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WALL–E NA SOCIEDADE DO DESCARTE – UMA REFLEXÃO SOBRE O

CONSUMO COMO ORGANIZADOR DA VIDA

CARLA SIMONE CORRÊA MARCON (UNIVERSIDADE LUTERANA DO BRASIL),


SANDRO FACCIN BORTOLAZZO (ULBRA).

Resumo
Um robô responsável por compactar lixo deixado pelos seres humanos é o núcleo
do longa–metragem WALL–E, animação da Pixar. Este artigo procura articular
perspectivas a partir de algumas preocupações permanentes frente a uma era
movida pela instantaneidade e caracterizada pelo desperdício, consumo excessivo e
o constante descarte. O filme revela um panorama do planeta no ano de 2700,
expondo questionamentos de cunho ambiental, político, tecnológico e sociológico.
Ferramentas teórico–conceituais tomadas de Zygmunt Bauman são empregadas
neste trabalho para assinalar características da contemporaneidade diante dos
problemas enfrentados pela sociedade do efêmero, da velocidade e do espetáculo.
Para tal análise, utiliza–se o conceito de pedagogia cultural a partir de Shriley
Steinberg e Joe Kincheloe com ênfase no seu caráter pedagógico. A utilização de
um texto fílmico imerso no campo dos estudos culturais tem o intuito de apontar o
cinema como um meio para o “ensinar”. Tendo como ênfase as questões
relacionadas ao consumo e a educação, bem como suas repercussões na vida
contemporânea, a película como um instrumento pedagógico tem se mostrado um
importante artefato para pensar a formação de sujeitos na contemporaneidade.
WALL–E, além de ter sido indicado ao Oscar e levado a estatueta, traz ao público
um alerta com relação ao meio ambiente, o uso das novas tecnologias e suas
conseqüências sociais.

Palavras-chave:
Educação, Pedagogias Culturais, Sociedade de Consumidores.

WALL-E NA SOCIEDADE DO DESCARTE

- UMA REFLEXÃO SOBRE O CONSUMO COMO ORGANIZADOR DA VIDA

Carla Marcon*

csmarcon@gmail.com

Sandro Bortolazzo*

sandrobortolazzo@hotmail.com

Resumo

Um robô responsável por compactar lixo deixado pelos seres humanos é o núcleo
do longa-metragem WALL-E, animação da Pixar. Este artigo procura articular
perspectivas a partir de algumas preocupações permanentes frente a uma era
movida pela instantaneidade e caracterizada pelo desperdício, consumo excessivo e
o constante descarte. O filme revela um panorama do planeta no ano de 2700,
expondo questionamentos de cunho ambiental, político, tecnológico e sociológico.
Ferramentas teórico-conceituais tomadas de Zygmunt Bauman são empregadas
neste trabalho para assinalar características da contemporaneidade diante dos
problemas enfrentados pela sociedade do efêmero, da velocidade e do espetáculo.
Para tal análise, utiliza-se o conceito de pedagogia cultural a partir de Shriley
Steinberg e Joe Kincheloe com ênfase no seu caráter pedagógico. A utilização de
um texto fílmico imerso no campo dos estudos culturais tem o intuito de apontar o
cinema como um meio para o "ensinar". Tendo como ênfase as questões
relacionadas ao consumo e a educação, bem como suas repercussões na vida
contemporânea, a película como um instrumento pedagógico tem se mostrado um
importante artefato para pensar a formação de sujeitos na contemporaneidade.
WALL-E, além de ter sido indicado ao Oscar e levado a estatueta, traz ao público
um alerta com relação ao meio ambiente, o uso das novas tecnologias e suas
consequências sociais.

Palavras - Chave: educação, pedagogias culturais, sociedade de consumidores.

Abstract

A robot responsible for compact garbage let by human being is the heartwood of
feature film WALL-E, from Pixar production. This article search to articulate
perspectives from some permanents worries in face an era moved by instantaneity
and characterized by wastefulness, excessive consumption and the constant
discard. The movie reveals a planet panorama on year 2700, exposing
environment, politic, technologic and sociologic questions. Theoric-Conceptions
tools took from Zygmunt Bauman are invested in this work to assign
contemporaneous characteristics on faced problems in front of this ephemerality,
velocity and spectacle society. For this analysis, it's used Cultural Pedagogy
Conception from Shriley Steinberg and Joe Kincheloe with an emphasy in its
pedagogic character. The use of a filmic text immersed on Cultural Studies field has
an ntuit to point the cinema as one way to "educate". For that reason, there was an
emphasis to questions related to consumption and education, as well as their
repercussions in contemporary society, the film as a pedagogic instrument has
been shown an important artefact to think about subject's formation in
contemporaneous. WALL-E, besides to be indicated to Oscar e took the prize, has
shown the public an alert about the environment, uses of new technologies and
their consequences.

Keywords: education, cultural pedagogy, and consumption society

Introdução

Após soterrarem a Terra de lixo e poluição, os humanos são forçados a deixar o


planeta e passam a habitar uma estação espacial chamada Axion. O plano era viver
no espaço até que os robôs (deixados em solo) conseguissem eliminar toda a
sujeira. WALL-E é a última máquina remanescente deste projeto, graças ao auto-
conserto de suas peças. Ele perambula pela superfície terrestre executando a árdua
tarefa de recolher detritos.

A vida deste robô consiste em compactar o lixo e organizá-lo em grandes arranha-


céus. WALL-E é um trabalhador solitário mas também um colecionador de artefatos
descartados pelos humanos tais como um cubo mágico, um aparelho de VHS e uma
fita de seu filme favorito, Hello, Dolly! É importante deixar claro que no decorrer do
longa metragem, WALL-E acaba desenvolvendo consciência e personalidade.

Um dia, repentinamente, surge uma grande nave e, junto dela, um robô altamente
moderno chamado EVA, enviado pela Axion para examinar as condições da Terra e
vistoriar a existência de vegetação viva no solo do planeta. WALL-E, de pronto, se
apaixona por EVA, mas ela é chamada de volta à estação, (já que localiza e colhe
um broto de planta, que serve como confirmação de vida). O robozinho,
desesperado em ver sua amada sendo levada para longe, agarra-se à nave e passa
a segui-la numa corrida incansável.

O longa, de humor simples e composto por poucas falas, utiliza artifícios da


tradicional escola muda de Chaplin, não como diretiva, mas como opção de
linguagem.

