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2019;38(9):661---673
Revista Portuguesa de
Cardiologia
Portuguese Journal of Cardiology
www.revportcardiol.org
ARTIGO DE REVISÃO
a
Serviço de Cardiologia, Hospital de Santa Cruz, Centro Hospitalar Lisboa Ocidental, Lisboa, Portugal
b
Unidade de Insuficiência Cardíaca, Serviço de Medicina III, Hospital de São Francisco Xavier, Centro Hospitalar Lisboa Ocidental,
Lisboa, Portugal
c
Serviço de Cardiologia, Hospital de Vila Franca de Xira, Vila Franca de Xira, Portugal
d
Serviço de Cardiologia, Hospital de Santa Maria, Centro Hospitalar Lisboa Norte, Lisboa, Portugal
e
Serviço de Medicina Interna 1.2, Hospital de São José, Centro Hospitalar Lisboa Central, Lisboa, Portugal
f
NOVA Medical School, Faculdade de Ciências Médicas, Universidade Nova de Lisboa, Lisboa, Portugal
PALAVRAS-CHAVE Resumo A síncope define-se como uma perda transitória do conhecimento devido a hipoper-
Perda de fusão cerebral global e representa uma das principais causas de vinda ao Serviço de Urgência.
conhecimento; Na abordagem inicial do doente neste contexto é fundamental estratificar o risco para sín-
Síncope; cope de causa cardíaca, promovendo um adequado estudo etiológico e orientação terapêutica.
Reflexo Vasovagal; A etiologia mais comum é o reflexo vasovagal, o qual parece resultar de uma resposta autonó-
Pacemaker mica paradoxal com consequente hipotensão e/ou bradicardia. Ainda que a síncope vasovagal
seja uma condição sem impacto na mortalidade, esta frequentemente afeta uma população
jovem e causa uma morbilidade significativa, sobretudo quando associada uma elevada taxa de
recorrência. Na abordagem terapêutica da síncope incluem-se estratégias não-farmacológicas
comportamentais e terapêuticas farmacológicas que atuam nos vários níveis do arco reflexo
desencadeante do episódio sincopal. Contudo, ambas são suportadas apenas por evidência de
robustez limitada. Nos casos em que estas intervenções se mostram insuficientes, o uso de
pacemaker definitivo tem sido proposto como estratégia terapêutica, agora com maior força
de robustez nas atuais Recomendações europeias. Os estudos iniciais não-aleatorizados e sem
ocultação demonstravam um potencial benefício de tal intervenção, com redução da recor-
rência de episódios sincopais. Contudo, os estudos aleatorizados e de dupla ocultação têm
https://doi.org/10.1016/j.repc.2018.11.007
0870-2551/© 2019 Sociedade Portuguesa de Cardiologia. Publicado por Elsevier España, S.L.U. Este é um artigo Open Access sob uma licença
CC BY-NC-ND (http://creativecommons.org/licenses/by-nc-nd/4.0/).
662 B.M.L. Rocha et al.
vs.
Cardíaco Vagal
Bradicardia sinusal
Ritmo sinusal normal/aumentado
BAV de início progressivo
BAV súbito
(prolongamento do P-R e P-P)
Progride para BAV completo
Não progride para BAV completo
Estudo electrofisiológico
Estudo electrofisiológico negativo
positivo
Teste com ATP positivo
Teste com ATP negativo
Figura 2 Diagnóstico diferencial das causas de síncope associadas a bloqueio auriculoventricular. BAV = Bloqueio Auriculoventri-
cular.
