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Autor:

Prof. Evaldo Pauli


Prof. da Universidade Federal de Santa Catarina - UFSC.
Membro da Academia Brasileira de Filosofia, RJ.
Da Academia Catarinense de Letras.
ENCICLOPÉDIA SIMPOZIO
© Copyright 1997 Evaldo Pauli

PENSAMENTO PRÉ-HELÊNICO.

O espaço geográfico do pensamento ocidental inclui o Egito (norte da África) e a Ásia Menor, até a Mesopotâmia e o Irã.
Os povos desta região, antes dos helênicos, já haviam descoberto a escrita, mas sem conseguir como estes
sistematizações rigorosas do pensamento.

Não há como examinar as filosofias orientais senão juntamente com as religiões de cujo contexto fizeram parte. Em
princípio, aliás, a religião é uma filosofia, enquanto seu ponto de partida é uma visão geral da realidade. Historicamente,
porém, as religiões costumam logo deixar-se dominar pelas explicações mágicas e pelos visionários, convertendo-se em
pensamento não crítico.
Didaticamente ficamos diante do esquema seguinte:
1. Pensamento mesopotâmico: de Sumer e Babilônia;
2. Pensamento egípcio;
3. Pensamento judaico antigo;
4. Pensamento da antiga Pérsia, ou Irã. Zoroastrismo.

Em uma religião, - do ponto de vista da filosofia da religião, - distinguem-se três perspectivas:


- materialmente, a religião é o conjunto de doutrinas em que se apoia, tais como as noções de Deus, alma, natureza;
- objetivamente (ou essencialmente, ou formalmente), a religião é o culto;
- subjetivamente, a religião é a prática deste culto.

Do ponto de vista filosófico e da história das idéias filosóficas, é claro que o aspecto material da religião é o que agora
mais importa. Aquele conjunto de doutrinas em que se apoia é, em grande parte, filosófico. Sem Deus e sem conceituar
o mundo como criatura não há um sentido verdadeiramente religioso. Além disto, as variações dos conceitos a este
respeito podem dirigir para horizontes mui diversos as religiões. Os orientais em geral têm uma propensão mais
panteísta e os ocidentais mais teísta, o que notoriamente diferencia suas religiões.

Aspecto frequente nas religiões, sobretudo as populares e tradicionais, é o seu sobrenaturalismo. Este caráter pode, de
outra parte, diminuir a ênfase filosófica, mais peculiar às religiões naturalistas.
Nas religiões sobrenaturalistas, os fatos relacionados às revelações criam um elenco episódico notavelmente grande, em
que a participação dos visionários e místicos é considerável. O sucesso destes é garantido pela crença fácil da massa
dos simples, os quais admitem como sobrenaturais fenômenos brotados do subconsciente dos indivíduos excepcionais.

Enfim, a moral, sobretudo das religiões primárias, tem grande impacto na conduta dos seus seguidores. Trata-se
também aqui de um elemento de fundo filosófico. Nas religiões primárias, a mundivisão, em decorrência do
antropomorfismo, se concentra na justiça e na recompensa, porquanto Deus é visto como um régio senhor a administrar
seus servos. Ou ainda na idéia de purificação pelo sofrimento, sobretudo no caso da metempsicose.

Importa uma história comparada das religiões e mesmo sua capacidade de diálogo, no sentido de um comum interesse
pela religião. Mais distantes do Ocidente estão as religiões e filosofia da Índia, - Bramanismo e Budismo, - e da China, -
Taoísmo e Confucionismo. As comunicações modernas abriram suas influências sobre os países ocidentais e destes
sobre os orientais. Já na antiguidade ocorrem as influências sobre o Ocidente helênico-romano das religiões
mesopotâmicas, egípcias e persas.

