação Civil Pública. Ministério Público.
Legitimidade. Prescrição. Cerceamento de defesa. Ausência.(...)6. A Ação Civil Pública não veicula bem jurídico
mais relevante para a coletividade do que a Ação Popular. Aliás, a bem da verdade, hodiernamente ambas as ações
fazem parte de um microssistema de tutela dos direitos difusos onde se encartam a moralidade administrativa sob
seus vários ângulos e facetas. Assim, à mingua de previsão do prazo prescricional para a propositura da Ação Civil
Pública, inafastável a incidência da analogia legis, recomendando o prazo qüinqüenal para a prescrição das ações
Civis Públicas, tal como ocorre com a prescritibilidade da Ação popular, porquanto ubi eadem ratio ibi eadem legis
dispositio”. Assim também entendeu a 5ª Câmara de Direito Público do tribunal de Justiça do estado de São Paulo,
aplicando analogicamente o prazo prescricional da Lei nº 4.717/65, ao julgar a AC nº 164.059-5: Prescrição. Ação
Civil Pública. Ministério Público estadual. EDIS. Devolução de diferenças de vencimentos além do devido.
Prescrição qüinqüenal. Existência. Se as eventuais irregularidades teriam ocorrido no ano de 1990 e a ação civil
pública somente foi proposta em 1998, já se havia consumado, portanto, o prazo prescricional. Na falta de
dispositivo expresso na lei 7.347, de 24 de julho de 1985, que disciplina a ação civil pública. Aplicação analógica e
229

Não há controvérsia acerca do recebimento pela Constituição do prazo para a


propositura da ação popular, não havendo razão plausível para que não seja aplicado
nas ações civis públicas que visem o ressarcimento ao erário público. Acreditamos ser
este o melhor entendimento a ser adotado para a correta aplicação do disposto no
artigo 37,§ 5º da Constituição Federal, por tratar-se de lei que rege as relações de
interesse público, visando a proteção de bens jurídicos assemelhados àqueles a que a
lei de ação popular visa proteger. Se não esse, como já se disse, o prazo previsto no
Código Civil, outra variável que não se pode ignorar.

Ao tecer considerações sobre o novo Código Civil, com o propósito de


transmitir maior segurança às relações jurídicas, Nelson Nery Jr. E Rosa Maria de
Andrade Nery lembram que: “quando não houver previsão expressa na lei para o
exercício da pretensão condenatória, o prazo de prescrição dessa pretensão é o
determinado pela norma ora comentada: dez anos.” 355

Diante dos argumentos colacionados afastamos a interpretação no sentido da


imprescritibilidade, que seria incompatível com o ordenamento de um país constituído
num Estado Democrático de Direito, onde é garantido a todos a igualdade perante a lei.
Ao contrário estaria sendo atribuído um direito ilimitado à atuação estatal. Estamos nos
referindo, portanto, a importantíssimo instrumento garantidor de justiça, que também
atua no sentido de assegurar a racionalidade da atuação estatal, evitando que os
cidadãos fiquem à mercê de um poder absolutamente despido de limites temporais.

Consignado o nosso entendimento acerca da prescritibilidade da ação de


ressarcimento ao erário público destacamos que o tema foi abordado em face da
atuação do Tribunal de Contas que como já mencionamos, inúmeras vezes resulta na
determinação de recomposição ao erário diante de irregularidades constatadas.

subsidiariamente, por guardar estrita similitude com a ação popular, a Lei 4.717/65, que, em seu art. 21, estabelece
por prazo prescricional de 5 (cinco) anos. Recurso do autor desprovido” (Relator Desemb. Xavier de Aquino, j.
21.06.01). Todavia, cumpre consignar que existem decisões pela imprescritibilidade, sendo assunto não pacificado.
355
Novo Código Civil e Legislação Extravagante Anotadas. p. 117
230

Contudo, a abordagem está voltada, sobretudo, a demonstrar que os prazos


prescricionais relacionados ao ressarcimento ao erário, à atividade controladora dos
atos e à pretensão punitiva no âmbito do Tribunal de Contas, pela ausência de
prescrição na lei especial, devem buscar, por via da analogia, fundamento em diplomas
legais diferenciados diante do conteúdo dos atos, ou seja, diplomas legais que protejam
bens ou direitos assemelhados, a exemplo do que já consignamos sobre o prazo para a
ação de ressarcimento ao erário.

Tais diplomas provavelmente não serão os mesmos para a atividade de


controle dos atos, com ou sem determinação de ressarcimento ao erário e para os atos
que importam na imputação de sanções. Todavia, considerando que no âmbito público
predominam as leis que estabelecem prazos prescricionais em cinco anos, como
veremos a seguir, embora cada qual encontre seu fundamento em diplomas legais
diferenciados, o prazo será o mesmo, de cinco anos.

Por isso, independentemente da existência de dano ao erário a ser


ressarcido, pela lógica de tudo que foi consignado acerca do conteúdo da segurança
jurídica e a inviabilidade de os indivíduos permanecerem perpetuamente sujeitos à
revisão de atos praticados cujos efeitos já se estabilizaram no tempo e também a
aplicação de sanção administrativa pelos atos praticados, a Corte de Contas no
exercício da função controladora também estará sujeita a prazos para a análise dos
atos submetidos à sua fiscalização e para a imputação de sanções.

Cumpre averiguar qual seriam esses prazos, considerando-se que a lei


orgânica do Tribunal de Contas silenciou a esse respeito. Iniciaremos com os prazos
relacionados à atividade de controle, que importará no julgamento pela adequação ou
não do ato controlado.

Existem vários diplomas legais estabelecendo prazos prescricionais, a


exemplo do Código Civil, que fixa a prescrição em dez anos, quando a lei não haja
fixado prazo menor, o Código Tributário Nacional – Lei nº 5.172/66 - que fixa o prazo de
231

cinco anos para a cobrança de créditos tributários, a lei de improbidade administrativa –


Lei 8.429/92 - que fixa o lapso temporal de cinco anos para a aplicação das penas
previstas para os atos de improbidade assim descritos na lei, contados da data do
término do mandato, de cargo em comissão ou de função de confiança, a lei da ação
popular – Lei 4.717/65 que fixa em cinco anos a prescrição para a propositura da ação,
a lei federal que rege o regime jurídico dos servidores públicos – Lei 8.112/90, que fixa
em cinco anos o limite máximo para a ação disciplinar, a lei que dispõe sobre a
prevenção e a repressão às infrações contra a ordem econômica – Lei 8.884/94, que
fixa em cinco anos contados da data do ilícito o prazo prescricional para as ações
tendentes a punir os ilícitos nela previstos. 356

Também há os diplomas que fixam prazos prescricionais para a ação do


administrado em face da Administração, à exemplo do Decreto nº 20.910/30, que com
força de lei estabelece o prazo prescricional de cinco anos para a propositura de ação
contra a Fazenda Pública Federal visando a cobrança de dívidas passivas desses entes
federados ou a Lei 9.494/97, que fixa o prazo de cinco anos para a reparação de danos
causados por agentes de pessoa jurídica de direito público. Muitos juristas defendem
que o prazo estabelecido para o administrado igualmente deveria incidir para a
Administração Pública, invocando, portanto, a incidência do decreto Federal nº
20.910/32 para a prescrição administrativa. 357

Como observou Celso Antonio Bandeira de Mello, o prazo de cinco anos é


uma constante nas disposições gerais estatuídas em regras de Direito Público voltadas
a fixação de prazos prescricionais. 358

Na ausência de especificação legal, assevera o jurista que o prazo


prescricional ou decadencial para que o Poder Público invista contra atos nulos ou

356
A Lei nº 8.884/94, fixava os prazos prescricionais em seu artigo 28, que foi revogado pela Lei nº 9.873/99 que
prescreve os prazos prescricionais para as ações punitivas da Administração Pública no exercício do poder de polícia.
Todavia, fica mantido o prazo de cinco anos.
357
Nesse sentido, Helena Ragoni de Moraes Correia se filiando a esse entendimento, cita Hely Lopes Meirelles e
Maria Sylvia Zanella Di Pietro. A prescrição administrativa como limite à autotutela da administração pública. p.
62.
358
Op cit. p.1014.
232

anuláveis é o de cinco anos previsto na Lei Federal nº 9.784/99, que não estabelece
distinção alguma entre atos nulos e anuláveis, situação que atenua essa distinção. 359

Alguns doutrinadores adotam entendimento segundo o qual, a Corte de


Contas no desempenho da função controladora estará submetida à lei de processo
administrativo naquilo que sua lei orgânica não disciplinou e, portanto, ao prazo
decadencial estabelecido no artigo 54 da Lei 9.784/99 para a invalidação dos atos
fiscalizados.

Essa é a posição adotada por Jorge Jacoby Fernandes, que ao cuidar do


limite temporal a ser observado para a invalidação dos atos ilegais, esclarece:

(...) para os casos em que não há regra específica sobre o tema, desde
1999, vigora, para a Administração Federal – que pode ser validamente
aplicada por analogia nas demais esferas de governo – a regra da
impossibilidade de anular atos com efeitos favoráveis para os
destinatários após o quinto ano, contados da data em que foram
360
praticados, salvo comprovada má-fé..

Ana Maria Goffi Scartezzini, em parecer sobre decisão do Tribunal de


Contas em concessão de aposentadoria externou opinião no sentido de que não
poderia o Tribunal de Contas determinar à Administração Pública a revisão de ato
inquinado quando já operada a decadência do direito de revê-lo pela própria
Administração, de modo que, para que o controle seja validamente exercido é preciso
que não se tenha escoado o prazo de cinco anos. São as palavras da jurista:

Assim, o ato de controle só poderá ser validamente exercido se


emanado no prazo decadencial previsto para a atuação do órgão
controlador, ao qual não se confere o poder de exercer sua atividade
sem qualquer limitação, especialmente de tempo, uma vez que poderá
ocasionar restrição ou supressão de direitos já concedidos aos
361
servidores.

359
Curso de direito administrativo. p. 463.
360
Tribunais de Contas do Brasil: jurisdição e competência.Belo Horizonte: Fórum, 2003, p.68-69.
361
O Tribunal de Contas e a concessão de aposentadoria. p. 221.
233

O Supremo Tribunal Federal vem fixando o entendimento de que a lei


federal de processo administrativo tem aplicação subsidiária nos procedimentos do
Tribunal de Contas, não só no que diz respeito às garantias processuais, que, diga-se
de passagem são inúmeros em face do corrente desatendimento ao devido processo
legal, mas também no aspecto relacionado ao prazo estabelecido no artigo 54 da Lei nº
9.748/99. 362

Mas tais posicionamentos não são pacíficos. Há entendimentos divergentes


na doutrina, no âmbito do próprio Tribunal de Contas da União e na jurisprudência de
nossos Tribunais. Procuraremos dar um panorama dos posicionamentos existentes
para assentar e justificar nosso posicionamento.

Sergio Honorato dos Santos, abordando o prazo de prescrição das ações


de ressarcimento decorrentes de atos de improbidade, filia-se à jurisprudência
dominante no Tribunal de Contas da União no sentido de que se aplica a regra geral do
artigo 205 do Código Civil para a prescrição dos débitos apurados pela Corte de
Contas. Informa o autor que alguns julgados daquela Corte dão notícia de que o prazo
previsto na Lei nº 8.429/92 (improbidade administrativa), o previsto na Lei nº 9.873/99
(prescrição para o exercício da pretensão punitiva pela Administração Pública Federal
Direta e Indireta) e o previsto no Decreto nº 20.910/32, não se aplicam ao Tribunal de
Contas. Assim é que, embora existam posições divergentes no sentido de que são
362
Relacionados ao procedimento que assegure a observância dos princípios do contraditório e da ampla defesa as
seguintes decisões: MS nº 24.421-6/DF. Rel. Min. Marco Aurélio. DJU 11.10.2007; MS 24.519/DF. Rel. Min. Eros
Grau. DJU 02.12.2005; MS 23.550/DF. Rel. Min. Marco Aurélio. DJU 31.10.2001 e MS 23.550-1/DF. Rel. Min.
Marco Aurélio. DJU 31.10.2001. E especificamente sobre a incidência do artigo 54 da Lei Federal nº 9.784/99,
citamos os seguintes julgados: MS 26.782-8. Rel. Min Cezar Peluso. DJU 22.02.2008, através do qual afirma o
Senhor Ministro relator o seguinte: “ (...)Tais ascensões funcionais são, pois, atos jurídicos perfeitos, já que não
podem ser alcançados pela revisão do Tribunal de Contas, após o quinquênio legal previsto na Lei 9.784/99 (art. 54(,
por força da decadência...” e ainda o MS 26.363-6-DF. Rel. Min Marco Aurélio. DJU 17.12.2007, onde o Ministro
Relator faz a seguinte afirmação: “ (...)Realmente, a Lei nº 9.784 de 29 de janeiro de 1999, é linear quanto à
passagem de mais de cinco anos, a obstaculizar a revisão de atos administrativos. A atuação do Tribunal de Contas
faz-se nesse campo, não estando em jogo ato complexo. A partir dela é que o órgão fiscalizado toma medidas
visando a tornar ineficazes os atos praticados. Não cabe versar a problemática referente ao princípio da
especialidade. A lei mencionada no parecer – nº 8.443/92 – disciplina a atuação do Tribunal de Contas da União, não
contendo preceito regedor da matéria. Somente com a Lei nº 9.784/99 veio à baila a fixação de prazo decadencial
para a revisão de atos administrativos, pouco importando que o fenômeno ocorra, ou não, a partir do crivo do
Tribunal de Contas em fiscalização efetuada. Em síntese, haverá, depois de mais de cinco anos do aperfeiçoamento a
revisão de ato implementado pela administração Pública. O que interessa ter presente é que o Tribunal de Contas não
atua no campo jurisdicional mas no administrativo”.
234

imprescritíveis as ações que visam o ressarcimento ao erário, no âmbito da Corte de


Contas prevalece o entendimento segundo o qual incide a regra geral do Código
Civil. 363

É de se notar que a definição desse prazo se dá no bojo da discussão


acerca da cobrança de débitos apurados pelo Tribunal de Contas e não para o
julgamento dos atos. Todavia, não há como afastar os reflexos que uma ação causa na
outra, uma vez que a irregularidade com a constatação de débito acarretará, além da
determinação para a invalidação do ato, também na determinação para o
ressarcimento. Todavia, o Tribunal de Contas, no exercício da função de controle não
invalida o ato administrativo no exercício da auto-tutela, princípio próprio da
Administração Pública. A Corte de Contas julga os atos regulares ou irregulares, razão
pela qual questionamos se o mesmo prazo decadencial há de ser aplicado ao órgão de
controle. Acreditamos que não.

Já consignamos que, segundo nosso entendimento, o prazo para a ação de


ressarcimento ao erário é o de cinco anos estabelecido na lei de ação popular, e temos
razões para considerar que o mesmo prazo deve se aplicar para o julgamento dos atos
submetidos a seu crivo.

É que, como observamos, o Tribunal de Contas não invalida atos no


exercício da auto-tutela, parâmetro utilizado pela lei de processo administrativo federal
para estabelecer o prazo decadencial de cinco anos, mas os julga, não devendo ser
submetido ao mesmo prazo decadencial estabelecido para a Administração Pública no

363
Os julgados mencionados pelo autor são: Acórdãos nº 1.727/03 da 1ª Câmara; 1.905/03 da 1ª Câmara; 904/03 da
2ª Câmara; 2.584/03 da 1ª Câmara; 157/04 da 2ª Câmara; 1.905/03 da 1ª Câmara; 71/00 e 248/00, ambos do Plenário
; 8/97 da 2ª Câmara; 11/98 da 2ª Câmara e 05/03 da 2ª Câmara. O prazo de prescrição das ações de ressarcimento
decorrentes de atos de improbidade que causem dano ao erário. p. 73. Cumpre consignar que existem posições, ainda
que minoritárias, no sentido de que incide o prazo prescricional de cinco anos da data da efetiva realização da
Inspeção e/ou Auditoria ou da ciência dos fatos denunciados, por ser mais consentâneo com a natureza da atividade
administrativa da Corte de Contas, a exemplo do voto proferido pelo Conselheiro Antonio Carlos Andrada no
processo nº 687.138. Helena Ragoni de Moraes Coelho, defendendo a incidência do prazo previsto no artigo 59 da
Lei 9.784/99 para a Administração Pública, não fazendo referência ao Tribunal de Contas, afasta a incidência do
prazo geral do Código Civil, aduzindo que a prescrição qüinqüenal não envolve direitos reais, seguindo-se para estes
a regra geral prevista no Código Civil. A prescrição administrativa como limite à autotutela da administração
pública. p.65.
235

exercício do poder dever de rever os atos irregulares. Por essas razões este não parece
ser o prazo mais adequado para incidir analogicamente, de forma que, para nós, o
prazo decadencial de cinco anos se aplica somente à Administração, que deverá
cumprir determinação da Corte de Contas para invalidar ato praticado, ainda que há
mais de cinco anos, e portanto, precluso para a Administração no exercício da auto-
tutela, mas não para o órgão de controle, no exercício da função fiscalizadora.

Mas, diante do silencio da Lei Orgânica da Corte de Contas, qual norma


incidiria?