664 B.M.L. Rocha et al.
Diagnóstico diferencial da síncope vasovagal cardíaca, que pode ser estrutural ou arrítmica. Nesta última
etiologia, o registador de eventos implantável tem-se tor-
No que diz respeito à abordagem do doente com perda nado uma ferramenta diagnóstica fundamental em casos
de conhecimento, em contexto de urgência, a SVV deve selecionados, nomeadamente em doentes com síncope de
ser considerada como um diagnóstico de exclusão após causa desconhecida. Os estudos publicados22---25 mostra-
investigação etiológica adequada e negativa. Na (fig. 3) ram que o registador de eventos implantável permitiu
é proposta uma abordagem algorítmica compreensiva aumentar o número de diagnósticos da causa de síncope
simplificada ao diagnóstico diferencial do doente com comparativamente com o ECG de Holter ou o registador
perda de conhecimento que recorre ao Serviço de Urgência. de eventos externo, teste de tilt e estudo eletrofisioló-
Neste algoritmo enfatiza-se a importância da exclusão gico. Apesar do registador de eventos implantável ser o
inicial de patologias frequentes e cuja apresentação deve modo de monitorização preferencial em ambulatório, as
ser diferenciada do episódio sincopal propriamente dito21 . Recomendações europeias sugerem que também se pode
Destaca-se a importância da estratificação de risco para optar pelo ECG de Holter ou pelo registador de eventos
síncope cardiogénica, constituindo esta uma ferramenta externo, caso os doentes tenham sintomas com periodici-
simples para identificar o melhor contexto de investigação dade inferior a uma semana ou a um mês, respetivamente.
e orientação terapêutica destes doentes. Apesar de dificil-
mente se obter um diagnóstico definitivo em contexto de
urgência torna-se vital esta estratificação para que doentes Abordagem terapêutica do doente com
de baixo risco possam ser adequadamente investigados, síncope reflexa
com segurança, em ambulatório, ao passo que aqueles de
alto risco necessitarão prontamente de uma monitorização, Tratamento não-farmacológico inicial
investigação e intervenção terapêutica em regime de
internamento, com vista a modificar o seu prognóstico1,2 . O primeiro passo na abordagem dos doentes com SVV con-
A grande maioria dos doentes de alto risco, com cri- siste na sua educação, começando por explicar a natureza
tério de internamento, tem suspeita de síncope de causa benigna desta condição e instruindo para a evicção de
Vigilância no SU
Investigação em internamento
Estudo em ambulatório
Figura 3 Abordagem prática do diagnóstico diferencial da perda de conhecimento e síncope no contexto do Serviço de Urgência,
com foco na estratificação de risco para síncope de causa cardíaca. †- apenas valorizável se história sugestiva de síncope arrítmica.
AIT = Acidente Isquémico Transitório; AV = Bloqueio Auriculoventricular; DAVD = Displasia Arritmogénica do Ventrículo Direito; EAM
= Enfarte Agudo do Miocárdio; FA = Fibrilhação auricular; FC = Frequência Cardíaca; IC = Insuficiência Cardíaca; TSV = Taquicardia
Supraventricular; TV = Taquicardia Ventricular; SU = Serviço de Urgência.
666 B.M.L. Rocha et al.
fatores precipitantes, tais como o ortostatismo prolongado, indutores dos episódios sincopais, tais como vasodilatado-
desidratação e temperaturas extremas, entre outros(10,2) . res e diuréticos, constituem uma medida importante na
As manobras de contrapressão isométrica, como o cerrar prevenção ou redução da probabilidade de eventos sincopais
os punhos, o cruzar os membros inferiores ou o agacha- futuros22 .
mento, induzem um aumento significativo da PA. Este efeito,
sobretudo nos doentes com pródromos longos e capazes de
reconhecer precocemente a sintomatologia de pré-sincope, Tratamento farmacológico
pode adiar ou mesmo prevenir a perda de consciência26---28 .
Um ensaio clínico multicêntrico mostrou que estas mano- As estratégias farmacológicas podem ser consideradas
bras, quando realizadas imediatamente após o início dos nos doentes com episódios recorrentes, com impacto subs-
pródromos, resultaram numa redução do risco relativo de tancial na qualidade de vida e se associe a elevado risco
recorrência de síncope de 39%. No entanto, 35% dos doen- de trauma ou a doentes com atividades de alto risco para
tes aleatorizados para a realização destas manobras não as o próprio ou para terceiros (condução profissional, pilotos,
utilizou por não apresentarem quadro prodrómico ou por atletas de alta competição, entre outros)21 , refratários às
este não ser suficientemente longo29 . Em doentes idosos, medidas não-farmacológicas previamente discutidas. Têm
com redução de força muscular, estas manobras poderão sido investigados vários fármacos, com ação em diferentes
não ser tão eficazes. Ainda que exista apenas um estudo pontos do arco reflexo previamente descrito, para trata-
aleatorizado que testa o benefício das manobras de contra- mento da SVV28 .
