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EDUCAÇÃO E

PRÁTICAS INCLUSIVAS
Universidade Católica de Pernambuco

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Universidade Católica de Pernambuco
EDUCAÇÃO E PRÁTICAS
INCLUSIVAS

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Profa. Dra. Rossana Regina G. Ramos Henz

Educação a Distância
Universidade Católica de Pernambuco
EaD
UNICAP
UNIVERSIDADE CATÓLICA DE PERNAMBUCO - UNICAP

Reitor
Prof. Dr. Pe. Pedro Rubens Ferreira Oliveira, S. J.

Pró-reitor Administrativo
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Pró-reitor de Graduação e Extensão


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Pró-reitora de Pesquisa e Pós-graduação


Profª. Dra. Valdenice José Raimundo

UNICAP DIGITAL

Diretor
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Assessor de EaD
Prof. Msc. Valter Avellar

Universidade Católica de Pernambuco


Assessora Pedagógica
Profa. Msc. Larissa Petrusk

Designers Instrucionais
Esp. Fernanda Silveira
Msc. Flávio Santos

Analista de Sistemas
Prof. Msc. Flávio Dias

Secretário
Msc. Valmir Rocha

____
5
Correção Ortográfica
Msc. Rafael José Oliveira Ofemann

Diagramação
Msc. Flávio Santos

EDIÇÃO 2020
Rua do Príncipe, 526 - Bloco C - Salas 302 a 305
Boa Vista - Recife-PE - Cep: 50050-900
Telefone +55 81 2119.4335
PALAVRA
PROFES
SORA
Olá pessoal, sou a professora Rossana e, a partir de agora, embarcaremos
em uma viagem pelos caminhos da Educação Inclusiva, assunto de
extrema importância para a sociedade, tanto na perspectiva individual
quanto coletiva. Sinto-me à vontade para discutir esse assunto com vocês
por conta de minha longa experiência com a prática de incluir alunos/as
com deficiência na escola regular, bem como de formar professores/as
nesse sentido.

Entrei em contato com essa concepção nos anos 90 e, desde então,


venho cada vez mais me aprofundando nos estudos sobre esse tema.
Com isso, escrevi três livros: Na minha escola todo mundo é igual – Cortez
Editora, Passos para a Inclusão – Cortez Editora e Inclusão na prática:
estratégias eficazes para a educação inclusiva – Summus Editorial.

Posso dizer que a Educação Inclusiva me trouxe um novo olhar, não


somente sobre as práticas pedagógicas, mas, sobretudo, em relação à
vida. Quando entendemos que o crescimento pessoal se dá em contato
com as diferenças, nos tornamos mais receptivos e flexíveis em relação
aos outros e a nós mesmos. Esse tipo de interação social, em que há lugar
para todos sem discriminação, é o que caracteriza o bem estar social.

Neste tempo em que estaremos juntos/as, buscarei da forma mais


simples possível dividir com vocês conceitos e práticas sobre a Educação

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Inclusiva. Para isso, vamos estabelecer um diálogo em que discutiremos
teorias, conceitos e práticas com o objetivo de esclarecer e orientar o que
é e como se faz inclusão. Por se tratar de algo ainda novo, apesar dos
quase 30 anos em pauta, é preciso que travemos diversas discussões e
estudos sobre o tema.

Assim sendo, nesse material de estudo, constarão, além dos


conhecimentos teóricos, narrativas sobre fatos que presenciei na Escola
Viva de Cotia – SP, que fundei e dirigi por 20 anos, ou que me foram
relatados por pais e professores de alunos com deficiência. Os nomes dos
personagens das histórias, por questões éticas, serão fictícios.

Obrigada por me ouvirem (lerem) e caminharem comigo nesse


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importante momento de aprendizagem!

Abraços
OBJE
TIVOS
UNIDADE 1 - Estudo dos fundamentos da Educação
Inclusiva

• Apresentar um breve histórico da deficiência, desde a idade média até a


atualidade.
• Contextualizar, por meio de narrativas, situações de inclusão e exclusão.
• Discutir os fundamentos da educação inclusiva.

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1. Histórico da Deficiência

A disciplina de Educação Inclusiva, proposta atualmente nos cursos de


licenciatura, tem como objetivo atender às demandas sociais e
educacionais advindas de um novo modelo de interação das pessoas com
deficiência física e mental na sociedade. Isto é, apesar do conceito de
Inclusão já circular desde os anos 90, ainda se fazem necessárias ações
que eduquem para essa nova lógica de vida.

Um breve histórico da deficiência no mundo revela que houve pelo


menos quatro momentos pontuais nas relações com as pessoas que
apresentam características consideradas diferentes da maioria.

1º momento

Esse período revela um cenário trágico, de falta de entendimento da


deficiência, que resultou em situações de abandono, castigo, culpa e
sofrimento. No final da Idade Média e no início da Idade Moderna, a
inquisição sacrificou centenas de milhares de pessoas entre loucos,
adivinhos, deficientes mentais ou considerados endemoniados. A visão
supersticiosa sobre o deficiente é a marca desse período. Ter alguém com
deficiência na família significava mau agouro, uma espécie de punição, o
que levava ao abandono dessas pessoas. Basta que façamos um estudo

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de alguns clássicos da literatura como Branca de Neve e os Sete anões, O
Patinho Feio ou O Corcunda de Notre Dame, de Victor Hugo, e nos
interroguemos:

• Os sete anões eram irmãos? Por que os sete anões viviam isolados, na
floresta, exercendo um trabalho braçal nas minas?
• Por que o patinho feio precisou ir ao encontro do seu grupo (dos cisnes)
para que deixasse de ser maltratado e, finalmente, fosse feliz?
• E o corcunda? Por que não tinha família, sendo criado pelo pároco, ou
seja, pela misericórdia da igreja?

Nessas obras é possível perceber que os personagens têm algo de


diferente e, talvez, por isso, encontravam-se apartados do convívio social 11
ou em condições de abandono e sofrimento.

