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ORGANIZAÇÃO SOCIAL
As habitações e a aldeia
ECONOMIA
TROCAS
ESTRANGEIROS
Os estrangeiros são ainda vistos com suspeitas e qualquer não parente é um
inimigo em potencial. Sempre se pergunta aos estrangeiros quem são e qual a
sua atividade naquele local. O termo ayompari é muitas vezes usado quando
num encontro com estrangeiros a situação está muito tensa.
PARENTESCO
CULTURA MATERIAL
Ornamentos
Os Kampa são conhecidos pelo uso da kushma e pela pintura com urucum. Ao
que parece, dão muito valor aos adornos plumários, cocares e flechas, que,
conforme Winkler (1978), são de grande valor artístico.
Eventualmente usam penas de pássaros vivos que se recuperam, mas o normal é
caçá-los para este fim. Utilizam penas de arara, periquito, tucano, papagaio e
gavião.
A kushma pode ser descrita como um vestido de algodão cru, usado tanto por
homens quanto mulheres, tingido em uma grande cabaça, numa infusão de
vegetais, incluindo urucum e que contém uma alta percentagem de tanino.
Kushma é o nome genérico dado na região a este tipo de vestimenta usada por
diversas tribos. Os Kampa a chamam de kitsárentsi. A cor da kushma recém-
tingida é de um marrom avermelhado escuro, e com o uso vai escurecendo mais.
A interação destas cores na floresta faz uma perfeita camuflagem,
principalmente se a pessoa estiver imóvel. Quando estão fora de suas casas
dormem diretamente no chão, deixando cabeça, mãos e pés dentro da kushma,
ficando deste modo completamente cobertos. Estas roupas de algodão grosso
são uma próteçao e fet ivá contra todos os tipos de insetos noturnos.
A produção da kushma, incluindo o t ing intento e a coleta do material, é tarefa
feminina, mas não de todas as mulheres, apenas das que a fazem muito bem ou
que conhecem bem as técnicas, e que portanto, produzem também para outras
famílias.
As mulheres fiam o algodão cru e o armazenam em carretéis. Tingem estes
útilizando corantes vegetais, como o aguano, ou com tinta de tecido da
sociedade nacional, porém suas cores não são firmes. Os fios são tecidos
transformando-se em peças de três metros de comprimento por um de largura,
com padrões de listras mais ou menos largas (cf. SEEGER & VOGEL, 1978).
A kushma é enfeitada por COLARES feitos de contas silvestres que se
compõem, como cachos para as mulheres e como feixes de cordões em
bandoleira para os homens
Muitos usam tatuagens, estas são feitas com agulha e espinhos de palmeira;
usam fuligem para colorir. A face nterna do antebraço e o rosto ao os lugares
preferidos para
as tatuagens, que representam desenhos abstratos, traços, pontos e setas, cujo
sentido, de acordo com Seeger e Vogeí (1978) seria apenas estético.
Escurecem os dentes com um substância negra (cf. STEWÀRD & MÉTRAUX,
1948).
A pintura com urucum é muito comum entre estes índios. Misturando o urucum
com gordura animal (cf. CRAIG, 1967) ele é aplicado à face em padrões
especiais. A pintura vermelha é uma proteçâo contra maus espíritos e pode ser
complementada com pontos azuis (cf. WINKLER, 1978) .
O Kampa indica seus sentimentos através da pintura com o urucum, pintando o
que ele chama de "linhas de alegria", "linhas de tristeza" e "linhas de cólera".
Este costume é importante no encontro de estranhos, que de antemão já sabem a
reação de seus interlocutores (cf. CRÀIG, 1967; WINKLER, 1978).
Os Machiguenga normalmente pintam também os seus animais domésticos.
Winkler narra que antigamente homens e mulheres usavam um labrete no lábio
inferior perfurado. De acordo com Steward e Métraux, os homens Kampa
usariam este artefato de madeira no septo nasal e no lábio inferior, ao passo que
os Machiguenga o usariam no lábio superior. Costumes que em fins dos anos 70
eram observados apenas nos mais idosos (cf. WINKLER, 1978) .
