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Aula III - A Jornada do herói

Ritos de passagem
Importante destacar de saída que a “jornada do herói’ corresponde,
simbolicamente, a um momento de transição em que a humanidade não aceita
mais a interferência dos deuses em sua existência. Ainda que nos detenhamos
no contexto literário da jornada do herói dentro da mitologia grega é importante
ter em mente que essa possibilidade interpretativa é possível de ser feita e, em
alguma medida, também podemos adotá-la como possibilidade para entender a
nossa própria psiqué, dado o caráter arquetípico do herói, segundo Jung.

Quem é o herói/heroína?

De onde ele/ela vem?

Como é seu caráter e seu corpo?

Por que os heróis surgem?


Quem é o herói?

Existem diversas interpretações acerca da natureza do herói. Alguns autores o


consideram como parte da natureza divina, outros que estariam ligados aos
deuses do mundo subterrâneo, e há os que os consideram como compartilhando
das duas naturezas, tanto divina quanto humana.

Em todo caso, compreendemos que o herói partilha da natureza divina a partir


do momento que inicia sua jornada e seu nome se torna imortal. Isso faz com
que ele de fato, tenha algo em comum com as divindades.

Métron – é a medida dada Hýbris – desobediência da


pelos deuses para os métron, do limite. É a
mortais. É um limite hýbris que desencadeia a
existencial para a jornada do herói.
humanidade.
O que distingue os deuses dos heróis?

Na literatura, uma das maneiras de distinguir os heróis é tomar como


base as características dos sacrifícios feitos.

Deuses: Heróis: No holocausto a


* manhã * tarde vítima não era
* vítimas brancas * vítimas consumida porque
* altar (bomós) pretas era considerada
* vítimas * lareira, impura por ter sido
degoladas com o braseiro oferecida ao mundo
pescoço para o * degoladas dos mortos.
alto. com o pescoço
* forma de para baixo
thysía, oblação * forma:
ou seja, a melhor enaguismós,
parte era que
oferecida aos comportava o
deuses e o resto holocausto,
era consumido isto é, o
pelos consumo total
sacrificantes. da vítima pelo
fogo.
Sobre a origem do herói – não se sabe se sua origem é histórica,
mítica ou se é um arquétipo para suprir nossas deficiências
psíquicas.

O herói é expressão de um eu coletivo. O herói não é herói de si mesmo. Sua


jornada acontece para que aconteça a redenção de sua comunidade. Desse
modo, sua glória é post mortem e seu fim geralmente é trágico.

Em geral os heróis descendem de um deus ou deusa com um mortal. Podem


originar-se também de um casamento incestuoso. Há, em geral, alguma profecia
oracular que denuncia a vida do herói e este é abandonado pela sua família sendo
muito comum serem alimentados por animais. Como Páris que foi alimentado por
uma ursa.

O herói nasce com duas virtudes:


Timé – honorabilidade pessoal;
Areté – a excelência, a superioridade em relação aos outros mortais.
Momentos da “Jornada”:
A educação do herói é
Separação o momento em que ele
irá se preparar para a
Iniciação – momento em que o herói será educado. realização de suas
tarefas.
Retorno

Durante sua iniciação o herói irá passar por determinados momentos que
exigem dele ou marcam o ganho de maturidade ou de habilidades específicas
para a realização de suas tarefas. Estes “momentos” são os “ritos de
passagem”.
Importante destacar que “o mito e o rito são apenas guias e símbolos para que se
possa chegar à iluminação transcendental” cujo passo definitivo é silencioso e
individual. Como acontece com Gautama Sakiamuni. Muni = silencioso. Sakiamuni
= silencioso da tribo, da comunidade dos Sakia.

O último ponto da doutrina do Budha permanece oculto e necessariamente


silencioso.
Principais ritos de passagem:

* Corte de cabelo – era realizado no momento da entrada na Frátria - associação de


Efebia. Acontecia no 3º dia dos ritos das Apatúrias, festas cidadãos unidos pela
que duravam 3 dias e eram celebradas em homenagem a comunidade de
Zeus Phrátrios e Athená Phratria, uma festa das Frátrias. sacrífícios.
O corte de cabelo está ligado ao luto, mudança de idade ou
estado.

Em Esparta o corte de cabelo acontecia aos 12 anos e só


voltava a crescer no final da agogué – educação iniciática,
aos 30 anos. (Plutarco).

As mulheres também cortavam o cabelo às vésperas do


casamento, na “mudança de estado” para oferecer a um
herói ou heroína.

Etapas do rito: Cortar o cabelo é


- cortar = separ-se do mundo; separar-se do
- dedicar, consagrar ou sacrificar = ligar-se ao mundo profano e ligar-se ao
sagrado, a uma divindade ou demônio tornando-se seu sagrado.
parente.
* Mudança de nome

Separa o nominado de seu mundo anterior. Em geral os heróis e


os deuses tem mais de um nome, sendo sempre um deles secreto.

Conhecer o nome de algo ou de alguém é dispor dele, porque


tanto as pessoas quanto as coisas tem alma e vida, tem energia.

Apagar o nome de uma pessoa é condená-la à morte ou à


impotência.

O nome torna presente a própria coisa.


* Androginismo

Androginismo –
Andróguynos – anér, andrós (macho, viril, “homem símbolo da totalidade.
viril”).
+
Guyné – fêmea, mulher.

Projeção antropomórfica de Fanes, o ovo cósmico (unidade


fundamental), onde se confundem os opostos.

A primeira bipartição do andrógino diferenciou noite e dia, céu e


terra e é idêntico ao yin-yang, que agrega as oposições
fundamentais, dia e noite, macho e fêmea.

* Em termos, todas as divindades são andróginos porque não


precisam de parceiros para procriar.

O androginismo marca as oposições que, não


necessariamente, são sexuais.
* Travestismo

Consiste na eventual transformação, porém não uma metamorfose, no sexo


oposto, por um tempo específico.

O que existe em comum tanto no androginismo quanto no travestismo é “um


início sexualmente ambíguo e, em seguida, uma definição”.

* Hierosgámos – Núpcias sagradas.

Síntese e coramento de um andróginismo atenuado e simbólico. O


casamento representa o encontro da metade perdida. Como apresentado no
“mito do andrógino”.
* Mergulho ritual no mar –

Purificação, o herói recebe a memória da criação. Isto impede que se


esqueça de suas origens.

* Passagem pela água e pelo fogo - destituição de desejos libidinosos

* Catábase ao Hades – lugar da morte e da escuridão em que herói


chega com vida para pedir permissão ao guardião.

* Diasparagmós – despedaçamento. Seja do corpo ou de parte dele, tal


como o corte de cabelo;

* Penetração num labirinto - encontro com a escuridão da alma onde se


encontram as paixões incontroláveis afim de aniquilá-las.

* Morte do herói - toda glorificação do herói é post mortem. A partir daí


ele adquire sua glória e o arquétipo é instaurado.
A razão da existência do herói é a luta. “Os deuses não podendo
morrer, param de lutar”. (Junito Brandão).

O culto ao herói se deve à proteção que ele representa à pólis. Por


isso também era importante possuir seus restos mortais ou
estátuas, pois estes artigos compunham uma muralha espiritual que
protegia a cidade. Perder os restos mortais do herói é expor a
cidade aos inimigos.

“Um herói autêntico é, no fundo, um solitário.” (J.B.)


Este é um material de apoio que compõe a disciplina Introdução à
Filosofia ministrada pela Prfª Drª Leidiane Coimbra. Está vedado
qualquer uso desse material que não seja para fins didáticos
dentro da UFBA ou fora dela.

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