2º momento

Denominado terapêutico, esse período considera a deficiência como


doença, ou seja, as pessoas deficientes deveriam ser tratadas. Por volta de
1800, o médico Jean Itard, trabalhando em um asilo de surdos-mudos,
dedicou-se ao estudo da gagueira, educação oral e audição.

Ainda no começo do século XIX, Itard iniciou o atendimento aos débeis ou


deficientes mentais, utilizando métodos sistematizados. Dessa iniciativa,
surgem diversos estudos e tratamentos o que, de certa forma, amenizava
a situação dos deficientes, tendo em vista que os destituía do sacrifício,
embora permanecesse o preconceito. Entre o abandono e a misericórdia,
os avanços ocorridos evidenciaram, ao longo do tempo, além dos
tratamentos, o surgimento de escolas especiais que atendiam a
deficiências específicas como a cegueira, a surdez, a deficiência mental
etc. Surgem primeiramente os institutos de assistência as pessoas com
deficiência e em seguida as escolas especiais.

O QUE SÃO ESCOLAS ESPECIAIS?

São instituições específicas para pessoas com deficiências físicas ou


mentais. Geralmente, essas escolas, com equipe de professores
especializados, desenvolvem práticas pedagógicas individualizadas, ou
seja, os professores adequam as atividades aos graus de deficiência ou
limitação dos alunos. Foi o caso, por exemplo, do Instituto Benjamin
Constant (1854) voltado para o atendimento dos deficientes visuais e
auditivos; ou das APAE - Associação de Pais e Amigos de Excepcionais
(1954), onde eram realizadas atividades de vida diária.

QUAL É O PROBLEMA DESSAS ESCOLAS?

Podemos dizer que:

A Há segregação, tendo em vista que nesse espaço convivem apenas


deficientes.
B A falta de convívio com pessoas potencialmente mais capazes impede
que os alunos se desenvolvam mais amplamente.
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C O espaço social é limitado, o que impede que os alunos convivam com


práticas reais de convivência e, portanto, tenham sua autonomia social
ampliada.

Valentina, 10 anos, com deficiência mental não identificada, quando


chegou a nossa escola, vinda de uma escola especial em que estava há
quatro anos, usava fraldas. Com o tempo, observou que as colegas iam ao
banheiro fazer xixi. Um dia, pediu a professora para ir ao banheiro e, sem
nenhuma dificuldade, fez xixi na privada. A partir de então, sempre que
tinha vontade, ia ao banheiro, ou seja, entendemos que tentando imitar
12
as colegas, superou uma questão importante para o desenvolvimento de
sua autonomia.

Exemplo
Gabriel, 12 anos, com Síndrome de Down, oriundo de uma escola especial,
em que havia uma rotina específica para o lanche, que era servido por
uma funcionária, descobriu que em nossa escola havia uma cantina em
que as crianças escolhiam e compravam sua alimentação. Um belo dia,
pediu à mãe que lhe desse dinheiro. Sem entender bem o interesse dele
por isso, a mãe perguntou-lhe para que era. Gabriel não conseguiu
explicar já que tinha limitações na fala. No dia seguinte, levou a mãe até a
cantina e ela entendeu que ele queria comprar o próprio lanche. Com isso,
começou a aprender números para contar o dinheiro que a mãe lhe dava
para o lanche.
Uma escola somente para cegos, por exemplo, não proporciona aos
alunos a possibilidade de conviver amplamente com a descrição de
imagens.

Sem o sentido da visão, essas pessoas percebem o mundo por meio da


linguagem e do tato. Desse modo, conversar, trocar experiências com
quem enxerga, proporciona a elas a construção de ideias sobre os objetos,
cores, gestos etc.

Exemplo
Uma vez perguntei a Seu Manoel, meu vizinho, cego de nascença, como
que ele achava que eram as cores. Ele me disse que as cores eram
sentimentos. Vermelho de raiva, verde de fome, branco de assustado.
Com isso, entendi que a linguagem pode retratar formas, cores etc. e que
essas expressões Seu Manoel ouviu de pessoas que enxergam.

Uma escola só para surdos, geralmente, utiliza integralmente a Libras


(Língua Brasileira de Sinais), o que é apropriado, mas limita os deficientes
auditivos a somente uma forma de comunicação.

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Exemplo
Fernanda, 8 anos, deficiente auditiva profunda, chegou a nossa escola,
apresentando dificuldades para interagir com as outras crianças
ouvintes. Ficava sempre num cantinho, sem querer brincar. Um dia a
intérprete de Libras perguntou a ela por que agia dessa forma. Ela disse
que as crianças eram más porque não sabiam a linguagem de sinais.
Essa professora explicou a ela que havia outras formas de comunicar-se
como, por exemplo, o sorriso, o abraço ou mesmo a leitura labial.
Devagarinho, Fernanda começou a interagir com os/as colegas e, de
repente, estava em todas as atividades e brincadeiras e, creiam:
começou a ensinar a língua de sinais a eles/as. Um pouco mais adiante,
já conseguia dizer algumas palavras. Ou seja, sua inclusão com crianças
13
ouvintes tirou-a do casulo da surdez.

3º momento

Nos anos 70 e 80, acontece um novo movimento com relação à educação


das pessoas com deficiência, a integração. Nesse modelo, as escolas
regulares passam a receber alunos/as deficientes da seguinte forma. Era
reservada uma sala, de preferência, distante das salas regulares em que se
colocavam esses/as alunos/as de idades e deficiências distintas,
geralmente, orientados por uma professora especializada. O trabalho era
individual, uma atividade para cada um. Não havia contato com as
crianças sem deficiência. Estavam sempre apartados do grupo para que
não “ocorressem problemas”.
Vamos ver o que diz Mantoan (2015, s/p), uma das maiores especialistas
em Educação Inclusiva no Brasil:

não podemos esquecer que nosso passado recente revela uma história
de exclusão escolar das pessoas com deficiência. Por muitas décadas,
alegando-se incapacidade dos estudantes com deficiência de
acompanhar os demais alunos, manteve-se a prática de segregação,
reforçada pelo paradigma da normalização. Tal estado de coisas
perpetuou-se também no período da integração, que nada mais fora
que um anúncio da possibilidade de inclusão escolar para aqueles
estudantes que conseguissem adequar-se à escola comum, sem que
esta devesse revisar seus pressupostos.