Celso Antonio Bandeira de Mello, que outrora sustentava que na ausência


de lei específica incidiria por analogia os prazos estabelecidos na lei civil, reconsiderou
a opinião lecionando que em tema de prescrição a analogia deve buscar inspiração em
regras de direito público. 364
De fato, acreditamos que, também nesta situação deverá ser aplicado
analogicamente o prazo prescricional da Lei de Ação Popular – Lei Federal nº 4.717/65,
pelos mesmos motivos já consignados acima, quando defendemos sua aplicabilidade
para a contagem dos prazos para as ações de ressarcimento ao erário. Trata-se de
prazo mais consentâneo com a função do Tribunal de Contas, além do fato de que os
bens jurídicos protegidos pela Corte de Contas podem ser igualados àqueles protegidos
pela lei de ação popular para a finalidade do estabelecimento de prazos legais para a
extinção do direito de ação com a finalidade de revê-los. Referida lei estabelece em seu
artigo 21 o prazo prescricional de cinco anos para a ação prevista na lei. Em se
tratando de prazo prescricional também estará sujeito à suspensão e interrupção, que
deveriam estar previstos em lei própria, considerando as especificidades dos
procedimentos do Órgão de controle.

364
São as palavras de Celso Antônio Bandeira de Mello: “(...) parece-nos que o correto não é a analogia com o
Direito Civil, posto que, sendo as razões que o informam tão profundamente distintas das que inspiram as relações de
Direito Público, nem mesmo em tema de prescrição caberia buscar inspiração em tal fonte. Antes dever-se-á, pois,
indagar do tratamento atribuído ao tema prescricional ou decadencial em regras genéricas de Direito Público”. Op.
Cit., p. 1013- 1014.
236

Nessa situação, consideramos que a lei deveria estabelecer que a


instauração de procedimento no âmbito da Corte de Contas, visando o controle do ato,
seria causa de interrupção do prazo prescricional, de forma que à partir dessa data
recomeçaria a contagem dos cinco anos para o exercício da função de controle.

Todavia, na ausência de fixação de prazo específico, entendemos que


devem incidir as regras incidentes na ação popular, no sentido de que o prazo
prescricional deve ser interrompido com a citação dos interessados, quando o lapso
temporal será reiniciado. Considerando-se que no processo administrativo não há
citação, ocorreria com a notificação ou intimação, enfim, a partir do ato que de forma
inequívoca der ciência àqueles que serão atingidos pela decisão, da existência e
conteúdo do processo instaurado.

Passemos à análise do prazo para o exercício da pretensão punitiva. Como já


observamos acima, referido prazo há que se pautar em lei que busque proteger direitos
da mesma natureza.

As sanções administrativas, a exemplo das demais sanções jurídicas devem


estar sujeitas à prescrição porque a perpetuidade da pretensão punitiva estatal em
qualquer das esferas em que o “ius puniendi” é exercido, tenderia a prolongar
indefinidamente situações litigiosas, abalando a estabilidade da ordem jurídica.

Cretella Jr. adverte o seguinte:

(...) Por isso é insustentável a tese da imprescritibilidade da sanção


administrativa, defendida por ilustres cultores do direito administrativo,
porque o fundamento da prescrição tem de ser buscado na categoria
jurídica, sendo o mesmo para o direito penal e para o direito disciplinar,
havendo diferenças, é claro, apenas naquilo que o direito positivo de
cada país preceituou para uma e outra figura. 365

365
Comentários à Constituição Brasileira de 1988. p. 2262
237

No processo administrativo sancionatório além de a Administração ter o


dever de exercer as prerrogativas punitivas que são indisponíveis, deve agir com
eficiência, garantindo que sejam efetivamente punidos aqueles que fizeram por
merecer; a paralisação significaria ao mesmo tempo dispor de competência obrigatória
e deixar os potencialmente atingidos em situação de instabilidade e insegurança,
aguardando indefinidamente o ato conclusivo, situação, por óbvio, não tolerada pelo
Direito.

Nesse aspecto é interessante o comentário de José Armando da Costa,


fazendo referência à punição disciplinar:

(...) A autoridade incumbida de aplicar a penalidade, entretanto, tem um


prazo para fazê-lo. Lançará a punição, no momento adequado, no calor
da infração, a fim de alcançar os efeitos psiciológicos a que visa.
Caindo em inércia, perde a oportunidade de colimar o principal objetivo,
que é o de assegurar a ordem e a disciplina administrativas. a inércia,
por maior lapso de tempo, significa que a autoridade deseja relegar a
infração ao esquecimento. E há regras positivas que obrigam ao
esquecimento, desde que não aplicadas, de logo. 366

Assim, a pretensão punitiva do Estado deve estar limitada no tempo, de


modo que este não tem o direito de exercê-la indefinidamente, a exemplo do que ocorre
no direito penal. Cumpre relembrar que até para as penas estabelecidas na Lei nº.
8.429/92 – Lei de Improbidade Administrativa, que estabelece penalidades bastante
severas voltadas a punir condutas consideradas pelo legislador de razoável gravidade -
há regra de prescrição estabelecida em seu artigo 23. A prescrição acarreta a perda do
poder-dever de punir do Estado pelo não exercício da pretensão punitiva no prazo
estabelecido na lei.

Não resta dúvida que estará o Tribunal de Contas submetido igualmente a


prazos para aplicar sanções sob pena de, além da situação de insegurança que gera,
criar dificuldades intransponíveis para a realização da defesa na amplitude exigida pelo

366
Teoria e prática do direito disciplinar. p. 273.
238

Estado de Direito nas condições já abordadas amplamente no primeiro capítulo deste


trabalho e no item anterior. Neste sentido invocamos novamente palavras de Cretella Jr:

(...) Nem teria sentido que a sanção pairasse, indefinidamente, como a


espada de Dâmocles, sobre o infrator da norma, para ser aplicada muito
mais tarde, quando os fatos, as circunstâncias de local e tempo, os
documentos, as testemunhas, as provas tivessem de vir à tona para
extemporânea valoração pelo aplicador da pena, dentro de quadro bem
diverso daquele que cercava o fato e o autor, na época da
consumação. 367

Também nesse diapasão é a lição de Jorge Jacoby Fernades, que sobre o


assunto asseverou o seguinte:

(...) as penalidades, mesmo a multa que tem caráter pecuniário, estão


sujeitas à prescrição. O julgamento pelos tribunais de contas muitas
vezes ocorre tardiamente: citações, intimações, diligências, tudo em
nome da garantia da ampla defesa e do contraditório, ou até mesmo
sobrecarga de trabalho e falta de racionalização nas rotinas podem
impedir a aplicação daquelas. O tema já deveria estar sendo regulado
nas respectivas leis orgânicas, mas em pesquisa empreendida nada foi
encontrado. 368

Assim, há que se perquirir a qual prazo estaria submetido o Tribunal de


Contas e como deve ser computado, considerando-se o silêncio sobre o assunto em
sua lei orgânica? O tema requer análise criteriosa da legislação que estabelece prazos
prescricionais da pretensão punitiva do Estado.

O recurso à analogia deve dar preferência às normas de direito público,


sobretudo as de direito administrativo onde já verificamos que regra geral são fixadas
em cinco anos. Para nós, dentre as várias normas, a que mais se adequa para fim de
aplicação analógica de prazos prescricionais da pretensão punitiva no exercício da
função de controle, é a Lei Federal nº 9.873/99 que estabelece prazos de prescrição da
ação punitiva pela Administração Pública Federal no exercício do poder de polícia
visando apurar infração à legislação em vigor.

367
Prescrição da falta administrativa. p. 5
368
Tribunais de Contas do Brasil: jurisdição e competência. Belo Horizonte: Fórum, 2003 p. 551.
239

Como já mencionamos acima, há decisões do Tribunal de Contas da União


afastando a incidência dessa lei em seu âmbito de atuação por considerar que o
Tribunal de Contas não atua no exercício do poder de polícia. De fato, como já
destacamos neste trabalho, sobretudo no capítulo relacionado ao Tribunal de Contas e
o exercício da competência sancionatória sua atuação se dá no âmbito da função
controladora, de forma que as sanções aplicadas no exercício dessa atividade não se
confundem com o poder de polícia da Administração Pública. Mas seria este um
argumento hábil a afastar a aplicação analógica da mencionada lei? Seria adequada a
invocação do prazo decadencial estabelecido na Lei Federal nº 9.748/99?

Na verdade precluindo a oportunidade de atuação do Poder Público sobre a


matéria sujeita à sua apreciação, extingue-se o poder de punir. Trata-se de um dos
casos representados pela influência do tempo a que se refere Ruy Cirne Lima, em que
o tempo serve de medida para a duração da possibilidade de praticar um ato com
eficácia jurídica. 369

Já tratamos ainda que de forma perfunctória dos institutos da prescrição e da


decadência. Cumpre, contudo, salientar na esteira do que faz Ada Pellegrini Grinover,
que embora as distinções entre ambos resultem desdobramentos relevantes, nem
sempre tal missão é isenta de dificuldades, existindo mesmo quem na doutrina afirme
que não existe critério capaz de distinguir consistentemente os prazos decadenciais e
prescricionais. 370

Mas a doutrina fornece informações suficientes para orientar a distinção dos


fenômenos, a exemplo da lição de Amorim Filho, segundo a qual “(...) os potestativos
são os únicos direitos que podem estar subordinados a prazos de decadência, uma vez
que o objetivo e efeito desta é, precisamente, a extinção dos direitos não exercitados
dentro dos prazos fixados”. 371

369
Princípios de direito administrativo. p. 281
370
Ação de improbidade administrativa. decadência e prescrição. P. 57.
371
Critério científico para distinguir a prescrição da decadência e para identificar as ações imprescritíveis. p. 19-20.
240

Assim, as ações condenatórias estariam sujeitas aos prazos prescricionais e


as constitutivas à decadência. Explica Orlando Gomes que a distinção baseia-se na
estrutura do direito atingido pelo decurso do tempo, no seguinte sentido: “Os direitos
providos de pretensão seriam prescritíveis, eis que o exercício da pretensão por meio
de ação judicial visa à obtenção de sentença condenatória”. 372

Desta forma, os prazos prescricionais atingem pretensões que são em sua


maioria veiculadas por ações condenatórias e os prazos decadenciais atingem os
direitos potestativos ou de sujeição. Não é por outra razão que os prazos estabelecidos
no Código Penal são prescricionais uma vez que buscam estabelecer limites temporais
à pretensão punitiva do Estado, constituindo causa extintiva da punibilidade.

A prescrição acarreta na perda do direito de ação, não atingindo, portanto, a


própria infração. O direito atingido pela prescrição é o de aplicar a sanção, de forma
que a impossibilidade da instauração de processo administrativo para a imputação de
sanção, é conseqüência indireta.

Pelas noções fixadas pela doutrina, podemos concluir que o prazo a que
estará o Poder Público submetido para exercer a pretensão punitiva é prescricional e
não decadencial, razão pela qual já afastamos de plano a incidência do artigo 54 da lei
Federal nº 9.748/99.

Adrede mencionamos várias leis estabelecedoras de prazos prescricionais e


nesta oportunidade nos preocuparemos com aquelas relacionadas a aplicação de
penalidades a fim de justificar nosso posicionamento sobre a incidência por analogia da
Lei nº 9.873/99.

Encontramos discussões relacionadas, sobretudo, ao prazo prescricional


para cobrança de multa administrativa em vários âmbitos de atuação do Poder Público,

372
Introdução ao direito civil. p. 431.
241

todas afastando a incidência do Código Civil considerando a impropriedade de sua


aplicação analógica às relações jurídicas de cunho administrativo. E nesse sentido, o
STJ já considerou inaplicável o prazo do Código Civil por tratar-se de crédito de
natureza administrativa, asseverando a Ministra Eliana Calmon o seguinte: “Se a
relação que deu origem ao crédito em cobrança tem assento no Direito Público, não
tem aplicação a prescrição constante do Código Civil”. 373

As invocações fazem referência normalmente à lei nº 8.884/94 – Código


Tributário Nacional, cujo artigo relativo aos prazos prescricionais foi revogado pela Lei
nº 9.873/99 ao Decreto Federal nº 20.910/32, à Lei nº 8.112/90 e aos prazos
prescricionais para a punição disciplinar previstos nas leis nºs 75/93 e 80/90,
respectivamente do Ministério Público e da Defensoria Pública, que não fixam prazos
superiores a cinco anos, a Lei nº 8.429/92 que fixa em cinco anos a prescrição para a
aplicação das penas por ato de improbidade administrativa e a Lei nº 6.838/80 que
prevê o prazo máximo de cinco anos para a punição das infrações disciplinares dos
profissionais liberais e o Estatuto da OAB – Lei nº 8.906/94, que também prevê o prazo
máximo de cinco anos. Todas são voltadas ao estabelecimento de prazos prescricionais
para a pretensão punitiva, com exceção do CTN e do Decreto Federal de 1932, cuja
aplicação principiológica da isonomia impõe a incidência recíproca dos prazos
estabelecidos para os indivíduos.

Parece, na verdade, que a Lei Federal nº 9.873/99 que versa sobre o


exercício da ação punitiva pela Administração Pública Federal colocou uma pá de cal
sobre a celeuma existente, fixando nessa seara prazo consentâneo com a legislação
pública em geral, afastando a discussão sobre a incidência dos prazos do Código Civil.

Pudemos apurar que o prazo prescricional estabelecido na referida lei para o


exercício da pretensão punitiva é aplicado também pelo CADE – Conselho
Administrativo de Defesa Econômico, que inclusive vem reconhecendo de forma
reiterada a incidência da prescrição intercorrente nos termos do § 1º, do artigo 1º da Lei

373
Resp. 623.023/RJ. DJ 14.11.2005
242

nº 9.873/99, pela CVM- Comissão de Valores Mobiliários, pelo Conselho Estadual de


Trânsito do Rio Grande do Sul. Igualmente tem sido reconhecido de forma reiterada
para aplicação nos prazos prescricionais de dívida de natureza não tributária, como
ocorre com as multas aplicadas pela fiscalização do trabalho, situações em que os
Tribunais Regionais do Trabalho vêm aplicando analogicamente os prazos do Decreto
Federal nº 20.910/32 e da Lei Federal nº 9.873/98. 374

Pois bem, ainda que as sanções aplicadas pelo Tribunal de Contas não
decorram do exercício do poder de polícia, considerando a natureza administrativa de
seus atos sancionatórios expedidos no uso da prerrogativa do ius imperii do Estado,
não vislumbramos razões para afastar a incidência analógica da lei editada para tratar
da prescrição na esfera federal para o exercício da ação punitiva, que inclusive
estabelece prazo de cinco anos, de acordo com o contido nas leis que regem as
relações de natureza administrativa em geral, garantindo ainda a isonomia que se
procurava assegurar com a invocação dos prazos do Decreto Federal nº 20.910/32.

Referida lei nº 9.873/99 como se denota, fixou o prazo geral de cinco anos,
mas também fixou regras importantes voltadas à regulação da prescrição intercorrente,
que se dará em três anos quando o procedimento estiver paralisado, pendente de
despacho, e ainda estabelece as situações de interrupção e de suspensão da
prescrição, excepcionando expressamente as infrações de natureza tributária e
funcionais. Fixou ainda que incidirão os prazos da prescrição penal quando o fato
também constituir crime.

A lei estabeleceu como momento inicial para a contagem do prazo o da data


da prática do ato ou no caso de infração permanente ou continuada, do dia em que tiver
374
Parecer PROCADE nº 025/2007. Relator Conselheiro Abraham Benzaquen Siczú; Parecer PROCADE nº
572/2006. Conselheiro Abraham Benzaquen Siczú. Recurso 08012.003376/2003-08. Rel. Cons. Miguel Tebar
Barrinuevo; recurso nº 08012.000705/1999-11. Rel. Cons. Cleveland Prates Teixeira. Também constatamos a
aplicação subsidiária da lei no âmbito da CVM (Inquérito Administrativo nº 10/96), na cobrança de multas
decorrentes de infração à legislação do trabalho (TRT 14ª Região. Proc 00243.2007.101.14.00-0. 1ª Turma. Rel. Dês.
Ricardo Turesso; TRT – 5ª Região – AGR 2002.05.00.015410-5. rel. Dês. Ridalvo Costa. DJU 03.05.2005 e TRF da
4ª Região. Apelação Cível nº 458.280/PR 3ª Turma. Relatora Dês. Tais Schilling Ferraz. DJ 25/04/2002.) e ainda,
para a suspensão da carteira nacional de habilitação, considerando que o Código Nacional de Trânsito não previu
prazo específico (Conselho Nacional de Trânsito do Rio Grande do Sul – Relator Liéverson Luiz Perin. 09.05.2006).
243

cessado. Os processos instaurados no âmbito do Tribunal de Contas teriam o condão


de interromper esse prazo?

Aqui também seria igualmente indispensável que a lei Orgânica do Tribunal


de Contas disciplinasse as situações interruptivas expressamente, enumerando
taxativamente as causas interruptivas da prescrição, considerando-se as peculiaridades
dos procedimentos fiscalizatórios. De qualquer modo, a Lei nº 9.873/99 institui
situações que na ausência de norma específica podem ser utilizadas analogicamente
pela Corte de Contas, desde que de forma devidamente fundamentada em relação à
situação fática e a prescrição legal.
.
Para nós, prazo prescricional para a Corte de Contas aplicar as sanções
previstas na lei teria início igualmente na data do fato, ou seja, quando o mesmo se
concretiza, exceto se tratar de infração continuada ou permanente, cujo prazo se
iniciará apenas quando estiver cessado. Importa estabelecer que uma infração
instantânea poderá ter efeitos permanentes, situação que não impedirá o lapso do
prazo prescricional, porque o que impede a prescrição é a permanência da conduta ou
sua reiteração. 375 A lei poderia definir em tese quais seriam os casos de infrações
permanentes, mas as continuadas só podem ser constatadas diante de cada caso
concreto.