Todo o passeio que se faz pelo enredo da trama fílmica pretende discutir algumas
questões que a obra apresenta. Quais suas nuances frente uma sociedade de
consumidores? Que relações estão em jogo entre uma era movida pela
instantaneidade, caracterizada pelo constante descarte e a maneira como a Terra
vem sendo tratada? São muitas as perguntas suscitadas, tanto pela relevância do
tema como por sua discussão. Ao longo da análise, procura-se articular algumas
cenas do WALL-E com imagens e debates recorrentes no cenário contemporâneo.

Portanto, este artigo propõe uma reflexão (a partir da obra WALL-E) acenando
preocupações permanentes de uma era movida por movimentos instantâneos, pelo
consumo excessivo e por um constante descarte. Néstor García Canclini, Zygmunt
Bauman e David Harvey são alguns dos autores que discorrem sobre o cenário
contemporâneo e, por isso, são empregados neste trabalho para assinalar
características desta sociedade. Como ferramenta central de análise, utiliza-se o
conceito de pedagogia cultural de Shriley Steinberg e Joe Kincheloe com ênfase no
seu aspecto pedagógico.

O cinema é visto aqui como um meio para o "ensinar". Tendo em destaque as


questões relacionadas ao consumo e a educação, a película como um instrumento
pedagógico tem se revelado um importante artefato para pensar a formação de
sujeitos na contemporaneidade.

1 Consumir, descartar e educar: o cinema como pedagogia

Com o intuito de iniciar as análises, parte-se da definição de pedagogia cultural


proposta por Steinberg e Kincheloe. Entende-se aqui pedagogias culturais como
sendo aquelas que atravessam a vida dos indivíduos para além das pedagogias
escolares tradicionais. Steinberg e Kincheloe (2001), apresentam o termo
pedagogia cultural para abranger um campo pedagógico onde o poder é organizado
e difundido, incluindo-se bibliotecas, TV, cinema, jornais, revistas, brinquedos,
propagandas, videogames, livros, esportes, etc. Dentro dessa perspectiva, estas
pedagogias, que estão além das convencionais, também apresentam um caráter
pedagógico. Isto porque são capazes de nos ensinar determinadas formas de ser,
pensar e agir.

Imersos em uma cultura imagética, somos constantemente expostos, estimulados e


convidados a inúmeros aprendizados. Assistir a um filme com a finalidade de
entreter-se ou mesmo como objeto de análise, pressupõe determinadas
aprendizagens. As técnicas de produção, filmagem e edição características do fazer
cinematográfico, bem como todo um circuito comercial e mercantil, viabiliza a
concatenação de processos significativos. São histórias contadas através de
imagens seqüenciadas que atravessam nossos sentidos e incitam a imaginação,
sonhos e fantasias.

Na obra WALL- E, o excesso de lixo fez com que a Terra se tornasse um lugar
inabitável, sujo e poluído. A sociedade da demasia produziu uma grande indústria
do descarte, da sobra, daquilo que não tem mais uso. A rotatividade e a constante
injeção de novos produtos no mercado consolidou um problema estático, imóvel e
prejudicial - o lixo urbano. Tudo em nome de uma experiência incessante de busca
do deleite e da felicidade.

O valor mais característico da sociedade de consumidores, na


verdade seu valor supremo, em relação ao qual todos os outros estão
instados a justificar seu mérito, é uma vida feliz. A sociedade de
consumidores talvez seja a única na história humana a prometer
felicidade na vida terrena, aqui e agora e a cada "agora" sucessivo.
[grifos do autor] (Bauman, 2008: 60)

WALL-E não é simplesmente um robô lixeiro capaz de selecionar peças para seu
auto-conserto. A obra cinematográfica propaga um discurso recheado de alusões às
relações interpessoais. A ambientação, a princípio, parece assumir uma harmonia
melancolicamente marcada pela solidão do protagonista, porém, o padrão artístico
exibe um empenho de cunho sociológico na trama dos personagens, a começar por
sua companheira - uma baratinha de estimação chamada Spot.

É possível observar que hoje, as relações amorosas entre humanos estão marcadas
por um individualismo crescente, onde permanecer longe fisicamente garante
segurança. As tecnologias de comunicação permitem o abastecimento de um
supermercado virtual volátil onde seria possível a escolha do (a) parceiro (a) ideal.
O terror da solidão "remete as pessoas aos computadores, enquanto o perigo
representado pelos estranhos estimula o adiamento dos encontros da vida real".
(Bauman, 2008: 24).

Os contatos físicos passam a ser desenhados pelo virtual, mediados


eletronicamente, mais seguros e com poucos riscos. Os humanos, na Axion,
dependem exclusivamente dos aparatos tecnológicos construídos em vista de sanar
necessidades e manter os habitantes afastados entre si. No filme, a afetividade
humana fica relegada às máquinas e foi eliminada da vida humana.

Um simples encostar de mãos compõe cena estranha, não habitual, à margem. O


sentido do tato é minimizado, já que não oferece, obviamente, a segurança do
distanciamento. Trata-se de uma individualidade estabelecida pelas máquinas e que
vão instituir o limite, a barreira entre o eu e o outro.

Na obra WALL-E, o distanciamento entre os habitantes da Axion revela um


ambiente impessoal, onde a tecnologia é usada como redoma de proteção e
resguardo contra os perigos frente ao próximo, ao desconhecido. O medo do
"outro", característica marcante na sociedade contemporânea justamente pela
produção dessa atmosfera tecnológica, corrobora uma aliança pessoal corrompida,
nebulosa e abandonada em face de outros espaços.

Um texto cultural fílmico, entre outras coisas, pode ajudar a enxergar e conhecer a
sociedade em que vivemos. Redes de produção significativas estão imersas dentro
de obras de ficção e contribuem para exames críticos nas diversas culturas em que
circulam. A educação fora da escola tem sido tema de ampla discussão entre
estudiosos, o que faz com que se amplie a concepção de espaço pedagógico para
além dos ambientes escolares.

2 Consumir e descartar ou descartar e consumir?

Uma montanha de lixo vem sendo produzida nas últimas décadas, fato gerado pela
constante movimentação dos artigos consumíveis, envolvidos em processos velozes
e de curta duração.