O processo de integração foi certamente um pontapé inicial para o


processo de inclusão, embora ainda conservasse a ideia de que pessoas
com deficiência deveriam ter atenção especial, conceito herdado do
período terapêutico. Além disso, conforme Mantoan (2015), esses
estudantes, deveriam estar separados, tendo em vista que seu ritmo mais
lento atrapalharia o andamento das aulas e consequentemente a
aprendizagem dos/as outros/as alunos/as.

A iniciativa de integração dessas pessoas, ainda que não se caracterizasse


como um processo de inclusão, provocou na comunidade escolar
distintas reações. Por um lado, havia aqueles que aprovavam essa medida
por entender que desse modo se construiria uma ponte entre as pessoas
com deficiência e a sociedade. Por outro, muitos criticavam
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veementemente esse processo por entender que esse tipo de educação


não surtiria qualquer efeito, tendo em vista que essas pessoas precisavam,
sim, de tratamento médico.

Exemplo
Em uma escola do interior de São Paulo, ocorreu o seguinte fato: em
uma reunião pedagógica, ao defender a permanência da sala especial
na escola, a professora dessa classe foi destratada pelos colegas que a
acusavam de querer apenas manter seu emprego, já que esse trabalho
era absolutamente inútil. A fala geral era a de que esses/as alunos/as
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colocavam em risco a comunidade escolar, já que alguns/as se
mostravam agressivos em face de suas deficiências.

Exemplo
Em uma escola com sala especial, mediante a situação de segregação,
a coordenadora pedagógica, resolveu fazer uma avaliação dos/as alunos/
as e verificou que muitos deles/as não tinham deficiência mental. Eram
apenas crianças e adolescentes que apresentavam trajetórias escolar e
de vida marcadas por traumas e, por isso, não estavam no nível de
aprendizagem esperado pela escola. Em uma reunião pedagógica,
propôs que esses/as alunos/as fossem reintegrados à sala regular. Para
isso, foi realizado um programa de alfabetização com esses estudantes.
O resultado mostrou que a maioria se adaptou ao sistema regular de
ensino. Em sua fala sobre a inclusão dessas pessoas, a professora utilizou
a seguinte metáfora:

“Esses alunos da sala especial são como pássaros presos em um viveiro


em plena floresta”. Ou seja, apesar de estarem na escola, não tinham
liberdade para interagir nesse espaço.

4º momento

Segundo Ramos (2010), nos anos 90, houve uma virada significativa nas
ideias e comportamentos sobre a deficiência. Com base na Psicologia e
na Epistemologia Genética do psicólogo genebrino Jean Piaget,
começaram a ser feitas novas leituras da deficiência mental e, por conta
disso, surgiu uma nova maneira de compreender o desenvolvimento das
pessoas com deficiências mentais e/ou físicas (incluindo-se, nesse último
caso, os deficientes visuais e auditivos) – ou seja, daqueles que têm formas
diferentes de apreensão do mundo.

Resumidamente, pode-se dizer que a teoria de Piaget, bem como de seus


seguidores, versa sobre a ideia do desenvolvimento de um sujeito
psicológico, individualizado, que constrói conhecimento tendo por base
outro conhecimento, pouco a pouco sintetizado e integrado. Desse modo,
se formam esquemas sucessivos de novos conhecimentos, que revelam,

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através do tempo, a autonomia intelectual do sujeito.

Para ampliar essas ideias, assista:


https://youtu.be/JhqQ3hvfyr0

Esse último dado, para Ramos (2010), o da autonomia intelectual, é que se


torna relevante como conhecimento, noção a ser assumida
15
principalmente pelos professores que ainda creem ser possível ter uma
classe homogênea em que todos aprendam as mesmas coisas ao mesmo
tempo.

Acrescenta-se a compreensão do processo de inclusão a teoria


sociointeracionista que descreve a aprendizagem como um processo que
ocorre mediante trocas cognitivas entre os membros de um grupo. Nessa
perspectiva, é que se origina a concepção de que a qualidade das
interações é o que contribui para desenvolvimento humano.
Assista também:
https://youtu.be/WxXc2dQ2xVw

É preciso, portanto, em uma perspectiva didática inclusiva, considerar os


diferentes modos e tempos de aprendizagem como um processo natural
dos indivíduos, sobretudo daqueles com evidentes limitações físicas ou
mentais. Ademais, faz-se necessário que o meio em que nos
desenvolvamos seja repleto de informações e recursos, posto que, quanto
mais conhecimento existe a nossa volta, maior é a probabilidade de
aprendermos.

Exemplo
Numa ocasião, fui a uma comunidade rural conversar com os pais de
alunos/as da escola daquela localidade sobre o processo de inclusão, já
que ali havia algumas crianças com deficiência que precisavam ser
matriculadas no ensino regular. Preocupei-me em encontrar uma forma
simples de explicar as teorias que embasavam o processo de inclusão,
por conta do nível de escolarização das pessoas que era muito baixo.
Comecei explicando que aprendemos uns com os outros e que, por isso,
era necessário que essas crianças com limitações convivessem com as
Educação e Práticas Inclusivas

ditas “normais”. De repente, um senhor de idade pediu desculpas por me


interromper e disse o seguinte:

“Olhe, professora, isso que a senhora está dizendo não seria o caso de
um jogador de futebol ruim que joga em um time ruim e não melhora?
Aí, ele vai pra outro time que joga bem e melhora bastante?”

Não me contive e agradeci veementemente a sua ajuda em fazer com


que todos entendessem o conceito de inclusão.

16 Outra história:

Fui convidada por um município no interior do Rio Grande Norte para


conversar com os professores sobre a inclusão. Ao terminar a palestra, fui
abordada por uma professora que me contou essa história.