pressão, tendo em conta a sua inocuidade e a ausência de
custo associado, tais manobras mantêm-se como uma opção
- Bloqueadores beta-adrenérgicos (BB)
válida a considerar na estratégia terapêutica inicial destes
Os BB são fármacos que atuam na porção aferente do arco
doentes30 (indicação classe II-A)22 .
reflexo da SVV. A sua eficácia foi testada em diversos ensaios
As medidas que aumentam o retorno venoso, como seja a
clínicos aleatorizados, nomeadamente do metoprolol, pin-
expansão de volume com a ingestão de água (3L/dia) com a
dolol e atenolol40---44 . O maior ensaio clínico aleatorizado,
liberalização do consumo de sal (10 g/dia), e o uso de meias
controlado e de dupla ocultação realizado (estudo POST43 )
elásticas de compressão graduada, desde que não estejam
mostrou que o metoprolol não foi eficaz na prevenção
contra-indicadas, podem ser usadas, ainda que a evidência
da recorrência da síncope, ao fim de um ano de segui-
sobre a sua eficácia seja limitada1,2,28 . Por sua vez, o treino
mento. Uma meta-análise posterior, que inclui o estudo
ortostático assenta essencialmente em dois métodos princi-
previamente referido, concluiu que a terapêutica BB poderá
pais: (1) realização de sucessivos testes sob monitorização
ter benefício nos doentes com ≥ 42 anos, quando com-
em mesa reclinável --- teste de tilt; e (2) treino diário com
parado com os doentes com < 42 anos30 . Os resultados
manutenção de posição ortostática contra uma parede, em
de vários pequenos estudos que avaliaram diferentes BB
casa, durante um período prolongado30 . Num ensaio clí-
e analisaram diversos outcomes (ex.: resultado do TT ou
nico não-aleatorizado, que incluiu 47 adolescentes, o treino
recorrência de episódios sincopais) apresentaram resultados
ortostático com recurso a mesa reclinável mostrou ser eficaz
díspares40,41,45---47 . Na ausência de evidência robusta a favor
na redução da recorrência da síncope, ao fim de 18 meses31 .
dos BB, com dois ensaios clínicos aleatorizados com dupla-
Ainda assim, por ser um método que exige um doente moti-
-ocultação com resultados negativos34---36 , a par dos efeitos
vado, o cumprimento e a eficácia, a longo prazo, poderão
adversos conhecidos deste grupo farmacológico, as atuais
estar frequentemente comprometidos32 . Também persistem
recomendações contraindicam o seu uso na prevenção da
dúvidas sobre a sua eficácia pela ausência de demonstração
SVV (recomendação classe III), independentemente da idade
de benefício na recorrência de síncope em vários outros
do doente em questão22 . Ainda assim, aguardam-se os resul-
estudos33---35 . Em suma, a evidência existente até à data não
tados do ensaio clínico POST 5 (NCT02123056), aleatorizado
é suficientemente robusta para apoiar a adoção, por rotina,
e com tripla-ocultação, que pretende determinar a eficácia
destas medidas.
do tratamento com metoprolol, em doentes ≥ 40 anos de
A neuroablação cardíaca é uma técnica que envolve
idade, na redução da recorrência de episódios de síncope,
ablação por radiofrequência de plexos ganglionares na
em relação ao placebo.
superfície endocárdica. Em estudos não-aleatorizado, com
um número muito reduzido de doentes sintomáticos, foi
sugerido um benefício no controlo da recorrência dos epi- - Midodrina
sódios sincopais36,37 . Tal foi confirmado numa revisão da Os fármacos vasoconstritores contrariam a componente
literatura recentemente publicada38 . No entanto, a evidên- de vasodepressão, que na SVV surge em consequência da
cia atualmente existente é ainda escassa para corroborar a diminuição do tónus simpático. A midodrina, um agente
eficácia desta técnica36,37 . alfa-adrenérgico é frequentemente utilizada nestes casos.