INSTRUMENTOS E ARTEFATOS
Ao que consta, a cerâmica feita por eles é crua, pintada de vermelho, feita de
rolinhos alisados de argila, apresentando marcas de dedos. Para ter um produto
melhor fazem trocas com índios Pano da região.
Potes e vasilhames diversos, pratos, colheres tradicionalmente são feitos de
cabaça. Hoje em dia, usam muitos utensílios de alumínio.
Possuem instrumentos musicais, como um tambor duplo feito de couro de
macaco, flauta de pã com cinco a oito tubos, flauta doce feita de osso, flauta
doce com seis furos, flauta transversa com dois furos, além de um tipo de
pequeno berimbau de boca.
Usam tabocas compridas para empurrar a canoa no rio, para varaus e jiraus.
Usam tabocas pequenas na fabricação de flautas. Usam borracha na confecção
de sapatos, tambores e bolas. Usam cera de abelha na confecção de flautas e
flechas. Fazem pentes com espinhos de árvores (cf. STEWARD &
MÉTRAUX, 1948).
A arma mais usada ainda hoje é o arco e flecha, que normalmente não tem as
pontas envenenadas. Seus arcos são longos e suas flechas possuem 2,5m. Pintam
as pontas das flechas com urucum. Prende-se a ponta na flecha por meio de um
cordão de algodão recoberto com cera de abelha (cf. WINKLER, 1978). Para
fazer as flechas usam cana brava. As pontas são feitas de taboca afiada ou
pupunha entalhada, com grande poder de penetração. São empenadas com
mutum, jacamim ou jacu. Os arcos são de pupunha ou pijuava, e o
encordoamento de fibra de carnaúba.
CHEFE
À função de curaca (koraka), chefe, não corresponde a um cargo. A chefia não é
nem hereditária, nem vitalícia. É difícil perceber as condições que determinam o
acesso de um homem à posição de curaca e as determinações desse papel no
sistema cultural Kampa (cf. SEEGER & VOGEL, 1978). Os curacas, nos casos
vistos por Seeger e Vogel, normalmente possuem renome como guerreiros.
Renome este estabelecido na época das "correrias". A propósito, copio o que se
segue:
"De Kitora e Samuel dois curacas se diz que foram 'matadores'— cayéri. Além
disso, têm muitos parentes, 'sabem' beber ayahuasca, são caçadores (ou foram)
excelentes, homens sábios que curam doenças (através de práticas xamânicas
com alucinógenos)" (cf. SEEGER & VOGEL, 1973:44).
O chefe, curaca, ao que parece, tem sua posição determinada pêlos laços de
parentesco, pois reúne sempre grandes "clãs" a sua volta, pelo seu prestígio
como caçador e guerreiro, além de ser detentor de saberes importantes no
domínio de sua cultura.
Entre os Machiguenga, de acordo com Rosengren, a liderança é transmitida
patrilinearmente e se restringe ao comando da caça ou da pesca, da abertura de
novas roças, e também da organização durante as guerras. Também de acordo
com este autor, existem dois princípios de organização política: o sexo e a idade.
Os homens dominam as mulheres, e os de mais idade dominam os mais novos.
CONTAS E MEDIDAS
Os Machiguenga contam o
tempo pela lua (doze em cada ano), pelas suas fases e pelo desabrochar de certas
flores.
Os Kampa, de um modo geral, medem pequenos objetos por palmos ou varas,
não possuindo medida de peso. A orientação em viagens é feita através da
posição do sol (cf. STEWARD & MÉTRAUX, 1948).
Para contar, só existem l, 2 e 3 (patiro, piteri e muhuani). Os outros números são
compostos pela junção destes: por exemplo, 4 seria l e 3 (cf. WIENER, 1880) .
De acordo com este autor, Wiener, quantidades que ultrapassem o número dez,
são designados genericamente por muito ou bastante.
Saúde e Doenças
Em relatórios da FUNAI consta que não é normal a incedência de malária,
acreditando-se que o fato se deve ao uso da kushma, que os protege das picadas.
Segundo estes relatórios, por estarem os Rampas distantes de outras aldeias e
outras cidades, estão mais protegidos de doenças contagiosas comuns.
