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SANGUE DE DEUSA

PRÓLOGO

(LUZ CINZA)

Pandora:

Destino, muito se fala sobre o destino, os camponeses dizem que ele é um jovem rei rigoroso
que pune os erros dos homens, os reis dizem que ele é um deus sábio que só ajuda aos seus
iguais, os deuses dizem que ele é mais antigo que os deuses e mais antigo que o tempo, e
sempre está a favor dos seus, os que vivem no Olimpo, mas poucos sobem que o destino não
passa de um efêmero fio de linho que é bordado por três mulheres, as parcas, três irmãs que
bordam e cortam a vida e o destino ao seu bem querer, mulheres poderosas que tem o dom da
vida, a mulher é a vida como toda mulher, ah, mulher, que criatura mais linda, feita sob
medida para os homens como um presente e um castigo dos deuses.

(luz se acende, dando foco na narradora, que está no cento do palco, no meio dos tronos,
ainda vazios.)

Sou pandora, a primeira de meu nome e da minha espécie, vim ao mundo para ensinar uma
lição aos que aqui viviam, meu doce rosto e minha linda voz, encantavam a todos, mas
escondida entre minhas vestes, trazia outro presente, uma caixa, minha gloriosa caixa, ao
abri-la, trouxe aos homens a peste, a doença, a fome, a miséria, a tristeza, a agonia, a dor e
todos os outros males que assombram a humanidade até os dias atuais. Nós, mulheres sempre
fomos vistas como criaturas destintas pelos homens, e em todas as suas histórias sempre
tivemos apenas papeis de figurante e secundários, seja a doce princesa, a belíssima deusa ou a
maligna vilã, a mulher que faz as vontades de um homem, seguindo suas regras e sendo peças
no jogo dos homens. Nos, do clube de teatro fábulas vivas, decidimos contar a história de
contos gregos e dar voz pela primeira vez, as mulheres, que sempre tiveram suas histórias
contadas por homens, caros espectadores, se aconcheguem nas cadeiras, e aproveitem o
espetáculo.

(Pandora abre a caixa e sopra um pó de dento, a luz se apaga, os homens vão para o trono e
a voz da narradora fica no escuro.)
Pandora:

"Vigie seus pensamentos, porque eles se tornarão palavras; vigie suas palavras, pois elas se
transformarão em atos, vigie seus atos, porque eles se tornarão seus hábitos, vigie seus
hábitos, pois eles formarão seu caráter; vigie seu caráter, porque ele será o seu destino".

CENA 1

Cenário: o monte olimpo, com colunas, tecidos e algumas nuvens, no centro do palco, 4
tronos dourados com homens vestidos de gregos sentados neles.

(Barulhos de paços correndo) (Luz foca na personagem Ariadne que está apreensiva,
procurando alguma coisa.)

(LUZ LILÁS)

Ariadne:

(cochichando e procurando)

Teseu, Teseu meu amor, você já saiu do labirinto?

(ela procura por ele na plateia, chama seu nome, mas é em vão)

Ariadne:

(Mais alto, quase gritando)

TESEU, pelos deuses, eu tenho certeza de que ele mandou esperá-lo aqui, perto do cais assim
que a lua aparecesse no céu. TESEU MEU AMOR ONDE ESTÁ?

(LUZ NO TESEU, ELE ESTÁ COM UM CHIFRE NA MÃO COM EXPRESSÃO DE QUE
NÃO ESTÁ NEM AI)

TESEU:

Aqui estou filha de Minos, o que queres de mim?

ARIADNE (apaixonada):

Ora meu amor, para que isso? Vim aqui avisar que já estou pronto para irmos.
TESEU (desconfiado):

Ir contigo? Não me desonre associando a mim, filho de Atenas a você.

ARIADNE (confusa):

Mas meu amor, o que está acontecendo? Você está brincando? É isto? Não consigo entender
por que mudou tão drasticamente comigo. Foi meu pai, não é, ele fez a sua cabeça, ora eu
irei...