Imaginar uma forma de limpar o mundo de toda a "sujeira" resultante de práticas


que não colaboraram para a sustentabilidade do planeta é o objetivo do
personagem-robô WALL-E. A incessante jornada repetitiva do "robozinho" ilustra e,
de certa forma, dá conta de algumas questões relacionadas à sociedade de
consumo.

O conceito de consumo formulado por Canclini (2006) é entendido como um


conjunto de processos socioculturais em que se realizam o uso e a apropriação dos
produtos. E, para pensar o termo sociedade de consumidores, Bauman (2008)
garante que existe uma interpelação para com seus membros essencialmente pelo
viés consumista. Uma sociedade que avalia seus integrantes pelas capacidades e
condutas em relação ao consumo.

A constante busca pelos mais diversos artefatos está inscrita na ação de que "a
ideologia do consumo pode ser um ótimo pretexto para a produção ou
transformação das subjetividades" (Rocha et al. 2006: 19). O consumo pós-
moderno não se encontra tão somente cercado pela satisfação das necessidades,
mas envolvido em processos de identificação marcados pelo consumo dos signos e
remetendo-nos à noção de abundância. O que se observa é que os objetos a serem
consumidos estão intrinsecamente relacionados ao conforto, bem-estar, status e
deleite.

Bauman (2008) em seus escritos tem reiteradamente nos chamado a atenção para
a ênfase que se dá ao consumo em nossos tempos e também para as
transformações nos modos de consumir. O consumo, em sua obra, é delineado
como eixo das sociedades atuais, diferenciando-se de tempos regressos quando o
que interessava era a produção.

O consumo perde sua aura banal e acaba se transformando em um mecanismo


organizador das sociedades. O molde dos contornos sociais e das relações, na
perspectiva do autor, passa a ser gestado a partir da pauta de que na sociedade de
consumidores é preciso consumir e ser consumido.

Os usos e significados do espaço e do tempo acabaram se modificando com a


transição do fordismo[1] para a acumulação flexível, devido à implantação de novas
formas organizacionais e do advento de novas tecnologias. O "mundo fordista"
gerou um modelo de industrialização, de acumulação e de regulação. A engenharia
social encontrava-se orientada pela ordem e pelo impedimento da mobilidade. No
"capitalismo pesado", a produção, o capital e os trabalhadores estão fixados,
enraizados e estáveis dentro de uma rotina ordenada e sólida.

Com a aceleração generalizada dos processos de produção de artefatos e bens de


consumo, acentua-se uma volatilidade que perpassa modismos, técnicas de
produção, processos de trabalho, ideologias, valores e práticas estabelecidas. No
"capitalismo leve", o mundo se torna uma coleção infinita de possibilidades.

O mundo cheio de possibilidades é como uma mesa de bufê com


tantos pratos deliciosos que nem o mais dedicado comensal poderia
esperar provar de todos. Os comensais são consumidores, e a mais
custosa e irritante das tarefas que se pode pôr diante de um
consumidor é a necessidade de estabelecer prioridades: a
necessidade de dispensar algumas opções inexploradas e abandoná-
las. A infelicidade dos consumidores deriva do excesso e não da falta
de escolha. [grifos do autor] (Bauman, 2001: 75)

A angústia é constante devido ao grande volume de objetos à disposição e, por


isso, a possibilidade de chegar à satisfação inexiste. A regulação normativa não se
faz necessária para a vida organizada em torno do consumo, pois esta é norteada
O hedonismo
pelo desejo, pela sedução, pelo hedonismo, pela vontade, etc. é mencionado
como um dos
Na estação espacial mostrada no filme, gigantescos outdoors saúdam as novas elementos que
tendências da moda e as cores do momento. Os consumidores vorazes pela cor da norteiam a
vida
estação, ao simples apertar de um botão, mudam de azul para vermelho todas suas organizada em
vestimentas. O estar bonito, na moda, andar em sintonia, imediatamente torno do
cadenciam os habitantes da Axion, sempre antenados nos últimos produtos do consumo. É
mercado tornando-se visíveis e consumíveis. descrito como
um dos
motivos pelos
Você pode escolher o seu visual. Escolher em si, optar por algum visual não é a quais os
questão, uma vez que é isso que você deve fazer, só podendo desistir ou evitar consumidores
fazê-lo sob risco de exclusão. (Bauman, 2008: 110) desejam ser
seduzidos e
buscam a
Para Bauman (2008), o ato de consumir está indissociável da condição dos vivos, satisfação de
tornando-se imperativo e permanente. A condição real da pós-modernidade em desejos
relação ao consumo se vincula a noção da valorização do ter e não do ser. excessivos e
cada vez mais
intensos.
O envolvimento do sujeito nas relações de compra e venda o transporta para o
A sociedade do consumismo que apresenta-se de forma central nas relações sociais. "O
descarte de David ‘consumismo' chega quando o consumo assume o papel-chave que na sociedade de
Harvey refere-se à produtores era exercido pelo trabalho." [grifos do autor] (Bauman, 2008: 41)
ideia de que, na
sociedade de
consumidores, a A idéia da sociedade do descarte de David Harvey (1993) mistura-se ao conceito da
obtenção sociedade de consumidores de Zygmunt Bauman (2008), uma vez que ambas
constante de novos defendem uma superexposição às "novas tentações" como pré-requisito para a
produtos é
funcionalidade do sistema. A satisfação das necessidades não é o objetivo final,
necessária para
ratificar ou mas ao contrário, tem-se como alvo desejos excessivos e em intensidade
reelaborar crescente.
identidades. Isso
leva ao descarte
de produtos
Novas necessidades exigem novas mercadorias, que por sua vez
antigos, uma vez exigem novas necessidades e desejos; o advento do consumismo
que eles deixam de augura uma era de "obsolescência embutida" dos bens oferecidos no
produzir o mercado e assinala um aumento espetacular na indústria da remoção
encantamento de lixo. [grifos do autor] (Bauman, 2008: 45)
necessário para
continuar
circulando. Esse Bauman (2008) assegura que para o mercado seduzir é preciso consumidores que
descarte constante desejam ser seduzidos. Para estes consumidores ideais, amadurecidos, a
resulta na impossibilidade de viver de outra forma se apresentaria disfarçada como livre
produção de
depósitos de lixo. exercício da vontade. Pode-se escolher qualquer coisa entre o universo infindável
de opções disponíveis, exceto a própria opção de não escolher entre nenhuma
delas.
A questão presente na animação WALL-E nos instiga para além de: o que fazer com
os resíduos que não nos interessam mais? Ali estão questionamentos que
conduzem às práticas da sociedade de consumo.