Apresentam-se fortes e aparentam ótimo estado de saúde (cf. Relatório FUNAI
1981).
Seeger e Vogel (1978) consideram a assistência médico-sanitária aos Rampa
praticamente nula. Os Kampa do rio Amônea recorrem às vezes ao posto de
enfermagem do 7o BEC em vila Taumaturgo. Jamais foram vacinados e contam
apenas com a boa vontade de algum regional para que lhes compre os caríssimos
remédios. Os mesmos autores afirmam ainda ter constatado entre esses índios
hepatite, bronquite, sarampo, gripe e escabiose. A -malária também pôde ser
vista, apesar da atuação da SUGAM. Em seu relatório consta, no entanto, não
terem encontrado Kampa desnutridos, coisa muito frequente entre os regionais.
De acordo com os próprios índios, a febre amarela teria dizimado boa parte dos
Kampa da região do rio Amônea.
COSMOLOGIA
Xamanismo
Muitas doenças são tratadas com ervas, mas aquelas causadas pelo sobrenatural
são tratadas pêlos xamãs.
De acordo com Steward e Métraux, estes são alguns dos "remédios" usados
pêlos Kampa:
o coração da jaguatirica é usado para dar coragem; a vesícula biliar é usada para
realizar adivinhações oraculares; a biles do macaco é usada contra problemas
oculares; a biles da rã é usada contra dor de dente. Excremento de urso é usado
para evitar a obesidade; o besouro pitiro pulverizado é usado contra a anemia.
Costumam esfregar folhas secas de paio de balsa na cabeça para acabar com
dores (cf. STEWARD í MÉTRAUX, 1948).
Qualquer elemento de desequilíbrio é encontrado pelo xamã. Uma de suas
funções é a de descobrir o responsável pela doença, em caso de feitiço. Para
descobrir quem fez o feitiço, o xamã Kampa salpica coca em sua mão, mistura e
descobre a pessoa culpada através da configuração formada (Ordinaire, 1892
apud. STEWARD & MÉTRAUX, 1948). Para curar, ele sopra fumaça de tabaco
e fricciona coca no paciente; faz então uma sucção, livrando-o do "corpo
estranho", do "ser invasor" que o feiticeiro pôs nessa pessoa. Fumando e
bebendo cayampi, ele se empenha em matar o feiticeiro, devolvendo o feitiço
para ele (TESSMAN, 1930 apud. STEWARD & MÉTRAUX, 1948).
Os Kampa usam várias substâncias mágicas: o cyperus piriri, por exemplo, é
esfregado no arco para que ele atire bem, ajudando a não perder a caça. Os
xamãs o engolem junto com tabaco, antes de realizar um tratamento de sucção,
para "limpeza" do paciente (TESSMAN, 1930 apud. STEWARD &
MÉTRAUX, 1948).
A escada é um objeto importante para o Xamã Machiguenga, pois ela simboliza
a conexão entre nosso mundo e o mundo superior, o mundo dos céus, chamado
menkoriptisa. No mundo do céu, o estrato superior, vivem seres benignos,
chamados sáangarite, que protegem as pessoas em geral e que ajudam o xamâ a
diagnosticar as doenças (cf, ROSENGREN, 1987).
O xamã Kampa passa por um período de aprendizagem. Durante este período, e
mesmo depois, obtém, mantém e aumenta seus poderes, através do consumo
contínuo de drogas: basicamente o tabaco na forma de um xarope concentrado a
ayahuasca. O tabaco não é um alucinógeno, mas em doses maciças é um tóxico
poderoso. Tanto que se acredita que seja a fonte de poder do xamã, permitindo-
lhe ver os espíritos e comunicar-se com eles, ao curar e diagnosticar a doença.
Ao que parece, é o tabaco que mantém o poder dos espíritos junto ao xamã. A
ayahuasca é um alucinógeno que o põe em comunicação direta com o mundo
dos espíritos, de modo que estes o visitam, ou sua alma deixa seu corpo e visita-
os em lugares distantes. Há também o uso de diversas plantas sagradas; cada
espécie de planta está associada com um grupo específico de bons espíritos.