Pois bem, o prazo poderia ser interrompido igualmente por aplicação


analógica da lei, nas situações nela estabelecidas, incidindo inclusive a prescrição
intercorrente prevista em seu § 1º, do artigo 1º. Vejamos as situações:

Estabelece a lei que os processos paralisados por mais de três anos,


pendentes de julgamento ou despacho serão arquivados de ofício ou a requerimento
das partes, sem prejuízo da apuração de responsabilidade funcional decorrente da

375
O aumento abusivo de preços é uma conduta instantânea de efeitos permanentes, mas a data a ser considerada é a
do aumento abusivo dos preços e não de quando cessou seus efeitos. Ao contrário, exigir ou conceder exclusividade
para divulgação de publicidade nos meios de comunicação de massa (art. 21,VII da Lei 8.884/94) é inicialmente
instantânea, mas se a cada adquirente de seus produtos é exigida a exclusividade, teremos a continuidade do ato
infracional, quando o termo inicial da prescrição será o do último ato.
244

paralisação. Essa prescrição poderá ser interrompida em três situações, a saber: I- pela
citação do indiciado ou acusado; por qualquer ato inequívoco, que importe em apuração
do fato e pela decisão condenatória recorrível. As situações de suspensão da
prescrição estão previstas no artigo 3º da lei, relacionadas à celebração de termos de
compromisso referidos em algumas leis específicas mencionadas no texto, situação,
portanto, em que estará excluído o Tribunal de Contas, que não possui dentre suas
atribuições a elaboração de termos de compromissos ou de ajustes de condutas.
Todavia, a sistemática poderá ser adotada em lei específica para a Corte de Contas.

Defendemos que a interrupção da prescrição somente se dará com o


estabelecimento do contraditório, ou seja, á partir da intimação das partes interessadas,
a exemplo do que ocorre no processo civil, ou nos termos estabelecidos na Lei Federal
nº 9.873/99, que dispõe que a interrupção e suspensão da prescrição do direito de punir
somente quando há processo devidamente instaurado. Deve-se entender que tal
exigência legal só será atendida com a efetiva citação dos interessados. 376

Segundo esse raciocínio a existência de procedimento no âmbito do Tribunal


de Contas não será suficiente para interromper a prescrição, porque a pretensão
punitiva somente se materializará com a intimação dos envolvidos. Nesse sentido deve
ser a intelecção do inciso II do artigo 2º da lei. O ato passível de provocar a interrupção
deve se relevar inequívoco de apuração dos fatos e para nós esse ato é a intimação do
interessado da instauração de procedimento visando a apuração dos fatos.

Todavia, cumpre observar que a regra é bastante vaga e pode dar origem a
interpretações várias e situações equivocadas. Por isso insistimos que melhor seria se
lei específica adotasse as causas de interruptivas e suspensivas de forma expressa de
acordo com a realidade específica dos procedimentos próprios do Tribunal de Contas.

376
Essa proposta está inserida em texto de autoria de Marcelo Vicente de Alkimim Pimenta, denominado “A
prescrição da ação punitiva do tribunal de Contas da União”. In: Revista Fórum Administrativo – Direito Público-
FA. ano 7, nº 71. Belo Horizonte, Jan. 2007, p.51.
245

Não obstante a postura por nós adotada, consignamos que o prazo


prescricional de cinco anos, estabelecido na Lei Federal nº 8.429/92, para as sanções
aplicáveis aos agentes públicos nos casos de enriquecimento ilícito no exercício de
mandato, cargo, emprego ou função na Administração Pública também nos parece
adequado para aplicação analógica ao Tribunal de Contas no exercício da pretensão
punitiva. Referida lei estabelece em seu artigo 23, que as ações destinadas a levar a
efeito as sanções nela previstas prescrevem em até cinco anos, contados do término do
exercício de mandato, de cargo em comissão ou de função de confiança.
246

SÍNTESE DOS CAPÍTULOS

CAPÍTULO I

• o princípio do devido processo legal evoluiu de forma paulatina no Brasil, e só


ganhou fôlego e expressiva atenção do legislador constituinte na Carta de 1988,
que o constitucionalizou no artigo 5º, inciso LIV, e o estendeu para a esfera
administrativa no inciso LV desse mesmo dispositivo;
• no âmbito da Administração Pública, o devido processo legal é veiculado por
meio do processo administrativo, instrumento que viabiliza a verificação da
validade dos atos estatais. Para sua satisfação, não basta um procedimento
encadeado e seqüencial de atos voltados a um resultado final, sendo
imprescindível a existência de um processo que assegure todas as garantias do
contraditório, que engloba a produção de provas com a efetiva participação das
partes envolvidas e a ampla defesa, além de um julgamento realizado por juízo
imparcial, mediante procedimentos previamente estabelecidos que assegurem
tratamento isonômico aos envolvidos e eventualmente atingidos pelo ato;
• a Constituição Federal brasileira, ao assegurar o contraditório e a ampla defesa,
garantiu a incidência de vários outros princípios que lhes são verdadeiros
corolários, de forma que também, estes devem ser observados nos
procedimentos administrativos em geral;
• o devido processo legal que tem em mira fundamentalmente o processo penal
porque tende a proteger o indivíduo em sua liberdade, é aplicável a todos os
tipos de procedimentos, sendo a sanção administrativa ato jurídico cuja
legalidade depende da existência de procedimento prévio, desenvolvido com
absoluto respeito ao devido processo legal;
• embora a ordem constitucional brasileira tenha acolhido expressamente a
cláusula de devido processo legal, não há na doutrina, um consenso ou definição
quanto ao conteúdo e limites da cláusula, de modo que a verificação da efetiva
aplicação do devido processo legal em sua dimensão adjetiva somente será
247

viável diante de cada caso concreto, constatação que não afasta a viabilidade da
indicação de requisitos mínimos e indispensáveis para sua concretização.

CAPÍTULO II

• a concepção doutrinária atual do princípio da legalidade já não é tão rigorosa


como aquela fortemente influenciada pelo positivismo jurídico que vigorava no
Estado de Direito Clássico, de forma que a Administração não se encontra
restrita às prescrições da lei em sentido estrito, mas ao ordenamento jurídico;
• não existem diferenças ontológicas entre as infrações e sanções penais e as
infrações e sanções administrativas, prevalecendo o critério formal de distinção,
mediante o qual será sanção administrativa quando aplicada por uma autoridade
no exercício da função administrativa, e penal, quando aplicada no exercício da
função jurisdicional. Em face da inexistência de critérios objetivos qualitativos ou
quantitativos a orientar o legislador, poderá este estabelecer quais condutas
serão consideradas ilícitos penais ou administrativos, sem critérios de gravidade
ou relevância predeterminados no ordenamento jurídico, definindo dessa forma o
regime jurídico a ser observado em cada situação;
• não obstante a inexistência de diferenças substanciais, as sanções
administrativas e as penais serão aplicadas no exercício de funções
diferenciadas, a administrativa e a jurisdicional, o que resultará em diferentes
conseqüências jurídicas e também na incidência de princípios jurídicos que
regem cada ramo do direito.;
• ainda que o regime jurídico administrativo não se confunda com o regime jurídico
penal, é forçoso reconhecer a existência de princípios que se aplicam a ambos
os procedimentos, independentemente da natureza da sanção, penal ou
administrativa. Todavia, as diferenças entre os regimes jurídicos justificam a
preocupação com o estudo apartado, uma vez que, mesmo diante da incidência
de princípios comuns, existem peculiaridades decorrentes do regime a que cada
um se submete;
248

• a sanção administrativa é aplicada por quaisquer dos Poderes estatais, quando


no exercício de função administrativa, típica ou não. O Tribunal de Contas, ao
aplicar sanções, o faz no exercício da função controladora, com a finalidade de
conferir eficácia às suas decisões. Os objetivos de represália ou castigo,
identificados por muitos doutrinadores dentre as finalidades das sanções, devem
ser afastados, uma vez que as penalidades são instrumentais, sendo meio de
garantir a atuação da Administração Pública em conformidade com as regras
estabelecidas e, bem assim, de garantir a eficácia de suas decisões, quando
desobedecidas;
• ilícitos e sanções administrativas são matérias de reserva de lei em sentido
estrito, de forma que a lei que institui ilícitos e respectivas sanções não pode se
satisfazer com o respeito ao princípio da legalidade, devendo o legislador
observar também o princípio da tipicidade, a exigir que contemple a lei descrição
dos comportamentos censurados e as respectivas sanções. Por tais razões, e
também porque sanções importam restrição a direitos, fica afastada a
possibilidade de integração da lei diante da ausência de norma, sendo vedada a
utilização do recurso à analogia, que somente será possível se em benefício do
imputado (analogia in bonam partem);
• as normas com cláusulas genéricas, denominadas pela doutrina de estrutura
“aberta” ou “elástica”, cujos limites não são precisos, são admitidas em nosso
sistema jurídico, inclusive em matéria sancionatória, uma vez que não afastam
necessariamente o princípio da tipicidade. Todavia, em decorrência de exigência
do próprio Estado de Direito, serão inadmissíveis se não possuírem um mínimo
de densidade normativa que permita aos indivíduos saberem com segurança e
antecipadamente quais são as condutas proibidas e as respectivas sanções, ou
que tornarem muito dificultosa ou impossível a identificação da conduta
considerada ilegal pelo legislador;
• a aplicação de sanções administrativas, mesmo diante de normas que não
delimitem, com traços absolutamente nítidos, pormenorizados e exaustivos,
todas as situações fáticas passíveis de serem por elas alcançadas, é atividade
interpretativa que não se confunde com a competência discricionária, que
249

decorre da possibilidade conferida pela lei para formulação de juízos de


oportunidade e conveniência. O poder discricionário fundamenta-se em critérios
extrajurídicos, e na esfera da aplicação de sanções não incide a vontade do
aplicador, mas a emissão de juízo de legalidade, formulado mediante atividade
interpretativa - que é intelectiva - não se confundindo com escolha entre
possibilidades viáveis e está sujeita ao controle jurisdicional;
• em nosso ordenamento jurídico, os regulamentos não podem restringir direitos
ou criar obrigações. Nem por isso deixam de ter papel de extrema relevância em
matéria sancionatória. Diante da inegável tendência legislativa de prever ilícitos e
sanções de forma cada vez mais genérica, seja pela inviabilidade da previsão
taxativa e antecipada de todas as condutas passíveis de sanção, seja também
com o intuito de conferir menos rigidez ao ordenamento e permitir que este
acompanhe o dinamismo da sociedade, os regulamentos devem cumprir o papel
de, sem criar novos ilícitos ou sanções correspondentes, regulamentar a
aplicação da lei, aclarando e descrevendo de forma mais detalhada as condutas
genericamente previstas no diploma legal, ainda que não o faça de forma
exaustiva, mas mediante rol exemplificativo, a viabilizar a abrangência de
situações semelhantes, criando efetivas condições para a aplicação da norma;
• a legalidade estrita não se refere somente à descrição da conduta ilícita, mas
também ao estabelecimento das conseqüências jurídicas respectivas, de modo
que as leis que conferem espaço muito amplo para a determinação da pena
também resvalam no princípio da lei em sentido estrito.

CAPÍTULO III

• o Tribunal de Contas é entidade instituída no ordenamento jurídico pátrio em


âmbito constitucional, como órgão auxiliar, do Poder Legislativo no exercício do
controle externo de natureza técnica. Embora o Texto constitucional tenha
empregado o vocábulo “auxiliar”, o Tribunal de Contas não possui relação de
subordinação e tampouco integra a estrutura do Legislativo, retirando suas
competências diretamente da Constituição;
250

• sem desconsiderar as acirradas discussões existentes em âmbito doutrinário e


jurisprudencial em torno da natureza dos atos produzidos pela Corte de Contas,
defendemos que são atos revestidos de natureza administrativa. Afastamos,
portanto, as teses que defendem a natureza jurisdicional, porque o ordenamento
constitucional brasileiro adotou o sistema da jurisdição una, cabendo apenas ao
Poder Judiciário julgar de forma definitiva, além de não prever o contencioso
administrativo. Afastamos, igualmente, as teses que lhes emprestam natureza
política, reservada ao Poder Legislativo;
• o Tribunal de Contas aplica sanções no exercício da função controladora, por
força de autorização constitucional consubstanciada no inciso VIII do artigo 71 da
Constituição Federal, que remete a previsão das sanções para lei
infraconstitucional, a serem estabelecidas na medida necessária para
instrumentalizar o desempenho da função de controle, sendo inconstitucionais
normas coativas de direitos estabelecidas de forma desmedida ou
desproporcional aos resultados que se pretende obter;
• são várias as modalidades de controle existentes, segundo as classificações
doutrinárias. Tradicionalmente, o controle é classificado, quanto ao momento de
seu exercício, em prévio, concomitante e posterior. Em matéria sancionatória, a
distinção dessas fases assume relevância, na medida em que, segundo nosso
entendimento, não devem ser aplicadas sanções na fase de controle prévio, por
sua própria finalidade preventiva e corretiva. A sanção deve ser aplicada como
conseqüência da prática do delito, não sendo a pena, pois, medida preventiva,
mas sendo uma sanção pós delito ou retributiva;
• a competência sancionatória conferida ao Tribunal de Contas é haurida
diretamente da Carta Magna, e, sem dúvida, dentre todas as competências
relacionadas nos vários incisos do artigo 71 da Constituição, é a que menos
recebeu atenção doutrinária. Depende, seu efetivo desempenho, de previsão
legal das sanções aplicáveis, tendo a Constituição imposto verdadeiro dever de
agir ao legislador quando ordenou que preveja as punições a serem aplicadas
pelo Tribunal de Contas. Contudo, o legislador infraconstitucional deve observar
os parâmetros e limites constitucionais, que são os vetores estabelecidos na
251

regra autorizadora, quais sejam, ilegalidade de despesa e irregularidade de


contas. A lei deverá descrever as condutas de acordo com essas diretrizes, pois
o fato gerador da sanção deve estar relacionado com estes vetores;
• as sanções impostas pelo Tribunal de Contas se enquadram na espécie sanção
administrativa, porém aplicadas no exercício da função controladora, que não se
confunde com a função administrativa propriamente dita, no sentido de executar
a lei de ofício, mas sim, de fiscalizar a sua adequada execução pelos órgãos dos
Poderes do Estado e por todos aqueles que estão sob sua jurisdição, razão pela
qual sofre influxos decorrentes da função controladora, não se confundindo com
a desempenhada pela Administração Pública, ao aplicar sanções no exercício do
poder de polícia;
• a redação do inciso VIII do artigo 71 da Constituição Federal dá ensejo a
interpretações divergentes atinente à pena de multa, modalidade mais comum de
punição aplicada pela Corte de Contas. A fórmula empregada, qual seja, “multa
proporcional ao dano causado ao erário”, pode levar ao entendimento de que
esta modalidade de sanção apenas poderá ser prevista em face da constatação
de efetivo dano em seu aspecto pecuniário. Todavia, afastamos esse
entendimento para considerar que é possível a previsão legal da pena de multa,
mesmo diante da inexistência de dano ao erário, em decorrência da ampliação,
pela Constituição de 1988, das competências conferidas ao Tribunal de Contas,
que já não se encontram mais restritas às questões financeiras e orçamentárias.
Além disso, o dispositivo faz crer que o legislador constituinte quis garantir a
previsão, na lei, da sanção de multa proporcional ao dano, buscando também
limitar seu valor máximo, mas com isso não afastou a viabilidade da previsão de
multa para outras situações;
• o direito pátrio repele o bis in idem, admitindo a aplicação de sanções para a
mesma conduta considerada ilícita no âmbito civil, administrativo e penal, por se
tratarem de instâncias autônomas e independentes, que implicam em diferentes
conseqüências jurídicas. As penas de natureza administrativa aplicadas pela
Corte de Contas para a mesma conduta prevista em legislação específica, a
serem também aplicadas pelos órgãos controlados no exercício de sua função
252

administrativa, também não caracterizam bis in idem porque são diversas e


inconfundíveis as áreas de atuação. Todavia, embora a função seja diferenciada
e independente, nem sempre implicará em diferentes conseqüências jurídicas,
situação que deve ser evitada pelo legislador;
• pelas razões consignadas no item anterior, o legislador deve adotar as
necessárias cautelas para não criar situações passíveis de dar ensejo a
pronunciamentos díspares relativamente aos Poderes controlados, no que se
refere à aplicação de sanções igualmente de natureza administrativa
estabelecidas no âmbito de outras funções do Estado, como ocorre com as
sanções destinadas a punir desvios de conduta de natureza disciplinar. A cautela
também deve ocorrer em relação à criação de sanções que eventualmente
possam implicar intromissão na esfera de competência constitucionalmente
reservada aos Poderes controlados;
• a fórmula utilizada no dispositivo constitucional – inciso VIII do artigo 71-
comporta interpretações divergentes em dois aspectos: no sentido de não se
admitir a criação de penas de multa na ausência de dano ao erário; e
impossibilitar a criação de sanções afetas a atos não relacionados com
ilegalidade de despesa e com irregularidade de contas. Afastamos a
interpretação que apenas admite a criação da pena de multa em face da
existência de dano ao erário, por considerarmos que o dispositivo pretendeu
garantir, além de outras cominações, - em que não se excluem, necessariamente
as multas -, à previsão da multa proporcional ao dano, estatuindo também que o
valor da multa não deve ultrapassar o valor do dano apurado. Já em relação aos
vetores constitucionais – ilegalidade de despesas e irregularidade de contas –,
consideramos tratar-se de limites estabelecidos para a criação de sanções que
não podem ser instituídas para situações não relacionadas a essas duas
situações expressamente demarcadas pela Constituição;
• reputamos desconformes com a diretriz constitucional, as sanções previstas na
LOM do Tribunal de Contas da União, Lei Federal nº 8.443/92, em que não
estejam presentes as hipóteses de irregularidade de contas ou ilegalidade de
253

