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Mitos atribuídos às pessoas homossexuais e o preconceito em relação à

conjugalidade homossexual e a homoparentalidade

Mitos atribuídos às pessoas homossexuais e o preconceito


em relação à conjugalidade homossexual e a
homoparentalidade

Mariana de Oliveira Farias


Faculdade de Ciências e Letras da UNESP-Assis

Resumo: As diferentes civilizações, conforme o momento histórico e os valores


nelas vigentes, diferiram no modo como se relacionaram com a sexualidade e o
fenômeno da homossexualidade. Algumas ocorrências históricas contribuíram para
a visão que a sociedade tem hoje acerca da homossexualidade, como o
Vitorianismo, o Cristianismo e o avanço da ciência no século XIX. Nesta época,
alguns pensadores contribuíram para uma visão positiva da sexualidade como Walt
Whitman, Symonds, e Havelock Ellis e, sobretudo no século XX, movimentos
sociais lutaram pelo respeito e igualdade de direitos à orientação sexual
homossexual. Apesar de alguns avanços, ainda há estereótipos relacionados à
homossexualidade e logo, à homoparentalidade. A literatura tem exposto esses
mitos, por exemplo: 1) que os homossexuais seriam todos promíscuos; 2) que a
homossexualidade seria um distúrbio, um desvio; 3) que os homossexuais não
poderiam criar uma criança, pois ela seria “influenciada” pela homossexualidade;
4) que os homossexuais tenderiam a abusar sexualmente de crianças para
realizarem seus desejos, dentre outros. Estas crenças irrefletidas na sociedade
favorecem a discriminação e o preconceito contra as pessoas que vivenciam a
homossexualidade e dificultam uma visão positiva na sociedade e no meio jurídico
em relação à homoparentalidade e logo, sobre a adoção por homossexuais.

Palavras-chave: homoparentalidade, conjugalidade homossexual, mitos e


preconceito

1. O que determina o modo como as sociedades lidam com a sexualidade?

A sexualidade e as relações afetivas e sexuais entre pessoas do mesmo sexo foi


concebida de forma diferente em cada sociedade, dependendo do momento histórico,
valores e costumes presentes em cada civilização (Ribeiro, 2002; 2005).
A repressão sexual presente em cada cultura influencia as regras e a maneira não só
como as pessoas lidam com sua própria sexualidade, mas também como acreditam que os
outros deveriam se comportar diante desta temática. Para compreendermos melhor o

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conceito de repressão sexual, vejamos como Chauí a define: a repressão sexual é um


“Conjunto de interdições, permissões, normas, valores e regras estabelecidos histórica e
culturalmente para controlar o exercício da sexualidade” (Chauí, 1984, p. 9).
Podemos então entender que a repressão sexual indicaria os comportamentos sexuais
que seriam considerados certos ou errados numa dada cultura, numa dada época. Para
Chauí (1984), primeiramente as regras e suas conseqüências seriam exteriores ao indivíduo,
no entanto, por meio de processos sociais como, por exemplo, a educação, elas seriam
internalizadas e, caso transgredidas, se transformariam em vergonha e culpa, elementos
internos ao indivíduo.
Alguns fatores influenciaram as regras relativas à sexualidade e à homossexualidade
ao longo do tempo, como veremos.