As estratégias psicoterapêuticas podem constituir uma Numa meta-análise, que incluiu 115 doentes de quatro
componente útil na abordagem destes doentes, dada estudos, a recorrência da síncope mostrou ser menor
a ansiedade e o impacto psicossocial negativo muitas e a qualidade de vida superior durante o tratamento
vezes associados à SVV recorrente. Estas poderão pro- com midodrina quando comparada com terapêutica não-
mover um sinergismo na resposta a outras terapêuticas -farmacológica ou placebo48 . Posteriormente, uma outra
concomitantes39 . meta-análise, incluindo 593 doentes, sugere que a mido-
Por fim, é fundamental uma revisão terapêutica cuidada drina melhora os outcomes clínicos em doentes com SVV
da medicação habitual do doente. A redução posológica recorrente, ainda que a evidência disponível seja de
ou descontinuação terapêutica de fármacos potencialmente baixa/moderada qualidade49 .
Abordagem diagnóstica e terapêutica da síncope reflexa cardio-inibitória 667
Identificação do Estudo VPS-I53 , VASIS-PM10 , Sutton VPS-II58 , SYNPACE59 , ISSUE-355 , Russo et al56 . SPAIN57 ,
Connolly1998 2000 Connolly 2003 Raviele 2004 Brignole 2012 2013 Baron-Esquivias
2017
Tipo de Intervenção PMD vs Placebo PMD vs Placebo PMD ON vs PMD PMD ON vs PMD PMD ON vs PMD PMD ON vs PMD PMD vs sham
OFF OFF OFF OFF DDI
Programação do PMD DDI-RDR DDI-RDR DDD-RDR DDD-RDR DDD-RDR DDD-CLS DDD-CLS
Outros - > 40A ou < 40A se > 19A > 18A > 40A, > 40A, RS > 40A com ECG
refratariedade e ≥ 1 síncope refratariedade normal
farmacológica até ≤ 12M após terapêutica
TT
Critérios de Exclusão
Síncope Excluídos Excluídos Incluídos§ Excluídos Excluídos Excluídos Excluídos
Vasodepressora pura
Outros critérios chave Doença crónica EAM < 6M, IC ECG anormal, EAM < 6M, IC HSC, IC de HTA, DM, IC, HSC
grave, HSC, (NYHA III-IV), doença crónica (NYHA III-IV), novo, FEVE anemia, DAC
valvulopatia doença crónica grave doença crónica ≤ 40%, EAM
importante grave grave, HSC
Características da População (PMD)
Idade média 46 ± 18A 64 ± 11A* 50 ± 18 52 ± 19A 63 ± 14A 53 ± 5A 57 ± 13A
Homens 30% 58% 27%* 31% 53% 66% 48%
Média de episódios de 14 (8-35) 5 (3-12) 15 (8-50) 14 (9-30) 7 (4-12) 7±3 12 (9-20)
síncope prévios
Pré-Síncope S/I 63% 71% 3 (0-10) 50% S/I S/I
Assistolia > 3 segundos 0% 86% 0% 52% 100% 100% 76%
História de Trauma S/I 42% 13% 25% (major) 5% (major) 8% S/I
39% (minor)
Outcomes
Recorrência de 22% vs 70%* 5% vs 61%* 31% vs 40% 50% vs 38% 25% vs 57%* 2 vs 15* 8,7% vs 45,7%*
Síncope (PMD vs Placebo)
A= anos; bpm = batimentos por minuto; CLS = Closed-Loop Stimulation; DAC = Doença Arterial Coronária; DM = Diabetes mellitus; EAM = Enfarte Agudo do Miocárdio; ECG = Eletrocardiograma;
EV = Endovenoso; FC = Frequência Cardíaca; FEVE = Fração de Ejeção Ventricular Esquerda; HSC = Hipersensibilidade do Seio Carotídeo; HTA = Hipertensão Arterial; IC = Insuficiência
Cardíaca; M = meses; NYHA = New York Heart Association; N/S = Não-Significativo; PA = Pressão Arterial; PMD = Pacemaker Definitivo; RDR = Rate Drop Response; REI = Registador de
Eventos Implantável; RS = Ritmo Sinusal; S/I = sem informação; TT = Teste de tilt. * = Diferença estatisticamente significativa comparativamente com o grupo placebo (p < 0,05); § - com
base nos critérios de cardio-inibição e vasodepressão do estudo VASIS.