É especial o fenômeno judaico e cristão. Suplantando espetacularmente a mitologia grega e romana, as religiões
orientais assumiram, em determinado momento da história, uma função importante na mentalidade popular do mundo
helênico-romano. Razões várias contribuíram para este acontecimento. Entre outras estão os sincretismos gerados pelo
orfismo, pitagorismo e neopitagorismo, platonismo e neoplatonismo, bem como o enfraquecimento da mitologia grega
pelos ataques realizados pela própria filosofia grega.
O fenômeno judaico cresceu a partir do período helênico-romano inaugurado por Alexandre Magno; este, em seu curto
reinado de 336 - 323 a.C., alterou a fisionomia política da antiguidade e produziu as condições de um processo de
sincretismo substancial. Mais tarde, ao estabelecer-se o ativismo dos cristãos, este, melhor que o judaísmo, se adaptou
ao meio. Assumindo vastamente a fisionomia do paganismo, ganhou o controle da situação sob o imperador
Constantino, no início do 4o século.

ART. 1o. PENSAMENTO MESOPOTÂMICO: DE SUMER E BABILÔNIA.


As mais remotas raízes da tradição cultural e religiosa do Ocidente se situam na Mesopotâmica, às margens do rio
Eufrates e rio Tigre, onde floresceram inicialmente os sumérios, os babilônios e os ninivitas. Praticamente ao mesmo
tempo se desenvolveu a civilização egípcia, no vale do rio Nilo. Estes povos inventaram a escrita, através da qual
deixaram em documentos a expressão de sua cultura e ideologia. Alguns reflexos se transmitiram até os primeiros
escritos bíblicos. Estes, embora não sejam de conteúdo original, servem de texto comparativo no estudo do que ainda
resta de notícias sobre o segundo e terceiro milênios antes da era cristã.

Sumérios é o nome que se deu ao povo pré-semítico que viveu ao sul da Mesopotâmica, com uma história que vem dos
remotos 5000 anos antes de Cristo e perdura até 2000. Viveram em cidades, cujos nomes se conservaram: Sumer (de
onde foi tomado o nome Sumeros), Akad, Uruk, Shurupak, Lagash, de cujos reis se conservaram estátuas e inscrições.
Por volta do ano 2800 a.C. entraram os sumérios a exercer a escrita. Superaram então também a fase neolítica e
passaram a utilizar os metais. Superados, cerca do ano 2000, pelos semitas, em especial pelos babilônios, permaneceu
todavia a cultura sumeriana, porquanto algumas de suas narrativas foram traduzidas ao semítico. Também a língua dos
sumérios se conservou na liturgia. Os templos sumérios tinham a forma de torres volumosas, com acessos externos,
com altar no topo. Este modelo de templo denominado Zigurat, se transmitiu aos babilônios. A Bíblia judaica transcreveu
um episódio referente à construção da torre de Babel (isto é, de Babilônia) (cf. Gênesis 9, 1-9). A esta torre também se
referiu Heródoto, que a viu pronta, no 5º século a.C., e a descreveu.

Os dez reis fundadores dos sumérios teriam reinado milhares de anos e sua história apresenta feições míticas e
sobrenaturalistas. Estes episódios, descritos por textos mais antigos, lembram outra vez as narrativas bíblicas sobre os
patriarcas de alta longevidade e relacionados de perto com a divindade. Entre estes, um é o fabuloso herói sumério do
dilúvio, de nome Ut-Napishtim. Como se sabe, o seu correspondente bíblico, conforme narrativa mais recente, é Noé.

O poema de Guilgamesh, que narra sobre o dilúvio, cerca de 200 linhas, remonta aos séculos 17 e 18 nas versões
babilônicas; fragmentos sumérios conduzem a narrativa para uma antiguidade ainda mais alta. O texto bíblico, mais
recente, é de cerca do século 8º, ou 7º a. C. , ainda que se refira a acontecimentos mais antigos. A narrativa do dilúvio,
dos sumérios, coloca em cena o herói Guilgamesh, um rei de Uruk. Este, em busca da imortalidade, procurou Ut-
Napishtim, ao qual ela havia sido concedida. Encontrando-o, este lhe conta a respeito do dilúvio, do qual se evadira pela
construção de uma arca, em que também colocou os animais. Não faltou o episódio do pombo, que foi largado no sétimo
dia. Quanto ao efetivo dilúvio, as escavações revelaram que ele ocorrera na forma de grande inundação pela volta do
terceiro milênio, sem as dimensões fantasiosas das narrativas, geradas depois. Poderia efetivamente ter dado motivo
para as narrativas heróicas, do tipo Ut-Napishtim e Noé. De outra parte se sabe hoje, pelos achados antropológicos, que
o homem sobre a face da terra data de milhões de anos atrás e que sua origem não teria sido na Mesopotâmia, mas
provavelmente no centro-sul da África.