despesas. São exemplos os incisos IV a VIII e parágrafo 1º do artigo 58, da


referida Lei;
• não vislumbramos no dispositivo constitucional autorização para a Lei Orgânica
do Tribunal de Contas criar sanções de qualquer natureza, desvinculadas ou que
não decorram de atos que tenham resultado em despesa ilegal ou gerado a
irregularidade de contas, de forma que as condutas decorrentes de
comportamento funcional dos agentes fiscalizados deverão ser apuradas e
sancionadas no âmbito do próprio órgão controlado, porque atinentes a
comportamentos relacionados ao desempenho funcional e não à função de
controle externo exercida pelo Tribunal de Contas;
• a impossibilidade da aplicação de sanções para condutas não relacionadas aos
vetores ilegalidade de despesa e irregularidade de contas não compromete a
eficácia das determinações do Tribunal de Contas, o qual além de possuir
competência para lançar mão de medidas cautelares para garantia da eficiência
da sua função fiscalizatória, pode determinar que o órgão controlado instaure o
procedimento competente para apuração de responsabilidade funcional em
decorrência do desatendimento de suas determinações. O órgão controlado não
poderá deixar de atender o que lhe foi determinado pela Corte de Contas nesse
sentido, existindo, portanto, mecanismos próprios de punição dos agentes
públicos, veiculados em legislação específica;
• a medida cautelar de afastamento temporário do responsável, prevista no artigo
44 da LOTCU, embora não se confunda com sanção, remete àquele Tribunal
atribuição reservada com exclusividade ao órgão controlado, ao qual caberá
afastar ou suspender servidores em conformidade com os procedimentos
previstos na lei que regula o regime jurídico a que estão submetidos, ressalvadas
as situações decorrentes de decisões judiciais. Nesta situação, do artigo 44, se a
medida alcançar ocupantes de cargos estruturais do órgão controlado, o
afastamento interferirá na organização do Poder e poderá gerar uma crise
político-institucional. Além disso, na prática, verifica-se a utilização da medida
com caráter nitidamente sancionatório;
254

• a pena de inabilitação para a ocupação de cargo ou emprego público, prevista no


artigo 60 da LOTCU, também esta prevista no Estatuto dos Servidores Públicos
da União (Lei Federal nº 8.112/90, art. 147, incisos V e VI), a ser aplicada pela
autoridade administrativa indicada na lei. Esta situação poderá dar ensejo a
pronunciamentos díspares pelas autoridades competentes.. Por tal razão,
consideramos que a Corte de Contas deveria apenas determinar a instauração
de procedimento para apuração e aplicação da penalidade no âmbito do órgão
controlado;
• a pena mencionada no item anterior, é, ainda revestida de severidade
aparentemente incompatível com as punições necessárias à eficácia do exercício
da função de controle. Por outro lado, a generalidade da lei não torna possível
saber de antemão quais cargos estariam sujeitos à sanção. Defendemos que
referida penalidade não pode ser aplicada a ocupantes de cargos estruturantes
de quaisquer dos Poderes controlados, sob pena de configurar fator de
desestabilização político-institucional;
• a indisponibilidade de bens, prevista no § 2º do artigo 44 da LOTCU, é ato de
extrema severidade que afeta direito fundamental, visto que a Constituição
Federal consagra a tutela jurídica da propriedade. Segundo nosso entendimento,
a relevância do direito assegurado impõe cautela e prudência, porque a medida
causa inquestionável restrição à esfera jurídica das pessoas afetadas, de modo
que somente o Poder Judiciário poderia decretá-la, por exigir predicados que só
a magistratura possui. A ruptura do círculo de imunidade do valor constitucional
só se justificará se ordenada por órgão estatal investido de competência jurídica
para suspender a eficácia do princípio de proteção à propriedade. A intervenção
jurisdicional é fator de preservação do regime das franquias individuais, de forma
que acreditamos tratar-se de matéria de reserva jurisdicional;
• a pena de declaração de inidoneidade prevista no artigo 46 da LOTCU é
semelhante à sanção estabelecida no art. 87 da Lei Federal nº 8.666/93, cuja
competência para aplicação é conferida às autoridades administrativas indicadas
na lei. Todavia, o ilícito tipificado na lei geral de licitações e a sanção
correspondente não se confundem com o pressuposto previsto na LOTCU, que é
255

a fraude comprovada e apurada pela Corte de Contas no curso da atuação


fiscalizatória. A sanção, no caso, também não é a mesma, além de estar
relacionada com a condicionante “ilegalidade de despesa” a que se refere a
Constituição Federal. A par disso, são inconfundíveis as áreas de atuação, pois a
Administração aplica a sanção administrativa no exercício do controle interno, e o
Tribunal de Contas, no exercício do controle externo;
• o Regimento Interno do Tribunal de Contas da União não desempenhou seu
relevante papel de conferir maior segurança na disciplina legal das sanções
administrativas, qual seja, o de esclarecer, explicitar, ainda que em rol
exemplificativo, as condutas ilícitas genericamente previstas na lei, facilitando
sua visualização, limitando-se a repetir as disposições da lei com a indicação da
gradação em relação aos incisos que descreveram os ilícitos.

CAPÍTULO IV

• O Tribunal de Contas, no exercício da competência sancionatória, está sujeito à


observância do devido processo legal. Todavia, historicamente a Corte de
Contas da União não adota, nos processos desenvolvidos em seu âmbito de
atuação, instrumentos que garantam a efetiva participação dos interessados, de
modo que a postura reiterada e a evolução do tema no direito pátrio culminou
com a expedição da Súmula nº. 03 do STF, estabelecendo a obrigatoriedade da
observância do devido processo legal nos procedimentos instaurados pelo
Tribunal de Contas;
• a amplitude do conteúdo das fórmulas adotadas pelo legislador constituinte como
vetores para o estabelecimento das sanções a serem aplicadas pelo Tribunal de
Contas – ilegalidade de despesas e irregularidade de contas -, aliada à baixa
densidade das normas sancionatórias, torna necessário um controle mais
sofisticado na aplicação da sanção, impondo rigor no procedimento e
aumentando a responsabilidade do aplicador da pena, que deve observar com
rigor a cláusula do devido processo legal e os princípios correlatos voltados a
garantir uma decisão imparcial e justa;
256

• o julgador deverá analisar a situação concreta com a devida individualização,


utilizando juízos de valor de gravidade, de insignificância, que são subjetivos, e
inúmeros outros que escapam de uma pré determinação legal. Igualmente, por
esta razão deverá ser guiado pelos princípios da razoabilidade e da
proporcionalidade. A ausência de motivação gera a nulidade do ato;
• os princípios informadores da atividade sancionatória do Tribunal de Contas não
destoam dos princípios a serem observados pelos órgãos do Estado em geral no
exercício do ius puniendi estatal, mas o elemento subjetivo da culpa ganha
relevo no âmbito do Tribunal de Contas devido às dificuldades na identificação
dos responsáveis pelos atos passíveis de punição, sendo comum a aplicação de
penalidades aos ordenadores de despesa, independentemente da averiguação
do nível de responsabilidade envolvido no ato considerado ilegal. A sanção
somente deverá incidir quando o preceito inobservado disser respeito a um dever
pessoal do agente apenado.
• em nosso ordenamento jurídico, ao contrário do que ocorre na Espanha, não há
um quadro normativo explícito que defina os princípios gerais que devam incidir
para a aplicação de sanções, de forma que a conclusão pela incidência de
princípios do direito penal é fruto de criação doutrinária, inspirada em decisões
das Cortes Constitucionais européias, que, a, partir da década de 1960, deram
início a um movimento de equiparação das garantias, incluindo os princípios
penais nos processos administrativos punitivos;
• a presunção de inocência é garantia do processo penal a ser observada no
âmbito do processo administrativo punitivo, sendo ínsita ao postulado do “due
processo of law”, devendo se presumida a inocência do acusado até que se
ultime o procedimento e ocorra a preclusão administrativa, pois em nosso
sistema jurídico existem infrações e decorrentes sanções muito mais severas do
que ações tipificadas como crimes;
• a segurança jurídica é um dos fundamentos do Estado de Direito, e uma das
formas que o ordenamento jurídico buscou para conferir estabilidade às relações
jurídicas foi por meio da criação de instrumentos jurídicos voltados a garantir que
os procedimentos, que possam vir a atingir esferas jurídicas dos indivíduos,
257

devam ser limitados no tempo, de forma a não perdurarem indefinidamente,


criando situação de instabilidade. Nesse sentido, a Constituição brasileira
consagrou o direito a uma razoável duração do processo;
• os instrumentos jurídicos que estabelecem prazos extintivos de direitos e
deveres em decorrência da passagem do tempo têm em mira o interesse público
pela estabilidade das relações, indispensável para o convívio em sociedade. São
também instrumentos de inegável valor no sentido de assegurar a racionalidade
da atuação do Estado, evitando que os indivíduos fiquem à mercê de um poder
absolutamente despido de limites temporais;
• os procedimentos instaurados pela Corte de Contas visando a análise da
conformidade dos atos praticados pela Administração Pública estão submetidos
a limites temporais porque se trata de regra geral do direito à qual se submetem
todos os órgãos. Igualmente, estarão sujeitos a um limite temporal os
procedimentos que resultem na aplicação de penalidades;
• a Lei Orgânica do Tribunal de Contas da União silencia sobre esta matéria, e à
míngua de previsão de prazos prescricionais e decadenciais específicos, é
inafastável a incidência da analogia legis em regras de direito público, porque a
imprescritibilidade é exceção que deve ser tratada de forma taxativa e específica;
• o Tribunal de Contas da União está sujeito a limites temporais pelo menos em
três situações, a saber: quando suas decisões determinam ressarcimento ao
erário, quando suas decisões invalidam atos administrativos e quando aplica
penalidades;
• segundo nosso entendimento, o artigo 37, § 5º, da Carta Magna não veicula
regra excepcionadora da regra geral da prescritibilidade, de modo que as
decisões do Tribunal de Contas que resultam em determinação de ressarcimento
ao erário, segundo nosso entendimento, prescrevem no prazo de cinco anos,
incidindo analogicamente o artigo 21 da Lei nº. 4717/65 - Lei da Ação Popular.
Trata-se de prazo mais consentâneo com a função do Tribunal de Contas, além
do fato de que os bens jurídicos protegidos pela Corte de Contas podem ser
igualados àqueles protegidos pela Lei da ação popular, para a finalidade do
258

estabelecimento de prazos legais para a extinção do direito de ação que objetive


a revisão dos atos;
• embora defendamos a posição segundo a qual a Lei de Processo Administrativo
Federal se aplica ao Tribunal de Contas da União naquilo que sua Lei Orgânica
não disciplinou, afastamos a incidência do prazo decadencial estabelecido em
seu artigo 54 para o julgamento dos atos submetidos ao seu controle. Afastamos
também a incidência dos prazos estabelecidos na lei civil porque consideramos
que em tema de prescrição a analogia deve buscar inspiração em regras de
direito público. A Corte de Contas, no desempenho da função controladora, não
invalida os atos no exercício da auto-tutela, parâmetro utilizado pela lei para fixar
o prazo decadencial para a Administração Pública, mas os controla, não
devendo ser submetida ao mesmo prazo decadencial estabelecido para a
Administração Pública no exercício do poder-dever de rever os atos irregulares.
Para nós, o prazo decadencial de cinco anos se aplica somente à Administração,
e não para o órgão de controle, no exercício da função fiscalizadora. Assim, a
Administração deverá cumprir determinação da Corte de Contas para invalidar
ato praticado, ainda que tenha decorrido mais de cinco anos, e, portanto,
precluso para a Administração no exercício da auto-tutela. Nessa situação, a
Corte de Contas estará igualmente submetida à prescrição qüinqüenal prevista
na Lei da ação popular, a contar da data ato;
• a referida lei estabelece em seu artigo 21 o prazo prescricional de cinco anos
para a ação prevista na lei. Em se tratando de prazo prescricional, também
estará sujeito à suspensão e interrupção. Considerando as especificidades dos
procedimentos do Órgão de controle, seria indispensável que a Lei Orgânica do
Tribunal de Contas da União disciplinasse as próprias regras sobre o tema.
Nesse sentido, consideramos que lei específica deveria prever que a instauração
do procedimento fiscalizatório no âmbito do Tribunal de Contas, seria causa de
interrupção do prazo prescricional, a começar a fluir novamente a partir dessa
data. Todavia, no silêncio, devem incidir igualmente as regras aplicadas na ação
popular;
259

• o exercício da pretensão punitiva é indisponível, de forma que o Estado deve agir


com eficiência, garantindo que sejam efetivamente punidos os indivíduos que
incidiram nas condutas consideradas ilícitas pelas normas jurídicas. A demora ou
paralisação equivale a dispor da competência obrigatória e, ainda, a deixar os
potencialmente atingidos em situação de instabilidade e insegurança, hipóteses
não toleradas pelo direito. Portanto, a punição deve ser lançada em tempo
adequado, pois também está limitada no tempo;
• no caso da pretensão punitiva, o Tribunal de Contas da União estará submetido
ao prazo prescricional de cinco anos, contado da data da prática do ato, na
conformidade da Lei 9.873/99, que fixa prazos de prescrição da ação punitiva da
Administração Pública Federal no exercício do poder de polícia. Embora o
Tribunal de Contas não exerça poder de polícia, a lei mencionada se aplica
analogicamente, por ser de natureza pública e estabelecer prazo consentâneo
com a legislação pública em geral para aplicação de penalidades;
• em se tratando de prazo prescricional, também estará sujeito à suspensão e
interrupção, que a exemplo do que consignamos em relação ao prazo
prescricional para o exercício da função de controle do ato, deveriam estar
dispostas em lei própria, considerando as especificidades dos procedimentos do
Órgão de controle. Todavia, na ausência de lei específica, poderá ser utilizada,
igualmente, a Lei 9.873/99, que fixou regras voltadas à incidência da prescrição
intercorrente e situações de interrupção e suspensão da prescrição;
• defendemos que a interrupção do prazo prescricional para a aplicação de
sanções no âmbito da Corte de Contas somente se dará com o estabelecimento
do contraditório, a partir da intimação das partes interessadas, a exemplo do que
ocorre no processo civil, de modo que a existência de procedimento no âmbito
do Tribunal de Contas não será suficiente para interromper a prescrição da
pretensão punitiva, que somente se materializará com a intimação dos
envolvidos;
• não obstante a postura por nós adotada, consignamos que o prazo prescricional
de cinco anos, estabelecido na Lei Federal nº 8.429/92, para aplicação das
sanções aos agentes públicos nos casos de enriquecimento ilícito no exercício
260

de mandato, cargo, emprego ou função na Administração Pública, também nos


parece adequado para aplicação analógica ao Tribunal de Contas no exercício
da pretensão punitiva. Referida lei estabelece em seu artigo 23, que as ações
destinadas a levar a efeito as sanções nela previstas prescrevem em até cinco
anos, contados do término do exercício de mandato, de cargo em comissão ou
de função de confiança.
261