2. O Cristianismo e a Construção do Preconceito contra os Homossexuais


Segundo Naphy (2006), nas civilizações e religiões da Antigüidade, não monoteístas,
parece que a existência de relações entre pessoas do mesmo sexo não era um fato
importante para ser notado e discutido, o importante era observar qual postura os parceiros
assumiam, tanto no âmbito social, quanto na relação. Aqueles que assumiam uma postura
ativa eram bem vistos e respeitados, enquanto aqueles que assumiam uma postura passiva
não eram dignos de admiração, independente de sua identidade sexual ou orientação sexual.
Para a autora, os representantes da religião judaica, visando ganhar força e novos fiéis,
reprovou atos utilizados nas celebrações de cultos pagãos, inclusive os relacionados à
sexualidade. As religiões politeístas tinham uma concepção mais livre sobre a sexualidade,
esta podia estar associada ao divino e ao prazer.
Para os grupos judaico e cristão, ser contrário às religiões politeístas significaria
também ser contrário a esta visão livre de sexualidade, estas religiões se tornaria uma
doutrina anti-sexual e pontos de vista anti-desejo (Trevisan, 200?).
A religião judaica teria enfatizado a prática sexual exclusiva para procriação e
reprovado diversas práticas sexuais como o incesto, a masturbação e a homossexualidade.
A censura não seria da homossexualidade em si, mas seria a censura de atos que não
assegurassem a procriação, pois buscavam o aumento do próprio grupo, de seus adeptos
(Naphy, 2006).
Para Catonné (1994), enquanto no paganismo a dicotomia residia entre atividade e
passividade, no Cristianismo, isto ocorre entre a homossexualidade desaprovada e a
heterossexualidade vista como única opção válida. E mais, segundo Dias (2006), qualquer
prática sexual realizada fora do casamento e sem fins reprodutivos seria considerado
antinatural. Surge então a grande desaprovação do Catolicismo em relação à
homossexualidade, principalmente a masculina, na qual haveria a perda do sêmen.
Segundo Brandão (2002), atualmente o Catolicismo ainda reprova a relação entre
pessoas do mesmo sexo, como podemos perceber por meio de algumas ocorrências: em
1986 o Vaticano se pronunciou contra a homossexualidade, considerando esta como um
fator extremamente negativo para a moral; em 1992 o Papa promulgou um documento

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sobre a doutrina do Catolicismo1, no qual a homossexualidade é considerada grave pecado


contra a integração saudável da sexualidade. Segundo matéria publicada em dezembro de
2008 no jornal O GLOBO, o Papa Bento XVI pronunciou-se contra políticas de igualdade
de direitos aos homossexuais, neste ano, pois considera danosa a equiparação de casais
homossexuais com os heterossexuais, visto que “viver dessa forma é contra a verdade,
contra o espírito do Criador” (Globo, 2008, s/p).
Apesar da Igreja Católica mostrar-se contra a homossexualidade, alguns fiéis já não
seguem tão rigidamente suas imposições por acreditarem que a religião não deveria
interferir tão arduamente em suas vidas particulares e por muitas vezes considerarem
algumas concepções sobre a sexualidade como inflexíveis e antiquadas. Nestes casos a
homossexualidade é encarada de forma menos preconceituosa (Figueiró, 1996; Gregersen,
1983).

3. As transformações sociais à partir do século XIX e a concepção de homossexualidade


O Racionalismo, movimento que surgiu entre os séculos XVII e XVIII, contribuiu
para que as explicações religiosas sobre a vida fossem dando espaço para as explicações
científicas. O médico passa a ser inserido no ambiente das famílias e orienta os
comportamentos considerados adequados à saúde, inclusive aqueles relativos à sexualidade
(Ribeiro, 2002).
A era Vitoriana2, movimento estabelecido como resposta ao liberalismo advindo com
o Iluminismo, já no século XIX, também contribuiu para enrijecer as regras morais
relativas à sexualidade. Exalta-se o sexo exclusivo para procriação, a mulher virgem e a
idealização da maternidade (Farias & Maia, 2009; Ribeiro, 2002; Spencer, 1996).
É nessa época, a partir do século XIX, que a sexualidade se divide entre aquela
considerada normal, isto é, cujo objetivo único é a procriação, e a sexualidade considerada
perversa, ou seja, os atos sexuais que visam o prazer e não somente a procriação. A
heterossexualidade é associada à idéia de normalidade, enquanto a homossexualidade, à
idéia de perversidade, em conformidade com o ideal presente de preservação da família e
de procriação (Figueiró, 1996, Farias & Maia, 2007).
A ciência porém, não desfez as crenças errôneas sobre a idéia existente de
sexualidade desviante, ao contrário, afirma-a e a homossexualidade passa a ser considerada
uma anomalia hereditária, uma inversão sexual que precisa de cura (Guimarães, 2007;
Spencer, 1996).
A Ciência serviu como instrumento para atribuir os problemas sociais a uma classe
considerada desajustada: bêbados, prostitutas, criminosos, imbecis, pervertidos sexuais
(dentre estes os homossexuais), crianças em orfanatos e insanos. Esta exclusão de uma

1 Este documento foi promulgado pelo Papa João Paulo II e foi chamado de “Catecismo da
Igreja Católica” (Catecismo, 2005).
2 A era Vitoriana durou de 1837 a 1901, durante o reinado da rainha Vitória, na Inglaterra
(Morais, 2004).

