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ATUALIZAÇÃO TERAPÊUTICA

Choque hemorrágico e trauma: breve


revisão e recomendações para manejo do
sangramento e da coagulopatia
Hemorrhagic shock and trauma: brief review and
recommendations for management of bleeding and
coagulopathy

Pedro Francisco Brandão1; Pedro Henrique Alvares Paiva Macedo2; Felipe Schaeffer Ramos3

DOI: 10.5935/2238-3182.20170041

RESUMO
1
Anestesiologista, Título Superior em Anestesio-
O choque consiste em um estado de má perfusão tecidual, sendo o tipo hemorrágico logia (TSA/SBA), Coordenador do Serviço de
Anestesiologia do Hospital Estadual Dr. Jayme
o mais comum em vítimas de trauma. Nessa circunstância, utilizam-se estratégias para Santos Neves – Serra/ES;
garantir oferta tecidual de oxigênio, além de prevenir e tratar coagulopatias. Nesta revi- 2
Anestesiologista, Título Superior em Anestesio-
logia (TSA/SBA), Centro de Estudos de Anestesia
são da literatura médica, a quarta edição do guideline europeu para manejo do grande – Goiânia/GO;
sangramento e da coagulopatia no trauma foi utilizada como base, além de outras 3
Médico em Especialização em Anestesiologia
do Hospital Evangélico de Vila Velha – Vila
publicações relacionadas – em língua inglesa e em português. Velha/ES.
Os pacientes com lesões traumáticas devem ser rapidamente transportados para um
centro especializado. Além disso, medidas para monitorar e conservar a coagulação
devem ser iniciadas o mais precocemente possível e utilizadas para guiar a ressuscita-
ção. Quando indicada, uma abordagem de controle de danos deve guiar a conduta. O
manejo do choque hemorrágico é complexo e, apesar de todo o conhecimento que se
agregou ao tema nos últimos anos, as taxas de mortalidade permanecem altas. Ainda
existem controvérsias quanto às melhores estratégias de ressuscitação e, para que se
possa evoluir, é necessário estabelecer abordagens terapêuticas baseadas em evidên-
cias e com claros objetivos.
Palavras-chave: choque; coagulação sanguínea; ferimentos e lesões; hemorragia

ABSTRACT

Shock is a state of poor tissue perfusion and the hemorrhagic type is the most common
in trauma victims. In this circumstance, strategies are used to guarantee tissue supply of
oxygen, as well as to prevent and treat coagulopathies. The fourth edition of the europe-
an guideline on management of major bleeding and coagulopathy following trauma was
used as a basis, as well as other related publications - in English and Portuguese. Patients
with traumatic injuries should be transported quickly to a specialized center. In addition,
Hospital Estadual Dr. Jayme Santos Neves –
measures to monitor and maintain coagulation should be started as early as possible HEJSN
and used to guide resuscitation. When indicated, a damage control approach should
guide the conduct. The management of hemorrhagic shock is complex and, despite all
the knowledge that has been added to the topic in recent years, mortality rates remain
high. There is still controversy regarding the best resuscitation strategies and, in order
to evolve, it is necessary to establish evidence-based therapeutic approaches with clear
objectives.
Key words: shock; blood coagulation; wounds and injuries; hemorrhage

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Choque hemorrágico e trauma: breve revisão e recomendações para manejo do sangramento e da coagulopatia