“Eu tenho uma irmã que desde que nasceu parecia que tinha algum
problema, demorou pra andar, pra falar e não conseguiu avançar nos
estudos. Como não casou nem teve filhos, passou a vida tomando conta
de nossos pais. Quando eles morreram, ela foi levada por outra irmã
minha para morar em São Paulo. Um dia, ela teve um desmaio e foi
levada para o Hospital das Clínicas. Depois que se recuperou, na hora de
sair, o médico disse que a trouxesse para fazer uns exames mais
complicados. Isso durou um tempo até que saíram os resultados. Ele
disse que ela tinha uma doença (síndrome) muito rara e que, segundo a
pesquisa que fizeram, nenhuma das pessoas que tinha essa doença
andava ou falava. Hoje, ouvindo a senhora falar, fiquei pensando se não
foi porque nós, os oito irmãos, botávamos ela pra fazer tudo com a
gente? Acho que sem querer, ela foi incluída”

Então, pessoal? Ficou clara essa questão das escolas especiais???

Acho que essas histórias mostram de forma mais simplificada as bases


teóricas que respaldam o desenvolvimento social e cognitivo por meio da
interação.

Mas tudo isso precisava ser referendado pela sociedade na esfera política
para que a inclusão fosse posta em prática.

Assim sendo, entre tantas iniciativas, o princípio de Educação Inclusiva foi


adotado pelos países membros da ONU – Organização das Nações
Unidas - a partir da Declaração de Salamanca sobre Princípios, Política e
Práticas na Área das Necessidades Especiais. Esse documento
internacional, elaborado durante a Conferência Mundial sobre
Necessidades Educativas Especiais, realizada na cidade de Salamanca
(Espanha) em 1994, estabeleceu diretrizes para a formulação de políticas
públicas voltadas para a inclusão e acesso de pessoas com necessidades

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especiais nos sistemas educacionais ao redor do mundo, incentivando a
orientação inclusiva em escolas regulares como estratégia eficiente
contra atitudes discriminatórias.

Vejamos algumas sessões do texto dessa importante declaração!

Observação:

Antes de começar a análise do texto da declaração, gostaria destacar que


por ter sido escrita há quase 30 anos, ainda são utilizados alguns termos
que, ao longo do tempo, foram revistos e, nos dias de hoje, evitamos. Por
exemplo: educação especial e portador de deficiência devem ser
substituídos por educação inclusiva e pessoa com deficiência.
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No caso da educação especial o termo é inadequado por se entender que
esse tipo de educação deve ser extinto. Em relação a portador de
deficiência, entende-se que o termo remete a "portadores", ou seja, implica
algo que se "porta", que é possível se desvencilhar tão logo se queira ou
chegue-se a um destino. Significa, ainda, a algo temporário, como, portar
um documento ou ser portador de uma doença. A deficiência, na maioria
das vezes, é algo permanente, não cabendo o termo "portadores". Além
disso, o termo "portador de deficiência" passa a ser "a marca" principal da
pessoa, em detrimento de sua condição humana.

Na minha opinião, ainda não encontramos a palavra justa para denominar


essas pessoas. Ou não deveríamos usar rótulo nenhum, apenas dizer
pessoas...
O que vocês acham?

Nós, os delegados da Conferência Mundial de Educação Especial,


representando 88 governos e 25 organizações internacionais em
assembleia aqui em Salamanca, Espanha, entre 7 e 10 de junho de 1994,
reafirmamos o nosso compromisso para com a Educação para Todos,
reconhecendo a necessidade e urgência do providenciamento de
educação para as crianças, jovens e adultos com necessidades
educacionais especiais dentro do sistema regular de ensino e
reendossamos a Estrutura de Ação em Educação Especial, em que, pelo
espírito de cujas provisões e recomendações governo e organizações
sejam guiados.

A partir desse momento, leis, decretos e normativas passaram a orientar


ações e comportamentos de pessoas e instituições sobre a inserção da
pessoa com deficiência nas diversas esferas da sociedade. Nesse escopo,
incluem-se a educação, o trabalho, o lazer, entre outros. A questão maior
que se apresentou com essa nova ideia foi a mudança no modo de pensar.
Outrora vistos como incapazes e dignos de misericórdia, as pessoas com
deficiência passam a ter direitos a um tratamento igualitário, ainda que
apresentem limitações. Ademais, outras discussões vieram à tona, por
exemplo, os direitos dos grupos étnicos-raciais, das mulheres, dos
homossexuais, idosos etc. Nessa perspectiva, a sociedade vem passando
por mudanças significativas em direção a uma nova forma de convívio.

Vejamos as premissas da declaração:


Educação e Práticas Inclusivas

• toda criança tem direito fundamental à educação, e deve ser dada a


oportunidade de atingir e manter o nível adequado de aprendizagem.

Sobre esse direito, quando se diz TODA, significa que aqui se incluem
crianças com deficiências ou qualquer outro tipo de distinção. Por
exemplo, as crianças de circo. Por viverem de forma itinerante, têm direito
a se matricularem nas escolas pelo tempo em que o circo permanecer na
cidade, ainda que seja por um período breve.

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• toda criança possui características, interesses, habilidades e
necessidades de aprendizagem que são únicas.

Sobre esse item, entendemos que cada um de nós traz consigo


determinadas características, interesses e habilidades que, muitas vezes,
não são explicáveis apenas pela experiência, mas por um impulso interno
que nos move. Por exemplo, uma criança pode ter uma habilidade
ampliada para desenhar, embora não haja qualquer incentivo interno
para isso. Vocês já viram algum caso assim? A escola, por sua vez, deve
aproveitar essa espécie de dom para intermediar outros conhecimentos.

Exemplo
Rogério, 13 anos, chegou a nossa escola sem saber ler e escrever. Nas
aulas de Língua Portuguesa, percebi que por não conseguir acompanhar
a leitura e escrita de textos, passava o tempo todo desenhando. Resolvi
então alfabetizá-lo por meio de seus desenhos. As imagens que ele
representava eram de super-heróis. Começamos a escrever esses nomes,
identificando sílabas, letras, ordem da escrita etc. Em pouco tempo,
Rogério alfabetizou-se e hoje tem curso superior, trabalha em sua própria
empresa, enfim, a questão foi resolvida a partir da observação atenta de
suas habilidades.

• sistemas educacionais deveriam ser designados e programas


educacionais deveriam ser implementados no sentido de se levar em
conta a vasta diversidade de tais características e necessidades.