É preciso esclarecer que o consumo não está inscrito apenas no âmbito material,
mas também de forma simbólica e abstrata. A cada encontro entre seres humanos,
os limites da soberania do consumidor se fortalecem.

A vida na Terra, de acordo com o filme WALL-E não é possível devido às intensas
ações de descarte promovidas pelos humanos. O movimento de compra e rejeição
tornou a vida insustentável no planeta, fazendo-nos questionar determinados
valores tais como necessidade, desejo, prazer. O filme também aponta problemas
relacionados a um consumo desenfreado e um descaso quanto ao meio ambiente.

O descarte aqui significa "[...] mais do que jogar fora bens produzidos, [...]
significa também ser capaz de atirar fora valores, estilos de vida, relacionamentos
estáveis, apego a coisas, edifícios, lugares, pessoas e modos adquiridos de ser e
agir." (Harvey, 1993: 230)

A necessidade de novas mercadorias para ratificar ou reelaborar identidades exige,


de forma vertiginosa, a obtenção constante de novos produtos. Por isso, o descarte
é inevitável, uma vez que o artefato não produz mais o encantamento necessário
para continuar circulando.

Os resíduos expurgados da sociedade de consumidores produzem depósitos de lixo.


Tudo isso interligado a uma lógica instantânea de adquirir, colecionar, fazer
sentido, para depois descartar e substituir.

Desta forma, um trabalho proposto com base no WALL-E não é finito em suas
interpretações e suscita tantas outras indagações que não serão exauridas neste
trabalho.

3 As marcas do bem viver

Em uma das cenas de WALL-E, o capitão da aeronave busca informações sobre a


Terra, até então desconhecida para ele. Para isto, utiliza uma espécie de
enciclopédia virtual, ferramenta que passa a revelar conteúdos sobre o planeta
(como o que significa o verbo dançar ou o que é um oceano). Porém, o modo de
apresentação é uma explosão de mídias. Nada de textos corridos e explicativos. A
tela, tal qual uma de cinema, combina imagens e sons. Uma versão enciclopédia-
espetáculo, digna de uma sociedade sempre pronta a satisfazer as necessidades de
um consumidor apressado. Através de uma compilação de imagens e sons é
possível ilustrar qualquer termo que se queira pesquisar. A tecnologia, nesse
sentido, explora elementos educacionais que apresentam-se em compasso com a
contemporaneidade.

A mesma tecnologia que informa, também auxilia. Isto é visível quando algum
habitante da Axion sofre qualquer tipo de acidente (como cair de uma cadeira
comandada eletronicamente). O dano é consertado em instantes. "Robôs-hospitais"
estão sempre em alerta para salvar e ajudar, já que na nave, qualquer tipo de
contato físico entre os humanos deve ser evitado. Uma atividade simples como cair
e levantar do chão já não é tão simples assim. Em WALL-E, os aparatos eletrônicos
passam a substituir as atividades físicas corporais, e, portanto, o caminhar, o cair,
o levantar e até mesmo o andar se tornam atividades complexas para os
tripulantes e passageiros, todos obesos e destituídos de agilidade e com as
habilidades motoras totalmente prejudicadas.

Os inúmeros estímulos da sociedade (visuais, auditivos, palatáveis) produzem uma


coletividade ambígua. Ao mesmo tempo em que carregam consigo um copo gigante
de refrigerante, também se tem na mão um estojo de maquiagem. Uma caneca de
milk-shake na mão direita e o novo relógio na esquerda. Uma comunidade como a
desses habitantes acaba produzindo consumidores obesos, mas também
consumidores de lojas e institutos de beleza. Aqui estão unidas as facilidades
tecnológicas e as possibilidades de inserção no mundo dos socialmente aceitos
através do consumo de cores, símbolos e signos. Consumidores sempre prontos
para ingerir e jogar fora, usar e descartar.

4 Algumas considerações

É com base nas análises do sociólogo Zygmunt Bauman que norteamos as


discussões deste artigo. Os conceitos relacionados à existência de uma vida para o
consumo (que acaba por transformar também as pessoas em mercadorias) nos
oferece subsídios para a análise da animação WALL-E.

Concebendo a obra como um artefato cultural, podem ser estabelecidas inúmeras


relações interligadas ao campo da educação. Um cuidado para com o corpo, o uso
indevido dos recursos naturais do planeta, o consumo e o descarte contínuo, a
impessoalidade das relações afetivas, o uso das tecnologias a serviço da
sociedade. Todas essas abordagens permitem-nos enxergar o filme de forma
critica.

Na sociedade de consumidores a oferta de objetos, sentimentos e relacionamentos


são vertiginosos e a quantidade de opções acaba por provocar um mal-estar. Na
realidade, o consumidor nunca tem a certeza de ter feito a escolha certa, ou a mais
próxima de lhe oferecer o máximo de satisfação. Aliás, a satisfação das
necessidades não é objetivo desta sociedade de consumidores.

Segundo Bauman:

Os consumidores podem estar correndo atrás de sensações - táteis,


visuais ou olfativas - agradáveis, ou atrás de delícias do paladar
prometidas pelos objetos coloridos e brilhantes expostos nas
prateleiras dos supermercados, ou atrás das sensações mais
profundas e reconfortantes prometidas por um conselheiro
especializado. (Bauman, 2008: 95)

O descarte, portanto é inevitável. Os consumidores já não se sentem culpados por


destinarem algo para o lixo uma vez que os objetos se apresentam destinadas ao
uso momentâneo. Acabam se conformando com a vida curta dos artefatos.

Estar inserido ou ainda fazer parte desta sociedade significa poder consumir o que o
mercado oferece. Porém, isto não significa que devemos ignorar os cuidados com o
planeta, a saúde, as relações pessoais e o uso das tecnologias como salvo conduto
da vida em sociedade.
Referências Bibliográficas

BAUMAN, Zygmunt. Modernidade líquida. Trad. Plínio Dentzien. Rio de Janeiro,


Zahar, 2001.

. Vida para consumo: a transformação das pessoas em mercadoria.


Trad. Carlos Alberto Medeiros. Rio de Janeiro: Zahar, 2008.