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classe e a justificação pela ciência serviria como forma de restabelecimento da ordem


ameaçada já que menospreza aqueles que a ameaçam (Spencer, 1996).
Apesar do preconceito contra a homossexualidade ter sido fortalecido nesta época,
algumas pessoas, ainda no século XIX, foram contra a teoria de que ela seria uma anomalia
e que existiria um modelo de papel sexual invertido em relação ao sexo biológico. Sua
atuação foi importante no início da desmitificação da homossexualidade (Spencer, 1996).
Podemos conhecer melhor a atuação destes pensadores nas palavras de Farias e Maia
(2009):

Walt Whitman, J. A. Symonds, Edward Carpenter e Havelock Ellis foram os pioneiros


em defender a relação homossexual como viril, saudável, igualitária e, possivelmente, tão
duradoura e aceitável quanto qualquer relacionamento heterossexual. Esses autores
enfatizaram a divulgação de informações e o esclarecimento adequado das autoridades, o que
muito contribuiu para mudanças no pensamento da sociedade . Para Ellis, Symonds e
Carpenter, as diferenças na sexualidade humana eram determinadas por predisposições
biológicas e era a sociedade que inibia o verdadeiro potencial humano. (Farias & Maia, 2009,
p. 46)

Sigmund Freud, já no século XX, proporcionou avanços importantes no modo como a


sexualidade era vista, como, por exemplo, o de que a sexualidade faz parte da infância e
não só da vida adulta, como se acreditava. Com relação à homossexualidade, apesar de
Freud não acreditar que esta fosse uma doença e sim uma variação no desenvolvimento
humano, seus conceitos pouco esclarecedores (fixação anal, inveja do pênis, etc) aliado ao
preconceito da época fez acreditar que sua teoria afirmasse a tese de que a
homossexualidade seria uma doença (Spencer, 1996; Roudinesco, 2003).
Mas o reconhecimento da homossexualidade como orientação sexual somente
ocorreu na década de 70, auxiliada pelo Movimento de Liberação Gay, que se iniciou de
forma mais organizada após uma batida policial em um bar gay em Nova York, em 28 de
junho de 1969, quando os policiais foram atingidos por garrafas e latas atiradas pelos
clientes enquanto estes cantavam músicas do movimento homossexual. Este dia ficou
conhecido como o Dia do Orgulho Gay e até hoje se comemora o fato com a Parada Gay
(Dias, 2006; Gregersen, 1983).
Os estudos de Michael Foucault e John Boswell, aliados ao ideal de liberação sexual
à partir de 1970, também auxiliaram na mudança do conceito da homossexualidade, que
começou a ser considerada não mais uma anomalia ou doença, mas um elemento da
sexualidade humana (Hochman, Prowler & Huston, 1995; Kaplan; Sadock & Grebb, 1997;
Roudinesco, 2003).
Algumas datas importantes ilustram esta mudança:

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conjugalidade homossexual e a homoparentalidade

19733 – a homossexualidade é retirada da categoria diagnóstica de doença pela


Associação de Psiquiatria Americana (APA) e então retirada do Diagnostic and Statistical
Manual of Mental Disorders (DSM).
1975 – A Associação Americana de Psicologia recomendou aos profissionais de saúde
mental que se desfizessem de seus preconceitos e realizassem pesquisas com as famílias
homoparentais (Dias, 2006; Hochman; Prowler & Huston, 1995; Kaplan; Sadock & Grebb,
1997; Roudinesco, 2003).
1990 – a Organização Mundial da Saúde (OMS) determinou que a homossexualidade não
deveria ser considerada doença e por isso não se deveria buscar sua cura (Farias &Maia, 2009).
1999 – Conselho Federal de Psicologia regulamenta a atividade do psicólogo sobre a
questão, afirmando que a homossexualidade não deve ser considerada doença ou perversão e
que os psicólogos devem trabalhar contra o preconceito, discriminação e atitudes homofóbicas
(CFP, 1999).