CONCLUSÕES

1. o Tribunal de Contas desempenha função de controle, atividade que justifica sua


criação. Para o desempenho dessa função o legislador constituinte lhe conferiu
competências múltiplas, que são poderes instrumentais para bem desempenhá-
la. Dentre tais competências está a sancionadora, prevista no inciso VIII do artigo
71 da Carta Magna, que, sem dúvida, dentre todas as competências
relacionadas nos vários incisos do artigo 71 da Constituição, é a que menos
recebeu atenção doutrinária. Depende, seu efetivo desempenho, de previsão
legal das sanções aplicáveis, tendo a Constituição imposto verdadeiro dever de
agir ao legislador. Contudo, o legislador infraconstitucional deve observar os
parâmetros e limites constitucionais, que são os vetores estabelecidos na regra
autorizadora, quais sejam, ilegalidade de despesa e irregularidade de contas. A
lei deverá descrever as condutas de acordo com essas diretrizes. Nesses
termos, o fato gerador da sanção deve estar diretamente relacionado a despesas
ou a contas. Além disso, tais sanções também deverão ser estabelecidas na
medida necessária para instrumentalizar o desempenho da função controladora,
sendo inadmissíveis normas coativas desmedidas ou desproporcionais aos
resultados que se pretende obter, consubstanciado na finalidade da norma.
2. são várias as modalidades de controle existentes, segundo as classificações
doutrinárias. Tradicionalmente, o controle é classificado, quanto ao momento de
seu exercício, em prévio, concomitante e posterior. Em matéria sancionatória, a
distinção dessas fases assume relevância, na medida em que não entendemos
possível a aplicação de sanções na fase de controle prévio, por sua própria
finalidade preventiva e corretiva. A sanção deve ser aplicada como conseqüência
da prática do ilícito, não sendo a pena, pois, medida preventiva, mas sim, de
natureza repressiva, pós delito ou retributiva;
3. as sanções impostas pelo Tribunal de Contas se enquadram na espécie sanção
administrativa, porém aplicadas no exercício da função controladora. Embora
essa função revele a natureza administrativa dos atos do Tribunal de Contas,
não é função administrativa propriamente dita, no sentido de executar a lei de
262

ofício, mas de fiscalizar a sua adequada execução, pelos órgãos dos Poderes do
Estado e por todos aqueles que estão sob sua jurisdição, razão pela qual, sofre
influxos decorrentes da função controladora, não se confundindo com a
desempenhada pela Administração Pública, que aplica sanções no exercício do
poder de polícia;
4. a redação do inciso VIII do artigo 71 da Constituição Federal dá ensejo a
interpretações divergentes atinente à pena de multa, modalidade mais comum de
punição aplicada pela Corte de Contas. A fórmula empregada, qual seja, “multa
proporcional ao dano causado ao erário”, pode levar ao entendimento de que
esta modalidade de sanção apenas poderá ser prevista em face da constatação
de efetivo dano em seu aspecto pecuniário. Todavia, afastamos essa
interpretação por considerar que é possível a previsão legal da pena de multa,
mesmo diante da inexistência de dano ao erário, em decorrência da ampliação,
pela Constituição de 1988, das competências conferidas ao Tribunal de Contas,
que já não se encontram mais restritas às questões financeiras e orçamentárias.
Além disso, o dispositivo faz crer que o legislador constituinte quis garantir a
previsão, na lei, da sanção de multa proporcional ao dano, buscando também
limitar seu valor máximo, mas com isso não afastou a viabilidade da previsão de
multa para outras situações não vinculadas à ocorrência de dano;
5. reputamos desconformes com os vetores constitucionais as sanções previstas na
LOM do Tribunal de Contas da União, Lei Federal nº 8.443/92, relacionadas a
comportamentos em que não estejam presentes os vetores - irregularidade de
contas ou ilegalidade de despesas-, (São exemplos os incisos IV a VIII e
parágrafo 1º do artigo 58, da referida Lei). Nessas situações, as medidas
tendentes à aplicação das penas deverão ocorrer no âmbito do órgão controlado,
que deverá apurar a ocorrência da infração de natureza funcional e aplicar a
sanção nos termos preconizados na legislação específica;
6. o direito pátrio repele o bis in idem, admitindo a aplicação de sanções para a
mesma conduta considerada ilícita no âmbito civil, administrativo e penal, por se
tratarem de instâncias autônomas e independentes, implicando em diferentes
conseqüências jurídicas. As penas de natureza administrativa aplicadas pela
263

Corte de Contas para a mesma conduta prevista em legislação específica, a


serem também aplicadas pelos órgãos controlados no exercício de sua função
administrativa, também não caracterizam bis in idem porque são diversas e
inconfundíveis as áreas de atuação, mas nem sempre implicará em diferentes
conseqüências jurídicas, situação que deve ser evitada pelo legislador;
7. pelas razões consignadas no item anterior, o legislador deve adotar as
necessárias cautelas para não criar situações passíveis de ensejarem
pronunciamentos díspares relativamente aos Poderes controlados, no que se
refere à aplicação de sanções igualmente de natureza administrativa
estabelecidas no âmbito de outras funções do Estado, como ocorre com as
sanções destinadas a punir desvios de conduta de natureza disciplinar. A cautela
também deve ocorrer em relação à criação de sanções que eventualmente
possam implicar intromissão na esfera de competência constitucionalmente
reservada aos Poderes controlados;
8. situação típica da mencionada no item anterior é a pena de inabilitação para a
ocupação de cargo ou emprego público, prevista no artigo 60 da LOTCU e
também no Estatuto dos Servidores Públicos da União (Lei Federal nº 8.112/90,
art. 147, incisos V e VI), a ser aplicada pela autoridade administrativa indicada na
lei. Consideramos que a Corte de Contas deveria apenas determinar a
instauração de procedimento para apuração e aplicação da penalidade no
âmbito do órgão controlado;
9. a pena mencionada no item anterior, é, ainda revestida de severidade
aparentemente incompatível com as punições necessárias à eficácia do exercício
da função de controle. Por outro lado, a generalidade da lei não torna possível
saber de antemão quais cargos estariam sujeitos à sanção. Defendemos que
referida penalidade não pode ser aplicada a ocupantes de cargos estruturantes
de quaisquer dos Poderes controlados, sob pena de configurar fator de
desestabilização político-institucional;
10. a indisponibilidade de bens, prevista no § 2º do artigo 44 da LOTCU, é ato de
extrema severidade que afeta direito fundamental, visto que a Constituição
Federal consagra a tutela jurídica da propriedade. Segundo nosso entendimento,
264

a relevância do direito assegurado impõe cautela e prudência, porque a medida


causa inquestionável restrição à esfera jurídica das pessoas afetadas, de modo
que somente o Poder Judiciário poderia decretá-la, por exigir predicados que só
a magistratura possui. A ruptura do círculo de imunidade do valor constitucional
só se justificará se ordenada por órgão estatal investido de competência
jurisdicional para suspender a eficácia do princípio de proteção à propriedade. A
intervenção jurisdicional é fator de preservação do regime das franquias
individuais, de forma que acreditamos tratar-se de matéria de reserva do Poder
Judiciário;
11. a pena de declaração de inidoneidade prevista no artigo 46 da LOTCU é
semelhante à sanção estabelecida no art. 87 da Lei Federal nº 8.666/93, cuja
competência para aplicação é conferida às autoridades administrativas indicadas
na lei. Todavia, o ilícito tipificado na lei geral de licitações e a sanção
correspondente não se confundem com o pressuposto previsto na LOTCU, que é
a fraude comprovada e apurada pela Corte de Contas no curso da atuação
fiscalizatória. A sanção, no caso, também não é a mesma, além de estar
relacionada com a condicionante “ilegalidade de despesa” a que se refere a
Constituição Federal. A par disso, são inconfundíveis as áreas de atuação, pois a
Administração aplica a sanção administrativa no exercício do poder de polícia, e
o Tribunal de Contas, no exercício da função de controle;
12. as normas sancionatórias veiculadas por cláusulas genéricas aumentam a
responsabilidade da autoridade competente para aplicar a pena, exigindo
controle mais eficiente, porque a viabilidade da descrição abrangente confere a
possibilidade da busca da decisão mais adequada, impondo rigor no
procedimento, que deve ser conduzido, de forma a conferir a segurança e
direitos assegurados na Carta Magna aos acusados em geral. A aplicação de
sanções, por meio de procedimento legítimo que assegure a ampla participação
dos interessados, é a forma mais eficaz e segura de afastar os riscos de atuação
arbitrária em face das normas que não definem de forma clara e precisa as
condutas ilícitas e respectivas sanções, garantindo-se assim uma atuação justa
e imparcial do Estado;
265

13. os princípios informadores da atividade sancionatória do Tribunal de Contas não


destoam dos princípios a serem observados pelos órgãos do Estado em geral no
exercício do ius puniendi estatal, mas o elemento subjetivo da culpa ganha
relevo no âmbito do Tribunal de Contas devido às dificuldades na identificação
dos responsáveis pelos atos passíveis de punição, sendo comum a aplicação de
penalidades aos ordenadores de despesa, independentemente da averiguação
do nível de responsabilidade envolvido no ato considerado ilegal. A sanção
somente deverá incidir quando o preceito inobservado disser respeito a um dever
pessoal do agente apenado.
14. os procedimentos instaurados pela Corte de Contas visando a análise da
conformidade dos atos praticados pela Administração Pública estão submetidos
a limites temporais porque se trata de regra geral do direito à qual se submetem
todos os órgãos. Igualmente, estarão sujeitos a um limite temporal os
procedimentos que resultem na aplicação de penalidades;
15. a Lei Orgânica do Tribunal de Contas da União silencia sobre esta matéria, e, à
míngua de previsão de prazos prescricionais e decadenciais específicos, é
inafastável a incidência da analogia legis em regras de direito público, porque a
imprescritibilidade é exceção que deve ser tratada de forma taxativa e específica.
A Corte de Contas estará sujeita a limites temporais pelo menos em três
situações, a saber: quando suas decisões determinam ressarcimento ao erário,
quando julga os atos administrativos submetidos ao seu controle e quando aplica
penalidades.
16. segundo nosso entendimento, o artigo 37, § 5º, da Carta Magna não veicula
regra excepcionadora da regra geral da prescritibilidade, de modo que as
decisões do Tribunal de Contas que resultam em determinação de ressarcimento
ao erário prescrevem no prazo de cinco anos, incidindo analogicamente o artigo
21 da Lei nº. 4717/65 - Lei da Ação Popular, que veicula bem jurídico de
relevância semelhante aos protegidos pelo Tribunal de Contas;
17. embora defendamos a posição segundo a qual a Lei de Processo Administrativo
Federal se aplica ao Tribunal de Contas da União naquilo que sua Lei Orgânica
não disciplinou, afastamos a incidência do prazo decadencial estabelecido em
266

seu artigo 54 para o julgamento dos atos submetidos ao seu controle. Afastamos
também a incidência dos prazos estabelecidos na lei civil porque consideramos
que em tema de prescrição a analogia deve buscar inspiração em regras de
direito público. A Corte de Contas, no desempenho da função controladora, não
invalida os atos no exercício da auto-tutela, parâmetro utilizado pela lei para fixar
o prazo decadencial para a Administração Pública, mas os “julga”, não devendo
ser submetida ao mesmo prazo decadencial estabelecido para a Administração
Pública no exercício do poder-dever de rever os atos irregulares. Para nós, o
prazo decadencial de cinco anos se aplica somente à Administração, que deverá
cumprir determinação da Corte de Contas para invalidar ato praticado, ainda que
exarada após este prazo, e, portanto, precluso para a Administração no exercício
da auto-tutela, mas não para o órgão de controle, no exercício da função
fiscalizadora. Nessa situação, a Corte de Contas estará igualmente submetida à
prescrição qüinqüenal prevista na Lei da ação popular, a contar da data do ato.
Trata-se de prazo mais consentâneo com a função do Tribunal de Contas, além
do fato de que os bens jurídicos protegidos pela Corte de Contas podem ser
igualados àqueles protegidos pela Lei da ação popular, para a finalidade do
estabelecimento de prazos legais para a extinção do direito de ação que objetive
a revisão dos atos;
18. referida lei estabelece em seu artigo 21 o prazo prescricional de cinco anos para
a ação prevista na lei. Em se tratando de prazo prescricional também estará
sujeito à suspensão e interrupção, que deveriam estar previstos em lei própria,
considerando as especificidades dos procedimentos do Órgão de controle, de
modo que seria indispensável que a Lei Orgânica do Tribunal de Contas da
União disciplinasse as próprias regras. Nesse sentido, consideramos que lei
específica deveria prever que a instauração do procedimento fiscalizatório no
âmbito do Tribunal de Contas seria causa de interrupção do prazo, que
recomeçaria a correr a partir dessa data, desconsiderando-se, portanto, o prazo
já decorrido da data da prática do ato. Todavia, no silêncio, devem incidir
igualmente as regras aplicadas na ação popular;
267

19. o exercício da pretensão punitiva é indisponível, de forma que o Estado deve agir
com eficiência, garantindo que sejam efetivamente punidos os indivíduos que
incidiram nas condutas consideradas ilícitas pelas normas jurídicas. A
paralisação significa dispor da competência obrigatória e, ainda, deixar os
potencialmente atingidos em situação de instabilidade e insegurança, hipótese
não tolerada pelo direito. Portanto, a punição deve ser lançada em tempo
adequado, pois também está limitada no tempo;
20. no caso da pretensão punitiva, o Tribunal de Contas da União estará submetido
ao prazo prescricional de cinco anos, contado da data da prática do ato, na
conformidade da Lei 9.873/99, que fixa prazos de prescrição da ação punitiva da
Administração Pública Federal no exercício do poder de polícia. Embora o
Tribunal de Contas não exerça poder de polícia, a lei mencionada se aplica
analogicamente, por ser de natureza pública e estabelecer prazo consentâneo
com a legislação pública em geral para aplicação de penalidades. A prescrição
acarreta na perda do direito de ação, não atingindo, portanto, a própria infração,
constituindo causa extintiva da punibilidade. O direito atingido pela prescrição é o
de aplicar a sanção, de forma que a impossibilidade da instauração de processo
administrativo para a imputação de sanção é conseqüência indireta;
21. em se tratando de prazo prescricional, também estará sujeito à suspensão e
interrupção, que, a exemplo do que já consignamos em relação ao prazo
prescricional para o controle dos atos, deveriam estar dispostos em lei própria,
considerando as especificidades dos procedimentos do Órgão de controle, de
modo que seria indispensável que a Lei Orgânica do Tribunal de Contas da
União disciplinasse as regras de prescrição para a aplicação de penalidades.
Todavia, na ausência de lei específica, poderá ser utilizada, igualmente, a Lei
9.873/99, que fixou regras voltadas à incidência da prescrição intercorrente e
situações de interrupção e suspensão da prescrição;
22. a interrupção do prazo prescricional para aplicação de sanções no âmbito da
Corte de Contas somente se dará com o estabelecimento do contraditório, a
partir da intimação das partes interessadas, a exemplo do que ocorre no
processo civil, de modo que a existência de procedimento no âmbito do Tribunal
268

de Contas não será suficiente para interromper a prescrição da pretensão


punitiva, que somente se materializará com a intimação dos envolvidos;
23. não obstante a postura por nós adotada, consignamos que o prazo prescricional
de cinco anos, estabelecido na Lei Federal nº 8.429/92, para aplicação das
sanções aos agentes públicos nos casos de enriquecimento ilícito no exercício
de mandato, cargo, emprego ou função na Administração Pública, também nos
parece adequado para aplicação analógica ao Tribunal de Contas no exercício
da pretensão punitiva. Referida lei estabelece em seu artigo 23, que as ações
destinadas a levar a efeito as sanções nela previstas prescrevem em até cinco
anos, contados do término do exercício de mandato, de cargo em comissão ou
de função de confiança.
269

ANEXOS

ANEXO A

LEI Nº 8.443, DE 16 DE JULHO DE 1992.

Dispõe sobre a Lei Orgânica do Tribunal de


Mensagem de veto
Contas da União e dá outras providências.

O PRESIDENTE DA REPÚBLICA Faço saber que o Congresso Nacional decreta


e eu sanciono a seguinte lei:

TÍTULO I

Natureza, Competência e Jurisdição

CAPÍTULO I

Natureza e Competência

Art. 1° Ao Tribunal de Contas da União, órgão de controle externo, compete, nos


termos da Constituição Federal e na forma estabelecida nesta lei:

I - julgar as contas dos administradores e demais responsáveis por dinheiros, bens


e valores públicos das unidades dos poderes da União e das entidades da
administração indireta, incluídas as fundações e sociedades instituídas e mantidas pelo
poder público federal, e as contas daqueles que derem causa a perda, extravio ou outra
irregularidade de que resulte dano ao erário;

II - proceder, por iniciativa própria ou por solicitação do Congresso Nacional, de


suas Casas ou das respectivas comissões, à fiscalização contábil, financeira,
orçamentária, operacional e patrimonial das unidades dos poderes da União e das
entidades referidas no inciso anterior;
270

III - apreciar as contas prestadas anualmente pelo Presidente da República, nos


termos do art. 36 desta lei;

IV - acompanhar a arrecadação da receita a cargo da União e das entidades


referidas no inciso I deste artigo, mediante inspeções e auditorias, ou por meio de
demonstrativos próprios, na forma estabelecida no regimento interno;

V - apreciar, para fins de registro, na forma estabelecida no regimento interno, a


legalidade dos atos de admissão de pessoal, a qualquer título, na administração direta
e indireta, incluídas as fundações instituídas e mantidas pelo poder público federal,
excetuadas as nomeações para cargo de provimento em comissão, bem como a das
concessões de aposentadorias, reformas e pensões, ressalvadas as melhorias
posteriores que não alterem o fundamento legal do ato concessório;

VI - efetuar, observada a legislação pertinente, o cálculo das quotas referentes aos


fundos de participação a que alude o parágrafo único do art. 161 da Constituição
Federal, fiscalizando a entrega dos respectivos recursos;

VII - emitir, nos termos do § 2º do art. 33 da Constituição Federal, parecer prévio


sobre as contas do Governo de Território Federal, no prazo de sessenta dias, a contar
de seu recebimento, na forma estabelecida no regimento interno;

VIII - representar ao poder competente sobre irregularidades ou abusos apurados,


indicando o ato inquinado e definindo responsabilidades, inclusive as de Ministro de
Estado ou autoridade de nível hierárquico equivalente;

IX - aplicar aos responsáveis as sanções previstas nos arts. 57 a 61 desta lei;

X - elaborar e alterar seu regimento interno;

XI - eleger seu Presidente e seu Vice-Presidente, e dar-lhes posse;


271

XII - conceder licença, férias e outros afastamentos aos ministros, auditores e


membros do Ministério Público junto ao Tribunal, dependendo de inspeção por junta
médica a licença para tratamento de saúde por prazo superior a seis meses;

XIII - propor ao Congresso Nacional a fixação de vencimentos dos ministros,


auditores e membros do Ministério Público junto ao Tribunal;

XIV - organizar sua Secretaria, na forma estabelecida no regimento interno, e


prover-lhe os cargos e empregos, observada a legislação pertinente;

XV - propor ao Congresso Nacional a criação, transformação e extinção de cargos,


empregos e funções de quadro de pessoal de sua secretaria, bem como a fixação da
respectiva remuneração;

XVI - decidir sobre denúncia que lhe seja encaminhada por qualquer cidadão,
partido político, associação ou sindicato, na forma prevista nos arts. 53 a 55 desta lei;

XVII - decidir sobre consulta que lhe seja formulada por autoridade competente, a
respeito de dúvida suscitada na aplicação de dispositivos legais e regulamentares
concernentes a matéria de sua competência, na forma estabelecida no regimento
interno.