TESEU (um pouco estressado):

Não há brincadeiras com atenienses, já lhe informei que não irá subir no meu barco, não
ofereço abrigos a pessoas da sua laia. E sobre vosso pai, não, não, ele ainda acha que eu estou
lá embaixo, numa dança mortal com o touro, quem falou comigo foi o meu pai.

ARIADNE:

Mas o rei Egeu veio aqui? Ora Teseu, se ele disse algo pelo fato de eu ser princesa do reino
inimigo, o avise que eu lhe daria tudo quando nos cassarmos, Atenas e Creta, as maiores
cidades estado em harmonia, e com você meu amor

(Ariadne chega perto e Teseu se afasta)

TESEU (bem sério):

(Levanta-se) Meu pai, Zeus, o senhor de todos. (se ajoelha para o público) Ele abriu meus
olhos, me disse que não posso misturar minha linhagem real ao seu sangue podre, imagine
seu meu filho nasce com chifres.

(Ariadne cai no chão e começa a chorar de desespero.)

TESEU:

o Minotauro está morto, não preciso mais da sua ajuda nessa ilha maldita, estou entrando no
navio, fique aqui, e governe esse reino que você mesmo destruiu.

ARIADNE: (grita chorando)

Mas você jurou príncipe de Atenas, jurou que se casaria comigo, eu me entreguei a você, trai
o meu povo, meu próprio pai em vosso nome.
TESEU: (fala alto e calmo, não olha para Ariadne)

Eu nunca a amei princesa, tudo foi um jogo, e acredite, eu sei que não pode amar ninguém, a
meretriz de Creta, você não é diferente do seu irmão, dois monstros horrendos ...

ARIADNE: (grita com dor)

VOCE JUROU PELA DEUSA SELENE, A LUA ACIMA QUE FOI TESTEMUNHA DO
NOSSO AMOR EM MINHA CAMA, A LUA QUE TINGE MINHAS LAGRIMAS DE
PRATA.

TESEU: (com raiva vai até a princesa e segura seus cabelos, a obrigando a olhar para ele)

EU SOU O SOL, NÃO VÊ MERETRIZ? A LUA APENAS REFLETE O MEU BRILHO,


SOU O FUTURO REI DE ATENAS, O ESCOLHIDO PELOS DEUSES, VOCE DEVERIA
SE SENTIR HONRADA EM TER TIDO UMA NOITE COMIGO.

(TESEU A JOGA E ELA SE ENCOLHE CHORANDO)

TESEU: (VAI PARA FRENTE DO SEU TRONO, OLHA UMA ÚLTIMA VEZ PARA
ARIADNE E DIZ COM DESPRESO)

Você e uma vergonha ainda maior para o seu país, comparado a você, o Minotauro é uma
criatura sem pecados, fique nesta ilha e governe os destroços do reino que você traiu.

(Teseu Sai)

TODOS OS HOMENS:

Esse é o seu destino, você e só uma mulher, não pode fugir dele.

(As luzes se apagam, Ariadne fica no canto do palco, e os homens sentados nos tronos.)

CENA 2

(O palco está escuro, exceto por uma luz suave iluminando Andromeda, que está
acorrentada e segurando flores. Ela está vestida com roupas rasgadas e tem marcas de luta
em sua pele. Ela está chorando baixinho.)

(Perseu entra em cena, observando Andromeda com interesse. Ele se aproxima dela
lentamente.)
(LUZ ROSA)

Perseu:

Por que choras, doce princesa? Eu vim te resgatar, trouxe comigo a cabeça de medusa e nada
se colocara em nosso caminho.

(Perseu levanta a espada e parte as correntes de Andromeda.)

Andromeda:

Agradeço jovem herói, me chamo Andromeda, e sou a princesa do reino da Etiópia, fui
acorrentada por um mago que pretendia me dar como oferenda a um monstro horrível, vamos
embora daqui, me leve ao meu castelo e te darei seu peso em ouro.

Perseu:

Por que meu peso em ouro, se posso ter um reino inteiro para mim? Um palácio de ouro
construído em minha homenagem, fiéis me venerando como um deus. Eu a levo para a
Etiópia em troca de tua mão em casamento, quero governar o teu reino.

(Andromeda se afasta do toque de Perseu com medo.)