Babilônia, cidade principal da Mesopotâmia e fundada por volta de 2350 pelos habitantes de Akad foi herdeira e
retransmissora da cultura dos sumérios. Destacou-se o rei Hammurabi (c. 1728-1686), que unificou amplamente o
mundo mesopotâmico. Procede ainda de Hammurabi um antigo código de leis. Seu texto de 282 preceitos foi
reencontrado em Susa (1901-1902), numa estela cilíndrica em diorito, conservada no Museu do Louvre. Codifica a
jurisprudência de seu tempo, já que resultou de um reino de cidades unificadas. No alto da estela se apresenta o deus
Shamash transmitindo ao rei as leis. Esta figuração é indicativa do conceito de que o poder político vem do alto.
Semelhantemente dirão depois os judeus, que sua lei foi recebida por Moisés, no alto do Sinai, diretamente do Deus
Javé. Ainda que existam fragmentos pouco mais antigos que o código de Hammurabi, eles expressam apenas uma
legislação local.
É, pois, o código descoberto em Susa a mais antiga importante fonte do direito, inclusive com influências sobre os
judeus, como se observa na legislação mosaica.

Enuma-Elisch, poema babilônico denominado pelas suas primeiras palavras e encontrado em 1875 na biblioteca do rei
Assurbanipal, é o mais importante documentário sobre a origem do mundo, ao modo como o entendiam os babilônios.
Poderá expressar as idéias mais antigas dos sumérios, dos quais teriam sido herdadas pelos semitas. Nas origens
existia um caos aquoso, de duas entidades, masculina e feminina (o velho Apsu, como um oceano primordial e Tiamat,
personificação do mar). Criados os primeiros deuses, opõem-se estes ao velho Apsu. Tiamat resiste aos deuses, criando
onze monstros horríveis. Marduk, o mais inteligente dos deuses, venceu a Tiamat, e construiu o mundo com o corpo
desta, separando a terra e o firmamento do céu.

Texto inicial do Enuma-Elisch;


"Quando no alto não se nomeava o céu,
e em baixo a terra não tinha nome;
do oceano primordial (Apsu), seu pai,
e da tumultuosa Tiamat, a mãe de todos,
as águas se fundiam numa,
e os campos não estavam unidos uns com os outros,
nem se viam os canaviais;
quando nenhum dos deuses tinha aparecido,
nem eram chamados pelo seu nome,
nem tinham qualquer destino fixo,
foram criados os deuses no seio das águas.

Texto sobre a formação do mundo por Marduk com o corpo de Tiamat vencida:
"Divide a carne monstruosa, concebe idéias artísticas. Despedaça-a como um peixe nas suas duas partes. Instalou uma
das suas metades, cobrindo com ela o céu. Colocou o ferrolho; pôs um porteiro e ordenou-lhe que não deixasse sair as
águas".
Segue a criação dos luzeiros do céu, formação dos dias e finalmente do homem, como servidor dos deuses. O modelo
criacionista babilônico se refletirá sobre as cosmogonias posteriores, com as adaptações e melhorias peculiares aos
tempos em curso. O paralelismo com o Gênesis bíblico também é evidente.

ART. 2o. PENSAMENTO EGÍPCIO.