§ 1° No julgamento de contas e na fiscalização que lhe compete, o Tribunal


decidirá sobre a legalidade, de legitimidade e a economicidade dos atos de gestão e
das despesas deles decorrentes, bem como sobre a aplicação de subvenções e a
renúncia de receitas.

§ 2° A resposta à consulta a que se refere o inciso XVII deste artigo tem caráter
normativo e constitui prejulgamento da tese, mas não do fato ou caso concreto.

§ 3° Será parte essencial das decisões do Tribunal ou de suas Câmaras:

I - o relatório do Ministro-Relator, de que constarão as conclusões da instrução (do


relatório da equipe de auditoria ou do técnico responsável pela análise do processo,
272

bem como do parecer das chefias imediatas, da unidade técnica), e do Ministério


Público junto ao Tribunal;

II - fundamentação com que o Ministro-Relator analisará as questões de fato e de


direito;

III - dispositivo com que o Ministro-Relator decidirá sobre o mérito do processo.

Art. 2° Para desempenho de sua competência o Tribunal receberá, em cada


exercício, o rol de responsáveis e suas alterações, e outros documentos ou informações
que considerar necessários, na forma estabelecida no regimento interno.

Parágrafo único. O Tribunal poderá solicitar ao Ministro de Estado supervisor da


área, ou à autoridade de nível hierárquico equivalente outros elementos indispensáveis
ao exercício de sua competência.

Art. 3° Ao Tribunal de Contas da União, no âmbito de sua competência e


jurisdição, assiste o poder regulamentar, podendo, em conseqüência, expedir atos e
instruções normativas sobre matéria de suas atribuições e sobre a organização dos
processos que lhe devam ser submetidos, obrigando ao seu cumprimento, sob pena de
responsabilidade.

CAPÍTULO II

Fiscalização a Cargo do Tribunal

SEÇÃO IV

Fiscalização de Atos e Contratos

Art. 41. Para assegurar a eficácia do controle e para instruir o julgamento das
contas, o Tribunal efetuará a fiscalização dos atos de que resulte receita ou despesa,
273

praticados pelos responsáveis sujeitos à sua jurisdição, competindo-lhe, para tanto, em


especial:

I - acompanhar, pela publicação no Diário Oficial da União, ou por outro meio


estabelecido no regimento interno:

a) a lei relativa ao plano plurianual, a lei de diretrizes orçamentárias, a lei


orçamentária anual e a abertura de créditos adicionais;

b) os editais de licitação, os contratos, inclusive administrativos, e os convênios,


acordos, ajustes ou outros instrumentos congêneres, bem como os atos referidos no
art. 38 desta lei;

II - realizar, por iniciativa própria, na forma estabelecida no regimento interno,


inspeções e auditorias de mesma natureza que as previstas no inciso I do art. 38 desta
lei;

III - fiscalizar, na forma estabelecida no regimento interno, as contas nacionais das


empresas supranacionais de cujo capital social a União participe, de forma direta ou
indireta, nos termos do tratado constitutivo;

IV - fiscalizar, na forma estabelecida no regimento interno, a aplicação de


quaisquer recursos repassados pela União mediante convênio, acordo, ajuste ou outros
instrumentos congêneres, a Estado, ao Distrito Federal ou a Município.

§ 1° As inspeções e auditorias de que trata esta seção serão regulamentadas no


regimento interno e realizadas por servidores da Secretaria do Tribunal.

§ 2° O Tribunal comunicará às autoridades competentes dos poderes da União o


resultado das inspeções e auditorias que realizar, para as medidas saneadoras das
impropriedades e faltas identificadas.

Art. 42. Nenhum processo, documento ou informação poderá ser sonegado ao


Tribunal em suas inspeções ou auditorias, sob qualquer pretexto.
274

§ 1° No caso de sonegação, o Tribunal assinará prazo para apresentação dos


documentos, informações e esclarecimentos julgados necessários, comunicando o fato
ao Ministro de Estado supervisor da área ou à autoridade de nível hierárquico
equivalente, para as medidas cabíveis.

§ 2° Vencido o prazo e não cumprida a exigência, o Tribunal aplicará as sanções


previstas no inciso IV do art. 68 desta lei.

Art. 43. Ao proceder à fiscalização de que trata este capítulo, o Relator ou o


Tribunal:

I - determinará as providências estabelecidas no regimento interno, quando não


apurada transgressão a norma legal ou regulamentar de natureza contábil, financeira,
orçamentária, operacional e patrimonial, ou for constatada, tão-somente, falta ou
impropriedade de caráter formal;

II - se verificar a ocorrência de irregularidade quanto à legitimidade ou


economicidade, determinará a audiência do responsável para, no prazo estabelecido no
regimento interno, apresentar razões de justificativa.

Parágrafo único. Não elidido o fundamento da impugnação, o Tribunal aplicará ao


responsável a multa prevista no inciso III do art. 58 desta lei.

Art. 44. No início ou no curso de qualquer apuração, o Tribunal, de ofício ou a


requerimento do Ministério Público, determinará, cautelarmente, o afastamento
temporário do responsável, se existirem indícios suficientes de que, prosseguindo no
exercício de suas funções, possa retardar ou dificultar a realização de auditoria ou
inspeção, causar novos danos ao erário ou inviabilizar o seu ressarcimento.

§ 1° Estará solidariamente responsável a autoridade superior competente que, no


prazo determinado pelo Tribunal, deixar de atender à determinação prevista no caput
deste artigo.
275

§ 2° Nas mesmas circunstâncias do caput deste artigo e do parágrafo anterior,


poderá o Tribunal, sem prejuízo das medidas previstas nos arts. 60 e 61 desta lei,
decretar, por prazo não superior a um ano, a indisponibilidade de bens do responsável,
tantos quantos considerados bastantes para garantir o ressarcimento dos danos em
apuração.

Art. 45. Verificada a ilegalidade de ato ou contrato, o Tribunal, na forma


estabelecida no regimento interno, assinará prazo para que o responsável adote as
providências necessárias ao exato cumprimento da lei, fazendo indicação expressa dos
dispositivos a serem observados.

§ 1° No caso de ato administrativo, o Tribunal, se não atendido:

I - sustará a execução do ato impugnado;

II - comunicará a decisão à Câmara dos Deputados e ao Senado Federal;

III - aplicará ao responsável a multa prevista no inciso II do art. 58 desta lei.

§ 2° No caso de contrato, o Tribunal, se não atendido, comunicará o fato ao


Congresso Nacional, a quem compete adotar o ato de sustação e solicitar, de imediato,
ao Poder Executivo, as medidas cabíveis.

§ 3° Se o Congresso Nacional ou o Poder Executivo, no prazo de noventa dias,


não efetivar as medidas previstas no parágrafo anterior, o Tribunal decidirá a respeito
da sustação do contrato.

Art. 46. Verificada a ocorrência de fraude comprovada à licitação, o Tribunal


declarará a inidoneidade do licitante fraudador para participar, por até cinco anos, de
licitação na Administração Pública Federal.

Art. 47. Ao exercer a fiscalização, se configurada a ocorrência de desfalque,


desvio de bens ou outra irregularidade de que resulte dano ao erário, o Tribunal
276

ordenará, desde logo, a conversão do processo em tomada de contas especial, salvo a


hipótese prevista no art. 93 desta lei.

Parágrafo único. O processo de tomada de contas especial a que se refere este


artigo tramitará em separado das respectivas contas anuais.

CAPÍTULO V

Sanções

SEÇÃO I

Disposição Geral

Art. 56. O Tribunal de Contas da União poderá aplicar aos administradores ou


responsáveis, na forma prevista nesta lei e no seu regimento interno, as sanções
previstas neste capítulo.

SEÇÃO II

Multas

Art. 57. Quando o responsável for julgado em débito, poderá ainda o Tribunal
aplicar-lhe multa de até cem por cento do valor atualizado do dano causado ao erário.

Art. 58. O Tribunal poderá aplicar multa de Cr$ 42.000.000,00 (quarenta e dois
milhões de cruzeiros), ou valor equivalente em outra moeda que venha a ser adotada
como moeda nacional, aos responsáveis por:

I - contas julgadas irregulares de que não resulte débito, nos termos do parágrafo
único do art. 19 desta lei;
277

II - ato praticado com grave infração à norma legal ou regulamentar de natureza


contábil, financeira, orçamentária, operacional e patrimonial;

III - ato de gestão ilegítimo ou antieconômico de que resulte injustificado dano ao


erário;

IV - não atendimento, no prazo fixado, sem causa justificada, a diligência do


Relator ou a decisão do Tribunal;

V - obstrução ao livre exercício das inspeções e auditorias determinadas;

VI sonegação de processo, documento ou informação, em inspeções ou auditorias


realizadas pelo Tribunal;

VII - reincidência no descumprimento de determinação do Tribunal.

§ 1° Ficará sujeito à multa prevista no caput deste artigo aquele que deixar de dar
cumprimento à decisão do Tribunal, salvo motivo justificado.

§ 2° O valor estabelecido no caput deste artigo será atualizado, periodicamente,


por portaria da Presidência do Tribunal, com base na variação acumulada, no período,
pelo índice utilizado para atualização dos créditos tributários da União.

§ 3° O regimento interno disporá sobre a gradação da multa prevista no caput


deste artigo, em função da gravidade da infração.

Art. 59. O débito decorrente de multa aplicada pelo Tribunal de Contas da União
nos do art. 57 desta lei, quando pago após o seu vencimento, será atualizado
monetariamente na data do efetivo pagamento.

Art. 60. Sem prejuízo das sanções previstas na seção anterior e das penalidades
administrativas, aplicáveis pelas autoridades competentes, por irregularidades
constatadas pelo Tribunal de Contas da União, sempre que este, por maioria absoluta
de seus membros, considerar grave a infração cometida, o responsável ficará
278

inabilitado, por um período que variará de cinco a oito anos, para o exercício de cargo
em comissão ou função de confiança no âmbito da Administração Pública.

Art. 61. O Tribunal poderá, por intermédio do Ministério Público, solicitar à


Advocacia-Geral da União ou, conforme o caso, aos dirigentes das entidades que lhe
sejam jurisdicionadas, as medidas necessárias ao arresto dos bens dos responsáveis
julgados em débito, devendo ser ouvido quanto à liberação dos bens arrestados e sua
restituição.

§ 1° Os auditores serão também convocados para substituir ministros, para efeito


de quorum, sempre que os titulares comunicarem, ao Presidente do Tribunal ou da
Câmara respectiva, a impossibilidade de comparecimento à sessão.

§ 2° Em caso de vacância de cargo de ministro, o Presidente do Tribunal


convocará auditor para exercer as funções inerentes ao cargo vago, até novo
provimento, observado o critério estabelecido no caput deste artigo.

Art. 112. Esta lei entra em vigor na data de sua publicação.

Art. 113. Revogam-se as disposições em contrário, em especial o Decreto-Lei n°


199, de 25 de fevereiro de 1967.

Brasília, 16 de julho de 1992; 171° da Independência e 104° da República.

FERNANDO COLLOR

Célio Borja

Este texto não substitui o publicado no DOU de 17.7.1992


279

ANEXO B

RESOLUÇÃO Nº 155, DE 4 DE DEZEMBRO DE 2002

Aprova o Regimento Interno do


Tribunal de Contas da União.

O TRIBUNAL DE CONTAS DA UNIÃO, no uso da atribuição que lhe


conferem os arts. 73 e 96, inciso I, alínea a, da Constituição Federal e os arts. 1º, inciso
X, e 99 da Lei nº 8.443, de 16 de julho de 1992, resolve:

Art. 1º Fica aprovado o Regimento Interno do Tribunal de Contas da


União, cujo inteiro teor consta do Anexo a esta Resolução.

Art. 2º A Presidência do Tribunal nomeará comissões encarregadas da


atualização e revisão das normas atuais, a fim de adequá-las às novas disposições do
Regimento Interno.

Art. 3º Fica revogada a Resolução Administrativa nº 15, de 15 de junho de


1993.

Art. 4º Esta Resolução entrará em vigor em 1º de janeiro de 2003.

TÍTULO VII
SANÇÕES

CAPÍTULO I
DISPOSIÇÕES GERAIS

Art. 266. O Tribunal de Contas da União poderá aplicar aos administradores


ou responsáveis que lhe são jurisdicionados as sanções prescritas na Lei nº 8.443, de
1992, na forma estabelecida neste título.
280

Parágrafo único. Às mesmas sanções previstas neste título ficarão sujeitos,


por responsabilidade solidária, na forma prevista no § 1º do art. 74 da Constituição
Federal, os responsáveis pelo controle interno que, comprovadamente, tomarem
conhecimento de irregularidade ou ilegalidade e delas deixarem de dar imediata ciência
ao Tribunal.

CAPÍTULO II
MULTAS

Art. 267. Quando o responsável for julgado em débito, poderá ainda o


Tribunal aplicar-lhe multa de até cem por cento do valor atualizado do dano causado ao
erário, conforme estabelecido no art. 57 da Lei nº 8.443, de 1992.

Art. 268. O Tribunal poderá aplicar multa, nos termos do caput do art. 58 da
Lei nº 8.443, de 1992, atualizada na forma prescrita no § 1º deste artigo, aos
responsáveis por contas e atos adiante indicados, observada a seguinte gradação:

I – contas julgadas irregulares, não havendo débito, mas comprovada


qualquer das ocorrências previstas nos incisos I, II e III do caput do art. 209, no valor
compreendido entre cinco e cem por cento do montante definido no caput deste artigo;

II – ato praticado com grave infração a norma legal ou regulamentar de


natureza contábil, financeira, orçamentária, operacional ou patrimonial, no valor
compreendido entre cinco e cem por cento do montante a que se refere o caput;

III – ato de gestão ilegítimo ou antieconômico de que resulte injustificado


dano ao erário, no valor compreendido entre cinco e cem por cento do montante
referido no caput;
281

IV – descumprimento, no prazo fixado, sem causa justificada, à diligência


determinada pelo relator, no valor compreendido entre cinco e cinqüenta por cento do
montante a que se refere o caput;

V – obstrução ao livre exercício das auditorias e inspeções determinadas, no


valor compreendido entre cinco e oitenta por cento do montante a que se refere o
caput;

VI – sonegação de processo, documento ou informação, em auditoria ou


inspeção, no valor compreendido entre cinco e oitenta por cento do montante a que se
refere o caput;

VII – descumprimento de decisão do Tribunal, salvo motivo justificado, no


valor compreendido entre cinco e cinqüenta por cento do montante a que se refere o
caput;

VIII – reincidência no descumprimento de decisão do Tribunal, no valor


compreendido entre cinqüenta e cem por cento do montante a que se refere o caput.

§ 1º A multa de que trata o caput será atualizada, periodicamente, mediante


portaria da Presidência do Tribunal, com base na variação acumulada no período, pelo
índice utilizado para atualização dos créditos tributários da União.

§ 2º Nos casos em que ficar demonstrada a inadequação da multa aplicada


com fundamento nos incisos IV, V, VI ou VII, o Tribunal poderá revê-la, de ofício,
diminuindo seu valor ou tornando-a sem efeito.

§ 3º A multa aplicada com fundamento nos incisos IV, V, VI, VII ou VIII
prescinde de prévia audiência dos responsáveis, desde que a possibilidade de sua
aplicação conste da comunicação do despacho ou da decisão descumprida ou do ofício
de apresentação da equipe de fiscalização.
282

Art. 269. O débito decorrente de multa aplicada pelo Tribunal, nos termos do
artigo anterior, quando pago após o seu vencimento, será atualizado monetariamente
na data do efetivo pagamento.

CAPÍTULO III
OUTRAS SANÇÕES

Art. 270. Sem prejuízo das sanções previstas nos arts. 267 e 268 e das
penalidades administrativas aplicáveis pelas autoridades competentes, por
irregularidades constatadas pelo Tribunal, sempre que este, por maioria absoluta de
seus membros, considerar grave a infração cometida, o responsável ficará inabilitado,
por um período que variará de cinco a oito anos, para o exercício de cargo em
comissão ou função de confiança no âmbito da administração pública federal, nos
termos do art. 60 da Lei nº 8.443, de 1992.

§ 1º O Tribunal deliberará primeiramente sobre a gravidade da infração.

§ 2º Se considerada grave a infração, por maioria absoluta de seus


membros, o Tribunal decidirá sobre o período de inabilitação a que ficará sujeito o
responsável.

§ 3º Aplicada a sanção referida no caput, o Tribunal comunicará a decisão


ao responsável e à autoridade competente para cumprimento dessa medida.

Art. 271. Verificada a ocorrência de fraude comprovada a licitação, o Plenário


declarará a inidoneidade do licitante fraudador para participar, por até cinco anos, de
licitação na administração pública federal, nos termos do art. 46 da Lei nº 8.443, de
1992.
283

Art. 272. O Tribunal manterá cadastro específico das sanções aplicadas com
fundamento nos arts. 270 e 271, observadas as prescrições legais a esse respeito.

