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MESTRADO PROFISSIONAL EM ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA

GOVERNANÇA COLABORATIVA

Dinâmicas de Colaboração e Poder na Governança Pública: Uma Análise


Integrativa

Leonardo Felis Silva

Resumo:
Este ensaio teórico investiga a interação entre colaboração e poder na governança pública, articulando
uma análise integrada de seis referências bibliográficas proeminentes. Inicialmente, examina as
condições e estruturas essenciais para a implementação da governança colaborativa, ressaltando a
relevância de um design institucional propício e da predisposição dos atores ao engajamento coletivo.
Em seguida, aborda a liderança e a dinâmica dos processos colaborativos, destacando a importância
de líderes capazes de inspirar uma visão conjunta e gerir a diversidade de expectativas. O terceiro
eixo temático avalia o poder e a performance organizacional, enfatizando como a autoridade, os
recursos e a legitimidade discursiva configuram a dinâmica colaborativa. O trabalho conclui
ponderando sobre as consequências práticas para administradores públicos e a indispensabilidade da
governança colaborativa diante dos intrincados desafios do século XXI.

Palavras-chave: Governança Colaborativa. Liderança. Interorganizacional. Poder. Estratégia.

1. Introdução

A complexidade dos desafios contemporâneos na administração pública demanda uma


abordagem que ultrapasse as fronteiras tradicionais do Estado e incorpore a colaboração como um
elemento central na gestão de políticas públicas (Agranoff, 2005). A governança colaborativa emerge,
assim, como um paradigma que reconhece a interdependência entre os diversos atores sociais e a
necessidade de mecanismos que promovam a cooperação e a coordenação entre eles (Ansell & Gash,
2007). Este ensaio teórico busca explorar as nuances dessa governança, fundamentando-se em um
corpo de literatura que destaca a importância de uma abordagem inclusiva e adaptativa na resolução
de problemas complexos.

A transição para a governança colaborativa reflete uma mudança significativa na forma como
o poder é exercido e distribuído, exigindo uma análise crítica das estruturas e práticas que podem
favorecer ou desfavorecer certos atores (Purdy, 2012). A literatura sobre o tema sugere que a eficácia
da governança colaborativa depende não apenas da inclusão de múltiplas vozes, mas também do
reconhecimento e valorização de diferentes formas de conhecimento e perspectivas (Van Assche,
Beunen & Duineveld, 2012).

Autores como Emerson, Nabatchi e Balogh (2011) contribuem para essa discussão ao propor
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um framework integrativo para a governança colaborativa, que destaca a importância das condições
iniciais, do design institucional, da liderança e da dinâmica do processo colaborativo. Esses elementos
são cruciais para entender como se constroem e se mantêm as parcerias estratégicas necessárias para
enfrentar os desafios interorganizacionais (Conteh, 2013).

A compreensão do poder em processos colaborativos é ampliada pela análise de Purdy (2012),


que identifica autoridade, recursos e legitimidade discursiva como dimensões-chave para avaliar como
o poder é exercido e distribuído. Essa perspectiva é complementada pelo estudo de Van Assche e
colaboradores (2012), que demonstram como as narrativas de sucesso e fracasso são construídas e
utilizadas para legitimar ou deslegitimar práticas de governança.

Nos eixos temáticos que se seguem, será realizada uma análise detalhada das condições e
estruturas para a governança colaborativa, da liderança e dinâmica dos processos colaborativos, e da
avaliação de poder e performance em contextos interorganizacionais. Através dessa análise, o ensaio
visa oferecer uma visão abrangente sobre como a governança colaborativa pode ser efetivamente
implementada e quais são as implicações para a prática administrativa no contexto atual.

2. Condições e Estruturas para Governança Colaborativa

A governança colaborativa é um conceito multifacetado que se apoia em condições e estruturas


específicas para sua efetiva implementação. Emerson, Nabatchi e Balogh (2011) destacam que as
condições iniciais, como a história de interações entre os participantes e os incentivos para a
colaboração, são fundamentais para estabelecer o terreno sobre o qual o processo colaborativo será
construído. Essas condições iniciais podem determinar a disposição dos atores em se engajar no
processo e a sua capacidade de alcançar resultados efetivos.

O design institucional é outro componente crítico identificado por Emerson, Nabatchi e Balogh
(2011) como essencial para a governança colaborativa. Este se refere às regras e procedimentos que
estruturam a interação entre os participantes, estabelecendo um quadro de referência para a tomada de
decisões e a coordenação de ações. Um design institucional bem-concebido pode facilitar a
colaboração ao criar um ambiente propício para o diálogo e a negociação, além de fornecer
mecanismos para a resolução de conflitos.

A liderança é um fator crucial para manter o engajamento e direcionar o processo colaborativo.

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Segundo Ansell e Gash (2007), a liderança eficaz em contextos colaborativos envolve a capacidade de
articular uma visão compartilhada, mobilizar recursos e coordenar ações entre os participantes. Líderes
com essas habilidades são capazes de sustentar o processo colaborativo, mesmo diante de desafios e
incertezas, e garantir que o grupo permaneça focado nos objetivos comuns.

