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MUSICALIZAÇÃO E RECICLAGEM NA EDUCAÇÃO NÃO-FORMAL: UMA

NOVA FORMA DE SE VER O LIXO

Daniela Gonçalves Sales1


Cleudet de Assis Scherer2

Introdução

O presente texto tem como objetivo, apresentar os resultados obtidos na Prática


de Estágio Supervisionado II do curso de Pedagogia da Faculdade Estadual de Ciências
e Letras de Campo Mourão (FECILCAM), na modalidade Educação Não-Formal,
Realizada em um Centro de Integração, que atende crianças do Programa de
Erradicação do Trabalho Infantil (PETI), localizado no município de Terra Boa, PR, em
uma turma, composta por 16 meninas, entre 7 e 10 anos de idade.
Por meio de observações realizadas no Centro de Integração, notamos que ainda
não existia um trabalho relacionado à conscientização ambiental, principalmente se
tratando de reciclagem, bem como, possibilidades de utilizar o lixo reciclável na
confecção de materiais pedagógicos, como por exemplo, os instrumentos musicais. A
música é somente utilizada nesta instituição, em aulas semanais de violão, não
atribuindo, dessa maneira, importância a seus conteúdos na formação das crianças, que
são atendidos pelo centro. É importante ressaltar, que a presença da música na vida dos
seres humanos acompanha a história da humanidade, e por isso, deve ser compreendida
e apreciada. Está presente em todas as culturas, em todas as épocas, e de várias formas,
exercendo várias funções dentro da sociedade. Nessa perspectiva, segundo pesquisas de
Jeandot (1997), Scherer (2007, 2010), a música, é uma das mais importantes formas de
comunicação, uma vez que, possibilita o trabalho em grupo, favorece a socialização,
bem como auxilia no desenvolvimento integral da criança.

1
Graduanda do curso de Pedagogia da Faculdade Estadual de Ciências e Letras de Campo Mourão-
FECILCAM.
2
Mestre em Educação pela Universidade Estadual de Maringá- UEM e Professora do Departamento de
Pedagogia da Faculdade Estadual de Ciências e Letras de Campo Mourão- FECILCAM.
Discutiremos, no decorrer deste artigo, primeiramente, o contexto histórico que
permeou a Educação Não-Formal com base nos estudos feitos por Gohn (2001). Na
sequência, falaremos sobre a importância da reciclagem e da musicalização,
relacionando-as a nossa prática pedagógica.

Musicalização e Reciclagem na Educação Não-Formal: uma nova forma de se ver


o lixo

A educação atualmente tem sido considerada uns dos caminhos para enfrentar os
novos desafios existentes na sociedade, como a globalização e o avanço tecnológico.
Também é conclamada para superar a miséria, a exclusão e a desigualdade social, ao
promover supostamente, dessa forma, o acesso de todos a uma sociedade mais justa e
igualitária.
Segundo Gohn (2001), é possível observar neste contexto, a ampliação do
conceito de educação, tal prática não mais se restringe aos processos de ensino e
aprendizagem no interior da sala de aula, se torna comum a busca pelo saber fora das
instituições escolares formais. Como consequência dessas ações, um novo campo da
educação se desenvolve: A educação não-formal, que segundo a autora,

[...] aborda processos educativos que ocorrem fora das escolas, em


processos organizativos da sociedade civil, ao redor de ações coletivas
do chamado terceiro setor da sociedade, abrangendo movimentos
sociais, organizações não-governamentais e outras entidades sem fins
lucrativos que atuam na área social; ou processos educacionais, frutos
da articulação das escolas com a comunidade educativa, via
conselhos, colegiados etc (GOHN, 2001, p. 5).