A importância da civilização e da religião do Egito, na história do pensamento, está em haver exercido influências sobre
os judeus (de procedência mesopotâmica) e sobre os gregos (fundadores da civilização ocidental). Os egípcios haviam
alcançado uma adiantada cultura neolítica já pelo ano 5000 a. C. Por volta de 3000 a.C. se instituem as dinastias, que
unificam politicamente o Egito, ao mesmo tempo que se difunde o uso dos metais e se inaugura a escrita hieroglífica.
Só depois do esplendor dos períodos chamados Antigo Império (desde 3000 a.C.), Médio Império (desde 2100 a.C.) e
Novo Império (desde 1580 a.C.), feneceu a importância externa do Egito, quando declinou politicamente e passou a se
retalhar (desde 1100 a.C.). Foi o tempo quando saíram do Egito os judeus, sob o comando de Moisés (c. de 1100).
Desenvolvia-se também agora a navegação, tal como entre os fenícios e os gregos, ocorrendo, em consequência, um
comércio internacional.
Os faraós buscaram por vezes apoio no exterior, para se manterem. Os contatos e as concessões deram ocasião à
intercomunicação das culturas. Significativamente uma das numerosas esposas do rei Salomão era egípcia. Numa
tentativa de expansão, o faraó Necao II foi derrotado por Nabucodonosor, de Babilônia, em Karkemish, 605 a.C.

A penetração indo-européia no Egito se aprofundou, quando os persas, que, depois de haverem conquistado Babilônia
em 538 a.C., fizeram o mesmo com o Egito em 525 a.C., reduzindo-o a uma satrapia.
Desde então passaram a estar abertas as portas das cidades egípcias à curiosidade dos estrangeiros, inclusive dos
gregos. Esta facilidade se apresentou, sobretudo, aos da Jônia (Ásia Menor), porquanto suas cidades estiveram por
muito tempo integradas no império persa.
Heródoto, pai da História, visitará o Egito cerca do ano 425 a.C., cem anos após a conquista persa, descrevendo para os
gregos, em longos relatos, o que vira e o que pudera entender da religião dos curiosos adoradores de animais.
Reconquistou a terra dos faraós uma relativa independência em 404 a.C. Esta foi de novo perdida pela reconquista
persa de 341, logo sucedida pela de Alexandre Magno em 332.

Criada a cidade de Alexandria, nela se procedeu o cadinho das culturas do Egito e da Grécia. Também ali os judeus
desenvolveram uma literatura helenística. Traduziram a Bíblia, para o grego, dali resultando a Septuaginta, que
influenciou a linguagem ocidental dos cristãos.
Os judeus alexandrinos escreveram também novos textos religiosos em grego. Alguns destes a Igreja Romana incluiu no
Cânon dos livros sagrados, enquanto judeus e protestantes os dizem apócrifos. Em qualquer das formas, estes e outros
livros passaram a influenciar o mundo judeu e cristão, porquanto escritos em idioma acessível e pensamento
influenciado por uma cultura mais desenvolvida que a semita anterior.

O alfabeto egípcio, em uma variante fonética do Sinai, que se transpôs para a região palestinense e depois para a
Fenícia, foi ser, com algumas transformações, a escrita grega e ocidental.
Um exemplo deste transformismo: a letra R representava um rosto; virado para a esquerda e era a letra fenícia original;
foi o rosto virado para a direita, no alfabeto grego; finalmente recebeu a perna inclinada, no alfabeto romano.

A religião egípcia é inicialmente totêmica, com o culto às forças naturais, além de sua diversificação em deuses locais.
A transformação através dos milênios tornou a religião mais profunda, com progressão do simbolismo. As potências
transcendentais da religião do Egito são menos enfáticas que as divindades desenfreadas e violentas da Mesopotâmia.
Enquanto a serenidade domina nos tempos dinásticos do Egito, aumenta o caráter guerreiro dos babilônios, ninivitas e
hititas, expresso em potências infernais e monstros disformes, acrescido da fé zoroástrica em um fim do mundo
catastrófico da escatologia persa.