. A sociedade individualizada - vidas contadas e histórias vividas.


Trad. José Gradel. Rio de Janeiro: Zahar, 2008.

CANCLINI, Nestor Garcia. Consumidores e cidadãos: conflitos multiculturais da


globalização. 6 ed. Rio de Janeiro: Editora UFRJ, 2006.

COSTA, Marisa Vorraber. O consumismo na sociedade de consumidores. A Página


da Educação. Ano XVII, n. 183, novembro de 2008, p. 7.

. Educar-se na sociedade de consumidores. A Página da Educação.


Ano XVII, n. 184, dezembro de 2008, p. 7.

HARVEY, David. A condição pós-moderna: uma pesquisa sobre a origem da


mudança cultural. Trad. Adail Sobral e Maria Estela Gonçalves. São Paulo: Loyola,
1993.

ROCHA, Everardo; ALMEIDA, Maria Isabel Mendes de; EUGENIO, Fernanda (orgs.).
Comunicação, consumo e espaço urbano: novas sensibilidades nas culturas jovens.
Rio de Janeiro: PUC-Rio, 2006.

*Mestranda na área de Estudos Culturais em Educação (Universidade Luterana do


Brasil)

*Mestrando na área de Estudos Culturais em Educação (Universidade Luterana do


Brasil)

[1] Fordismo é um sistema produtivo baseado numa linha de montagem, tendo


como objetivo a produção industrial elevada. Esse conjunto de princípios foi criado
pelo americano Henry Ford em 1909. Sua meta principal era buscar o aumento da
produção no menor espaço de tempo, utilizando o trabalhador que reproduzia
mecanicamente a mesma ação durante todo o dia.
WALL-E NA SOCIEDADE DO DESCARTE
- UMA REFLEXÃO SOBRE O CONSUMO COMO ORGANIZADOR DA VIDA

Carla Marcon*
csmarcon@gmail.com
Sandro Bortolazzo*
sandrobortolazzo@hotmail.com

Resumo

Um robô responsável por compactar lixo deixado pelos seres humanos é o


núcleo do longa-metragem WALL-E, animação da Pixar. Este artigo procura
articular perspectivas a partir de algumas preocupações permanentes frente a
uma era movida pela instantaneidade e caracterizada pelo desperdício,
consumo excessivo e o constante descarte. O filme revela um panorama do
planeta no ano de 2700, expondo questionamentos de cunho ambiental, político,
tecnológico e sociológico. Ferramentas teórico-conceituais tomadas de Zygmunt
Bauman são empregadas neste trabalho para assinalar características da
contemporaneidade diante dos problemas enfrentados pela sociedade do
efêmero, da velocidade e do espetáculo. Para tal análise, utiliza-se o conceito de
pedagogia cultural a partir de Shriley Steinberg e Joe Kincheloe com ênfase no
seu caráter pedagógico. A utilização de um texto fílmico imerso no campo dos
estudos culturais tem o intuito de apontar o cinema como um meio para o
“ensinar”. Tendo como ênfase as questões relacionadas ao consumo e a
educação, bem como suas repercussões na vida contemporânea, a película
como um instrumento pedagógico tem se mostrado um importante artefato para
pensar a formação de sujeitos na contemporaneidade. WALL-E, além de ter sido
indicado ao Oscar e levado a estatueta, traz ao público um alerta com relação ao
meio ambiente, o uso das novas tecnologias e suas consequências sociais.

Palavras – Chave: educação, pedagogias culturais, sociedade de


consumidores.

Abstract

A robot responsible for compact garbage let by human being is the heartwood of
feature film WALL-E, from Pixar production. This article search to articulate
perspectives from some permanents worries in face an era moved by
instantaneity and characterized by wastefulness, excessive consumption and the
constant discard. The movie reveals a planet panorama on year 2700, exposing
environment, politic, technologic and sociologic questions. Theoric-Conceptions
tools took from Zygmunt Bauman are invested in this work to assign

*
Mestranda na área de Estudos Culturais em Educação (Universidade Luterana do Brasil)
*
Mestrando na área de Estudos Culturais em Educação (Universidade Luterana do Brasil)
contemporaneous characteristics on faced problems in front of this
ephemerality, velocity and spectacle society. For this analysis, it’s used Cultural
Pedagogy Conception from Shriley Steinberg and Joe Kincheloe with an
emphasy in its pedagogic character. The use of a filmic text immersed on
Cultural Studies field has an ntuit to point the cinema as one way to “educate”.
For that reason, there was an emphasis to questions related to consumption and
education, as well as their repercussions in contemporary society, the film as a
pedagogic instrument has been shown an important artefact to think about
subject’s formation in contemporaneous. WALL-E, besides to be indicated to
Oscar e took the prize, has shown the public an alert about the environment,
uses of new technologies and their consequences.

Keywords: education, cultural pedagogy, and consumption society

Introdução

Após soterrarem a Terra de lixo e poluição, os humanos são forçados a


deixar o planeta e passam a habitar uma estação espacial chamada Axion. O
plano era viver no espaço até que os robôs (deixados em solo) conseguissem
eliminar toda a sujeira. WALL-E é a última máquina remanescente deste projeto,
graças ao auto-conserto de suas peças. Ele perambula pela superfície terrestre
executando a árdua tarefa de recolher detritos.
A vida deste robô consiste em compactar o lixo e organizá-lo em
grandes arranha-céus. WALL-E é um trabalhador solitário mas também um
colecionador de artefatos descartados pelos humanos tais como um cubo
mágico, um aparelho de VHS e uma fita de seu filme favorito, Hello, Dolly! É
importante deixar claro que no decorrer do longa metragem, WALL-E acaba
desenvolvendo consciência e personalidade.
Um dia, repentinamente, surge uma grande nave e, junto dela, um robô
altamente moderno chamado EVA, enviado pela Axion para examinar as
condições da Terra e vistoriar a existência de vegetação viva no solo do planeta.
WALL-E, de pronto, se apaixona por EVA, mas ela é chamada de volta à
estação, (já que localiza e colhe um broto de planta, que serve como
confirmação de vida). O robozinho, desesperado em ver sua amada sendo
levada para longe, agarra-se a nave e passa a segui-la numa corrida incansável.
O longa, de humor simples e composto por poucas falas, utiliza artifícios
da tradicional escola muda de Chaplin, não como diretiva, mas como opção de
linguagem.
Todo o passeio que se faz pelo enredo da trama fílmica pretende discutir
algumas questões que a obra apresenta. Quais suas nuances frente uma
sociedade de consumidores? Que relações estão em jogo entre uma era movida
pela instantaneidade, caracterizada pelo constante descarte e a maneira como a
Terra vem sendo tratada? São muitas as perguntas suscitadas, tanto pela
relevância do tema como por sua discussão. Ao longo da análise, procura-se
articular algumas cenas do WALL-E com imagens e debates recorrentes no
cenário contemporâneo.
Portanto, este artigo propõe uma reflexão (a partir da obra WALL-E)
acenando preocupações permanentes de uma era movida por movimentos
instantâneos, pelo consumo excessivo e por um constante descarte. Néstor
García Canclini, Zygmunt Bauman e David Harvey são alguns dos autores que
discorrem sobre o cenário contemporâneo e, por isso, são empregados neste
trabalho para assinalar características desta sociedade. Como ferramenta
central de análise, utiliza-se o conceito de pedagogia cultural de Shriley
Steinberg e Joe Kincheloe com ênfase no seu aspecto pedagógico.
O cinema é visto aqui como um meio para o “ensinar”. Tendo em
destaque as questões relacionadas ao consumo e a educação, a película como
um instrumento pedagógico tem se revelado um importante artefato para pensar
a formação de sujeitos na contemporaneidade.