No entanto, até meados dos anos 80 do século XX, a educação não-formal era
um campo de menor importância no Brasil, isso porque todas as atenções sempre
estiveram voltadas para a educação formal, realizada em instituições escolares. A
educação não-formal era vista apenas como uma extensão da educação formal, uma vez
que, na maioria das vezes, os objetivos eram apenas a compreensão da leitura e da
escrita.
Segundo Gohn (2001), a partir dos anos 90 à educação não-formal passou a ter
um papel de destaque na sociedade, devido às mudanças que ocorreram na economia e
no mundo do trabalho. Os processos de aprendizagem em grupos começaram a ser
valorizados e iniciou-se o debate a respeito de “uma nova cultura organizacional que,
em geral, exige a aprendizagem de habilidades extra-escolares” (GOHN, 2001, p 92).
Por outro lado, não foram somente as mudanças na economia que configuraram
um novo campo para a educação não-formal. Agências internacionais como a ONU
(Organização das Nações Unidas) e a UNESCO (Organização das Nações Unidas para
Educação, Ciência e Cultura), e alguns estudiosos também contribuíram para tal
desenvolvimento. Foram elaborados dois documentos em uma conferência realizada na
Tailândia, denominados “Declaração mundial sobre educação para todos” e “Plano de
ação para satisfazer necessidades básicas da aprendizagem”. Desse modo, um quadro de
novas possibilidades de trabalho foi delineado a área da educação,

A partir da definição de necessidades básicas da aprendizagem, vistas


como “ferramentas essenciais para a aprendizagem” e de seus novos
“conteúdos básicos”, abrangendo, além dos conteúdos teóricos e
práticos, valores e atitudes para viver e sobreviver, e a desenvolver a
capacidade humana, os documentos da conferência ampliam o campo
da educação para outras dimensões além da escola (GOHN, 2001, p.
93).

Tais documentos enfatizam a necessidade de mudanças, adquirindo uma visão


ampliada da educação e propondo inovação às práticas existentes e utilização de
recursos para universalizar o acesso à educação, com vistas a fomentar a equidade.
Ao levar em consideração tais pressupostos, é possível afirmar que, segundo a
autora, na educação não-formal “a cidadania é o objetivo principal, e ela é pensada em
termos coletivos” (GOHN, 2001, p. 102). Ou seja, um dos pressupostos básicos da
educação não-formal é que a aprendizagem é realizada por meio da prática social, sendo
que, a experiência das pessoas que irá gerar o aprendizado e as ações entre os indivíduos
é o ponto de partida para a aquisição de novos saberes.
Conforme a autora, os espaços nos quais se desenvolvem as atividades de
educação não-formal são muitos; como as associações de bairro, as organizações que
estruturam e coordenam os movimentos sociais, os espaços culturais, as igrejas, os
sindicatos, as organizações não-governamentais, os espaços interativos da sociedade
educativa, entre outros. Entretanto, o importante a ser destacado, é que independente do
espaço no qual se realize a prática da educação não-formal, esta sempre terá um caráter
coletivo,
Passa por um processo de ação grupal, é vivida como práxis concreta
de um grupo, ainda que o resultado do que se aprende seja absorvido
individualmente. O processo ocorre a partir de relações sociais,
mediadas por agentes assessores, e é profundamente marcado por
elementos de intersubjetividade à medida que os mediadores
desempenham o papel de comunicadores (GOHN, 2001, p. 104).