A divindade egípcia é concebida como tendo acima um Deus universal e onipotente, com entidades divinas menores,
masculinas e femininas, além de figuras demoníacas.
Ocorrem alterações no decorrer das substituições dinásticas sobre qual seja o Deus principal. O mesmo acontece a
respeito das conceituações, ora mais, ora menos politeísta. Há também alterações nos conceitos de alma e de moral.
Destaca-se Osiris, Deus do sol noturno, senhor do mundo inferior (inferno dos mortos). Assassinado por seu irmão Set,
foi ressuscitado por Isis, de quem Osiris também era irmão e esposo. Osiris é Deus dos mortos e juiz supremo. Isis,
esposa e irmã de Osiris, com este fazia o par mais importante dos deuses egípcios. O culto de Isis se difundirá no
império romano assumindo aspectos análogos aos que depois adquirirá a Virgem Maria dos cristãos. Era protetora das
mulheres e das crianças. Quanto a Set, é Deus das trevas, havendo assassinado seu irmão Osiris, como já se disse. O
culto ao Sol é associado aos faraós. As pirâmides, enquanto apresentam sua face ao sol, se exercem como um apoio
dos raios deste. Expressam não apenas um monumento funerário, mas também constituem manifestação religiosa como
culto ao sol, ao qual ainda se associava o culto aos faraós. O trabalho de construção das pirâmides não fora tão só um
esforço de trabalho escravo, mas uma atividade de cunho religioso, em que participava a própria nação, inclusive com
cerimoniais.
Uma estranha associação havia entre os deuses e os animais sagrados. No primeiro instante este culto surpreendia aos
gregos e romanos. Embora adorados num sentido totêmico e simbólico, este procedimento não era óbvio aos estranhos.
Como tótens, os animais eram intimamente associados, pelas suas qualidades, aos homens. Dali era apenas mais um
passo para se chegar à simbolização dos deuses com as imagens dos animais. A deusa Hator, em figura de novilha e
Anúbis, um cão de guarda, remetiam à vivência de um povo agrícola. E assim, por razões peculiares, se tornavam
símbolos, o touro, a serpente, o leão, o escaravelho, a rã, o gato, o falcão. Nesta coesão universal das coisas, até os
astros do firmamento passavam a expressar a divindade. O fetichismo, com suas práticas, encontrava nesta maneira de
ver, o caminho aberto. Que teria sido a serpente de Moisés, no deserto? Poderia ter sido senão um animal sagrado
egípcio, associado a virtudes divinas. E por que teriam os israelitas adorado um bezerro de ouro, no deserto? De novo
reflexos do pensamento egípcio.
As rãs serviam de amuleto, porque expressavam a ressurreição. Supunha-se antigamente, não somente no Egito, que
elas nasciam espontaneamente do limo, sem pai e sem mãe. O simbolismo da rã passou aos cristãos, para indicar a
ressurreição, conforme se induz da forma das lâmpadas da necrópole de Edfu. Os judeus poderiam ter recebido as
idéias da ressurreição, tanto do Egito, como depois, na Pérsia, ao terem contato com o zoroastrismo; todavia, mais
facilmente deste último.

As doutrinas sobre a alma, da religião egípcia, a distinguiam claramente do corpo, ao mesmo tempo que a relacionavam
intimamente com ele. Não era a alma um espírito vindo de fora, como castigo, para se purificar no corpo material. Tais
outras maneiras de ver, que Heródoto (do 5o séc. a.C.) narra haver encontrado no Egito, ao modo dos pitagóricos,
deviam ter sido doutrinas de penetração recente. Corpo e alma faziam um todo natural, ao modo quase da maneira de
ver homérica. A morte era considerada uma desgraça.

A felicidade da alma, a subsistir após a morte, ficava associada à conservação do corpo.


Em decorrência desta afinidade entre corpo e alma, desenvolveram os egípcios a prática do embalsamento e a
construção de monumentos funerários, como as pirâmides e as câmaras funerárias. Estas serão ainda no futuro
praticadas pelo judeus, e logo também pelos cristãos, em vista da idéia da permanência da alma. Muito mais que entre
os babilônios, a idéia da permanência da alma em função a um corpo era um conceito egípcio.