1 Consumir, descartar e educar: o cinema como pedagogia

Com o intuito de iniciar as análises, parte-se da definição de pedagogia


cultural proposta por Steinberg e Kincheloe. Entende-se aqui pedagogias
culturais como sendo aquelas que atravessam a vida dos indivíduos para além
das pedagogias escolares tradicionais. Steinberg e Kincheloe (2001),
apresentam o termo pedagogia cultural para abranger um campo pedagógico
onde o poder é organizado e difundido, incluindo-se bibliotecas, TV, cinema,
jornais, revistas, brinquedos, propagandas, videogames, livros, esportes, etc.
Dentro desta perspectiva, estas pedagogias, que estão além das convencionais,
também apresentam um caráter pedagógico. Isto porque são capazes de nos
ensinar determinadas formas de ser, pensar e agir.
Imersos em uma cultura imagética, somos constantemente expostos,
estimulados e convidados a inúmeros aprendizados. Assistir a um filme com a
finalidade de entreter-se ou mesmo como objeto de análise, pressupõe
determinadas aprendizagens. As técnicas de produção, filmagem e edição
características do fazer cinematográfico, bem como todo um circuito comercial e
mercantil, viabiliza a concatenação de processos significativos. São histórias
contadas através de imagens seqüenciadas que atravessam nossos sentidos e
incitam a imaginação, sonhos e fantasias.
Na obra WALL- E, o excesso de lixo fez com que a Terra se tornasse um
lugar inabitável, sujo e poluído. A sociedade da demasia produziu uma grande
indústria do descarte, da sobra, daquilo que não tem mais uso. A rotatividade e a
constante injeção de novos produtos no mercado consolidou um problema
estático, imóvel e prejudicial - o lixo urbano. Tudo em nome de uma experiência
incessante de busca do deleite e da felicidade.

O valor mais característico da sociedade de consumidores, na verdade


seu valor supremo, em relação ao qual todos os outros estão instados
a justificar seu mérito, é uma vida feliz. A sociedade de consumidores
talvez seja a única na história humana a prometer felicidade na vida
terrena, aqui e agora e a cada “agora” sucessivo. [grifos do autor]
(Bauman, 2008: 60)

WALL–E não é simplesmente um robô lixeiro capaz de selecionar peças


para seu auto-conserto. A obra cinematográfica propaga um discurso recheado
de alusões às relações interpessoais. A ambientação, a princípio, parece
assumir uma harmonia melancolicamente marcada pela solidão do protagonista,
porém, o padrão artístico exibe um empenho de cunho sociológico na trama dos
personagens, a começar por sua companheira - uma baratinha de estimação
chamada Spot.
É possível observar que hoje, as relações amorosas entre humanos
estão marcadas por um individualismo crescente, onde permanecer longe
fisicamente garante segurança. As tecnologias de comunicação permitem o
abastecimento de um supermercado virtual volátil onde seria possível a escolha
do (a) parceiro (a) ideal. O terror da solidão “remete as pessoas aos
computadores, enquanto o perigo representado pelos estranhos estimula o
adiamento dos encontros da vida real”. (Bauman, 2008: 24).
Os contatos físicos passam a ser desenhados pelo virtual, mediados
eletronicamente, mais seguros e com poucos riscos. Os humanos, na Axion,
dependem exclusivamente dos aparatos tecnológicos construídos em vista de
sanar necessidades e manter os habitantes afastados entre si. No filme, a
afetividade humana fica relegada às máquinas e foi eliminada da vida humana.
Um simples encostar de mãos compõe cena estranha, não habitual, à
margem. O sentido do tato é minimizado, já que não oferece, obviamente, a
segurança do distanciamento. Trata-se de uma individualidade estabelecida
pelas máquinas e que vão instituir o limite, a barreira entre o eu e o outro.
Na obra WALL–E, o distanciamento entre os habitantes da Axion revela
um ambiente impessoal, onde a tecnologia é usada como redoma de proteção e
resguardo contra os perigos frente ao próximo, ao desconhecido. O medo do
“outro”, característica marcante na sociedade contemporânea justamente pela
produção dessa atmosfera tecnológica, corrobora uma aliança pessoal
corrompida, nebulosa e abandonada em face de outros espaços.
Um texto cultural fílmico, entre outras coisas, pode ajudar a enxergar e
conhecer a sociedade em que vivemos. Redes de produção significativas estão
imersas dentro de obras de ficção e contribuem para exames críticos nas
diversas culturas em que circulam. A educação fora da escola tem sido tema de
ampla discussão entre estudiosos, o que faz com que se amplie a concepção de
espaço pedagógico para além dos ambientes escolares.
2 Consumir e descartar ou descartar e consumir?