Perseu:

Eu fiz tudo isso por ti. Nós fomos feitos para ficarmos juntos, tu, a princesa de minha paixão,
e eu, o herói destinado a te salvar. Desde o momento em que pus meus olhos em ti, meu
coração foi tomado pelo desejo de te libertar, de te ter para mim.

Andromeda:

Mas eu não o conheço senhor. Nunca te vi antes. Não posso simplesmente aceitar ser tua
rainha.

Perseu:

Não precisas me conhecer para sentir o amor que arde em meu peito por ti. Eu sou teu
libertador, teu salvador. Tu me pertences, assim como as estrelas pertencem ao céu. Juntos,
podemos reinar sobre este reino e além.

(Andromeda sacode a cabeça com determinação.)


Andromeda:

Não, Perseu. Eu não posso aceitar. Eu agradeço por tua bravura, por tua bondade, mas meu
coração pertence a outro lugar. Eu sou uma princesa de linhagem nobre, e não posso me casar
com alguém que eu não conheço, quero me casar com meu amado povo, servir apenas a eles.

Perseu: (Com raiva)

Insensata! Não percebes a grandiosidade do meu gesto? Recusas o amor que te ofereço?
Então terás que aceitar a minha vontade de outra forma.

(Perseu agarra Andromeda com força, tentando beijá-la à força enquanto ela tenta resistir.)

Andromeda: (Gritando)

Não! Me solta, Perseu! Eu não quero isso!

Perseu: (Com raiva)

Terá que se casar comigo se eu tirar a tua honra, serás minha mulher, e ficara caladinha no
trono abaixo de mim.

(Perseu a segura com mais força, e Andromeda chora enquanto ele a prende em seus
braços.)

Andromeda: (Gritando)

Não! Por favor, não faça isso, eu posso te dar muito ouro, não faça isso, eu imploro, por
Atena, por Artemis...

Perseu: Agora és minha, nenhuma deusa pode te escutar, serei o único a ouvir suas orações.

(Andromeda chora lágrimas de desespero enquanto Perseu a leva par longe.)

CENA 3

(Calypso vai para a frente do palco, com um vestido esvoaçante)

(barulho de água durante a fala dela e Zeus)

(LUZ AZUL)
CALYPSO:

Sou uma nereida, muito mais antiga que os deuses e os homens, eu e minhas irmãs somos
conhecidas por viajar pelo mundo, dançando em ondas do mar, levando agua doce para todas
as ilhas e peixes para os portos, éramos oito, oito ninfas filhas do deus rio, quando os homens
começaram a surgir no continente, os marinheiros ficaram encantados pelas nossas vozes,
muitas vezes nos confundido com as sereias, mas nunca matamos nenhum homem afogado,
cuidávamos de todas as almas perdidas no oceano, todos amavam nosso canto, foi em um dia
em que sai sozinha para me banhar em um rio, que minha voz chamou a atenção de um
homem (sons de raio).

ZEUS:

Qual o seu nome bela ninfa, acho que nunca a vi no Olimpo.

CALYPSO:

Sou Calypso, filha de Nereu, o deus rio, sou uma nereida, deusa das águas doces, e quem é o
senhor?

ZEUS:

Ora doce criança, sou Zeus, rei dos céus, Pai dos mortais, e seu senhor.

(Zeus se aproxima de Calypso e ela se afasta um pouco dele)

CALYPSO (agoniada):

E um prazer então senhor, nunca o tinha visto, sou um espírito livre, não sirvo a ninguém, por
isso o senhor nunca me viu no Monte Olimpo. Foi um prazer conhecê-lo, mas tenho que ir.

ZEUS (fala alto):

Calma jovem ninfa, mas que rude de sua parte, sair e deixar o senhor dos céus aqui,
insatisfeito.

CALYPSO:

Desculpe senhor, mas não entendo que satisfação esperava encontrar neste rio, mas agora
tenho que ir para não ser rude com um deus tão importante.
(Zeus pega a mão de Calypso, e a segura)

ZEUS:

Onde você pensa que vai? Sinto o cheiro de pureza em você, me deixou atento jovem
espírito, agora tenho que possui-la e não seria agradável para você me deixar com raiva.