O julgamento dos mortos, com destino determinado pelo bem ou o mal praticados em vida, são convicções egípcias, que
depois também permanecerão entre algumas seitas judias e o cristianismo. Eis uma particularidade que por primeiro se
desenvolveu na religião do Egito. O Livro dos mortos, que remonta ao Novo Império (1580 a.C.) é um significativo
documentário da crença do julgamento dos mortos. As representações pictóricas, encontradas nos monumentos,
visualizam o seu conteúdo. Osiris, como senhor da eternidade, senta-se em seu trono, com o cetro na mão. Por trás,
suas irmãs Isis e Nefthys. O morto é introduzido por Maat, deusa da justiça. Há 42 juizes, representando as 42
províncias do Egito. A crença do julgamento dos mortos persistiu entre os judeus e se transferiu aos cristãos, com alguns
arranjos imaginativos. Note-se que os judeus substituem os 42 juizes pelos 12 juizes representando as 12 tribos; os
cristãos, ao somarem aos 12 patriarcas os 12 apóstolos, imaginaram um tribunal de 24 juizes, e com Jesus em lugar de
Osíris. No julgamento egípcio se encontra em destaque uma grande balança, na qual o peso do coração é equiparado
ao da pluma de avestruz (símbolo da verdade). A pesagem cabe a Horus (Deus da Luz, filho de Osiris e Isis) e a Anúbis,
com sua cabeça de chacal, e guardião das múmias. O resultado é anotado sobre um papiro, por Tot, caracterizado pela
cabeça de Íbis, e Senhor da Sabedoria e da Escrita.

ART. 3o. O PENSAMENTO JUDAICO ANTIGO.


O sucesso do cristianismo tornou o pensamento judaico importante no mundo e, por sua vez também o pensamento
semita primitivo, porquanto dele depende em última instancia. Não obstante esta influência cristã, o pensamento judaico
só por si mesmo já era importante, e foi mesmo inicialmente o gerador principal do próprio cristianismo. A história inicial
dos judeus apresenta o mesmo estilo heróico dos mesopotâmicos e egípcios, com seus patriarcas longevos. A primeira
figura de fisionomia histórica definida dos judeus é Abraão, de cerca de 1700 antes de Cristo, do tempo de Hamurabi.
Procedente de Ur (Mesopotâmia), veio instalar-se em Canaan, depois denominada Palestina. O texto bíblico declara que
Deus prometeu esta terra aos seus descendentes. Atraída pela prosperidade do Egito, para ele se transferiu a então
pequena tribo, agora sob o comando do patriarca Jacó, cognominado Israel. No Egito prosperaram os israelitas. Ao
sentirem-se com força de abandonar o Egito, tentaram rumos próprios, conquistando a partir do Sinai a terra de Canaan.
Moisés comandou o povo. Diz o narrador que ele recebeu de Deus, as leis. Estes sucessos datam de cerca do ano 1270
a.C., o que torna pouco confiável a narrativa datada de meio milênio depois.

As doze tribos de Israel são governadas inicialmente pelos assim denominados juizes. Instala-se o Reino de Israel por
volta de 1020, sucessivamente sob Saul, David, Salomão. Divide-se o reino em 929 a.C., denominando-se o segundo
deles Reino de Judá, referência à tribo de Judá. O reino de Israel (10 tribos), chamado também de Samaria (nome da
capital), foi conquistado pelos Ninivitas em 722 a.C. Ligeiramente mais duradouro, o reino da Judéia (tribo de Judá), com
capital em Jerusalém, foi tomado pelos babilônios em 587 a.C. Termina aqui a fase áurea do povo de Israel, restando
praticamente uma só tribo, a qual persistirá através dos tempos. Subsistiu etnicamente, amparado pela crença de que
era um povo eleito e que um Messias restauraria o reino. O cristianismo tem aspecto de reformulação desta crença.
Ciro, vencendo Babilônia em 587 a.C., permitiu uma liberdade relativa aos judeus, dos quais uns retornam a Jerusalém,
reconstruindo um modesto templo, enquanto outros se difundem por todo o vasto império persa. É importante observar
que os contatos com o mundo exterior sujeitaram os judeus a influências, que uns rejeitam, tornando-se eminentemente
tradicionalistas, enquanto outros as assimilam. As novas circunstâncias persistem com as conquistas de Alexandre
Magno (334 a.C.), que anexou o mundo persa, inclusive a Judéia, no esquema do mundo helênico. Em 64 a.C., tudo
passará a um esquema ainda maior, o dos romanos.