Uma montanha de lixo vem sendo produzida nas últimas décadas, fato
gerado pela constante movimentação dos artigos consumíveis, envolvidos em
processos velozes e de curta duração.
Imaginar uma forma de limpar o mundo de toda a “sujeira” resultante de
práticas que não colaboraram para a sustentabilidade do planeta é o objetivo do
personagem-robô WALL-E. A incessante jornada repetitiva do “robozinho” ilustra
e, de certa forma, dá conta de algumas questões relacionadas à sociedade de
consumo.
O conceito de consumo formulado por Canclini (2006) é entendido como
um conjunto de processos socioculturais em que se realizam o uso e a
apropriação dos produtos. E, para pensar o termo sociedade de consumidores,
Bauman (2008) garante que existe uma interpelação para com seus membros
essencialmente pelo viés consumista. Uma sociedade que avalia seus
integrantes pelas capacidades e condutas em relação ao consumo.
A constante busca pelos mais diversos artefatos está inscrita na ação de
que “a ideologia do consumo pode ser um ótimo pretexto para a produção ou
transformação das subjetividades” (Rocha et al. 2006: 19). O consumo pós-
moderno não se encontra tão somente cercado pela satisfação das
necessidades, mas envolvido em processos de identificação marcados pelo
consumo dos signos e remetendo-nos à noção de abundância. O que se
observa é que os objetos a serem consumidos estão intrinsecamente
relacionados ao conforto, bem-estar, status e deleite.
Bauman (2008) em seus escritos tem reiteradamente nos chamado a
atenção para a ênfase que se dá ao consumo em nossos tempos e também
para as transformações nos modos de consumir. O consumo, em sua obra, é
delineado como eixo das sociedades atuais, diferenciando-se de tempos
regressos quando o que interessava era a produção.
O consumo perde sua aura banal e acaba se transformando em um
mecanismo organizador das sociedades. O molde dos contornos sociais e das
relações, na perspectiva do autor, passa a ser gestado a partir da pauta de que
na sociedade de consumidores é preciso consumir e ser consumido.
Os usos e significados do espaço e do tempo acabaram se modificando
com a transição do fordismo1 para a acumulação flexível, devido à implantação
de novas formas organizacionais e do advento de novas tecnologias. O “mundo
fordista” gerou um modelo de industrialização, de acumulação e de regulação. A
engenharia social encontrava-se orientada pela ordem e pelo impedimento da
mobilidade. No “capitalismo pesado”, a produção, o capital e os trabalhadores
estão fixados, enraizados e estáveis dentro de uma rotina ordenada e sólida.
Com a aceleração generalizada dos processos de produção de artefatos
e bens de consumo, acentua-se uma volatilidade que perpassa modismos,
técnicas de produção, processos de trabalho, ideologias, valores e práticas
estabelecidas. No “capitalismo leve”, o mundo se torna uma coleção infinita de
possibilidades.

O mundo cheio de possibilidades é como uma mesa de bufê com


tantos pratos deliciosos que nem o mais dedicado comensal poderia
esperar provar de todos. Os comensais são consumidores, e a mais
custosa e irritante das tarefas que se pode pôr diante de um
consumidor é a necessidade de estabelecer prioridades: a necessidade
de dispensar algumas opções inexploradas e abandoná-las. A
infelicidade dos consumidores deriva do excesso e não da falta de
escolha. [grifos do autor] (Bauman, 2001: 75)

A angústia é constante devido ao grande volume de objetos à disposição


e, por isso, a possibilidade de chegar à satisfação inexiste. A regulação
normativa não se faz necessária para a vida organizada em torno do consumo,
pois esta é norteada pelo desejo, pela sedução, pelo hedonismo, pela vontade,
etc.
Na estação espacial mostrada no filme, gigantescos outdoors saúdam
as novas tendências da moda e as cores do momento. Os consumidores
vorazes pela cor da estação, ao simples apertar de um botão, mudam de azul

1
Fordismo é um sistema produtivo baseado numa linha de montagem, tendo como objetivo a
produção industrial elevada. Esse conjunto de princípios foi criado pelo americano Henry Ford
em 1909. Sua meta principal era buscar o aumento da produção no menor espaço de tempo,
utilizando o trabalhador que reproduzia mecanicamente a mesma ação durante todo o dia.
para vermelho todas suas vestimentas. O estar bonito, na moda, andar em
sintonia, imediatamente cadenciam os habitantes da Axion, sempre antenados
nos últimos produtos do mercado tornando-se visíveis e consumíveis.
Você pode escolher o seu visual. Escolher em si, optar por algum visual
não é a questão, uma vez que é isso que você deve fazer, só podendo desistir
ou evitar fazê-lo sob risco de exclusão. (Bauman, 2008: 110)
Para Bauman (2008), o ato de consumir está indissociável da condição
dos vivos, tornando-se imperativo e permanente. A condição real da pós-
modernidade em relação ao consumo se vincula a noção da valorização do ter e
não do ser.
O envolvimento do sujeito nas relações de compra e venda o transporta
para o consumismo que apresenta-se de forma central nas relações sociais. “O
‘consumismo’ chega quando o consumo assume o papel-chave que na
sociedade de produtores era exercido pelo trabalho.” [grifos do autor] (Bauman,
2008: 41)
A idéia da sociedade do descarte de David Harvey (1993) mistura-se ao
conceito da sociedade de consumidores de Zygmunt Bauman (2008), uma vez
que ambas defendem uma superexposição às “novas tentações” como pré-
requisito para a funcionalidade do sistema. A satisfação das necessidades não é
o objetivo final, mas ao contrário, tem-se como alvo desejos excessivos e em
intensidade crescente.

Novas necessidades exigem novas mercadorias, que por sua vez


exigem novas necessidades e desejos; o advento do consumismo
augura uma era de “obsolescência embutida” dos bens oferecidos no
mercado e assinala um aumento espetacular na indústria da remoção
de lixo. [grifos do autor] (Bauman, 2008: 45)