A educação não-formal, assim como a educação no interior das instituições


escolares, deve contribuir acima de tudo, para o desenvolvimento de capacidades para
atuar e pensar de forma criativa, inovadora e crítica dentro da sociedade. A educação de
uma forma geral deve unir a formação para a cidadania, bem como, preparar os
indivíduos para a vida.
Dessa forma, ao trabalharmos com a educação não-formal, devemos considerar
temas sociais relevantes, que despertem a criticidade, e a autoconsciência. Nessa
perspectiva, a música e a reciclagem, podem contribuir para esse desenvolvimento, uma
vez que articulados promovem grande sociabilidade, alem de despertar o gosto pela arte
musical, bem como ao consumo consciente.
Nesse sentido, iniciamos a nossa prática primeiramente com observações, com o
intuito de conhecer a rotina, os funcionários, e o próprio cotidiano da escola, bem como
o perfil das crianças que são atendidas pela instituição. Em conversas com a
coordenadora, surgiu uma proposta de tema, o qual já fazia parte do planejamento do
centro, que foi a reciclagem. Optamos por agregar a este conteúdo a musicalização, uma
vez que, o seu processo de aprendizagem não se restringe no âmbito de instituições
destinadas ao ensino da música, mas envolve contextos socioculturais mais amplos. A
música normalmente está presente em diversas manifestações da cultura popular,
envolvendo seus participantes, seja por meio dos cantos entoados pela coletividade dos
participantes, seja pelo acompanhamento com instrumentos de percussão. Nesse
contexto, como trabalharíamos formas de reutilização de material reciclável trouxemos
também a confecção de instrumentos musicais. Isso sem deixar de lado as qualidades de
som, as formas de produção sonora, enfim, todas as variedades de trabalho com a
música no cotidiano da criança. Levando em consideração que esses aspectos não são
salientados no dia a dia do centro, isso porque as aulas de música são direcionadas,
como por exemplo, o ensino de violão.
Dessa maneira, tivemos como principal objetivo levar a criança a despertar um
senso crítico, perante o consumo consciente, bem como a preservação ambiental. Ao
evitar jogar lixo na rua, em terrenos baldios, como também a separação e reciclagem do
lixo. E ao articularmos os estudos com a música, visamos o desenvolvimento da
criança. Já que, a música é um importante instrumento no desenvolvimento do ser
humano, uma vez que, por meio dela funções psíquicas, orgânicas e sociais podem ser
aprimoradas, bem como, a socialização.
Para isto, utilizamos como metodologia, a abordagem Histórico-Cultural,
proposta por Vygotsky e seus colaboradores, a qual afirma que o desenvolvimento
humano tem sua origem nas relações sociais e é influenciado histórico e culturalmente.
Aponta também para o professor como mediador da relação do aluno com o
conhecimento, no caso do estágio, o conhecimento voltado para a musicalização e a
reciclagem.
No primeiro encontro, tivemos como objetivo fazer uma sondagem, do que o
grupo já conhecia sobre reciclagem. Para isso, ao entrarmos na sala de aula jogamos
embalagens plásticas, CDs antigos, jornais e revistas velhas, para verificarmos qual
seria a reação das crianças. Como já esperávamos ficaram espantadas, não sabendo o
que estava acontecendo, e logo falaram “que isso professora?”, a partir desse
questionamento, ao invés de respondermos a questão, lançamos outra pergunta: que
destino eles poderiam dar para aquele lixo que estava jogado chão? Muitos responderam
que apenas jogariam no lixo, outros falaram que poderiam reutilizá-lo, como por
exemplo, “como uma latinha de margarina poderia ser usada como um potinho para
guardar alimentos na geladeira”. Depois dessa reflexão, perguntamos o que elas
entendiam por reciclagem, algumas crianças responderam que “era jogar o lixo no lixo,
e separar o que era reciclável do que não era” outros complementaram a idéia dizendo
que o lixo deveria ser jogado em latões que correspondessem ao material, ou melhor,
cada tipo de lixo em sua respectiva cor.
Com base nessas considerações, durante os outros encontros buscamos refletir
sobre a importância da reciclagem para o meio ambiente, bem como, maneiras de se
trabalhar com cada tipo de lixo produzido que pode ser reciclado, ou melhor,
reutilizado, como papel, plástico, vidro, metal, além de lixo orgânico que como eles
mesmos disseram “serve como lavagem para porcos”, ou até mesmo adubo para as
plantas.
Quando trabalhamos com o papel, expusemos por meio de material impresso
como o processo de reciclagem é feito normalmente por indústrias ou oficinas de
artesanato, levantando possibilidades de que maneira poderíamos fazê-lo em sala de
aula. No entanto, ao conhecer esse processo, e analisar que ele não era tão simples como
parecia, muitas crianças se sensibilizaram, dizendo que iriam reaproveitar melhor o
papel, até mesmo com relação ao desperdício. Depois de toda a explicação sobre a
reciclagem do papel, propusemos ao grupo que dessem ideias do que poderíamos fazer
com jornal velho, logo responderam, “ah professora, dá pra fazer aviãozinho,
barquinho, chapéu de soldado”, vimos então que elas conseguiram destinar o papel