669
670 B.M.L. Rocha et al.
este tipo de desenho, houve uma redução da recorrência de Pelo contrário, no estudo VPS II (n = 100) os doen-
síncope nos doentes que recebem PMD comparativamente tes que receberam terapêutica com DDD-RDR não tiveram
com a intervenção farmacológica [4,3% versus 25,5%, Odds redução do risco cumulativo de episódios sincopais compa-
Ratio (OR): 0,133; 95% IC: 0,028-0,632; p = 0,004]. Como rativamente com o grupo PMD OFF (31% versus 40%; RRR:
tal, os autores concluíram que, numa população com idade 0,30; 95% IC: -0,33-0,63; p = 0,14) ao longo de seis meses
média > 50 anos e uma carga elevada de episódios sincopais de seguimento58 . Do mesmo modo, o estudo SYNPACE (n
com componente cardio-inibitória, o PMD-DDR foi superior à = 29) não mostrou diferenças estatisticamente significati-
estratégia farmacológica na redução do número de eventos vas nos outcomes estudados ao fim 23,8 meses de média
sincopais54 . de seguimento quando se comparou o grupo que recebeu
PMD-DDD-RDR com o grupo PMD OFF, inclusive na análise de
subgrupos (síncope cardio-inibitória e síncope mista). Neste
estudo, a componente cardio-inibitória foi definido como
Estudos aleatorizados com ocultação síncope reprodutível com TT concomitantemente com assis-
da aleatorização tolia de três segundos ou superior ou uma FC < 60 bpm. Há
a ressalvar que o TT foi positivo em 69% dos doentes apenas
Os estudos aleatorizados sem ocultação indicam que o PMD após administração de nitroglicerina. A assistolia foi dete-
poderá constituir uma intervenção com benefício em doen- tada em 52% e uma resposta mista em 48% dos doentes59 .
tes selecionados. Contudo, este tipo de desenho de estudo Os resultados aparentemente discrepantes entre os estu-
apresenta limitações importantes e maior probabilidade de dos previamente discutidos têm sido ativamente debatidos e
viés. Como tal, a investigação prosseguiu com recurso a poderão estar relacionados com as seguintes problemáticas:
estudos aleatorizados com ocultação, os quais mostraram (1) heterogeneidade nos critérios de inclusão da população;
resultados díspares, alguns dos quais favorecendo o uso de (2) diferenças nos desenhos dos estudos; (3) diferentes
PMD (ISSUE-3, Russo et al., SPAIN), ao passo que outros não programações do PMD no braço de intervenção; ou (4) uma
evidenciaram benefício desta intervenção (SYNPACE, VPS II). verdadeira ausência de benefício da intervenção com PMD
O estudo ISSUE-3 (n = 77) mostrou uma redução estatisti- no doente com SVV. Antes de mais, os estudos positivos
camente significativa da recorrência de SVV cardio-inibitória incluíram uma população tendencialmente mais idosa, o que
em doentes com idade ≥ 40 anos e assistolia prolongada levanta uma questão relativamente aos diferentes meca-
(> 3-6 segundos) que receberam um PMD-DDD ON compa- nismos fisiopatológicos da SVV consoante a faixa etária.