TÍTULO VIII

MEDIDAS CAUTELARES

Art. 273. No início ou no curso de qualquer apuração, o Plenário, de ofício,


por sugestão de unidade técnica ou de equipe de fiscalização ou a requerimento do
Ministério Público, determinará, cautelarmente, nos termos do art. 44 da Lei nº 8.443,
de 1992, o afastamento temporário do responsável, se existirem indícios suficientes de
que, prosseguindo no exercício de suas funções, possa retardar ou dificultar a
realização de auditoria ou inspeção, causar novos danos ao erário ou inviabilizar o seu
ressarcimento.

Parágrafo único. Será solidariamente responsável, conforme o § 1º do art. 44


da Lei nº 8.443, de 1992, a autoridade superior competente que, no prazo fixado pelo
Plenário, deixar de atender à determinação prevista no caput.

Art. 274. Nas mesmas circunstâncias do artigo anterior, poderá o Plenário,


sem prejuízo das medidas previstas nos arts. 270 e 275, decretar, por prazo não
superior a um ano, a indisponibilidade de bens do responsável, tantos quantos
considerados bastantes para garantir o ressarcimento dos danos em apuração, nos
termos do § 2º do art. 44 da Lei nº 8.443, de 1992.

Art. 275. O Plenário poderá solicitar, por intermédio do Ministério Público


junto ao Tribunal, na forma do inciso V do art. 62, à Advocacia-Geral da União ou,
conforme o caso, aos dirigentes das entidades que lhe sejam jurisdicionadas, as
medidas necessárias ao arresto dos bens dos responsáveis julgados em débito,
devendo ser ouvido quanto à liberação dos bens arrestados e sua restituição, nos
termos do art. 61 da Lei nº 8.443, de 1992.
284

Art. 276. O Plenário, o relator, ou, na hipótese do art. 28, inciso XVI, o
Presidente, em caso de urgência, de fundado receio de grave lesão ao erário ou a
direito alheio ou de risco de ineficácia da decisão de mérito, poderá, de ofício ou
mediante provocação, adotar medida cautelar, com ou sem a prévia oitiva da parte,
determinando, entre outras providências, a suspensão do ato ou do procedimento
impugnado, até que o Tribunal decida sobre o mérito da questão suscitada, nos termos
do art. 45 da Lei nº 8.443, de 1992.

§ 1º O despacho do relator ou do Presidente, de que trata o caput, será


submetido ao Plenário na primeira sessão subseqüente.

§ 2º Se o Plenário, o Presidente ou o relator entender que antes de ser


adotada a medida cautelar deva o responsável ser ouvido, o prazo para a resposta será
de até cinco dias úteis.

§ 3º A decisão do Plenário, do Presidente ou do relator que adotar a medida


cautelar determinará também a oitiva da parte, para que se pronuncie em até quinze
dias, ressalvada a hipótese do parágrafo anterior.

§ 4º Nas hipóteses de que trata este artigo, as devidas notificações e demais


comunicações do Tribunal e, quando for o caso, a resposta do responsável ou
interessado poderão ser encaminhadas por telegrama, fac-símile ou outro meio
eletrônico, sempre com confirmação de recebimento, com posterior remessa do original,
no prazo de até cinco dias, iniciando-se a contagem do prazo a partir da mencionada
confirmação do recebimento.

§ 5º A medida cautelar de que trata este artigo pode ser revista de ofício por
quem a tiver adotado.
285

TCU, Sala das Sessões Ministro Luciano Brandão Alves de Souza, em 4 de


dezembro de 2002.

VALMIR CAMPELO
Vice-Presidente,
no exercício da Presidência

(Publicada no DOU de 09.12.2002, Seção 1, p.125)


286

ANEXO C
LEI N° 4.717, DE 29 DE JUNHO DE 1965

Regula a Ação Popular.

DA AÇÃO POPULAR

Artigo 1° - Qualquer cidadão será parte legítima para pleitear a anulação ou a


declaração de nulidade de atos lesivos ao patrimônio da União, do Distrito Federal, dos
Estados, dos Municípios, de entidades autárquicas, de sociedades de economia mista
(Constituição, Artigo 141, Parágrafo 38), de sociedades mútuas de seguro nas quais a
União represente os segurados ausentes, de empresas públicas, de serviços sociais
autônomos, de instituições ou fundações para cuja criação ou custeio do patrimônio ou
da receita anual de empresas incorporadas ao patrimônio da União, do Distrito Federal,
dos Estados e dos Municípios, e de quaisquer pessoas jurídicas ou entidades
subvencionadas pelos cofres públicos.

§ 1° - Consideram-se patrimônio público, para os fins referidos neste artigo, os bens e


direitos de valor econômico, artístico, estético, histórico ou turístico.

§ 2° - Em se tratando de instituições ou fundações, para cuja criação ou custeio o


tesouro público concorra com menos de cinqüenta por cento do patrimônio ou da
receita anual, bem como de pessoas jurídicas ou entidades subvencionadas, as
conseqüências patrimoniais da invalidez dos atos lesivos terão por limite a repercussão
deles sobre a contribuição dos cofres públicos.

§ 3° - A prova da cidadania, para ingresso em juízo, será feita com o título eleitoral, ou
com documento que a ele corresponda.

§ 4° - Para instruir a inicial, o cidadão poderá requerer as entidades, a que se refere


este artigo, as certidões e informações que julgar necessárias, bastando para isso
indicar as finalidades das mesmas.
287

§ 5° - As certidões e informações a que se refere o parágrafo anterior, deverão ser


fornecidas dentro de 15 (quinze) dias da entrega, sob recibo, dos respectivos
requerimentos, e só poderão ser utilizadas para a instrução de ação popular.

§ 6° - Somente nos casos em que o interesse público, devidamente justificado, impuser


sigilo, poderá ser negada certidão ou informação.

§ 7° - Ocorrendo a hipótese do parágrafo anterior, a ação poderá ser proposta


desacompanhada das certidões ou informações negadas, cabendo ao juiz após
apreciar os motivos do indeferimento e salvo em se tratando de razão de segurança
nacional, requisitar umas e outras; feita a requisição, o processo correrá em segredo de
justiça, que cessará com o trânsito em julgado de sentença condenatória.

Artigo 2° - São nulos os atos lesivos ao patrimônio das entidades mencionadas no


artigo anterior, nos casos de:

a) - incompetência;

b) - vício de forma;

c) - ilegalidade do objeto;

d) - inexistência dos motivos;

e) - desvio de finalidade.

Parágrafo Único - Para a conceituação dos casos de nulidade observar-se-ão as


seguintes normas:

a) - a incompetência fica caracterizada quando o ato não se incluir nas atribuições


legais do agente que o praticou;

b) - o cicio de forma consiste na omissão ou na observância incompleta ou irregular de


formalidades indispensáveis à existência ou seriedade do ato;
288

c) - a ilegalidade do objeto ocorre quando o resultado do ato imposta em violação de lei,


regulamento ou outro ato normativo;

d) - a inexistência dos motivos se verifica quando a matéria de fato ou de direito, em


que se fundamenta o ato, é materialmente inexistente ou juridicamente inadequada ao
resultado obtido;

e) - o desvio de finalidade se verifica quando o agente pratica o ato visando a fim


diverso daquele previsto, explícita ou implicitamente, na regra de competência.

Artigo 3° - Os atos lesivos ao patrimônio das pessoas de direito público ou privado, ou


das entidades mencionadas no Artigo 1°, cujos vícios não se compreendam nas
especificações do artigo anterior, serão anuláveis, segundo as prescrições legais,
enquanto compatíveis com a natureza deles.

Artigo 4° - São também nulos os seguintes atos ou contratos, praticados ou celebrados


por quaisquer das pessoas ou entidades referidas no Artigo 1°.

I - A admissão ao serviço público remunerado, com desobediência quanto às condições


de habilitação, das normas legais, regulamentares ou constantes de instruções gerais;

II - A operação bancária ou de crédito real, quando:

a) - for realizada com desobediência a normas legais, regulamentares, estatutárias,


regimentais ou internas;

b) - o valor real do bem dado em hipoteca ou penhor for inferior ao constante de


escritura, contrato ou avaliação.

III - A empreitada, a tarefa e a concessão do serviço público, quando:

a) - o respectivo contrato houver sido celebrado sem prévia concorrência pública ou


administrativa, sem que essa condição seja estabelecida em lei, regulamento ou norma
geral;
289

b) - no edital de concorrência forem incluídas cláusulas ou condições, que


comprometam o seu caráter competitivo;

c) - a concorrência administrativa for processada em condições que impliquem na


limitação das possibilidades normais de competição.

IV - As modificações ou vantagens, inclusive prorrogações, que forem admitidas, em


favor do adjudicatário, durante a execução dos contratos de empreitada, tarefa e
concessão de serviço público, sem que estejam previstas em lei ou nos respectivos
instrumentos;

V - A compra e venda de bens móveis e imóveis, nos casos em que não cabível
concorrência pública ou administrativa, quando:

a) - for realizada com desobediência a normas legais, regulamentares, ou constantes


de instruções gerais;

b) - o preço de compra dos bens for superior ao corrente no mercado, na época de


operação;

c) - o preço de venda dos bens for inferior ao corrente no mercado, na época da


operação.

VI - A concessão de licença de exportação ou importação, qualquer que seja sua


modalidade, quando:

a) - houver sido praticada com violação das normas legais e regulamentares ou de


instruções e ordens de serviço;

b) - resultar em exceção ou privilégio, em favor de exportador ou importador.

VII - A operação de redesconto quando, sob qualquer aspecto, inclusive o limite de


valor, desobedecer a normas legais, regulamentares ou constantes de instruções
gerais;
290

VIII - o empréstimo concedido pelo Banco Central da República, quando:

a) - concedido com desobediência de quaisquer normas legais, regulamentares,


regimentais ou constantes de instruções gerais;

b) - o valor dos bens dados em garantia na época da operação, for inferior ao da


avaliação.

IX - A emissão quando efetuada sem observância das normas constitucionais, legais e


regulamentadores que regem a espécie.

DA COMPETÊNCIA

Artigo 5° - Conforme a origem do ato impugnado, é competente para conhecer da ação,


processá-la e julgá-la, o juiz que, de acordo com a organização judiciária de cada
Estado, o for para as causas que interessem à União, ao Distrito Federal, ao Estado ou
ao Município.

§ 1° - Para fins de competência, equiparam-se a atos da União, do Distrito Federal, do


Estado ou dos Municípios, os atos das pessoas criadas ou mantidas por essas pessoas
jurídicas de direito público, bem como os atos das sociedades de que elas sejam
acionistas e os das pessoas ou entidades por elas subvencionadas ou em relação às
quais tenham interesse patrimonial.

§ 2° - Quando o pleito interessar simultaneamente à União e a qualquer outra pessoa


ou entidade, será competente o juiz das causas da União, se houver; quando interessar
simultaneamente ao Estado e ao Município, será competente o juiz das causas do
Estado, se houver.

§ 3° - A propositura da ação prevenirá a jurisdição do juízo para todas as ações, que


forem posteriormente intentadas contra as mesmas partes e sob os mesmos
fundamentos.
291

§ 4° - Na defesa do patrimônio público caberá a suspensão liminar do ato lesivo


impugnado.

DOS SUJEITOS PASSIVOS DA AÇÃO E DOS ASSISTENTES

Artigo 6° - A ação será proposta contra as pessoas públicas ou privadas e as entidades


referidas no Artigo 1°, contra as autoridades, funcionários ou administradores que
houverem autorizado, aprovado, ratificado ou praticado o ato impugnado, ou que, por
omissas, tiverem dado oportunidade à lesão e contra os beneficiários diretos do
mesmo.

§ 1° - Se não houver beneficiário direto do ato lesivo, ou se for ele indeterminado ou


desconhecido, a ação será proposta somente contra as outras pessoas indicadas neste
artigo.

§ 2° - No caso de que trata o Inciso II, Item "b", do Artigo 4°, quando o valor real do bem
for inferior ao da avaliação inexata e os beneficiários da mesma.

§ 3° - A pessoa jurídica de direito público ou de direito privado, cujo ato seja objeto de
impugnação, poderá abster-se de contestar o pedido, ou poderá atuar ao lado do autor,
desde que isso se afigure útil ao interesse público, a juízo do respectivo representante
legal ou dirigente.

§ 4° - O Ministério Público acompanhará a ação, cabendo-lhe apressar a produção da


prova e promover a responsabilidade, civil ou criminal, dos que nela incidirem, sendo-
lhe vedado, em qualquer hipótese, assumir a defesa do ato impugnado ou dos seus
autores.

§ 5° - É facultado a qualquer cidadão habilitar-se como litisconsorte ou assistente do


autor da ação popular.
292

DO PROCESSO

Artigo 7° - A ação obedecerá ao procedimento ordinário, previsto no Código do


Processo Civil, observadas as seguintes normas modificativas:

I - Aos despachar a inicial o juiz ordenará:

a) - além da citação dos réus, a intimação do representante do Ministério Público;

b) - a requisição, às entidades indicadas na petição inicial, dos documentos que tiverem


sido referidos pelo autor (Artigo 1°, Parágrafo 6°), bem como a de outros que se lhe
afigurem necessários ao esclarecimento dos fatos, fixando prazos de 15 (quinze) a 30
(trinta) dias para o atendimento.

§ 1° - O representante do Ministério Público providenciará para que as requisições, a


que se refere o inciso anterior, sejam atendidas dentro dos prazos fixados pelo juiz.

§ 2° - Se os documentos e informações não puderem ser oferecidos nos prazos


assinalados, o juiz poderá autorizar prorrogação dos mesmos, por prazo razoável.

II - Quando o autor o preferir, a citação dos beneficiários far-se-á por edital com o prazo
de 30 (trinta) dias, afixados na sede do juízo e publicado três vezes no jornal oficial do
Distrito Federal, ou da Capital do Estado ou Território em que seja ajuizada a ação. A
publicação será gratuita e deverá iniciar-se no máximo 3(três) dia após a entrega, na
repartição competente, sob protocolo de uma via autenticada do mandado;

III - Qualquer pessoa, beneficiada ou responsável pelo ato impugnado, cuja existência
ou identidade se torne conhecida no curso do processo e antes de proferida a sentença
final de primeira instância, deverá ser citada para a integração do contraditório, sendo-
lhe restituído o prazo para contestação e produção de provas. Salvo quanto a
beneficiário, se a citação se houver feito na forma do inciso anterior;

IV - O prazo de contestação é de 20 (vinte) dias prorrogáveis por mais 20 (vinte), a


requerimento do interessado, se particularmente difícil a produção de prova
293

documental, e será comuns a todos os interessadas, correndo da entrega em cartório


do mandato cumprido, ou, quando for o caso, do decurso do prazo assinado em edital;

V - Caso não requerida, até o despacho saneador, a produção de prova testemunhal ou


pericial o juiz ordenará vista às partes por 10 (dez) dias; para alegações sendo-lhe os
autos conclusos, para sentença, 48 (quarenta e oito) horas após a expiração desse
prazo; havendo requerimento de prova; o processo tornará o rito ordinário;

VI - A sentença quando não prolata em audiência de instrução e julgamento, deverá ser


proferida dentro de 15 (quinze) dias do recebimento dos autos pelo juiz.

Parágrafo Único - O proferimento da sentença além do prazo estabelecido, privará o


juiz da inclusão em lista de merecimento para promoção, durante 2 (dois) anos, e
acarretará a perda, para efeito de promoção por antiguidade, de tantos dias, quantos
forem os do retardamento; salvo motivo justo, declinado nos autos e comprovado
perante o órgão disciplinar competente.

Artigo 8° - Ficará sujeita à pena de desobediência salvo motivo justo devidamente


comprovado, a autoridade, o administrador ou o dirigente, que deixar de fornecer, no
prazo no Artigo 1°, Parágrafo 5°, e Artigo 7°, I, "b").

Artigo 9° - Se o autor desistir da ação ou der motivo à absolvição de instância serão


publicados editais nos prazos e condições previstos no Artigo 7°, Inciso II, ficando
assegurado a qualquer cidadão, bem como ao representante do Ministério Público,
dentro do prazo de 90 (noventa) dias da última publicação feita, promover o
prosseguimento da ação.

Artigo 10 - As partes só pagarão custas e preparo a final.

Artigo 11 - A sentença que julgando procedente a ação popular, decretar a invalidade


do ato impugnado, condenará ao pagamento de perdas e danos os responsáveis pela
sua prática e os beneficiários dele, ressalvada a ação regressiva contra os funcionários
causadores de dano, quando incorrerem em culpa.
294

Artigo 12 - A sentença incluirá sempre na condenação dos réus, o pagamento, ao autor,


das custas e demais despesas judiciais e extrajudiciais, diretamente relacionadas com a
ação e comprovadas, bem como o dos honorários de advogado.

Artigo 13 - A sentença, que, apreciando o fundamento de direito do pedido, julgar a lide


manifestamente temerária, condenará o autor ao pagamento do décuplo das custas.

Artigo 14 - Se o valor da lesão ficar provado no curso da causa, será indicado na


sentença, se depender de avaliação ou perícia, será apurado na execução.

§ 1° - Quando a lesão resultar da falta ou isenção de qualquer pagamento, a


condenação imporá o pagamento devido, com acréscimo de juros de mora e multa legal
ou contratual, se houver.