A dinâmica do processo colaborativo, influenciada pela construção de confiança e


comprometimento entre os atores, é um aspecto dinâmico que requer atenção contínua (Emerson,
Nabatchi & Balogh, 2011). A confiança é um elemento-chave que permite aos participantes
compartilhar informações, assumir riscos e investir em relações de longo prazo. O comprometimento,
por sua vez, é demonstrado pelo envolvimento ativo e pela disposição dos atores em contribuir para o
sucesso coletivo.

Além dessas variáveis principais, a contextualização da governança colaborativa em relação


ao sistema mais amplo é necessária para entender como a cooperação interorganizacional pode ser
estrategicamente implementada e gerenciada em ambientes complexos (Emerson, Nabatchi & Balogh,
2011). Isso envolve a análise do contexto político, econômico e social no qual a governança
colaborativa está inserida, bem como a compreensão das dinâmicas de poder e influência que podem
afetar o processo.

A governança colaborativa requer uma abordagem adaptativa que reconheça a natureza fluida
e emergente dos problemas enfrentados. Agranoff (2005) argumenta que a gestão da colaboração deve
ser capaz de se adaptar às mudanças nas condições e nas necessidades dos stakeholders, o que implica
uma disposição para aprender e inovar. A flexibilidade e a resiliência são, portanto, qualidades
indispensáveis para as estruturas de governança colaborativa que buscam ser efetivas e sustentáveis a
longo prazo.

3. Liderança e Dinâmica de Processos Colaborativos

A liderança desempenha um papel vital na governança colaborativa, sendo responsável por


catalisar e sustentar o engajamento dos participantes ao longo do processo. Conforme Emerson,
Nabatchi e Balogh (2011) ressaltam, a liderança efetiva é crucial para manter o foco e a energia do
grupo, bem como para direcionar os esforços coletivos em direção aos objetivos compartilhados.
Líderes em contextos colaborativos devem, portanto, possuir habilidades interpessoais e políticas para
facilitar a interação entre os atores e para navegar nas complexidades do processo.
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A dinâmica de processo colaborativo é caracterizada por uma série de interações que são
moldadas pela construção de confiança e comprometimento entre os participantes (Emerson, Nabatchi
& Balogh, 2011). A confiança, em particular, é um recurso intangível que se acumula ao longo do
tempo e que é essencial para a cooperação efetiva. Sem confiança, os atores podem hesitar em
compartilhar informações e recursos ou em se comprometer plenamente com as decisões coletivas.

O comprometimento dos participantes é outro componente crítico para a dinâmica do processo


colaborativo. Ansell e Gash (2007) observam que o comprometimento se manifesta quando os atores
estão dispostos a investir tempo, recursos e energia no processo colaborativo. Esse comprometimento
é frequentemente um reflexo da percepção de que os benefícios da colaboração superam os custos e
que há um valor agregado na busca de soluções conjuntas.

A liderança na governança colaborativa também envolve a capacidade de gerenciar a


diversidade de expectativas e a potencial divergência de interesses entre os participantes. Ansell e Gash
(2007) enfatizam que líderes eficazes são aqueles que conseguem criar um ambiente de respeito mútuo
e reconhecimento das diferentes perspectivas, promovendo assim um diálogo construtivo e a busca de
um terreno comum.

Além de gerenciar as relações entre os participantes, a liderança na governança colaborativa


deve ser capaz de lidar com as mudanças no ambiente político e institucional. Ansell e Gash (2007)
sugerem que a adaptabilidade e a flexibilidade são qualidades essenciais para líderes que operam em
ambientes dinâmicos, onde as condições externas podem influenciar significativamente o curso do
processo colaborativo.

A liderança efetiva na governança colaborativa é aquela que promove a aprendizagem contínua


e a inovação dentro do grupo. Segundo Ansell e Gash (2007), a capacidade de aprender com a
experiência e de adaptar estratégias e abordagens é fundamental para o sucesso a longo prazo dos
esforços colaborativos. Líderes que incentivam a reflexão crítica e a experimentação contribuem para
a evolução do processo e para a resiliência da colaboração diante de desafios futuros.

4. Avaliação de Poder e Performance em Contextos Interorganizacionais

A avaliação de poder em contextos interorganizacionais é uma dimensão crítica para


compreender a dinâmica e a eficácia da governança colaborativa. Purdy (2012) oferece um quadro de

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avaliação de poder que considera autoridade, recursos e legitimidade discursiva como as principais
dimensões do poder em processos colaborativos. A autoridade é entendida como o direito socialmente
reconhecido de exercer julgamento e ação, muitas vezes associado a agências governamentais ou
organizações dentro de um contexto institucional.

Os recursos, conforme descritos por Purdy (2012), referem-se à posse de ativos tangíveis e
intangíveis que podem ser mobilizados para influenciar resultados. Em um ambiente
interorganizacional, os recursos podem incluir conhecimento especializado, capacidade financeira,
acesso a redes de influência e a habilidade de mobilizar apoio público ou privado, todos essenciais
para a negociação e implementação de ações colaborativas.