Nesse caso, as escolas devem rever seus projetos pedagógicos e didáticos,


buscar e aplicar teorias e metodologias adequadas à diversidade, bem
como ter como objetivo o desenvolvimento global de seus estudantes.

• aqueles com necessidades educacionais especiais devem ter acesso à


escola regular, que deveria acomodá-los dentro de uma Pedagogia
centrada na criança, capaz de satisfazer a tais necessidades.

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Pessoal, esse é um ponto crucial no processo de inclusão. Todavia,
esse assunto será amplamente discutido na última unidade deste
material.

Posso dizer seguramente que a escola tradicional, baseada na teoria


behaviorista e em um método sistemático de estímulo/resposta, ademais,
utilizando uma avaliação objetiva, não dá conta de incluir a todos. Aliás,
esse foi e ainda é o maior entrave para a inclusão.

• escolas regulares que possuam tal orientação inclusiva constituem os


meios mais eficazes de combater atitudes discriminatórias criando-se
comunidades acolhedoras, construindo uma sociedade inclusiva e
19
alcançando a educação para todos; além disso, tais escolas proveem
uma educação efetiva à maioria das crianças e aprimoram a
eficiência e, em última instância, o custo da eficácia de todo o
sistema educacional.

O que se entende com isso?

Podemos dizer, por exemplo, que toda uma construção social começa na
escola, concordam? Na atualidade, crianças, adolescentes e jovens têm
sua educação, de forma ampla, realizada no ambiente escolar. É nele que
aprendem, além do conhecimento institucionalizado, valores, modos de
convivência em sociedade etc. Desse modo, uma escola que preze pelo
respeito, tolerância, entre outras formas de se viver em sociedade,
certamente, contribui para o desenvolvimento global.
Vejamos essas histórias!

Daniel, 13 anos, chegou a nossa escola trazendo consigo um histórico de


comportamentos inadequados. Sua atitude agressiva e discriminatória
com colegas e professores levou-o a ser “expulso” de outras instituições.
No início, Daniel se comportou da mesma maneira em seu convívio
conosco. Um belo dia, João, 13 anos, com Síndrome de Down, afásico e
com baixa visão, pediu a Daniel que reescrevesse o texto passado pela
professora com letras grandes para que pudesse enxergar. Gente, esse
menino teve uma crise de choro a ponto de precisar ser amparado por
nós. Em seguida, um pouco mais calmo, retornou à sala e reescreveu o
texto para João em letras grandes. A partir desse dia, Daniel e João
tornaram-se melhores amigos e seu comportamento mudou
significativamente. Ai de alguém que tivesse qualquer atitude
preconceituosa! O que podemos concluir dessa história??? A meu ver,
Daniel precisava tirar o foco de si mesmo e enxergar o outro, perceber
que ali ao lado tem alguém que quer superar suas barreiras e precisa de
ajuda... Mas, para isso, é preciso conviver com o diferente.

Ao contrário disso,

Exemplo
Em uma escola pública de ensino médio na grande São Paulo, um
professor irritado com a presença de uma aluna autista que entrava e
saía da sala a todo instante, dirigiu-se à direção gritando em alto e bom
som: “Isso aqui virou um hospício?”. Em seguida, pegou seus pertences e
Educação e Práticas Inclusivas

foi embora. A direção da escola tomou a inadequada decisão de solicitar


aos pais que retirassem a jovem da escola.

Essa é uma questão clássica de intolerância, bem como da incapacidade


de contornar uma situação inusitada em se tratando de um sistema
educacional fechado, sem qualquer possibilidade de flexibilização. Vocês
devem estar se perguntando como a questão deveria ser resolvida. De
certo que não há uma receita pronta para todos os contextos. Porém,
uma alternativa, seria pedir à menina que se sentasse próxima a porta,
que deveria ser mantida aberta. Desse modo, o entra-e-sai dela não
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incomodaria tanto o grupo. Como disse, seria umas das tantas
possibilidades.

• atribuam a mais alta prioridade política e financeira ao aprimora-


mento de seus sistemas educacionais no sentido de se tornarem
aptos a incluírem todas as crianças, independentemente de suas
diferenças ou dificuldades individuais.

Nessa perspectiva, incluem-se questões, por exemplo, de natureza física.


Os espaços devem ser construídos ou reformados com vistas para as
devidas necessidades que há, ou que hão, de vir. Rampas, banheiros
adaptados para cadeirantes, contratação de intérprete de Libras, material
em braile, entre outros aparatos, são básicos para que se faça a inclusão.
Infelizmente, sabemos que até mesmo em instituições públicas, na
maioria delas, não se encontram esses recursos. Apesar de existirem leis,
decretos e normativas, ainda estamos longe de sermos inclusivos de fato.
Concordam?

• adotem o princípio de educação inclusiva em forma de lei ou de


política, matriculando todas as crianças em escolas regulares, a
menos que existam fortes razões para agir de outra forma.

Bem, essa questão é muito importante e delicada. A pergunta que fazemos


é a seguinte: quem não pode ou deve ser incluído? Isso deve ser
respondido em contextos bem específicos. Por exemplo, pensemos no
caso de um/a aluno/a com um grau de agressividade muito alto, que ponha
em risco a integridade física e emocional do grupo. O que se deve fazer?

O caminho mais adequado é solicitar à família que busque tratamento


médico (psiquiátrico/psicológico). A mesma questão ocorre com aqueles/
as que necessitam de algum aparato específico para sobrevivência, por
exemplo, medicações, oxigênio para emergência etc. Em muitos casos,
essas famílias não providenciam essa assistência, ou por negligência ou
mesmo por dificuldade de acessar esses recursos.

Nesses casos a escola deve acionar os órgãos públicos como o Conselho


Tutelar, Promotoria de Justiça etc. O que não se pode é simplesmente

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negar a matrícula sem recorrer a essas iniciativas.

Um outro ponto que é bastante complexo é o acompanhamento de um/a


cuidador/a para os/as que, por suas limitações, necessitem de auxílio para
locomoção, alimentação, higiene etc.