Entrementes ocorria o episódio passageiro do reino dos Macabeus (164-63 a.C.), o tempo em que o reino helênico
seleucida de Antióquia da Síria enfraquecia, frente à política romana, conseguiram os Macabeus a independência da
Judéia, inclusive o apoio romano.
Seriam depois os mesmos romanos que engoliriam tanto a Síria como a Judéia (63 a.C.). Reino submisso sob Heródes,
a Judéia foi integrada na província romana da Síria em 6 d.C. Com a revolta judaica, sob a inspiração da seita dos
zelotas, a cidade de Jerusalém foi destruída em 70.
Depois disto os judeus, cultivando sempre o etnicismo, serão uma nação errante pelo mundo, mas sempre unida e
influente, firmando-se finalmente mais uma vez, com a criação do Estado de Israel, em 1948.

Os livros sagrados dos judeus são aqueles que os cristãos denominam Velho Testamento. Ainda que os primeiros
livros se atribuam a Moisés (século 13); a análise interna dos mesmos os situa 500 anos depois.
Todavia, daquela remota época poderiam ter vindo tradições, leis, lendas, poemas, crônicas de reis e de suas guerras, e
que finalmente serviram de base para a redação do texto inicial da Bíblia.
Os cristãos católicos anexaram ao cânon bíblico obras escritas em grego por judeus de Alexandria. O cânon judeu foi
fixado definitivamente em Jâmnia (Palestina) pelos anos 90 e 100 d.C.
Mas não obsta que os demais livros sirvam de fonte histórica para indicar o pensamento judaico daquele tempo ao longo
dos últimos séculos da antiguidade.

Lei e os Profetas, eis uma divisão classificatória frequente dos livros do Antigo Testamento.
A Lei (ou Torah) é o título que reúne os livros mais antigos, próximos da mentalidade mosaica. Tratando-se de cinco
livros, receberam posteriormente a denominação grega Pentateuco, os quais são, pela ordem: Gênesis, Êxodo, Levítico,
Números, Deuteronômio.

Os Profetas são os livros posteriores, indicando um pensamento mais recente.


Os saduceus admitiam a Lei e não os Profetas, aceitos pelos fariseus, zelotas, essênios, cristãos.

O Talmud tem origem no 2o século de nossa era e reúne as tradições orais e leis, inclusive comentários. Complementa a
Bíblia judaica.
A religião judaica não oferece um sistema dogmático fechado. Explica-se o fato pela circunstância de haver
desaparecido cedo uma autoridade religiosa central, muito antes da época em que as outras religiões desenvolveram
sua teologia em função àquelas autoridades.
O judaísmo oscila bastante e se divide em orientações divergentes, sem que estas sejam tratadas como heréticas. Une-
se em torno de Javé e de seus livros sagrados.

O monoteísmo é uma das principais características do judaísmo. É todavia substituído o elenco dos deuses secundários
pela presença de entidades intermediárias, como os anjos; estes crescem de importância no judaísmo posterior, após o
exílio em Babilônia.
É marcante, que já houvera no Egito algumas tentativas de introdução do monoteísmo. De futuro, também os filósofos
gregos insistirão numa revisão do conceito de divindade.
De outra parte, a noção de Deus, por parte do velho judaísmo, é rudimentar e antropomórfica. Sem especulação
filosófica a respeito de Deus e sem cuidado em defini-lo, era vagamente concebido como um ser pessoal, quase ao
modo humano, que age e fala, que tem mãos, braços, olhos, lábios, que se apresenta em certo lugar e mora nos céus,
que tem preferências étnicas e que tem um povo escolhido.

A melhoria dos conceitos judaicos sobre a divindade ocorre ao se estabelecer contato com a cultura grega, apesar de
odiada. Esta influência ocorre sobretudo em Alexandria, a grande metrópole helênica do Egito.
Na tradução da Bíblia ao grego, conhecida por Septuaginta (do séc. 3 a.C.), vários antropomorfismos foram substituídos
por circunlóquios, o que revela uma melhoria de mentalidade filosófica. Também será em Alexandria que se
desenvolverá uma exegese simbolista, entre judeus e cristãos, substituindo os episódios fantásticos por interpretações
místicas.
Entretanto, não se deixou o judaísmo influenciar pela conceituação trinitarista platônica e neoplatônica, e que no âmbito
do cristianismo serviu como base filosófica do conceito de Deus como constituído por três pessoas.

