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Países mais pobres são os mais afetados por

mudanças climáticas e poluição


por Vinícius Sayão - publicado 10/11/2017 14:20 - última modificação 12/12/2017 08:42

Lançado simultaneamente em diversos países do mundo, o relatório Lancet


Countdown de 2017 mostra dados sobre os impactos das mudanças do clima na
saúde

Apesar dos países


desenvolvidos serem, com
folga, os maiores emissores
de gases causadores de
efeito estufa, a
concentração da poluição é
maior nos países mais
pobres, segundo dados de
pesquisa internacional
divulgada pela revista
Lancet. “Os grandes
emissores de gases de
efeito estufa são o que
menos têm poluição no ar,
isso significa que temos Paulo Saldiva, diretor do IEA e professor da FMUSP
tecnologia defasada. E
onde se estuda poluição?
Onde não tem poluição. Onde tem poluição não se produz ciência”, explicou Paulo
Saldiva, diretor do IEA e professor da Faculdade de Medicina (FM) da USP, no lançamento
do relatório.
O relatório Lancet Countdown de 2017, lançado simultaneamente em diversos países do
mundo no dia 31 de outubro, é resultado do trabalho de 24 instituições acadêmicas de
ponta e agências governamentais de todos os continentes, que avaliaram os impactos
das mudanças do clima na saúde. A FM da USP sediou a atividade de lançamento no
Brasil, com a presença de uma das autoras do relatório, Sonja Ayeb-Karlsson, da United
Nations University, num encontro realizado em parceria com o IEA.
Para Saldiva, algumas indústrias perdem mercado na Europa e em outros países
desenvolvidos e buscam os países mais pobres, com suas leis mais brandas, para se
instalarem. Um exemplo é o óleo diesel, que no Brasil vem sendo discutido para ser
usado em veículos leves. “Sob a maquiagem verde, os fabricantes dizem que o diesel tem
rendimento energético melhor, você reduz emissão de gases de efeito estufa, mas
esquece que o diesel é carcinogênico”.
O mesmo acontece com a poluição urbana: a população mais
pobre é mais afetada. “A mesma nuvem de poluição que vejo
na minha janela tem efeito pior nas pessoas que menos
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podem. A concentração ambiental é um dos fatores, mas não
reflete a dose. A dose é quanto tempo a pessoa permanece
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no pior cenário. O conforto térmico, o tempo para cuidar de si
Relatório Lancet mesmo, são distintos para essas pessoas”, explicou Saldiva.
Countdown
Um dos exemplos citados por ele é o do programa “Minha
Casa, Minha Vida”, no qual todas as casas são construídas da
mesma forma: “não tem adaptação de padrão construtivo
para as condições climáticas de cada local. As casas em São Paulo e Tocantins são
iguais”.
Outra observação feita pelo professor é comparando o cigarro com a inalação de
poluição. Segundo ele, ficar duas horas no trânsito de São Paulo é equivalente a fumar
um cigarro. “Temos políticas efetivas para banir tabaco, mas não tanto de poluição do ar.
Toda cidade que melhorou a poluição do ar aumentou a expectativa, independente das
outras variáveis”.
Em São Paulo, a quantidade de área verde é adequada, segundo Saldiva. No entanto,
“onde tem verde não tem habitante e onde tem habitante não tem verde. Isso gera uma
ilha de calor urbano, que muda o regime de chuvas”. Ele explicou ainda que as chuvas
acontecem cada vez mais no centro da cidade. Outro problema é que boa parte da chuva
cai em rios poluídos, que por causa da poluição não podem ter suas águas aproveitadas.
“Vivemos um stress hídrico com a Billings cheia, o Pinheiros e o Tietê cheios, mas sem
poder usá-los”.
Relatório do Lancet e Bangladesh
The Lancet é uma revista científica sobre
medicina, sendo uma das mais antigas e
renomadas do mundo no segmento. Publicada
semanalmente no Reino Unido, teve
importante papel nas reformas de saúde
britânica desde sua fundação em 1823. O
relatório inédito da revista foi feito após cinco
anos de pesquisa sobre o aquecimento global,
as mudanças climáticas e a saúde humana.
Sonja Ayeb-Karlsson, uma das autoras,
explicou que a intenção do trabalho não era
só pesquisar para entender o que está se
passando no mundo, mas também propor e
testar soluções para proporcionar uma
qualidade de vida melhor.
Ela lembra que a mudança climática não é
algo que vai acontecer no futuro. Atualmente,
pessoas pelo mundo já estão sendo afetadas
pelo aquecimento global. E as mais afetadas
são justamente as mais vulneráveis, em países
com menos recursos.
Para Sonja, a demora em combater as
mudanças climáticas das últimas duas
décadas colocou em risco a vida humana e
seus meios de subsistência. “Em locais que
produzem a própria comida, se houver
ameaça aos seus meios de subsistência,
haverá ameaça a sua capacidade de
sobrevivência”. Segundo o relatório, a
produtividade no trabalho rural no mundo caiu
5,3% desde 2000. A estimativa é de que o
aumento de um grau Celsius na temperatura,
derruba a produção de trigo em 6% e a de Sonja Ayeb-Karlsson estudou os
arroz em 10%. efeitos de desastres naturais em
A área estudada por Sonja para o relatório foi Bangladesh
a de desastres naturais e como as pessoas
são afetadas por esses desastres, em relação à saúde. Um dos dados mostrados por ela
mostra que entre 2000 e 2016 houve um aumento de 46% na quantidade de desastres
naturais no mundo.
O foco da pesquisa da autora foi em Bangladesh. O país sofre com uma variedade de
desastres, como terremotos, tsunamis e ciclones. Este último sendo o mais recorrente
desde a década passada. Em 2007, ocorreu o Sidr, ciclone que na época foi considerado
o segundo mais potente dos últimos 130 anos a atingir o país. Após o Sidr, aconteceu
uma sucessão de ciclones: em 2009, em 2011 e depois alguns de potência menor em
2013, 2014 e 2015. “Se as pessoas não tiverem tempo de se recuperar e se reconstruir,
desastres vêm um após o outro e causam uma grande destruição”.
“A prevenção é melhor que a cura. Em Bangladesh, a maior parte dos gastos era após o
desastre e não na prevenção, que deveria instruir as pessoas sobre como evacuar, o que
fazer quando tem um desastre a caminho, onde estão os abrigos, entre outras coisas”.
A pesquisa de Sonja é ilustrada por um vídeo sobre uma família bangladesa que ela
conheceu em 2014 no país. Por causa dos desastres naturais, o grupo viu suas terras,
fundamentais para sobrevivência, serem inundadas. O vídeo com a história está disponível
no YouTube.
Fotos: Fernanda Cunha / IEA-USP
registrado em: Clima, Saúde, Mudanças Climáticas, Saúde Pública

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