Certa feita, em virtude de minhas publicações sobre a inclusão, fui


convidada pelo Ministério Público do Estado de São Paulo para esclarecer
essa questão dos casos de contratação de um/a cuidador/a, em virtude
das “altas” demandas dos pais e das escolas públicas. A pergunta que
quatro promotores me fizeram foi a seguinte: “Quem realmente precisa
desses cuidados especiais?” Entendi que eles consideravam que em
alguns casos esse serviço era desnecessário e o Estado não devia arcar
21
com tal custo.

Minha metodologia para explicar determinadas questões, como vocês já


devem ter observado, é contextualizar, ou seja, contar histórias. Fiz então a
eles o seguinte relato:

Naiara, 4 anos, com deficiência mental e visual (deficiência múltipla), foi


matriculada na educação infantil. Apesar dessas limitações, a professora
dela, entendeu que poderia dar conta de cuidá-la sem qualquer outro
auxílio. Havia uma funcionária que ficava de olho quando os pequeninos
iam ao banheiro, mas isso era para todos. Naiara seguiu sua escolarização
sem esse auxílio. Quando entrou para o ensino fundamental II, a própria
família mostrou-se preocupada como seria sua dinâmica, tendo em vista
que agora teria vários professores e aulas em ambientes diferentes, assim
como não haveria mais um professor específico para auxiliá-la na hora do
recreio.

Nesse momento, entendemos que de fato era necessário um auxílio


especial para essa aluna e assim foi feito.

Por outro lado, há casos em que a deficiência, por si só, não é fator
determinante para que haja um aparato especial, pelo contrário, quanto
mais obstáculos, mais autonomia será construída. Mas fiquem tranquilos
que esse assunto será ampliado na terceira unidade.

• desenvolvam projetos de demonstração e encorajem intercâmbios


em países que possuam experiências de escolarização inclusiva.

Atualmente, em face da ampla interação proporcionada pela internet, é


possível ampliarmos nossos conhecimentos e trocar experiências com
outros contextos sociais, em outros países, estados ou cidades.

• estabeleçam mecanismos participatórios e descentralizados para


planejamento, revisão e avaliação de provisão educacional para
crianças e adultos com necessidades educacionais especiais.

Traduzindo essa premissa, podemos afirmar que o planejamento


pedagógico não pode mais ser feito de cima para baixo, certo? A
diversidade de sujeitos em desenvolvimento implicará flexibilidade,
adaptação e bom senso.
Educação e Práticas Inclusivas

Por exemplo, se houver na sala um ou mais estudantes surdos, os/as


professores/as deverão lançar mão de mais recursos visuais. Se há cegos,
deve-se planejar com ênfase nos sons e assim por diante. Não há como
unificar e engessar o planejamento.

Quanto à avaliação, questão bastante complexa, diga-se de passagem, é


preciso que seja subjetiva – ponto que também será amplamente
discutido mais adiante. Não se preocupem!!!

22
Nesse caso, a avaliação de estudante por estudante implicará a
reformulação do projeto, bem como o planejamento das demandas a
serem cumpridas.

• encorajem e facilitem a participação de pais, comunidades e


organizações de pessoas portadoras de deficiências nos processos de
planejamento e tomada de decisão concernentes à provisão de
serviços para necessidades educacionais especiais.

Esse item, pessoal, é o que se pode chamar de papel social da escola.


Devemos, além de nos incumbir do ensino/aprendizagem, estar atentos/
as a questões que direta ou indiretamente nos afetam. Já ouvi diversas
vezes professores dizerem: “Isso não é problema meu. Minha função é
ensinar!”
Gente, a escola é um reflexo da sociedade ou vice-versa. Problemas sociais
nos afetam sim. Como agentes do conhecimento, é preciso que
estejamos prontos para intervir nas questões que nos circundam. E isso
não deve ser feito individualmente, mas em parceria com os sujeitos
envolvidos.

Querem ver por onde começar?

Pela reunião de pais e mestres que deve se compor também pelos alunos,
ou seja, nesses encontros, em que a escola faz a devolutiva do trabalho
realizado, os sujeitos-alvo têm que participar a fim de que todos os lados
sejam ouvidos.

Exemplo
Em uma reunião com os pais e alunos da educação infantil, um pai
reclamou que sua filha de 5 anos, andava dizendo palavrões e que os
havia aprendido na escola. Enquanto eu tentava explicar que isso era
possível por que algumas crianças aprendiam em casa e repetiam na
escola, fazendo com que os outros também aprendessem, a pequena
me interrompeu e disse: “Não pai, lembra aquele dia no pesqueiro que
você tava bebo e minha mãe queria ir embora e você não queria ir.
Então, você falou pra ela: Vai se f... (ela disse a palavra completa)”.
Caímos todos na risada e o pai não sabia o que dizer.

Universidade Católica de Pernambuco


Nesse momento, a reunião caminhou para um debate bastante rico
sobre a questão da linguagem com as crianças. Muitos pais saíram dali
satisfeitos com a discussão.

Ou seja, iniciativas maiores como associações, coletivos e outros


agrupamentos devem começar pelo exercício de cidadania dentro da
própria escola, com toda a comunidade.

Há também que incentivar essa comunidade, não somente aos pais de


deficientes, mas todos os cidadãos, pela busca por seus direitos,
sobretudo, aqueles que lhes são concedidos por lei.

23
• invistam maiores esforços em estratégias de identificação e
intervenção precoces, bem como nos aspectos vocacionais da
educação inclusiva.

Observem que esse é um ponto crucial do processo. Ou seja, estar atentos/


as aos sintomas para que as causas sejam combatidas. Mas para isso, é
preciso que nosso olhar seja amplo, que vá além daquilo que estamos
acostumados a lidar.

Exemplo
Chegou a nossa escola um menino de 9 anos diagnosticado com
“problemas de aprendizagem” porque nessa idade ainda não havia
aprendido a ler e escrever. Depois de algumas tentativas pedagógicas
de alfabetizá-lo, sem sucesso, a professora resolveu pedir aos pais que o
submetessem a um exame oftalmológico. Batata!!!! A criança
apresentava uma deficiência visual bastante grave e por isso não
conseguia nem ler e nem escrever.