CALYPSO:

Senhor, me solte, não tive homem nenhum, e não é agora que vou ter, o senhor tem idade se
ser o meu pai, e quer se deitar comigo? Não me importo que seja o deus mais importante de
todos, não pode fazer tudo que quer, não tem direito de possuir o meu corpo...

ZEUS (BRAVO):

SIM VOCE E A MINHA PROPIEDADE, VOCE E APENAS UMA NINFA QUALQUER,


TEM QUE SER GRATA POR EU TER PRESTADO ATENÇAO EM VOCÊ, VOCÊ NAO
E NADA MENINA, E AGORA EU VOU FAZER O FAVOR DE A TRANFORMAR EM
UMA MULHER. QUEM SABE VOCE E AGRACIADA COM UM FILHO MEU.

(Zeus bate no seu rosto e ela cai no chão, ele prende os seus braços nas costas e a força a
ficar de costas para ele.)

CALYPSO (SE SOLTA E GRITA COM O DEUS, O COLOCA NO CHAO E O


HUMILHA):

VOCE QUE NAO ENTENDEU, EU SOU SÓ MINHA, DE MAIS NINGUEM, SOU A


VOZ DO OCEANO, A VIDA DAS MARÉS, UMA NINFA VIVE PARA SEMPRE, EU
SOU SÓ MINHA, E NUNCA, NUCA, JAMAIS SEREI DE NINGUEM.

(SONS DE RAIOS, E TEMPESTADE, LUZ APENAS EM ZEUS)

ZEUS (GRITANDO COM ODIO):

ENTÃO EU A AMALDIÇOO A FICAR SOZINHA PARA SEMPRE, VIVERA EM UMA


ILHA NO MEIO DO OCEANO, SEM VIDA, SEM PEIXES, SEM SUAS IRMAS, SEM
ÁGUA DOCE, E NADA QUE VOCE AMA, APENAS A SUA COMPANIA BASTARA,
FICARA SOZINHA ATÉ ACEITAR SE DEITAR COMIGO.

CALYPSO:
NÃO NAOOOOO

CENA 4

(As luzes se apagam, Ariadne fica no canto do palco, Andromeda em outro, Calypso no
meio.)

(sons de ouro e uma flauta tocam no fundo)

(Helena entra pela porta do auditório, caminhando lentamente para o palco.)

(LUZ AMARELA)

HELENA:

Ora jovens mulheres para que tantas lagrimas? Digam para mim o motivo tanto sofrimento.
Mulheres não sofrem só na morte, lagrimas rolam por suas faces desde o nascimento. A força
e um dom que foi imposto para nós, mulher pra ser mulher, tem que ser feroz.

HELENA:

Permitam-me contar-vos uma história, a minha história. Fui arrancada de meu lar, de minha
família, de minha terra natal, e levada para uma cidade estranha, para um destino incerto.
Sequestrada, meu nome arrastado para o abismo da infâmia, como se eu fosse apenas um
troféu a ser disputado. Me chamo Helena, Helena de Tróia. Mas não sou apenas uma vítima
de circunstâncias cruéis. Sou uma mulher, uma força da natureza, uma peça fundamental no
tecido do mundo.

(Helena aponta para as outras mulheres no palco.)

HELENA:

Somos nós, mulheres, que fazemos a terra girar, que sustentamos os pilares da sociedade com
nossa coragem, nossa inteligência, nossa compaixão. Exigimos respeito, exigimos paz,
exigimos amor. Não somos meras coadjuvantes nesta grande história que é a vida; somos
protagonistas, capazes de moldar nosso próprio destino e o destino daqueles que nos cercam.
Não subestimem a força de uma mulher determinada, pois somos capazes de mover
montanhas e mudar o curso dos rios.

(Ela ergue o punho com determinação, simbolizando a união e a força das mulheres.)
HELENA:

Que nossas vozes sejam ouvidas, que nossas lutas sejam reconhecidas, que nosso poder seja
respeitado. Pois somos mulheres, e não há força maior neste mundo do que a força de uma
mulher que conhece seu valor, sua dignidade e sua capacidade de transformar o mundo ao seu
redor.

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