usado para confeccionar algum tipo de divertimento. Porém, sugerimos algo novo, que
pudesse durar bastante tempo, e que poderia ser feito de papel. As crianças ficaram
curiosas, logo mostramos que poderíamos confeccionar uma rosa feita com rolinhos de
jornal antigo e que após a impermeabilização com verniz poderia ser usada como
aparador de panelas. Todas realizaram a atividade com dedicação e cuidado,
demonstrando vontade de aprender e conscientes da importância da reutilização desse
material.
Da mesma forma, explicamos o processo de reciclagem dos plásticos, no
entanto, o que nos chamou mais atenção foi o fato de que as crianças não davam tanta
importância à reutilização de plásticos, até que mostramos possibilidades de trabalhos
feitos com plásticos recicláveis como: bolsas, porta retratos, utensílios de decoração,
entre outros. Explicamos que a matéria prima dos plásticos é o petróleo e que esse
material está presente nos diferentes produtos no setor de embalagens, como por
exemplo, nos supermercados, farmácias e boa parte do comércio. Discutimos também,
que de acordo com pesquisas, se o produto não for reciclado leva séculos para se
decompor na natureza o que causou indignação entre as crianças, e nesse momento,
ocorreu muitos questionamentos e exemplos.
Nesse mesmo direcionamento, trabalhamos com o metal e o vidro. Discutimos
com o grupo a resolução do Conselho Nacional do Meio Ambiente nº275 de 25 de abril
de 2001, que estabelece o código de cores para os diferentes tipos de resíduos,
explicamos que deve ser adotado na identificação de coletores e o significado de cada
cor, simulando na sala de aula locais com os símbolos e cores, nos quais deveriam ser
colocados os materiais reciclados levados para experiência. Observamos que a cada
encontro as crianças tornavam-se mais conscientes da necessidade da reciclagem e
ficavam curiosas para saber o que iríamos confeccionar utilizando lixo. Outro ponto
bem interessante, foi que a avó de uma das alunas, nos elogiou pelo trabalho realizado,
nos disse que ela começou a separar o lixo depois que a sua neta explicou o que tinha
aprendido nos encontros. Mostrando assim que o nosso objetivo tinha sido cumprido, o
de conscientizar as crianças a separarem o lixo reciclável.
Visto as muitas formas de reutilização de material reciclável, dissemos aos
alunos que poderíamos utilizá-lo também na música, e surgiu de novo a pergunta, “mais
como professora?” Explicamos que da mesma maneira que utilizamos o material em
confecção de objetos artesanais, também poderíamos produzir instrumentos musicais
feitos de sucata. Dissemos que antes de confeccionarmos os instrumentos precisávamos
conhecer os sons que estão a nossa volta, e saber distingui-los, pelas suas qualidades.
Desse modo, a cada novo encontro discutiríamos sobre algum aspecto do som.
A música está presente em nosso dia-a-dia, e das mais variadas formas possíveis.
Nesse sentido, conforme trabalhos de Scherer (2010) buscamos trabalhar com sons que
estão presentes na vida das crianças, como o próprio silêncio, a diferença entre sons e
ruídos, os sons do corpo, dos animais, de casa, da natureza, dos meios de transporte.
Utilizando também uma vasta quantidade de músicas, contos sonoros e brincadeiras
musicais.
Nessa perspectiva, ao trabalharmos a importância do silêncio, propusemos que
as crianças sentassem em suas cadeiras, debruçassem sobre a carteira e ficassem em
silêncio. Deveriam prestar bastante atenção nos sons que estavam a sua volta.
Conforme Jeandot (1997, p. 22), “[...] atitude mais comum é ouvir os sons e atribuir-
lhes significado. Por exemplo, alguém ouve o ronco de um veículo, e logo imagina um
carro ou um caminhão”. Nessa escuta, tivemos uma infinidade de sons ouvidos e
identificados pelas crianças, como por exemplo: o canto dos pássaros, o carro passando
na rua, a voz da professora da outra sala, o som de uma porta batendo, entre outros.
Desse modo, perceberam que existem vários tipos de sons que ocorrem a sua volta.
Para explorar mais o silêncio levamos uma brincadeira musical, intitulada “Jogo
do som e do silêncio”. No qual fizemos duas placas som sinais diferentes, [-] silêncio,
[●] som. Assim, quando apontávamos para o sinal do silêncio [-] as crianças deveriam
fazer silêncio, e quando apontávamos para o sinal do som [●] elas deveriam bater as
mãos nas carteiras, e assim por diante. Essa atividade, segundo Zimermamn (1996),
possibilita uma melhor compreensão da leitura de sinais. Tanto que participaram com
muita empolgação desse jogo, e não queriam parar de brincar. Quando mostrávamos o
sinal do som, já não batiam só as mãos nas carteiras, como também batiam os pés e
gritavam. Toda essa brincadeira se tornou muito importante para o desenvolvimento das
crianças, de modo que ao controlar o silêncio, elas também controlam seu próprio
comportamento, ou melhor, desenvolvem a disciplina e a atenção, como explica Brito,
É muito importante aprender a escutar (os sons do entorno, da rua, da
voz, do corpo, dos instrumentos musicais e da produção musical da
cultura humana), bem como desenvolver o respeito ao silêncio, para
que haja equilíbrio entre esses dois pólos complementares (som e
silêncio) (BRITO, 2003, p. 188).