§ 2° - Quando a lesão resultar de execução fraudulenta, simulada ou irreal de contratos,


a condenação versará sobre a reposição do débito, com juros de mora.

§ 3° - Quando o réu condenado perceber dos cofres públicos, a execução far-se-á por
desconto em folha até o integral ressarcimento do dano causado, se assim mais convier
ao interesse público.

§ 4° - A parte condenada a restituir bens ou valores, ficará sujeita a seqüestro e


penhora, desde a prolação da sentença condenatória.

Artigo 15 - Se, no curso da ação, ficar provada a infringência da lei penal ou a prática
de falta disciplinar a que a lei comine a pena de demissão ou a de rescisão de contrato
de trabalho, o juiz, "ex-ofício", determinará a remessa de cópia autenticada das peças
necessárias às autoridades ou aos administradores a quem competir aplicar a sanção.

Artigo 16 - Caso decorridos 60 (sessenta) dias de publicação da sentença condenatória


de segunda instância, sem que o autor ou terceiro promova a respectiva execução, o
representante do Ministério Público a promoverá nos 30 (trinta) dias seguintes, sob
pena de falta grave.
295

Artigo 17 - É sempre permitido às pessoas ou entidades referidas no Artigo 1°, ainda


que hajam contestado a ação, promover, em qualquer tempo, e no que as beneficiar, a
execução da sentença contra os demais réus.

Artigo 18 - A sentença terá eficácia de coisa julgada oponível "erga omnes", exceto no
caso de haver sido a ação julgada improcedente por deficiência de provas neste caso,
qualquer cidadão poderá intentar outra ação com idêntico fundamento, valendo-se de
nova prova.

Artigo 19 - Da sentença que concluir pela improcedência ou pela carência da ação,


recorrerá o juiz, "ex-ofício", mediante simples declaração no seu texto, da sentença que
julgar procedente o pedido caberá apelação voluntária, com efeito suspensivo.

§ 1° - Das decisões interlocutórias poderão ser interpostos os recursos previstos no


Código de Processo Civil.

§ 2° - Das decisões proferidas contra o autor popular e suscetíveis de recurso, poderão


recorrer qualquer cidadão e o representante do Ministério Público.

DISPOSIÇÕES GERAIS

Artigo 20 - Para os fins desta Lei, consideram-se entidades autárquicas:

a) - o serviço estatal descentralizado com personalidade jurídica, custeado mediante


orçamento próprio, independente do orçamento geral;

b) - as pessoas jurídicas especialmente instituídas por lei, para a execução de serviços


de interesse público ou social, custeados por tributos de qualquer natureza ou por
outros recursos oriundos do Tesouro Público;

c) - as entidades de direito público ou privado a que a lei tiver atribuído competência


para receber e aplicar contribuições parafiscais.

Artigo 21 - A ação prevista nesta Lei prescreve em 5 (cinco) anos.


296

Artigo 22 - Aplicam-se à ação popular as regras do Código de Processo Civil naquilo em


que não contrariem os dispositivos desta Lei, nem a natureza específica da ação.
297

ANEXO D

LEI No 9.873, DE 23 DE NOVEMBRO DE 1999.

Estabelece prazo de prescrição para o


Conversão da MPv nº 1.859-17, de exercício de ação punitiva pela Administração
1999 Pública Federal, direta e indireta, e dá outras
providências.

Faço saber que o PRESIDENTE DA REPÚBLICA adotou a Medida Provisória nº 1.859-


17, de 1999, que o Congresso Nacional aprovou, e eu, Antonio Carlos Magalhães,
Presidente, para os efeitos do disposto no parágrafo único do art. 62 da Constituição
Federal, promulgo a seguinte Lei:

Art. 1oPrescreve em cinco anos a ação punitiva da Administração Pública Federal,


direta e indireta, no exercício do poder de polícia, objetivando apurar infração à
legislação em vigor, contados da data da prática do ato ou, no caso de infração
permanente ou continuada, do dia em que tiver cessado.

§1oIncide a prescrição no procedimento administrativo paralisado por mais de três anos,


pendente de julgamento ou despacho, cujos autos serão arquivados de ofício ou
mediante requerimento da parte interessada, sem prejuízo da apuração da
responsabilidade funcional decorrente da paralisação, se for o caso.

§2oQuando o fato objeto da ação punitiva da Administração também constituir crime, a


prescrição reger-se-á pelo prazo previsto na lei penal.

Art. 2oInterrompe-se a prescrição:

I-pela citação do indiciado ou acusado, inclusive por meio de edital;

II-por qualquer ato inequívoco, que importe apuração do fato;


298

III-pela decisão condenatória recorrível.

Art. 3oSuspende-se a prescrição durante a vigência:

I-dos compromissos de cessação ou de desempenho, respectivamente, previstos nos


arts. 53 e 58 da Lei no 8.884, de 11 de junho de 1994;

II-do termo de compromisso de que trata o § 5o do art. 11 da Lei no 6.385, de 7 de


dezembro de 1976, com a redação dada pela Lei no 9.457, de 5 de maio de 1997.

Art. 4oRessalvadas as hipóteses de interrupção previstas no art. 2o, para as infrações


ocorridas há mais de três anos, contados do dia 1o de julho de 1998, a prescrição
operará em dois anos, a partir dessa data.

Art. 5oO disposto nesta Lei não se aplica às infrações de natureza funcional e aos
processos e procedimentos de natureza tributária.

Art. 6oFicam convalidados os atos praticados com base na Medida Provisória no 1.859-
16, de 24 de setembro de 1999.

Art. 7oEsta Lei entra em vigor na data de sua publicação.

Art. 8oFicam revogados o art. 33 da Lei no 6.385, de 1976, com a redação dada pela Lei
no 9.457, de 1997, o art. 28 da Lei no 8.884, de 1994, e demais disposições em
contrário, ainda que constantes de lei especial.

Congresso Nacional, em 23 de novembro de 1999; 178o da Independência e 111o da


República.

Senador ANTONIO CARLOS MAGALHÃES

Presidente

Este texto não substitui o publicado no D.O.U. de 24.11.1999.


299

ANEXO E

LEI Nº 8.112, DE 11 DE DEZEMBRO DE 1990

Dispõe sobre o regime jurídico dos servidores


Mensagem de veto públicos civis da União, das autarquias e das
fundações públicas federais.

PUBLICAÇÃO CONSOLIDADA DA LEI Nº 8.112, DE 11 DE DEZEMBRO DE 1990,


DETERMINADA PELO ART. 13 DA LEI Nº 9.527, DE 10 DE DEZEMBRO DE 1997.

O PRESIDENTE DA REPÚBLICA Faço saber que o Congresso Nacional decreta


e eu sanciono a seguinte Lei:

Capítulo V

Das Penalidades

Art. 127. São penalidades disciplinares:

I - advertência;

II - suspensão;

III - demissão;

IV - cassação de aposentadoria ou disponibilidade;

V - destituição de cargo em comissão;

VI - destituição de função comissionada.

Art. 128. Na aplicação das penalidades serão consideradas a natureza e a


gravidade da infração cometida, os danos que dela provierem para o serviço público, as
circunstâncias agravantes ou atenuantes e os antecedentes funcionais.

Parágrafo único. O ato de imposição da penalidade mencionará sempre o


fundamento legal e a causa da sanção disciplinar. (Incluído pela Lei nº 9.527, de
10.12.97)

Art. 129. A advertência será aplicada por escrito, nos casos de violação de
proibição constante do art. 117, incisos I a VIII e XIX, e de inobservância de dever
funcional previsto em lei, regulamentação ou norma interna, que não justifique
imposição de penalidade mais grave. (Redação dada pela Lei nº 9.527, de 10.12.97)
300

Art. 130. A suspensão será aplicada em caso de reincidência das faltas punidas
com advertência e de violação das demais proibições que não tipifiquem infração
sujeita a penalidade de demissão, não podendo exceder de 90 (noventa) dias.

§ 1o Será punido com suspensão de até 15 (quinze) dias o servidor que,


injustificadamente, recusar-se a ser submetido a inspeção médica determinada pela
autoridade competente, cessando os efeitos da penalidade uma vez cumprida a
determinação.

§ 2o Quando houver conveniência para o serviço, a penalidade de suspensão


poderá ser convertida em multa, na base de 50% (cinqüenta por cento) por dia de
vencimento ou remuneração, ficando o servidor obrigado a permanecer em serviço.

Art. 131. As penalidades de advertência e de suspensão terão seus registros


cancelados, após o decurso de 3 (três) e 5 (cinco) anos de efetivo exercício,
respectivamente, se o servidor não houver, nesse período, praticado nova infração
disciplinar.

Parágrafo único. O cancelamento da penalidade não surtirá efeitos retroativos.

Art. 132. A demissão será aplicada nos seguintes casos:

I - crime contra a administração pública;

II - abandono de cargo;

III - inassiduidade habitual;

IV - improbidade administrativa;

V - incontinência pública e conduta escandalosa, na repartição;

VI - insubordinação grave em serviço;

VII - ofensa física, em serviço, a servidor ou a particular, salvo em legítima defesa


própria ou de outrem;

VIII - aplicação irregular de dinheiros públicos;

IX - revelação de segredo do qual se apropriou em razão do cargo;

X - lesão aos cofres públicos e dilapidação do patrimônio nacional;

XI - corrupção;

XII - acumulação ilegal de cargos, empregos ou funções públicas;


301

XIII - transgressão dos incisos IX a XVI do art. 117.

Art. 133. Detectada a qualquer tempo a acumulação ilegal de cargos, empregos ou


funções públicas, a autoridade a que se refere o art. 143 notificará o servidor, por
intermédio de sua chefia imediata, para apresentar opção no prazo improrrogável de
dez dias, contados da data da ciência e, na hipótese de omissão, adotará procedimento
sumário para a sua apuração e regularização imediata, cujo processo administrativo
disciplinar se desenvolverá nas seguintes fases:(Redação dada pela Lei nº 9.527, de
10.12.97)

I - instauração, com a publicação do ato que constituir a comissão, a ser composta


por dois servidores estáveis, e simultaneamente indicar a autoria e a materialidade da
transgressão objeto da apuração; (Incluído pela Lei nº 9.527, de 10.12.97)

II - instrução sumária, que compreende indiciação, defesa e relatório; (Incluído pela


Lei nº 9.527, de 10.12.97)

III - julgamento. (Incluído pela Lei nº 9.527, de 10.12.97)

§ 1o A indicação da autoria de que trata o inciso I dar-se-á pelo nome e matrícula


do servidor, e a materialidade pela descrição dos cargos, empregos ou funções
públicas em situação de acumulação ilegal, dos órgãos ou entidades de vinculação, das
datas de ingresso, do horário de trabalho e do correspondente regime jurídico.
(Redação dada pela Lei nº 9.527, de 10.12.97)

§ 2o A comissão lavrará, até três dias após a publicação do ato que a constituiu,
termo de indiciação em que serão transcritas as informações de que trata o parágrafo
anterior, bem como promoverá a citação pessoal do servidor indiciado, ou por
intermédio de sua chefia imediata, para, no prazo de cinco dias, apresentar defesa
escrita, assegurando-se-lhe vista do processo na repartição, observado o disposto nos
arts. 163 e 164. (Redação dada pela Lei nº 9.527, de 10.12.97)

§ 3o Apresentada a defesa, a comissão elaborará relatório conclusivo quanto à


inocência ou à responsabilidade do servidor, em que resumirá as peças principais dos
autos, opinará sobre a licitude da acumulação em exame, indicará o respectivo
dispositivo legal e remeterá o processo à autoridade instauradora, para julgamento.
(Incluído pela Lei nº 9.527, de 10.12.97)

§ 4o No prazo de cinco dias, contados do recebimento do processo, a autoridade


julgadora proferirá a sua decisão, aplicando-se, quando for o caso, o disposto no § 3o
do art. 167. (Incluído pela Lei nº 9.527, de 10.12.97)

§ 5o A opção pelo servidor até o último dia de prazo para defesa configurará sua
boa-fé, hipótese em que se converterá automaticamente em pedido de exoneração do
outro cargo. (Incluído pela Lei nº 9.527, de 10.12.97)
302

§ 6o Caracterizada a acumulação ilegal e provada a má-fé, aplicar-se-á a pena de


demissão, destituição ou cassação de aposentadoria ou disponibilidade em relação aos
cargos, empregos ou funções públicas em regime de acumulação ilegal, hipótese em
que os órgãos ou entidades de vinculação serão comunicados. (Incluído pela Lei nº
9.527, de 10.12.97)

§ 7o O prazo para a conclusão do processo administrativo disciplinar submetido ao


rito sumário não excederá trinta dias, contados da data de publicação do ato que
constituir a comissão, admitida a sua prorrogação por até quinze dias, quando as
circunstâncias o exigirem. (Incluído pela Lei nº 9.527, de 10.12.97)

§ 8o O procedimento sumário rege-se pelas disposições deste artigo, observando-


se, no que lhe for aplicável, subsidiariamente, as disposições dos Títulos IV e V desta
Lei. (Incluído pela Lei nº 9.527, de 10.12.97)

Art. 134. Será cassada a aposentadoria ou a disponibilidade do inativo que houver


praticado, na atividade, falta punível com a demissão.

Art. 135. A destituição de cargo em comissão exercido por não ocupante de cargo
efetivo será aplicada nos casos de infração sujeita às penalidades de suspensão e de
demissão.

Parágrafo único. Constatada a hipótese de que trata este artigo, a exoneração


efetuada nos termos do art. 35 será convertida em destituição de cargo em comissão.

Art. 136. A demissão ou a destituição de cargo em comissão, nos casos dos


incisos IV, VIII, X e XI do art. 132, implica a indisponibilidade dos bens e o
ressarcimento ao erário, sem prejuízo da ação penal cabível.

Art. 137. A demissão ou a destituição de cargo em comissão, por infringência do


art. 117, incisos IX e XI, incompatibiliza o ex-servidor para nova investidura em cargo
público federal, pelo prazo de 5 (cinco) anos.

Parágrafo único. Não poderá retornar ao serviço público federal o servidor que for
demitido ou destituído do cargo em comissão por infringência do art. 132, incisos I, IV,
VIII, X e XI.

Art. 138. Configura abandono de cargo a ausência intencional do servidor ao


serviço por mais de trinta dias consecutivos.

Art. 139. Entende-se por inassiduidade habitual a falta ao serviço, sem causa
justificada, por sessenta dias, interpoladamente, durante o período de doze meses.

Art. 140. Na apuração de abandono de cargo ou inassiduidade habitual, também


será adotado o procedimento sumário a que se refere o art. 133, observando-se
especialmente que: (Redação dada pela Lei nº 9.527, de 10.12.97)
303

I - a indicação da materialidade dar-se-á: (Incluído pela Lei nº 9.527, de 10.12.97)

a) na hipótese de abandono de cargo, pela indicação precisa do período de


ausência intencional do servidor ao serviço superior a trinta dias; (Incluído pela Lei nº
9.527, de 10.12.97)

b) no caso de inassiduidade habitual, pela indicação dos dias de falta ao serviço


sem causa justificada, por período igual ou superior a sessenta dias interpoladamente,
durante o período de doze meses; (Incluído pela Lei nº 9.527, de 10.12.97)

II - após a apresentação da defesa a comissão elaborará relatório conclusivo


quanto à inocência ou à responsabilidade do servidor, em que resumirá as peças
principais dos autos, indicará o respectivo dispositivo legal, opinará, na hipótese de
abandono de cargo, sobre a intencionalidade da ausência ao serviço superior a trinta
dias e remeterá o processo à autoridade instauradora para julgamento. (Incluído pela
Lei nº 9.527, de 10.12.97)

Art. 141. As penalidades disciplinares serão aplicadas:

I - pelo Presidente da República, pelos Presidentes das Casas do Poder


Legislativo e dos Tribunais Federais e pelo Procurador-Geral da República, quando se
tratar de demissão e cassação de aposentadoria ou disponibilidade de servidor
vinculado ao respectivo Poder, órgão, ou entidade;

II - pelas autoridades administrativas de hierarquia imediatamente inferior àquelas


mencionadas no inciso anterior quando se tratar de suspensão superior a 30
(trinta) dias;

III - pelo chefe da repartição e outras autoridades na forma dos respectivos


regimentos ou regulamentos, nos casos de advertência ou de suspensão de até 30
(trinta) dias;

IV - pela autoridade que houver feito a nomeação, quando se tratar de destituição


de cargo em comissão.

Art. 142. A ação disciplinar prescreverá:

I - em 5 (cinco) anos, quanto às infrações puníveis com demissão, cassação de


aposentadoria ou disponibilidade e destituição de cargo em comissão;

II - em 2 (dois) anos, quanto à suspensão;

III - em 180 (cento e oitenta) dias, quanto á advertência.

§ 1o O prazo de prescrição começa a correr da data em que o fato se tornou


conhecido.
304

§ 2o Os prazos de prescrição previstos na lei penal aplicam-se às infrações


disciplinares capituladas também como crime.

§ 3o A abertura de sindicância ou a instauração de processo disciplinar interrompe


a prescrição, até a decisão final proferida por autoridade competente.

§ 4o Interrompido o curso da prescrição, o prazo começará a correr a partir do dia


em que cessar a interrupção.
305

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Antônio (Org.). Direito administrativo e constitucional: Estudos em homenagem a
Geraldo Ataliba. São Paulo: Malheiros, 2, 1997.

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