Dentre as alterações significativas, temos a alteração do termo “homossexualismo”


para “homossexualidade”, alterando o significado trazido pelo sufixo “ismo”, de doença,
para a idéia do sufixo “dade” de “modo de ser”. Estas modificações alteraram a forma
como algumas pessoas vêem a homossexualidade, no entanto, o preconceito ainda é forte e
atuante em nossa sociedade.
Ainda hoje a pessoa homossexual é vista por muitas pessoas como desajustada e
imoral. Porém, sabe-se que o fator desestabilizador não é a orientação sexual, mas o
estigma e preconceito sofrido por estas pessoas, que muitas vezes se vêem como
desajustadas e escondem suas emoções e desejos para se sentirem aceitas pelas regras
sociais e se adequarem à normatividade.
Muitas pessoas ainda consideram que a homossexualidade seria uma opção. Porém
como nos diz Castañeda (2007), a orientação sexual não pode ser escolhida nem mudada
por livre opção do sujeito, apesar de muitos falarem sobre “preferência sexual”. “Há poucas
coisas tão fortemente ancoradas na vida como a orientação sexual” (Castañeda, 2007, p.
68).
A opção reside na escolha de contar ou não para a sociedade sobre seus desejos
homossexuais, ou seja, a escolha residiria no fato de querer ou não assumir-se perante o
social, mas não haveria escolha sobre sentir ou não atração pela pessoa do mesmo sexo ou
sexo oposto.
Apesar de todos os fatores que contribuíram para uma visão estigmatizadora da
homossexualidade, também é possível observar avanços nos movimentos sociais que

3 Existem divergências quanto ao ano em que a homossexualidade deixou de ser considerada doença pela
APA, há autores que apontam para o ano de 1973 enquanto outros, o ano de 1974. Para Kaplan, Sadock e
Grebb (1997), na obra “Compêndio de Psiquiatria: ciências do comportamento e psiquiatria clínica”, o ano
corresponde a 1973, já Roudinesco (2006), em sua obra “A Família em Desordem”, e Edgar Gregersen
(1983), em seu livro “Práticas Sexuais: a história da sexualidade humana”, o ano seria 1974.

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buscam a igualdade de direitos às pessoas homossexuais. Surge neste contexto a discussão


sobre a família homoparental e a adoção por pessoas de orientação sexual homossexual.

5. Adoção por Pessoas Homossexuais: desconstruindo mitos


Ainda hoje existem mitos preconceituosos sobre a homossexualidade, devido os fatos
históricos citados.
A concepção de família estabelecida principalmente pelo Direito por meio da
Constituição Federal de 1988, apesar de ter reconhecido novas formas, ainda prevalece
arraigada a concepção de família heterossexual, o que limita a união estável entre pessoas
do mesmo sexo e a adoção homoparental de crianças e adolescentes, contribuindo para a
manutenção do preconceito em relação à homossexualidade.
Pesquisas realizadas com profissionais do meio jurídico no Brasil apontam a
existência de muitos mitos relacionados à homparentalidade e que decorrem de uma visão
estigmatizante da homossexualidade (Uziel, 2007; Farias & Maia, 2009).
Podemos conhecer melhor estes mitos, e os esclarecimentos trazidos por estudos, tal
com descrevem Farias e Maia (2009), no quadro abaixo.

MITOS ESCLARECIMENTOS: DADOS DA LITERATURA

1) “Os homossexuais são Desde a década de 1970 a homossexualidade deixou de ser


pessoas desajustadas ou sofrem considerada doença ou distúrbio, passando a ser considerada um
de distúrbios e por isso não modo de ser. Além disso, outras pessoas que não são homossexuais
poderiam criar uma criança”. podem apresentar distúrbios sem que eles tenham relação com a
orientação sexual;

2) “Os homossexuais Não há nenhum indício de que pessoas com orientação


tendem a abusar sexualmente sexual homossexual abusem mais de crianças que pessoas com
das crianças”. orientação sexual heterossexual.