Nesse sentido, continuamos nossa prática, na qual abordamos os sons e os


ruídos. Uma vez que em nosso dia-a-dia encontramos os mais variados tipos de sons.
Segundo Zimmermann (1996), uns são agradáveis, calmos, tranquilos, outros
aborrecidos, desagradáveis, dolorosos. Os sons agradáveis são chamados de musicais, e
os sons desagradáveis são chamados ruídos ou barulho. A partir dessa introdução
fizemos a seguinte pergunta: Como acontece o som, e como ele chega aos nossos
ouvidos? Para respondermos essa questão propomos uma atividade. Entregamos uma
pedra pequena para cada criança, e levamos uma bacia com água para a sala. Cada
criança jogou sua pedra na água e pode observar as ondas que formaram na água. Em
seguida, explicamos que a propagação do som acontece da mesma forma, mas que nós
não a vemos isso porque ele se propaga pelo ar. Desse modo, segundo Brito (2003), é
explorando o mundo a sua volta, que as crianças irão descobrir os sons que estão
presentes no seu dia-a-dia.
Em outro momento, exploramos os sons que nosso corpo pode produzir. Para
isto, pedimos para que as crianças sentassem em círculo, e que todos participassem. Em
sequência cada criança teria de produzir um som conforme fosse solicitado, com: mãos,
pés, boca, nariz e dedos. Porém, teria que ser um som diferente do amigo que já havia
feito. No entanto, as crianças repetiam, alegando que não conheciam outra forma de
produzir som. Observamos que a imitação é de grande importância nessa faixa etária,
como nos explica Vygotsky (1989),

No desenvolvimento da criança, [...] a imitação e o aprendizado


desempenham um papel importante. Trazendo à tona as qualidades
especificamente humanas da mente e levam a criança a novos níveis
de desenvolvimento (VYGOTSKY, 1989, p. 89).

Ou seja, mesmo imitando os adultos as crianças estão aprendendo, e desse modo


desenvolvem as funções psíquicas superiores. Portanto, mediamos algumas maneiras de
produzir sons com o corpo, ensinando novos movimentos e sons. Como afirma Brito
(2003, p. 93), “[...] música é gesto, movimento, ação. No entanto, é preciso dar às
crianças a possibilidade de desenvolver sua expressão [...]”.
Para conhecermos os sons dos animas, levamos fichas com desenhos, cada
criança teria de imitar o som do animal que estivesse em sua ficha, e os colegas da sala
teriam que adivinhar que animal era. Nesse momento, percebemos uma interação entre
as crianças, uma vez que além de imitar o som, para que os amigos adivinhassem as
crianças ainda imitavam os gestos dos animais.
Logo em seguida, mostramos que dentro da nossa casa, podemos produzir uma
infinidade de sons diferentes. Perguntamos para as crianças se elas conheciam algum
tipo de som que fosse produzido dentro de casa. Eufóricos responderam que o telefone
tinha som, o liquidificador, a batedeira de bolo, o secador de cabelos, a panela de
pressão. Para que pudessem compreender melhor, levamos colheres, garfos, xícaras,
pratos, tampas de panelas, panelas, para que cada criança pudesse explorar cada um
desses utensílios e verificar que sons poderiam produzir.
Com objetivo de que as crianças entendessem melhor, distribuímos um utensílio,
para cada criança, e juntos cantamos a canção “A Casa” de Vinicius de Moraes, na qual
todos deveriam cantar e produzir sons com os utensílios. Visto que a música é também
uma forma de linguagem, procuramos fazer com que todas as crianças cantassem como
afirma Scherer e Goulart