O xamã tem sempre à mão um suprimento de ayahuasca para suas necessidades,
e de tempos em tempos ele conduz uma cerimônia grupal, envolvendo o uso da
ayahuasca, onde resolve casos complicados. Esta cerimônia é essencialmente
uma sessão xamânica de cura.
RITUAIS
FEITIÇARIA
DESTINO POST-MORTEM
A alma dos Kampa, ishire, sobrevive à morte e se junta a um ou outro tipo dos
espíritos imortais, os bons ou maus espíritos. A alma individual se parece com a
pessoa cujo corpo habitou. O centro da lame é o coração, e o mesmo termo é
usado para ambos: noshire, "meu coração", "minha alma". A alma é o que
anima, o que dá vida ao corpo.
A alma pode deixar o corpo por instantes — por exemplo, quando o xamã leva a
sua, num voo a um lugar distante, ou quando a pessoa está dormindo.
Para os Kampa o corpo é apenas e "roupa" da alma, pois
o eu essencial é a alma.
Quando o Kampa morre, pode unir-se aos bons ou maus espíritos. Se foi de fato
muito bom em vida, torna-se um bom espírito. Se suas fraquezas humanas eram
muito fortes, vira um espírito mau, que voltará à aldeia em que viveu, atacando
as pessoas que nela habitam. Além disto, todo Kampa atacado por um demônio
torna-se, após a morte, um demônio de mesmo tipo. Os feiticeiros também
viram demônios. Eles consideram, portanto, que o mais comum é a pessoa
tornar-se um mau espírito e, por esta razão, abandonam a aldeia toda vez que
ocorre uma morte; partem, então, para a criação de uma nova aldeia, pois o
morto é um demônio em potencial.
Para prevenir o ataque de demônios, quando um louco ou um feiticeiro é morto,
eles o queimam, na expectativa de que a alma potencialmente perigosa seja
destruída pela chama junto com o corpo(cf. WEISS, 1974).
O Cosmo
A natureza para eles é um mundo de aparências. Por exemplo o que para nós é
terra sólida é, para quem vive no estrato abaixo de nós, um céu sutil, rarefeito. O
que para nós é um céu sutil e rarefeito é, para quem habita o estrato acima de
nós, terra sólida. Este é portanto um mundo de aparências, pois diferentes tipos
de seres vêem as mesmas coisas diferentemente.
Os olhos humanos podem ver normalmente os bons espíritos na forma de
clarões ou de pássaros, enquanto os espíritos se vêem em sua verdadeira forma
humana. Para os olhos do jaguar os seres humanos têm a forma de porcos do
mato, e é por isso que ele os caça.
É um mundo que opera de acordo com princípios mecânicos que poderíamos
chamar de mágicos.
No pensamento Kampa, o universo atual é o resultado de uma série de
transformações; em algum tempo na futuro será destruído pelo pader de Pava, o
sol. Para el.es não existe a criação, mas sim a transformação de uma coisa em
outra. Portanto, em seu pensamento, a forma original do universo não é o nada,
mas sim alguma coisa que sofreu uma transformação.
Os primeiros seres humanos Kampa viviam aqui na Terra, mas eram imortais.
Muitos possuíam poderes, O céu estava mais próximo da terra e esta falava.
A mitologia Kampa é uma longa história de como os Kampa originais foram
irreversivelmente se transformando nos primeiros representantes de várias
espécies de animais e plantas, assim como em corpos astronómicos, e em formas
do relevo, rochas, montanhas, etc.
Em cada caso o mecanismo foi a mudança, tanto através da transformação feita
por uma divindade quando de auto-transformaçâo. O desenvolvimento do
universo foi primeiramente um processo de diversificação dos seres originais em
todas as categorias de seres e coisas do universo. Os Kampa atuais são
descendentes dos Kampa que escaparam de se transformar. A mortalidade foi
acrescentada à esfera da vida humana, e, com o aumento do número de mortes, a
terra gradualmente deixou de falar.
Quando o atual universo for destruído, os Kampa serão destruídos com ele e um
novo mundo aparecerá, com habitantes imortais. O céu estará outra vez próximo
à terra e esta falará novamenteícf. WEISS, 1974).