3) “Se a criança for Não há relação direta entre a orientação sexual dos pais, seja
criada por homossexuais, ela esta homossexual, bissexual ou heterossexual, e a que os filhos
também será homossexual”. terão na vida adulta;

4) “A criança perderá a A criança poderá construir a noção de diferença entre os


noção de diferença entre os sexos por meio de suas relações sociais em geral; os modelos de
sexos por ser criada por dois feminino e masculino não se restringem apenas às figuras físicas de
pais ou duas mães”. pai e de mãe.

5) “É prejudicial para o Como já foi dito, os exemplos de papéis sexuais extrapolam


desenvolvimento da criança o os modelos de pai e mãe; além disso, os papéis sexuais maternos ou
contato exclusivo com apenas um paternos independem de sexo biológico e podem ser assumidos

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tipo de papel sexual: paterno ou tanto por homens quanto por mulheres, na sociedade em geral.
materno”.

6) “As crianças vão ter Não há diferenças significativas no desenvolvimento físico e


problemas em seu psicossocial entre filhos criados por pessoas gays e lésbicas e filhos
desenvolvimento” criados por pessoas heterossexuais. Além disso, possíveis
diferenças podem até ser identificadas, mas não são atribuídas às
características da orientação sexual dos cuidadores e, sim, às
condições diversas como: orgânicas, econômicas, educacionais,
sociais, etc.

7) “As crianças criadas O sofrimento diante da discriminação social em relação a


por casais homossexuais irão algum tipo de preconceito não se restringe à orientação sexual, mas
sofrer mais por terem que lidar a diversos outros fatores igualmente estigmatizantes, como raça,
sempre com a questão do etnia, deficiências, pobreza, etc.
preconceito social”

Quadro 1 – Resumo dos Mitos sobre a Homoparentalidade e seu s esclarecimentos a partir da análise
da literatura consultada. Fonte: Farias e Maia (2009, p.89- 90).

O Quadro 1 reflete os mitos encontrados em diversos estudos analisados por Farias e


Maia (2009), tanto estrangeiros quanto nacionais. Podemos perceber tanto no Quadro 1
quanto no Quadro 2 que os mitos relacionados à homoparentalidade estão relacionados não
só aos mitos sobre a homossexualidade,mas também à necessidade constante de
equiparação do padrão de normatividade heterossexual à homossexualidade.

REFERÊNCIA: Stacey, J. & Biblarz, T. J. How Does the Sexual 2001. Orientation of parents
matter? 4 In American Sociological Review, 66, 159-183. Disponível em:
www.france.qrd.org/assocs/apgl

Tema Resultados Considerações

Os comportamentos dos filhos(as) de As pesquisas sobre este


mães lésbicas são influenciados pela orientação tema ainda não apresentam
sexual destas. respostas conclusivas. Mais
estudos são necessários
Tanto meninos quanto meninas
investigando outras questões e
apresentam comportamentos relativos ao
não somente a saúde psíquica
gênero menos estereotipados socialmente
dos filhos de pais/mães
(vestimenta, brincadeiras, etc.).
Preferênci homossexuais.
a de Gênero e As meninas tendem a ter ocupações
Comportamentos profissionais menos tradicionais como ser
da Criança médica, advogada, astronauta, etc. Já os

4 Tradução livre do título: "A orientação sexual dos pais importa?". O estudo é constituído
da revisão de 21 estudos na área de Psicologia que foram realizados entre 1981 e 1998.

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da Criança meninos tendem a ser menos agressivos que os


que convivem em um modelo de família
heterossexual, mas correspondem mais às
expectativas sociais que as meninas.

