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Curso de Graduação em História – UFC

História Contemporânea I – Professor Antonio Luiz

A existência precária dos proletários na primeira fase da industrialização

Karl Marlo (pseudônimo de Karl Georg Winkelblech) (1810-1865) – professor e


economista alemão, estudioso da indústria moderna. Elaborou um tratado histórico sobre a
revolução industrial, publicado em 1850, no qual também discorre sobre as condições
sociais dos operários. Abaixo se pode ler excertos do primeiro volume de sua obra,
intitulada Pesquisas sobre a organização do trabalho ou Sistema da economia mundial.

Os proletários constituem, de longe, a categoria mais numerosa da inteira sociedade; ela


deverá crescer ainda mais em volume por assumir, em última instância, todos os
sacrifícios da luta industrial. O proletariado, esta categoria própria dos tempos
modernos, forma o pano de fundo escuro no quadro de nossa vida social sobre o qual se
movimentam as categorias mais felizes em suas brilhantes figuras.

O mal mais próximo importante a oprimir o proletário é a total ausência de esperança de


sair de sua situação miserável. Com isso, ele forma também uma categoria fechada,
cujos limites são fixados, não por direta determinação da lei, mas sim pelo poder das
circunstâncias que apenas são condicionadas pela legislação.

Que esperança pode ter o proletário de chegar algum dia à independência social? Ele
não está em condições de adquirir os conhecimentos necessários para a direção de uma
empresa; e mesmo que estivesse, onde conseguiria o capital, não menos indispensável?
Nem mesmo a mais diligente poupança de anos a fio poderá propiciar-lhe tanto quanto
precisa para uma empresa independente; e mesmo que a ousasse com seus parcos meios,
só iria aumentar o rol das tristes vítimas da concorrência. O objetivo mais elevado que,
com poucas exceções, ele consegue alcançar será o da passagem às fileiras inferiores
dos trabalhadores qualificados. [...]

A segunda carga, ainda mais opressora, que pesa sobre o proletário, é a dureza e a
insegurança de seu emprego. Quase nunca seu emprego é objeto de sua escolha; já que a
distribuição local das fábricas obedece a uma lógica contrária à natureza, o operário é
obrigado a assumir o emprego que encontrar no lugar em que está domiciliado, pois não
pode afastar-se dele com facilidade. Nem tampouco seu trabalho é aquela atividade
voluntária e produtiva cuja execução proporciona prazer, mas sim um trabalho forçado
ao qual é motivado apenas pela fome. Conforme se sabe, a divisão do trabalho e o uso
das máquinas levaram a uma extraordinária monotonia que, entretanto, poderia ser um
ganho para o trabalhador, caso houvesse, parcialmente, um encurtamento
correspondente no tempo de trabalho; pois neste caso ser-lhe-ia fácil recuperar, através
de um maior lazer destinado à sua formação espiritual e física, o que perde pela
monotonia de sua ocupação. Entretanto, as monótonas execuções de atividades tornam-
se para o trabalhador a maior tortura, sendo obrigado a continuá-las durante 12 a 16
horas por dia. E não nos encontramos, já, num estado de desumanidade tão progredido
que o trabalho do proletário atingiu um grau de destruição de qualquer personalidade
humana? Os defensores de um sistema ocupacional fabril, de tal forma inclinados a ver
no aperfeiçoamento técnico das profissões o fruto de seus ensinamentos, esforçam-se
por nos explicar – e com razão – que presentemente nos encontramos em condições de
realizar atividades econômicas num ramo industrial com a sexta parte, um outro com a
duodécima, ainda um outro com a quinquagésima ou centésima parte do trabalho
humano empregado para o mesmo fim pelos nossos antepassados.

A aplicação realmente engenhosa que fazem desses proclamados progressos para o bem do
trabalhador consiste em que já não exigem deles, como antigamente, um trabalho de doze
horas, rico em arte manual, mas sim um de quatorze a dezesseis horas, puramente
mecânico. Sua identificação com seu sistema vai a ponto de causar-lhes admiração o fato da
limitação intelectual de trabalhadores que não se convencem desta melhoria evidente de sua
situação.

Todavia, ainda mais triste do que o esforço excessivo é, para o proletário, a circunstância de
ele não dispor de garantias nem mesmo para a continuação de tão minguada forma de
sobrevivência. [...] Ele mesmo está inteiramente sem condições para afastar a ameaça diária
da perda de sua fonte de subsistência, pois o que conseguem sua diligência e suas
poupanças contra as mudanças bruscas da indústria que hoje dele necessita e amanhã o acha
dispensável? Quem lhe confere a garantia de conservação de sua vida quando cessar a
procura por seu trabalho?
É patente, diante de tal situação, quão estraçalhada se encontra a situação do patrimônio dos
proletários. O curso irregular da indústria que, em tempos de maré vazante, os joga na mais
profunda miséria diminuindo seu número através das consequências nefastas da fome e da
privação, proporciona-lhes, em tempo de maré enchente, um salário que vai além dos
limites das primeiras necessidades; entretanto, muito raramente os proletários autênticos
fazem, em bons tempos, poupanças que, em maus tempos, os protejam contra as privações.
Todavia, em todos os ramos industriais que gozam de um processo mais regular, o número
de operários multiplicou-se de tal forma que seu salário já desceu aos limites das mais
imprescindíveis primeiras necessidades devendo aí manter-se necessariamente para sempre.
[...]