A fala é linguagem em ação. Sua compreensão e reprodução pela


criança dão-lhe a possibilidade de adquirir conceitos, testar o
ambiente e trocar experiências. Ela desempenha um papel muito
importante no desenvolvimento do pensamento, pois antes de
comunicar as idéias e sentimentos, ela forma e organiza esse
pensamento (SCHERER; GOULART, 2008, p. 3).

Nesse sentido, as crianças aproveitaram para expressar seus pensamentos, uma


vez que ao final desta atividade, sugerimos que cantássemos outras músicas do seu
repertório cotidiano, como por exemplo, do cantor Luan Santana. Elas cantaram e
tocaram várias músicas desse cantor. Observamos também a interação entre elas, de
maneira que se organizavam e escolhiam a mesma música para cantar, para evitar
bagunça. Segundo Brito (2003, p. 92), “é importante brincar e cantar com as crianças,
pois [...] o vínculo afetivo e prazeroso que se estabelece nos grupos em que se canta é
forte e significativo”.
Em outro momento, discutimos com o grupo que existem as qualidades do som.
Que ele pode ser fraco ou forte, alto ou baixo, grave ou agudo, curto ou longo. Uma vez
que, cada um possui a sua identidade vocal, isto é, cada um tem o seu próprio timbre, ou
seja, como esclarece Brito “[...] o timbre é a ‘cor’ do som” (BRITO, 2003, p. 19).
Explicamos que timbre é o som que nossa voz emite, quando escutamos a voz de nossa
mãe, mesmo sem vê-la já sabemos que é ela. Dessa forma, a partir do som conseguimos
identificar as pessoas, e até outros objetos ou animais que emitem sons, ou seja,
possuem seus timbres característicos. Como atividade, propusemos um desafio às
crianças, no qual iríamos cantar uma música, no entanto, teríamos três cartões de cores
diferentes cada um representando uma qualidade do som, e conforme o cartão apontado
elas teriam que emitir o som correspondente. Nessa atividade, notamos que as crianças
a princípio ficaram desorientadas, não sabiam se cantavam ou se prestavam atenção nos
cartões. Para que tivessem mais segurança, cantamos a música várias vezes para que
aprendessem e em seguida utilizamos os cartões. Essa atividade teve uma longa
duração, uma vez que, depois que haviam aprendido o jogo, não queriam parar de
cantar.
Como as crianças já haviam aprendido que, o som está presente em nosso
cotidiano, das mais variadas formas possíveis, em nossa casa, na rua, na natureza.
Explicamos que, no entanto, existem instrumentos musicais, os quais foram criados
pelos homens e se desenvolveram junto com eles em cada época, cada cultura e que
possuem suas próprias características. Conforme Brito,

A criação de instrumentos musicais – meios para a expressão sonora


– seguiu uma trajetória coerente adequada às necessidades e
possibilidades de cada povo, em cada época e lugar. De tambores
rudimentares a sofisticados aparelhos digitais, o caminho traçado
pelos seres humanos aliou os elementos disponíveis – desde a
natureza (cascos, peles, ossos e tripas de animais, troncos de árvores,
bambus, pedras, metais etc.) até a tecnologia, acompanhando a
transformação da percepção e da consciência do ser humano no
espaço-tempo (BRITO, 2003, p. 69).