Os filhos de mães homossexuais A existência de maior


relataram maior possibilidade de terem liberdade para se falar sobre
relações com alguém do mesmo sexo do que os sexualidade e vivenciar
filhos de mães heterossexuais. diferentes padrões de gênero
podem refletir na incidência de
As jovens criadas por mães lésbicas
maior número de jovens que
demonstraram maior abertura para vivenciar
relatam a possibilidade ter
sua sexualidade e foram consideradas menos
Preferênci castas que as jovens criadas por casais relações homossexuais ser filhos
a Sexual da heterossexuais. de mães lésbicas. Além disso, os
Criança aspectos biológicos e sociais
podem influenciar nesta taxa
maior, no entanto, as pesquisas
não são conclusivas.

Não existem diferenças entre filhos de A ausência de diferenças


mães homossexuais ou heterossexuais em relativas à saúde psíquica pode
relação ao ajustamento social e psíquico, como estar relacionada às habilidades
a maior incidência de transtornos de ansiedade, de pais/mães homossexuais em
depressivos e de auto-estima. ensinarem seus filhos a lidarem
com situações homofóbicas.
Saúde Os filhos de mães lésbicas apresentam
Psíquica da mais habilidades para lidar com adversidade e
Criança situações de homofobia.

Comporta As mães lésbicas se preocupam menos O maior desenvolvimento


mento dos que as mães heterossexuais com o fato de seus das habilidades das mães
pais/mães em filhos seguirem ou não os modelos sociais de lésbicas parece estar relacionado
relação aos gênero. mais ao gênero do que à
comportamentos orientação sexual, já que
As parceiras das mães lésbicas
de gênero e ao socialmente é esperado que as
apresentaram mais habilidades parentais (como
desenvolvimento mulheres se envolvam mais com
maior abertura para conversar sobre a
sexual da os filhos do que os homens. As
sexualidade da criança) e envolvimento com as
criança pesquisas nesta área ainda
crianças do que os padrastos das crianças cujas
precisam ser mais aprofundadas.
mães eram heterossexuais.

Quadro 2 – Resumo elaborado pela pesquisadora sobre os principais resultados e considerações


encontradas no estudo “A orientação sexual dos pais importa?”. Fonte: Farias e Maia (2009)

Este mitos parecem revelar não só a visão preconceituosa sobre a homossexualidade,


mas também parece enfatizar o medo da sociedade em lidar com outro tipo de padrão de
relacionamento e de educação, um padrão ainda não muito conhecido.

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conjugalidade homossexual e a homoparentalidade

Para Castañeda (2007) a aceitação social do casal homossexual está aumentando na


sociedade, porém não é a homossexualidade que está sendo aceita, ela é tolerada desde que
o modelo de relação afetivo-sexual seja o mesmo modelo ideal vigente do casal
heterossexual, monogâmica, estável, “bem-comportado”.
Percebe-se que a idéia de seguir o modelo ideal heterossexual reflete-se nos mitos em
relação à homparentalidade e nos medos de que o a homossexualidade dos pais interfira no
modelo de educação e socialização padronizada atual.
No meio jurídico, percebe-se que uma grande dificuldade neste sentido, relacionada à
adoção por pessoas homossexuais e que se refere ao conceito social e jurídico de família. A
aprovação do cadastro de adoção, principalmente do “casal” homossexual dependerá do
entendimento do juiz sobre a constituição de uma “família”.
Apesar da lei brasileira não reconhecer explicitamente a família composta pelo casal
homossexual, toda avaliação social e psicológica é realizada sobre o casal, ou seja, o meio
jurídico reconhece implicitamente a existência do casal homossexual, mas não
explicitamente. Isto pode ser um reflexo da repressão sexual e do preconceito ainda
vigente, porém novos estudos são importantes para esclarecer esta questão no atual
moimento histórico.
Segundo o Estatuto da Criança e do Adolescente, toda ação deve ser realizada
buscando o bem-estar da criança ou adolescente, por isso inclusive que existe todo o
processo de avaliação das famílias que pretendem adotar. Neste sentido, podemos
questionar se o não reconhecimento legal das famílias formadas por pais/mães
homossexuais não estaria privando o bem-estar maior da criança pois esta não sentirá que
sua família é legitimada perante a lei. Apesar das dificuldades jurídicas para adoção, é
possível perceber que em algumas comarcas já existem casos de casais homossexuais que
efetivaram a adoção, como nos estados de São Paulo, Rio de Janeiro e Rio Grande do Sul,
dentre outros.