Vejam que a questão poderia não ter sido resolvida e ter se prolongado,
não fora pela observação precoce do problema. Contudo, é preciso que
tenhamos a consciência de que muitos casos não são passíveis de
solução, mas para que possamos aprender a lidar com eles da melhor
forma possível, certo?

• garantam que, no contexto de uma mudança sistêmica, programas


de treinamento de professores, tanto em serviço como durante a
formação, incluam a provisão de educação especial dentro das
escolas inclusivas.

Pessoal, para discutir esse assunto, precisaríamos de muitas páginas com


teorias e histórias, porque no final das contas, quem faz a inclusão é o
professor, o que implica ser oferecida a ele uma formação ampla e efetiva.
Assim sendo, dedicarei a essa questão uma sessão inteira nesse material.
Ou seja, peço que aguardem a próxima unidade. Pode ser?

Continuando...

Nós também congregamos a comunidade internacional; em particular,


nós congregamos: - governos com programas de cooperação
internacional, agências financiadoras internacionais, especialmente as
Educação e Práticas Inclusivas

responsáveis pela Conferência Mundial em Educação para Todos,


UNESCO, UNICEF, UNDP e o Banco Mundial: a endossar a perspectiva
de escolarização inclusiva e apoiar o desenvolvimento da educação
especial como parte integrante de todos os programas educacionais.

• As Nações Unidas e suas agências especializadas, em particular a ILO,


WHO, UNESCO e UNICEF: a reforçar seus estímulos de cooperação
técnica, bem como reforçar suas cooperações e redes de trabalho
para um apoio mais eficaz à já expandida e integrada provisão em
educação especial.
24
• organizações não-governamentais envolvidas na programação e
entrega de serviço nos países.
• a reforçar sua colaboração com as entidades oficiais nacionais e
intensificar o envolvimento crescente delas no planejamento,
implementação e avaliação de provisão em educação especial que
seja inclusiva;
• UNESCO, enquanto a agência educacional das Nações Unidas;
• a assegurar que educação especial faça parte de toda discussão que
lide com educação para todos em vários foros;
• a mobilizar o apoio de organizações dos profissionais de ensino em
questões relativas ao aprimoramento do treinamento de professores
no que diz respeito a necessidade educacionais especiais.
• a estimular a comunidade acadêmica no sentido de fortalecer
pesquisa, redes de trabalho e o estabelecimento de centros regionais
de informação e documentação e da mesma forma, a servir de
exemplo em tais atividades e na disseminação dos resultados
específicos e dos progressos alcançados em cada país no sentido de
realizar o que almeja a presente Declaração.
• a mobilizar FUNDOS através da criação (dentro de seu próximo
Planejamento a Médio Prazo. 1996-2000) de um programa extensivo
de escolas inclusivas e programas de apoio comunitário, que
permitiriam o lançamento de projetos-piloto que demonstrassem
novas formas de disseminação e o desenvolvimento de indicadores
de necessidade e de provisão de educação especial.

Por último, expressamos nosso caloroso reconhecimento ao governo da


Espanha e à UNESCO pela organização da Conferência e demandamo-
lhes realizarem todos os esforços no sentido de trazer esta Declaração e
sua relativa Estrutura de Ação da comunidade mundial, especialmente
em eventos importantes tais como o Tratado Mundial de
Desenvolvimento Social (em Kopenhagen, em 1995) e a Conferência
Mundial sobre a Mulher (em Beijing, e, 1995). Adotada por aclamação na
cidade de Salamanca, Espanha, neste décimo dia de junho de 1994.

O que se percebe, a partir desse Encontro, é que o conceito de inclusão se

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dissemina pelos países membros da ONU, como foi o caso Brasil. Nessa
direção, nosso país inicia o processo de legalização da proposta, por meio
da elaboração de leis, decretos e resoluções que orientassem o processo
de inclusão escolar, inclusive no bojo da LDB (Lei de Diretrizes e Bases).

Além do Encontro de Salamanca, o Brasil sofreu grande influência


positiva de convenções internacionais das quais é signatário, com
destaque para:

• Declaração dos Direitos das Pessoas Deficientes (Nova York, 1975);


• Convenção Interamericana para a Eliminação de Todas as Formas de
Discriminação contra as Pessoas Portadoras de Deficiência (Guatemala,
1999);
25
• Convenção Internacional sobre os Direitos das Pessoas com
Deficiência (Nova York, 2006).

A iniciativa de legalização prática de inclusão, a meu ver, foi o principal


vetor de sua realização. No momento em que as escolas passaram a ser
obrigadas a incluir estudantes com deficiência, houve uma corrida para
entendimento do conceito e adaptação das práticas pedagógicas.

O que se percebeu a priori foi uma enxurrada de equívocos, uma espécie


de convulsão educacional. Para muitos, era inadmissível colocar um/a
estudante com deficiência em uma sala de ensino regular. Ainda sob a
ideia de uma educação terapêutica, para muitos, era necessário que se
dispusesse de um aparato especial para que isso ocorresse.
Nesse sentido, foram previstas algumas ações como, por exemplo, as salas
de recursos multifuncionais nas escolas no sentido de dar suporte às
necessidades especiais que os alunos com deficiência demandavam.

O Ministério da Educação, por intermédio da Secretaria de Educação


Especial, considerando a Constituição Federal de 1988, que estabelece o
direito de todos a educação; a Política Nacional de Educação Especial na
Perspectiva da Educação Inclusiva, de janeiro de 2008; e o Decreto
Legislativo nº 186, de julho de 2008,que ratifica a Convenção Sobre os
Direitos das Pessoas com Deficiência (ONU, 2006), institui as Diretrizes
Operacionais da Educação Especial para o Atendimento Educacional
Especializado – AEE na educação básica, regulamentado pelo do Decreto
nº 6.571, de 18 de setembro de 2008.