A legitimidade discursiva é talvez a mais sutil das três dimensões de poder e diz respeito à
capacidade de um ator de moldar o discurso e, por extensão, a percepção da realidade social e dos
problemas em questão (Purdy, 2012). A habilidade de influenciar o discurso é particularmente
relevante em contextos onde diferentes formas de conhecimento e perspectivas precisam ser integradas
para enfrentar desafios complexos.

A performance em ambientes interorganizacionais transcende a mera apresentação de


resultados, configurando-se como uma arena onde discursos e entidades disputam primazia. Van
Assche, Beunen e Duineveld (2012) sustentam que as performances de sucesso e insucesso
desempenham papéis cruciais no avanço dos propósitos de uma organização ou coalizão, na
preservação do status quo ou no estímulo à inovação e à reconfiguração das dinâmicas de poder. A
hegemonia de certos saberes ou linguagens pode influenciar significativamente a distribuição de poder,
propiciando vantagens a determinados grupos em detrimento de outros.

A análise da performance e do poder em governança colaborativa requer uma abordagem que


reconheça a complexidade e a interconexão das questões ambientais e sociais. O trabalho de Conteh
(2013) ilustra como agências públicas podem navegar com sucesso em paisagens institucionais em
constante mudança, enfatizando a adaptação e a construção de alianças estratégicas como elementos
chave para a eficácia da gestão pública em contextos interjurisdicionais e interorganizacionais.

A avaliação de poder e performance em contextos interorganizacionais é essencial para


entender os processos de governança colaborativa e para desenvolver estratégias que promovam
processos mais justos e representativos. A abordagem de Purdy (2012) e a análise de Conteh (2013)
fornecem insights valiosos para gestores públicos e formuladores de políticas que buscam melhorar a
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eficácia da administração pública e a qualidade das políticas e intervenções públicas em ambientes


complexos.

5. Considerações Finais

As considerações finais deste estudo reiteram a importância da análise de poder e performance


em contextos interorganizacionais para a compreensão e o aprimoramento da governança colaborativa.
A abordagem de Purdy (2012) ressalta que a autoridade, os recursos e a legitimidade discursiva são
dimensões fundamentais do poder que influenciam a dinâmica colaborativa e os resultados alcançados.
A avaliação dessas dimensões permite identificar como o poder é distribuído e exercido, e como ele
pode ser equilibrado para promover processos mais inclusivos e representativos.

A performance de sucesso e fracasso, conforme discutido no contexto do presente ensaio


teórico, vai além da simples descrição de resultados e se torna uma ferramenta estratégica que molda
a realidade organizacional e influencia a trajetória de desenvolvimento da governança (Van Assche,
Beunen & Duineveld, 2012). Essas narrativas são parte integrante das estratégias de
desparadoxificação e reprodução do sistema, demonstrando a relevância contínua do planejamento e
a necessidade de intervenções futuras.

A colaboração interorganizacional, destacada pelo trabalho de Conteh (2013), é cada vez mais
necessária em um mundo onde as questões ambientais e sociais são complexas e interconectadas. A
gestão estratégica contemporânea, portanto, requer uma compreensão das redes de governança e a
construção de parcerias entre agências públicas e organizações não governamentais. A cooperação
estratégica e a construção de alianças são fundamentais para a busca de objetivos organizacionais em
ambientes turbulentos.

A governança colaborativa é um processo dinâmico que exige uma avaliação contínua das
estruturas de poder e das performances organizacionais. A compreensão desses elementos é essencial
para gestores públicos e líderes que buscam promover a eficácia da administração pública e a qualidade
das intervenções políticas. As contribuições de Purdy (2012) e Conteh (2013) fornecem uma base
sólida para futuras pesquisas e práticas no campo da governança colaborativa, destacando a
necessidade de processos deliberativos que valorizem a diversidade de conhecimentos e perspectivas.

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6. Referências

AGRANOFF, Robert. Managing collaborative performance: changing the boundaries of the


State? Public Performance & Management Review. v. 29, n. 1, p. 18-45, 2005.
ANSELL, Chris; GASH, Alison. Collaborative governance in theory and practice. Journal of
Public Administration Research and Theory, v. 18, p.543–571, 2007.
CONTEH Charles. Strategic interorganizational cooperation in complex environments. Public
Management Review, v. 15, n. 4, p. 501-521, 2013.
EMERSON, Kirk; NABATCHI, Tina; BALOGH, Stephen. An integrative framework for
collaborative governance. Journal of Public Administration Research and Theory, v. 22, n. 3, p. 22–
29, 2011.
PURDY, Jill M. A framework for assessing power in collaborative governance processes. Public
Administration Review, v. 72, n. 3, p. 409-417, 2012.
VAN ASSCHE, Kristof, BEUNEN, Raoul e DUINEVELD, Martijn, Performing Success and
Failure in Governance: Dutch Planning Experiences. Public Administration, v. 90, n. 3, p. 567–
581, 2012.

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