É nas cidades industriais mais opulentas que a situação dos operários é mais aflitiva, onde
centenas de milhares vivem uns ao lado dos outros, vendo-se rodeados, por todos os lados,
de riqueza e opulência. Eles moram, em geral, em quarteirões especiais que, com sua falta
de limpeza e má arquitetura, contribuem para completar o quadro de atrofiamento físico de
seus moradores. Muitos não contam com moradia própria sendo levados a refugiar-se, para
pernoite, em dormitórios alugados onde são amontoados sem consideração de idade, sexo
ou saúde. [...]

Considerando a vida de família dos proletários chega-se à conclusão de que ela dificilmente
merece este nome. Que cuidado e educação irão gozar as crianças cujos pais se encontram
ocupados com trabalho na fábrica durante doze horas ou mais? E que vida em comum
poderá haver se todos os membros da família são mantidos afastados de casa durante todo o
dia e se reúnem em suas moradas quase só para dormir? [...]

Lancemos uma vista geral sobre toda a gama de influências maléficas que assaltam a saúde
dos proletários. É fácil, então, imaginar qual sua situação fisiológica. Falta de higiene nos
primeiros anos de vida, alimentação escassa e de má qualidade, morada insalubre, vestuário
deficiente, consumo excessivo de bebidas alcoólicas, proteção insuficiente contra as
intempéries, carência de cuidados médicos e de enfermagem em geral, e, finalmente, a
ocupação precoce contribuindo para estancar seu desenvolvimento físico em idade infantil:
tais são as causas comuns de seu atrofiamento mais ou menos generalizado. Além disso,
deve-se observar que os locais de trabalho estão instalados sem nenhuma consideração em
relação à saúde dos trabalhadores e que há muitos tipos de ocupações industriais que, já em
si mesmas, são prejudiciais à saúde. [...]

Uma situação perniciosa derivada do tipo de vida dos proletários é a falta quase completa
de instrução sofrida pelas crianças. Segundo a doutrina da livre concorrência, toda pessoa
que desejar instruir-se tem o direito de se instruir, a seus custos, onde e como quiser. O
Estado não está obrigado a ministrar instrução pública ou mesmo a coagir à participação
nela; pois toda coação escolar contradiz a liberdade pessoal. As crianças gozam, segundo
esta maneira de ver, da maior liberdade pessoal quando, ao invés de irem à escola, forem
trabalhar diariamente doze horas nas fiações, deixando atrofiarem-se corpos e almas.
Encontramos em todas as nações industriais uma proporção inversa entre o
desenvolvimento da indústria e a instrução escolar. Na Alemanha esta última é ministrada
mal, na França pior e na Inglaterra pessimamente. Neste último país chega-se ao ponto de
considerar a abertura de escolas vespertinas e dominicais como um ato de benevolência.
Isso quer dizer que se impõe à juventude, esgotada do trabalho diário nas fábricas, ainda por
cima, uma determinada quantidade de horas na prisão de uma sala escolar, obrigando-a a aí
permanecer ao invés de entregar-se ao gozo tão necessário do ar livre. [...]

Examinemos, ao término de nossas considerações sobre o proletariado, sua relação para


com as outras categorias sociais, deixando de lado preconceitos de nossos tempos. Tal
exame nos revela que o proletariado representa para elas, sob outra forma naturalmente, o
que o servilismo significava para a Idade Média e a escravatura para os povos antigos. Se
quisermos comparar a sorte do autêntico proletário com a do servo, constataremos que este
último leva vantagem, sem sombra de dúvida; pois ele tem sua subsistência assegurada,
enquanto que o proletário é jogado a sua própria sorte, nada podendo seus esforços contra
as bruscas mudanças externas que decidem seu destino. O servo está amarrado à gleba; as
oficinas do empresário constituem o solo feudal conservando o proletário em amarras
indiretas. O servo só podia adquirir propriedade na medida em que o arbítrio de seu senhor
o permitia; o proletário tem o direito, certamente, de adquirir, mas este é meramente
aparente; pois faltam-lhe os meios para o fazer valer. Finalmente o demonstra a experiência
mais comum: o trabalho do servo não representava nem a metade do esforço despendido
pelo proletário, daí resultando uma maior satisfação do primeiro com a sua situação do que
a deste último. Não se trata de um exagero retórico a afirmação de que os camponeses
servis da Rússia se encontravam em situação bem mais feliz do que os proletários das
grandes nações industriais que, com tão grande presunção, se denominam as sedes da
civilização.

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