Nesse sentido, com vistas a apresentar as crianças, alguns dos principais


instrumentos musicais e suas possibilidades de utilização, levamos os instrumentos em
sala, e pedimos para que as crianças os manuseassem, e conhecessem os seus sons.
Optamos por instrumentos musicais condizentes à realidade das crianças, e ao mesmo
tempo acessíveis a elas, como os instrumentos musicais de brinquedo, como violão,
pandeiro, flauta, apitos, chocalhos.
Nesse momento, voltamos ao assunto da reciclagem, depois de termos mostrado
os instrumentos, disponibilizamos vários materiais trazidos por nós e pelas alunas,
vindos da separação do lixo sobre os quais já havíamos conversado, como, garrafas pet,
latinhas de refrigerante, potes de iogurte, palitos de churrasco, caixas de sapatos, entre
outros. Como também materiais didáticos de apoio, como tesoura, cola quente, fitas
adesivas coloridas, grãos variados, tintas a base d’água. Porém, para que não ocorresse
nenhum acidente, levamos os materiais previamente cortados e modelados, dividimos a
sala em pequenos grupos, cada grupo, ficaria responsável por montar e decorar os
instrumentos que lhes fossem destinados. Passamos de grupo em grupo, ensinando a
montagem dos instrumentos e permitindo que escolhessem o tipo de som que queriam e
os grãos que deveriam utilizar para ter determinada sonoridade. As crianças ficaram
eufóricas, todas queriam participar, e, além disso, enquanto trabalhavam iam cantando,
músicas de seu dia-a-dia. Conforme nos afirma Brito,

Construir instrumentos musicais e/ou objetos sonoros é atividade que


desperta a curiosidade e o interesse das crianças. Além de contribuir
para o entendimento de questões elementares referentes à produção
do som e às suas qualidades, à acústica, ao mecanismo e ao
funcionamento dos instrumentos musicais, a construção de
instrumentos estimula a pesquisa, a imaginação, o planejamento, a
organização, a criatividade, sendo, por isso, ótimo meio para
desenvolver a capacidade de elaborar e executar projetos. É
importante sugerir idéias, apresentar modelos já prontos e também
estimular a criação de novos instrumentos musicais (BRITO, 2003, p.
69).

Desse modo, conseguimos um bom trabalho da turma na confecção dos


instrumentos. Depois de prontos fizemos uma exposição, todas foram ver o trabalho que
suas companheiras haviam realizado. Logo em seguida, propusemos que cada aluna,
escolhesse um instrumento, para tocar, e sentadas em circulo, a cada nova música
cantada, íamos trocando de instrumentos, para que todas pudessem manusear todos os
instrumentos. Elas gostaram tanto de tocar os instrumentos, uma vez que, já tinham
certo conhecimento musical, devido às aulas de violão, que começaram a tocar e cantar
outras musicas sozinhas.
Enfim, podemos afirmar que alcançamos os nossos objetivos, visto que,
conseguimos despertar o interesse das alunas por um consumo consciente, e ao mesmo
tempo pela preservação ambiental, para não jogarem lixo em lugares indevidos. E com
relação às atividades de musicalização, tivemos bastante êxito, de modo que em todas as
aulas tivemos grande participação, e observamos também que o comportamento durante
as aulas foi mudando, na medida em que prestavam mais atenção, e interagiam umas
com as outras, tanto no desempenho das atividades, como também nos momentos em
que elas próprias sugeriam músicas para que cantássemos juntas.