Considerações Finais
Percebemos que as regras acerca da sexualidade sempre estiveram presentes na
História, mas nem sempre o modo de lidar com a homossexualidade foi o mesmo. Na
Antigüidade havia aprovação para a relação entre dois homens, desde que respeitadas as
regras de diferenças de status social. As religiões politeístas também lidavam de forma mais
positiva com as manifestações sexuais de forma geral. Começa-se a verificar uma mudança
no modo de olhar para a homossexualidade com o fortalecimento do Cristianismo, em que
se deveria condenar todo ato sexual que não fosse exclusivo para a procriação e dentro do
casamento. Já no século XIX a Ciência se apoderou das explicações religiosas sobre a vida
humana e justificou com teorias aqueles comportamentos considerados desviantes, ou seja,
patológicos, dentre eles a homossexualidade. Somente com a força de movimentos sociais e
de pensadores que contestavam essa visão da homossexualidade foi possível retirá-la da
categoria diagnóstica de doença, na década de 70. Todos estes fatores históricos
contribuíram para o conceito social atual de homossexualidade, ou seja, para muitas

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pessoas a homossexualidade ainda é considerada doença ou desvio. Esta visão interfere na


opinião das pessoas e de alguns profissionais do meio jurídico sobre o conceito de família
e, conseqüentemente, se duas pessoas do mesmo sexo poderiam formar uma família
adequada para a educar, criar e amar a uma criança. É possível verificar alguns avanços na
forma de compreender a família homoparental, mas ainda são poucos os casos e estudos na
área, o que contribui para a desinformação e reprodução do preconceito..
É preciso que a sociedade comece a questionar seus medos e preconceitos e conhecer
outros tipos de padrões de relacionamento, de educação, de ser pais/mães. Enfim, o
diferente não é necessariamente melhor ou pior que o padrão vigente e valorizado na
sociedade, é apenas diferente e é preciso saber lidar com ele.
Ainda há muito que se trabalhar para que as pessoas possam ser respeitadas em suas
diferenças e para que a sociedade aprenda a lidar com a diversidade. A orientação sexual
não deveria servir como forma de categorizar e excluir pessoas. Almejamos a busca de uma
sociedade mais justa, que respeite o modo de ser de cada indivíduo, desde que respeitados
os direitos e deveres em sociedade.

Farias, M. O. (2010) Myths atributed to homosexual people and the prejudice related to
homosexual conjugality and homoparenthood. Revista de Psicologia da UNESP
10(1), 104-115.

Abstract: Different civilizations, according to their historical moment and values,


differed in the way they related to sexuality and homosexuality. Some historical
occurrences, such as the Victorianism, the Christianity and the advance of Science
in the XIX century, contributed to the current view of the society about
homosexuality. In that period, some thinkers like Walt Whitman, Symonds, e
Havelock Ellis contributed to a positive view of sexuality, and, above all in the XX
century, social movements fought for respect and equal rights to the homosexual
orientation. Despite some advances, there are stereotypes related to
homosexuality, and, consequently, to homoparenthood. The literature has exposed
these myths, for instance: 1) that every homosexual would be promiscuous; 2) that
homosexuality would be a disorder, a deviation; 3) that homosexuals couldn’t raise
a child because he/she would be “influenced” by homosexuality; 4) that
homosexuals tend to sexually abuse of children to fulfill their desires, among
others. These irreflected beliefs reflected in the society favor discrimination and
prejudice against people who face the homosexuality, and cause a difficult positive
view in the society and the judicial group related to homoparenthood, and
consequently to the adoption by homosexuals.

Keywords: homoparenthood. homosexual conjugality. myths. prejudice.

Revista de Psicologia da UNESP 9(1), 2010. 113


Mitos atribuídos às pessoas homossexuais e o preconceito em relação à
conjugalidade homossexual e a homoparentalidade

Referências

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Recebido: 29 de novembro de 2009.


Aprovado: 10 de março de 2010.

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