Bauman (2008) assegura que para o mercado seduzir é preciso


consumidores que desejam ser seduzidos. Para estes consumidores ideais,
amadurecidos, a impossibilidade de viver de outra forma se apresentaria
disfarçada como livre exercício da vontade. Pode-se escolher qualquer coisa
entre o universo infindável de opções disponíveis, exceto a própria opção de não
escolher entre nenhuma delas.
A questão presente na animação WALL-E nos instiga para além de: o
que fazer com os resíduos que não nos interessam mais? Ali estão
questionamentos que conduzem às práticas da sociedade de consumo.
É preciso esclarecer que o consumo não está inscrito apenas no âmbito
material, mas também de forma simbólica e abstrata. A cada encontro entre
seres humanos, os limites da soberania do consumidor se fortalecem.
A vida na Terra, de acordo com o filme WALL-E não é possível devido
às intensas ações de descarte promovidas pelos humanos. O movimento de
compra e rejeição tornou a vida insustentável no planeta, fazendo-nos
questionar determinados valores tais como necessidade, desejo, prazer. O filme
também aponta problemas relacionados a um consumo desenfreado e um
descaso quanto ao meio ambiente.
O descarte aqui significa “[…] mais do que jogar fora bens produzidos,
[...] significa também ser capaz de atirar fora valores, estilos de vida,
relacionamentos estáveis, apego a coisas, edifícios, lugares, pessoas e modos
adquiridos de ser e agir.” (Harvey, 1993: 230)
A necessidade de novas mercadorias para ratificar ou reelaborar
identidades exige, de forma vertiginosa, a obtenção constante de novos
produtos. Por isso, o descarte é inevitável, uma vez que o artefato não produz
mais o encantamento necessário para continuar circulando.
Os resíduos expurgados da sociedade de consumidores produzem
depósitos de lixo. Tudo isso interligado a uma lógica instantânea de adquirir,
colecionar, fazer sentido, para depois descartar e substituir.
Desta forma, um trabalho proposto com base no WALL-E não é finito em
suas interpretações e suscita tantas outras indagações que não serão exauridas
neste trabalho.
3 As marcas do bem viver

Em uma das cenas de WALL-E, o capitão da aeronave busca


informações sobre a Terra, até então desconhecida para ele. Para isto, utiliza
uma espécie de enciclopédia virtual, ferramenta que passa a revelar conteúdos
sobre o planeta (como o que significa o verbo dançar ou o que é um oceano).
Porém, o modo de apresentação é uma explosão de mídias. Nada de textos
corridos e explicativos. A tela, tal qual uma de cinema, combina imagens e sons.
Uma versão enciclopédia–espetáculo, digna de uma sociedade sempre pronta a
satisfazer as necessidades de um consumidor apressado. Através de uma
compilação de imagens e sons é possível ilustrar qualquer termo que se queira
pesquisar. A tecnologia, nesse sentido, explora elementos educacionais que
apresentam-se em compasso com a contemporaneidade.
A mesma tecnologia que informa, também auxilia. Isto é visível quando
algum habitante da Axion sofre qualquer tipo de acidente (como cair de uma
cadeira comandada eletronicamente). O dano é consertado em instantes.
“Robôs-hospitais” estão sempre em alerta para salvar e ajudar, já que na nave,
qualquer tipo de contato físico entre os humanos deve ser evitado. Uma
atividade simples como cair e levantar do chão já não é tão simples assim. Em
WALL-E, os aparatos eletrônicos passam a substituir as atividades físicas
corporais, e, portanto, o caminhar, o cair, o levantar e até mesmo o andar se
tornam atividades complexas para os tripulantes e passageiros, todos obesos e
destituídos de agilidade e com as habilidades motoras totalmente prejudicadas.
Os inúmeros estímulos da sociedade (visuais, auditivos, palatáveis)
produzem uma coletividade ambígua. Ao mesmo tempo em que carregam
consigo um copo gigante de refrigerante, também se tem na mão um estojo de
maquiagem. Uma caneca de milk-shake na mão direita e o novo relógio na
esquerda. Uma comunidade como a desses habitantes acaba produzindo
consumidores obesos, mas também consumidores de lojas e institutos de
beleza. Aqui estão unidas as facilidades tecnológicas e as possibilidades de
inserção no mundo dos socialmente aceitos através do consumo de cores,
símbolos e signos. Consumidores sempre prontos para ingerir e jogar fora, usar
e descartar.

4 Algumas considerações

É com base nas análises do sociólogo Zygmunt Bauman que norteamos


as discussões deste artigo. Os conceitos relacionados à existência de uma vida
para o consumo (que acaba por transformar também as pessoas em
mercadorias) nos oferece subsídios para a análise da animação WALL-E.
Concebendo a obra como um artefato cultural, podem ser estabelecidas
inúmeras relações interligadas ao campo da educação. Um cuidado para com o
corpo, o uso indevido dos recursos naturais do planeta, o consumo e o descarte
contínuo, a impessoalidade das relações afetivas, o uso das tecnologias a
serviço da sociedade. Todas essas abordagens permitem-nos enxergar o filme
de forma critica.
Na sociedade de consumidores a oferta de objetos, sentimentos e
relacionamentos são vertiginosos e a quantidade de opções acaba por provocar
um mal-estar. Na realidade, o consumidor nunca tem a certeza de ter feito a
escolha certa, ou a mais próxima de lhe oferecer o máximo de satisfação. Aliás,
a satisfação das necessidades não é objetivo desta sociedade de consumidores.
Segundo Bauman:

Os consumidores podem estar correndo atrás de sensações – táteis,


visuais ou olfativas – agradáveis, ou atrás de delícias do paladar
prometidas pelos objetos coloridos e brilhantes expostos nas
prateleiras dos supermercados, ou atrás das sensações mais
profundas e reconfortantes prometidas por um conselheiro
especializado. (Bauman, 2008: 95)

O descarte, portanto é inevitável. Os consumidores já não se sentem


culpados por destinarem algo para o lixo uma vez que os objetos se apresentam
destinadas ao uso momentâneo. Acabam se conformando com a vida curta dos
artefatos.
Estar inserido ou ainda fazer parte desta sociedade significa poder
consumir o que o mercado oferece. Porém, isto não significa que devemos
ignorar os cuidados com o planeta, a saúde, as relações pessoais e o uso das
tecnologias como salvo conduto da vida em sociedade.

Referências Bibliográficas

BAUMAN, Zygmunt. Modernidade líquida. Trad. Plínio Dentzien. Rio de Janeiro,


Zahar, 2001.

. Vida para consumo: a transformação das pessoas em


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. A sociedade individualizada – vidas contadas e histórias vividas.


Trad. José Gradel. Rio de Janeiro: Zahar, 2008.

CANCLINI, Nestor Garcia. Consumidores e cidadãos: conflitos multiculturais da


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HARVEY, David. A condição pós-moderna: uma pesquisa sobre a origem da


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ROCHA, Everardo; ALMEIDA, Maria Isabel Mendes de; EUGENIO, Fernanda


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