Considerações Finais

Com relação à prática de Estágio Supervisionado II, desenvolvido no contra


turno de um Centro de Integração, podemos dizer que a princípio foi um tanto
complicado, devido ser nossa primeira experiência na Educação Não-Formal. Apesar de
termos estagiado em outras áreas, esta nos intrigou bastante, por encontrarmos
diferentes realidades vividas pelas meninas do grupo pesquisado.
No que diz respeito às atividades desenvolvidas, observamos grande interesse da
turma, pois, participavam, interagiam, se comunicavam, bem como também
contribuíam com novas ideias, principalmente nos debates sobre reciclagem. De modo
que, até então não tinham o conhecimento das várias possibilidades de utilização do lixo
reciclável. A partir da nossa intervenção pedagógica, notamos a grande preocupação
que passaram a ter com relação à preservação ambiental, o que pudemos observar em
todos os encontros, até mesmo ao manter a sala organizada e sem lixo no chão. E
quando alguém jogava restos de materiais que estávamos utilizando no chão, eles
mesmos se policiavam e avisavam que não podíamos jogar lixo chão.
Nos nossos encontros em que tínhamos como tema a musicalização, notamos
grande empolgação principalmente nas oficinas, visto que, puderam aprimorar o
conhecimento que já possuíam das aulas de violão sobre as qualidades do som, bem
como, outros conteúdos musicais discutidos. Nos dias da confecção de instrumentos
musicais de sucata, percebemos grande interesse, já que, não conheciam estas
possibilidades e melhor ainda, podiam também confeccioná-los em suas casas,
começaram até a trocar ideias de que músicas poderiam tocar e cantar acompanhadas
pelos novos instrumentos. Cumprimos também, segundo Weiss (1998), com a
finalidade de estimular o pensamento criativo e o desenvolvimento social e emocional
do grupo de educandas, propiciados por estas atividades.
Enfim, podemos afirmar que essa prática cumpriu com nossos objetivos de,
contribuir para a conscientização da importância da reciclagem. Uma vez que, o
aproveitamento de material reciclável, em ambiente escolar, exerce uma função maior
do que se divertir e propiciar momentos de aprendizagem constitui-se também, em
aproximação entre a escola e a comunidade. O processo, que começa na sala de aula
com a apropriação do conhecimento, pode chegar aos lares, como afirma Weiss (1998,
p. 110), “a ideia do reaproveitamento de materiais descartáveis chega ao conhecimento
da família, pela criança”, essa ação, pudemos perceber, com os relatos dos familiares e
com a sua ajuda na coleta dos materiais.
Dessa forma, acreditamos ter contribuído para o desenvolvimento integral das
alunas do centro de integração, ao despertar a consciência ecológica por meio de um
melhor reaproveitamento do lixo, e também nos proporcionou um novo olhar sobre a
práxis educativa3 com vistas a nossa melhor formação como futura profissional da
educação, ao nos permitir conhecer uma nova área da realidade na qual atuaremos.

Referências

BRASIL, Resolução do Conselho Nacional do Meio Ambiente, nº275 de 25 de abril


de 2001.Brasília, DF:CONAME, 2001.

BRITO, T. A de. Música na educação infantil. 1 ed. São Paulo: Petrópolis, 2003.

GOHN, M da G. Educação Não-Formal e Cultura Política. 2 ed. São Paulo: Cortez,


2001.

JEANDOT, Nicole. Explorando o universo da musica. 2 ed. São Paulo: Scipione,


1997.

PIMENTA, S. G. O estágio na formação de professores: Unidade teoria e prática? 6ª


ed. São Paulo: Cortez, 2005.

SCHERER, C. A. GOULART, A. M. P. L. A contribuição da música no


desenvolvimento psíquico da criança. Anais do II Encontro de Produção Científica e
tecnológica, 24 a 26 de outubro de 2007. FECILCAM/NUPEM. Campo Mourão:
Gráfica Mourão, 2007. p 105-107.

SCHERER, C. A. Musicalização e desenvolvimento infantil: um estudo com crianças


de três a cinco anos. 2010. F. 166. Dissertação de Mestrado. Universidade Estadual de
Maringá- UEM, Maringá, 2010.

3
Segundo Pimenta (2005, p. 183), “entendemos o estágio não como práxis, mas como atividade teórica
[...] preparadora à práxis transformadora do futuro professor.”
VYGOTSKY, L. S. Pensamento e linguagem. 3 ed. São Paulo: Martins Fontes, 1989.

ZIMMERMANN, N. O mundo encantado da música. 2 ed. São Paulo: Paulinas,


1998.

WEISS, L. Brinquedos e engenhocas: atividades lúdicas com sucata. São Paulo:


Scipione, 1989.

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