rativamente com o grupo PMD OFF (25% versus 57%; RR: No estudo SYNPACE, os critérios para síncope mista foram
0,57; 95% IC: 0,40-0,74; p = 0,04), ao longo de dois anos relativamente mais alargados, abrangendo doentes com FC
de seguimento. Ainda que se tenha demonstrado eficácia < 60 bpm (ao invés de < 40 bpm) durante > 10 segundos
nesta subpopulação de doentes com síncope, há a desta- no período sincopal foram também incluídos, represen-
car uma recorrência de 25% de síncope no grupo com PMD tando 48% dos doentes elegíveis para o estudo. Tais
ON, superior aos estudos supracitados. Os autores atribuem critérios poderão ter levado a uma inclusão de doen-
estes eventos a uma provável componente vasodepressora tes com uma componente vasodepressora predominante
que contribui para o mecanismo de alguns dos episódios como mecanismo fisiopatológico do seu episódio sincopal.
sincopais55 . Do mesmo modo, no estudo VPS II foram incluídos doen-
O estudo de Russo et al. (n = 50) incluiu somente doen- tes com uma componente vasodepressora predominante,
tes com síncope de causa cardio-inibitória com assistolia uma vez que a média de FC regista mais baixa foi de
> 3 segundos, os quais foram aleatorizados para PMD-DDR 53 bpm e apenas 19% dos doentes apresentaram FC < 40
com algoritmo Closed-Loop Stimulation (CLS) ou PMD OFF. bpm, contrastando com os critérios de inclusão nos estu-
Os doentes a receber tratamento ativo tiveram uma redução dos positivos, mais restritivos relativamente à componente
do número de episódios sincopais, comparativamente com cardio-inibitória.
os doentes sem tratamento ativo (2 versus 15 episódios; p = O valor diagnóstico do TT para uma deteção precisa
0,007), ao longo de 36 meses de seguimento56 . de componente cardio-inibitória como causa do episódio
Recentemente, o estudo SPAIN (n = 46) mostrou um bene- sincopal tem sido questionado60 . A evidência atual indica
fício da intervenção PMD DDD-CLS comparativamente com que a presença de uma resposta cardio-inibitória durante o
sham PMD-DDI, com uma redução em ≥ 50% dos eventos, TT prevê, com alta probabilidade, a síncope por assistolia
significativamente superior no primeiro grupo comparativa- e, com base nestes achados, as atuais Recomendações
mente com o segundo (72% versus 28%; p = 0,017). Ao longo europeias consideram o TT como fundamental no algo-
do primeiro ano do estudo, os eventos sincopais foram menos ritmo diagnóstico de assistolia para potencial decisão de
frequentes nos doentes do grupo de intervenção compara- colocação de PMD, sobretudo em doentes com idade > 40
tivamente com o grupo sham [8,7% versus 45., %; Hazard anos e síncope recorrente cardio-inibitória22 .
Ratio (HR): 6,7; 95% IC: 2,3-19.8] ao longo de um seguimento Os dados descritos numa meta-análise que avaliou o uso
médio de 22,2 ± 5,1 meses. No segundo ano do estudo, em do PMD na recorrência da síncope reflexa sugerem que a
que se procedeu a um cruzamento dos grupos, foi eviden- evidência do seu uso é limitada nesta entidade clínica61 .
ciada uma recorrência de síncope em 29% dos doentes que Ainda que a análise dos estudos sem dupla ocultação aponte
previamente tinham recebido DDD-CLS, concomitantemente para uma menor incidência de síncope com o uso de PMD,
como uma redução em > 50% dos eventos sincopais em todos os únicos dois estudos aleatorizados e de dupla ocultação
os doentes que previamente tinha recebido o sham PMD- incluídos (SYNPACE e ISSUE-3) não demonstraram benefí-
-DDI (p = 0,0003), achados estes que aumentam a força de cio estatisticamente significativo neste outcome. Os autores
evidência desta intervenção57 . referem que tal discrepância pode ser o resultado do viés
Abordagem diagnóstica e terapêutica da síncope reflexa cardio-inibitória 671
dos estudos sem ocultação61 . Ainda assim, seria interessante Abordagem da síncope reflexa
proceder a uma atualização desta revisão sistemática com a
inclusão do recentemente publicado estudo SPAIN, uma vez História clínica, exame objetivo, teste de tilt
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