A sala de recursos multifuncionais

DO ATENDIMENTO EDUCACIONAL
A oferta do Atendimento Educacional Especializado – AEE
deve constar no Projeto Pedagógico da escola de ensino regular,
prevendo na sua organização:
A sala de recursos multifuncional: espaço físico, mobiliários, materiais
didáticos, recursos pedagógicos e de acessibilidade e equipamentos
específicos;
B matrícula do aluno no AEE: condicionada à matrícula no ensino
regular da própria escola ou de outra escola;
C plano do AEE: identificação das necessidades educacionais
Educação e Práticas Inclusivas

específicas dos alunos, definição dos recursos necessários e das


atividades a serem desenvolvidas; cronograma de atendimento dos
alunos;
D professor para o exercício da docência do AEE;
E profissionais da educação: tradutor e intérprete de Língua Brasileira
de Sinais, guia-intérprete e outros que atuam no apoio às atividades
de alimentação, higiene e locomoção;
F articulação entre professores do AEE e os do ensino comum;
G redes de apoio: no âmbito da atuação intersetorial, da formação
docente, do acesso a recursos, serviços e equipamentos, entre outros
26
que contribuam para a realização do AEE.

Embora, do ponto de vista legal, estivessem claramente expostos os


objetivos das salas de recursos multifuncionais, na prática, existiram
inúmeros empecilhos para que funcionassem de modo adequado. O
quadro real das escolas brasileiras apresentava e ainda apresenta
dificuldades que vão desde o espaço físico disponível para a implantação
dessas salas até a disposição de profissionais preparados para desenvolver
o trabalho proposto.

Na verdade, passados 26 anos do Encontro de Salamanca, ainda há


muitas questões a serem resolvidas, contudo, é preciso que
reconheçamos que as mudanças são evidentes. Nos dias de hoje é
comum entrarmos em uma escola pública ou privada e nos depararmos
com crianças, adolescentes e jovens com deficiência incluídos sem
qualquer tipo de segregação.

Isso também é uma realidade no ensino superior. Aqui mesmo na


Universidade Católica de Pernambuco há muitos estudantes cursando,
inclusive a pós-graduação. Certamente, essas pessoas tiveram a chance de
escolaridade básica, em face das mudanças no sistema de ensino brasileiro.

A consequência desse processo é que também o mercado de trabalho


passou a incluir os deficientes em suas demandas. Essa, de certo, foi uma
iniciativa que adveio das leis que apoiam as empresas que aderem ao
programa de inclusão. Na esfera pública, os concursos passaram a
reservar uma cota de vagas para deficientes.

Aliadas a esse processo, e de forma mais acirrada, incluíram-se outras


discussões sobre grupos de pessoas discriminadas pela sociedade como é
o caso dos negros, das mulheres, dos homossexuais, dos idosos etc.

Agora, faço a vocês um desafio:

• Será que essas propostas do encontro de Salamanca, passados quase 30


anos, foram totalmente concretizadas?
• Como é, na prática, a vida de pessoas com deficiência que você

Universidade Católica de Pernambuco


conhece? Talvez você mesmo/a tenha algum tipo de deficiência e saiba
responder muito bem a essa questão.
• Em termos de estrutura física (acessibilidade), nosso país está
avançando no processo de inclusão?
• Você tem conhecimento de algum/a colega em seu curso a distância
que necessite de algum auxílio especial?
• Você já presenciou alguma situação em que a pessoa com deficiência
teve dificuldade em ser incluída?
• Você já pensou que as Paraolimpíadas poderiam ser apenas uma
modalidade das Olimpíadas, em vez de estar separada?
• O que você pessoalmente gostaria que fosse feito em prol da inclusão
de pessoas com deficiência na sociedade em geral?

27
Síntese da Unidade

Nessa etapa de estudo, vimos que as pessoas com deficiência, ao longo


do tempo, foram vistas de diferentes formas. Durante muitos séculos, a
vida das pessoas com deficiência foi marcada pelos maus tratos,
abandono e vergonha por parte de seus familiares e da sociedade em
geral.

Esse quadro permanece, sem qualquer perspectiva de mudança até


meados do século XIX, quando se inaugura uma nova concepção de que
as pessoas com deficiências eram doentes e que necessitavam de
tratamento. Interessante que essa ideia perdura até os dias hoje, em
alguns casos. É comum ouvir alguém dizer, por exemplo, que fulano/a é
doente, referindo-se à deficiência da pessoa.
Com isso, foram criados institutos e escolas (já bem mais adiante, em
meados do século XX) chamadas especiais. Essas instituições, geralmente
providas pelo estado ou por iniciativas de caridade, desenvolviam terapias
e processos de aprendizagem especiais para os deficientes. Na história, há
relatos de que diversas pessoas iam parar em manicômios, muitas porque
apresentavam somente “um retardo mental”, o que chamaríamos hoje de
déficit intelectual.

Apenas no final do século XX, anos 90, a partir de estudos e pesquisas,


sobretudo, na área psicossocial, inaugura-se o processo de inclusão. O
marco fundamental da mudança foi um encontro de vários especialistas
na cidade de Salamanca, na Espanha, em 1994.

Nesse encontro, foi instituída uma série de propostas que deveriam ser
seguidas no sentido de promover a educação inclusiva nos países
pertencentes a ONU. O resultado, após 26 anos, pode-se considerar como
positivo, tendo em vista que a inclusão passou a fazer parte da pauta de
discussões, não somente no âmbito escolar, mas em outras esferas
sociais.

Acho que todos nós concordamos que ainda há muito que ser feito nessa
direção. É preciso que haja uma ampliação tanto das ideias como da
prática inclusiva. Todavia, penso que é na educação que se constroem as
bases da mudança social.

Na próxima unidade, discutiremos as relações entre os estudantes com


Educação e Práticas Inclusivas

deficiência e seus pares. Família, escola, terapeutas e colegas de escola ou


faculdade são partícipes do processo de inclusão e, por isso, devem ser
identificados nesses nossos estudos.

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Referências

MANTOAN, Maria Teresa Eglér. Inclusão Escolar (recurso eletrônico) – O que é? Como fazer?
São Paulo, Summus, 2015.

RAMOS, Rossana. Passos para a inclusão. São Paulo, Cortez Editora, 2005.

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