Art. 4-o. PENSAMENTO DA ANTIGA PÉRSIA, OU IRÃ. ZOROASTRISMO.


A religião persa, com influência sobre o judaísmo e o cristianismo, é dualista, personificando o bem e o mal, como dois
princípios em eterna luta. Assumiu nova forma com as pregações de Zaratustra (no ocidente conhecido também como
Zoroastro), pela volta de 600 a.C. Considerava-se inspirado, tendo tido, no seu entender, aparições. Pregou sob a
proteção de um príncipe, contra o clero vigente.
Seus escritos constituem provavelmente a parte mais antiga, - os Gathas, - do Avesta, de que a tradução posterior com
comentários é conhecida por Zendavesta.
Além do tradicional dualismo em luta, o zoroastrismo encoraja o homem a uma atitude de luta contra as forças do mal.
Mantendo-se puro, terá a merecida recompensa da Luz Eterna. São potências da Luz Ahurá-Mazdá e Mithra. Lutam
contra Ahriman, príncipe das trevas.
Esta foi a filosofia e religião dominante da Pérsia, quando esteve no seu esplendor sob os reis Aquemênidas 550-330
a.C., até ao tempo da helenização. Foi também o tempo em que os judeus, após o término do cativeiro da Babilônia (585
a 538 a.C.), puderam circular por todo aquele mundo oriental da Pérsia como comerciantes.

Dali a hipótese de que as doutrinas judaicas da luta entre o bem e o mal, como a dos anjos bons e maus (ou demônios),
as hierarquias entre eles, como anjos e arcanjos, sejam influências da religião e filosofia dos persas.
Tais influências diretas atuariam depois também sobre o cristianismo, no decurso do Império Romano, em vista da
difusão do culto de Mitra; este teria sido levado para o Ocidente pelos soldados de Pompeu, que conquistaram o império
seleucida e a Judéia em 64 a.C.
Supõe-se que a festa do nascimento de Mitra, celebrada em 25 de dezembro em Roma, tenha dado origem ao natal
cristão. O dia 25 de dezembro devia representar o solstício, e estava, portanto, com defasagem no calendário;
efetivamente o solstício ocorre geralmente no dia 21, quando da mudança de estação.
Os judeus tradicionais, como os saduceus, repudiavam as influências do zoroastrismo persa, e que eram aceitas por
outras seitas.

"Pois os saduceus negam a ressurreição, bem como a existência de anjos e espíritos, ao passo que os fariseus admitem
uma e outra coisa" (Lucas, em Atos 23, 8).

Maniqueísmo. Outra forma de influência do dualismo de Zoroastro foi o maniqueísmo, de Manes (c.215-276 d.C.,
Pérsia), com forte incidência no Oriente e Ocidente, nos primeiros tempos cristãos. Inicialmente teve as simpatias de
Santo Agostinho (354-430).
Ensinava o zoroastrismo a existência de dois princípios eternos, o da Luz e o das Trevas, em luta entre si. As
emanações de ambos se mesclam no homem. Para separar estas mesclas vieram, - no dizer dos maniqueus, - os
profetas, Jesus e Manes. Todavia vieram em corpo de mera aparência, porque o corpo material verdadeiro é mau, como
toda a matéria.
A purificação dos indivíduos já em estado superior se faria pela gnosis (saber) e abstenção do matrimônio, da carne, do
vinho e trabalhos manuais. Dos inferiores, pelo cumprimento dos dez mandamentos.
Diretamente e indiretamente tais conceitos penetram o cristianismo da época, ou pelo menos o influenciam.
Houve também as influências diretas das religiões dualistas orientais sobre a filosofia grega. Foi bem o caso do orfismo,
como ele ocorreu em Pitágoras, logo depois em Sócrates e Platão.
Finalmente Aristóteles retomará o ponto de vista homérico, do homem sem a maldade de dois princípios, em que matéria
e forma são componentes normais e complementares.

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