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Um dos motivos da falência da Squaresoft — antes de sua fusão com a Enix — foi o fracasso retumbante

de Final Fantasy: The Spirits Within, o único longa-metragem da Square Pictures e que, até então, era o
filme baseado em videogame mais caro já produzido. Tal fiasco foi suficiente para que seu diretor,
ninguém menos que Hironobu Sakaguchi, o próprio criador da IP, ficasse completamente desiludido com
a indústria de games. Isso culminou em uma espécie de exílio, quando ficou três anos recluso em sua
casa no Havaí sem fazer nada além de receber créditos de produtor executivo (aquele que não faz nada
em uma produção, só está lá como menção honrosa, vide Stan Lee nos filmes da Marvel) nos novos
títulos da franquia.

Sakaguchi só se dispôs largar a aposentadoria precoce quando dois de seus amigos, Takehiko Inoue
(mangaká de Slam Dunk e Vagabond) e Akira Toriyama (que dispensa apresentações), convenceram-no.
Assim, ele decidiu fundar a Mistwalker, sua própria desenvolvedora, com um aporte financeiro que
recebeu da Microsoft. Em 2005, o estúdio anunciou cinco títulos diferentes. O primeiro deles foi Blue
Dragon, para o Xbox 360, que chegou ao mercado no fim de 2006.

A decisão de utilizar o Xbox 360 como plataforma chama bastante atenção. Um dos motivos é que hoje,
vendo as coisas em retrospecto, sabemos como a Microsoft tem uma notória e histórica dificuldade de
penetração no Japão. Na época, entretanto, a justificativa oficial para tal escolha é a de que Sakaguchi
considerava a arquitetura do PlayStation 3 muito complexa para desenvolvedores e que o próprio
Sakaguchi não se dava muito bem com o presidente da Sony à época, Ken Kutaragi.

Tais alegações até que têm um fundo de verdade, especialmente a primeira, visto que Bayonetta, outro
jogo japonês, foi prodzido tendo como versão principal a de Xbox 360, sendo a de PlayStation 3 uma
espécie de port. Entretanto, sabemos como negócios são negócios e tal decisão muito provavelmente
teve mais a ver justamente com o aporte recebido para a fundação da Mistwalker. Independentemente
disso, Blue Dragon é um dos casos primitivos de quando a Microsoft realmente tentou penetrar no
Oriente, uma vez que outros títulos chegaram a sair por lá durante o ciclo de vida do console sob uma
pretensa exclusividade, como Lost Odyssey (este também da Mistwalker), The Idolmaster, MagnaCarta
2, N3: Ninety-Nine Nights, Tales of Vesperia, Eternal Sonata e Enchanted Arms.

Enquanto N3 e MagnaCarta 2 não se tratam de produtos exclusivamente japoneses (são coproduções


nipo-coreanas), outros, como Eternal Sonata, Tales of Vesperia e The Last Remnant, logo receberam
versões posteriores para outras plataformas. A singularidade de Blue Dragon, contudo, está justamente
no fato de que ele, ao lado de Lost Odyssey, seu colega de estúdio, são um dos poucos títulos 100%
japoneses que estão exclusivamente atrelados à plataforma até hoje.
Um dream team na zona de conforto
Pois bem, a característica de Blue Dragon que mais chama atenção à primeira vista é o design de
personagens produzido por Akira Toriyama. Embora tenhamos comentado que ele dispensa
apresentações, ainda é muito válido trazer o histórico do cara, visto que se trata não só da mente
responsável pela criação de Dragon Ball e Dr. Slump, como também tem dedo em diversas produções na
indústria de games, como nos characters designs de Dragon Quest. Com trilha sonora de Nobuo
Uematsu, Blue Dragon foi cercado de expectativa durante seu pré-lançamento, visto que era uma
espécie de reunião dos responsáveis por Chrono Trigger (SNES), já que Sakaguchi havia sido
responsável pela escrita da história do clássico em questão.
A despeito de toda a promessa, Blue Dragon acabou se mostrando um produto bastante clichê em sua
essência, empacotando elementos clássicos de qualquer RPG japonês em uma estética minimalista
considerada relativamente avançada e moderna para a época. Para todos os efeitos, o que é preciso
saber da história é que Shu, Jiro e Kluke são três garotos habitantes de uma vila inóspita e que é
eventualmente atacada por um perigoso tubarão de areia que veio acompanhado do prenúncio das
nuvens roxas, conhecidas por costumeiramente trazer destruição por onde decidem surgir.

Durante o ataque, os três acabam descobrindo que o tubarão era, na verdade, um Mechat, uma
máquina, e as nuvens serviam para encobrir a fortaleza voadora de Nene, o antagonista. Quando se
veem encurralados, o trio desperta seus poderes ocultos através de manifestações físicas de suas
sombras. Eventualmente, os jovens conseguem fugir e acabam se aliando a Zola e Maromaro, outros
dois usuários de sombra e, juntos, decidem pôr um fim às vilanias de Nene, cujos objetivos envolviam
moldar o mundo à sua forma e, para isso, precisava das sombras dos heróis para recuperar a plenitude
de seus poderes.

A grosso modo, a sinopse de Blue Dragon é essa. O mérito de Sakaguchi, no entanto, sempre foi o de
utilizar arquétipos básicos no intuito de construir um mundo suficientemente interessante para ser
explorado. Entre combates, viagens e cutscenes, no fim do dia, o progresso se dá através de pequenas
histórias e tarefas a serem concluídas que, aos poucos, vão levando Shu e o resto do time até o vilão
principal, se estendendo pelos três discos que compõem o título.

Agora, questiona-se: o sistema das sombras é o verdadeiro diferencial do jogo, né? Mais ou menos. De
fato, a ideia de os personagens invocarem sombras para lutar contra os inimigos é bastante interessante
— e lembra bastante as Stands de JoJo’s Bizarre Adventure, os espíritos que acompanham os heróis
das sagas criadas por Hirohiko Araki. Entretanto, as sombras servem mais para colaborar com a
ambientação e construção de mundo do que realmente com mecânicas novas.

Essa ideia poderia até funcionar narrativamente, no sentido mais simplista de fazer com que as sombras
representassem facetas diferentes dos personagens, mas tudo segue de uma maneira muito óbvia e
unidimensional. Tudo é exatamente como parece, inclusive os plot twists e o desenvolvimento dos
personagens, que seguem sempre a rota mais previsível.

O sistema de combate, por sua vez, é bem básico, visto que segue uma estrutura de turnos bastante
tradicional. O diferencial reside na maneira como a ordem dos ataques de uma rodada independe da
velocidade dos personagens, visto que é possível utilizar uma barra de ação para determinar a
sequência dos movimentos de acordo com a vontade do jogador. O atributo da velocidade, no caso,
serve então para ampliar a janela em que algum dos heróis pode fazer sua investida.

Além disso, há outras características clássicas de um RPG japonês, como a possibilidade de atrelar uma
classe aos personagens, resultando no desbloqueio de poderes e habilidades que posteriormente
poderão ser utilizados em demais classes, se equipados. Ah, níveis de classe e de personagem são
estatísticas distintas, mas isso também não acrescentam nenhuma novidade no front, exigindo
estratégias por parte do jogador que não passam do mais puro arroz e feijão do gênero

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