INTRODUÇÃO Pacientes submetidos a cirurgias eletivas devem


ser estratificados quanto à probabilidade de evoluí-
Define-se choque como o estado de má perfusão rem com grandes perdas sanguíneas no intra-operató-
tecidual, cuja etiologia é diversa, sendo o tipo he- rio. Para aqueles considerados de alto risco, devem-
morrágico o mais comum em pacientes vítimas de -se utilizar estratégias a fim de se minimizarem essas
trauma. Nesse caso, a infusão de fluidos é um dos perdas – como o uso de agentes antifibrinolíticos,
tratamentos fundamentais para estabilização hemo- indução de hipotensão, hemodiluição normovolêmi-
dinâmica, entretanto a expansão volêmica excessiva ca, cell-saver.2
pode causar complicações graves para o paciente Pacientes previamente anêmicos devem ser abor-
crítico, como congestão sistêmica e pulmonar, cor dados no sentido de otimizar a oferta tecidual de oxi-
pulmonale, edema intestinal, injúria renal e – conse- gênio antes da intervenção cirúrgica – seja por meio
quentemente – aumento da morbidade e da morta- da transfusão de hemácias ou pela oferta de substân-
lidade. Portanto, a quantidade ideal de fluidos a ser cias necessárias para a produção de hemácias, como
infundida deve ser avaliada individualmente, e dispo- a eritropoietina e as preparações de sais de ferro, no
sitivos avançados de monitorização podem ser úteis pré-operatório. Assim, busca-se minimizar a necessi-
nesses casos.1 dade de hemocomponentes e as consequências ne-
O choque hipovolêmico pode ser: (1) hemorrá- gativas da terapia transfusional.
gico, em virtude de perdas sanguíneas para o meio Quando possível, recomenda-se a aplicação de
externo – com óbvia manifestação da perda san- questionários antes da realização de cirurgias ou de
guínea – ou para o meio interno (hemotórax, he- procedimentos invasivos a fim de se avaliarem as co-
morragia digestiva, hemoperitônio – p. ex.); ou (2) morbidades e para tomar conhecimento da história
não-hemorrágico, por perda de fluido acelular para pessoal e/ou familiar de sangramento. Essa anamne-
o meio externo (vômitos, diarreia, diurese osmótica) se é preferível em relação a execução rotineira de
ou por transferência de fluidos para o meio extravas- testes de coagulação, que frequentemente apresen-
cular (edemas, derrames cavitários). A hemorragia é tam resultados pouco acurados – além de agregarem
a maior causa de morte potencialmente prevenível custos ao sistema de saúde. Conforme publicação
após um trauma, em cuja fase aguda deve-se priorizar do National Institute for Health and Care Excellence,
a interrupção do sangramento. Quando a perda volê- testes de hemostasia em situações eletivas devem ser
mica é persistente e não manejada adequadamente, solicitados apenas na presença de comorbidades ou
pode haver progressão para o choque hemorrágico, de história clínica que justifiquem a presença de co-
estado patológico em que há queda do volume intra- agulopatias.5
vascular e da oferta de oxigênio. Nessa circunstância,
a fim de se prevenirem hipóxia, inflamação e disfun- Sinais, sintomas e classificação das perdas sanguíne-
ção orgânica, utilizam-se expansores plasmáticos, va- as
sopressores e hemocomponentes para garantir oferta
tecidual de oxigênio, prevenir e tratar coagulopatias. Os sinais do choque hipovolêmico não são espe-
Entretanto, há divergências na literatura quanto à me- cíficos e decorrem de hipoperfusão sistêmica. Podem
lhor estratégia nesse sentido – tanto na escolha dos ocorrer alterações do nível de consciência, palidez
expansores plasmáticos, quanto dos alvos hemodinâ- cutânea e oligúria. Taquicardia, taquipneia e hipo-
micos e das estratégias transfusionais.2 tensão são alguns achados do exame físico, porém
surgem mais provavelmente nos estágios avançados
Classificação das recomendações de hipovolemia. Por isso, o diagnóstico e o tratamen-
to precoce do choque não devem depender apenas
A classificação das recomendações a serem cita- dessas variáveis. Devem-se considerar também alte-
das pode ser visualizada na TABELA 1.3 rações metabólicas e microcirculatórias – bem como
variáveis hemodinâmicas mais sensíveis e específi-
REVISÃO DE LITERATURA cas. O American College of Surgeons, por meio do
ATLS (Advanced Trauma Life Support), estratifica as
A quarta edição do guideline europeu para ma- perdas sanguíneas, baseando-se na apresentação ini-
nejo do grande sangramento e da coagulopatia no cial do paciente (TABELA 2).6
trauma4 foi utilizada como base, além de outras pu-
blicações relacionadas – em língua inglesa e em por- Monitorização hemodinâmica
tuguês.
A pressão venosa central é idealmente aferida
Estratégias de redução de risco na junção da veia cava superior com o átrio direito
e reflete o balanço entre o volume intravascular, a

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capacitância venosa e a função do ventrículo direito. coagulopatia é frequente (10 a 34% dos pacientes –
O cateter de artéria pulmonar possibilita conhecer as dependendo da gravidade do choque e do trauma)
pressões do átrio direito, da artéria pulmonar e de e constitui fator independente de morbidade e de
oclusão de capilar pulmonar. Além disso, proporcio- mortalidade nesse contexto. Por isso, é crucial evitar
na aferição do débito cardíaco e da saturação veno- atrasos na administração de hemocomponentes para
sa mista de oxigênio (SvO2).7 garantir adequada ressuscitação hemostática.12,13
A monitorização da SvO2 é executada por meio
da coleta de sangue da artéria pulmonar e a aferição Transfusão maciça (TM)
da saturação venosa central de O2 (SvcO2) é realiza-
da através de cateter venoso central. Valores baixos Existem vários conceitos para TM: o mais tradi-
de SvO2 (<65-70%) e de ScvO2 (<60-65%) indicam cional a define como substituição de toda a volemia
hipoperfusão tissular global e demandam correção. em até 24hs e/ou transfusão de pelo menos dez uni-
Quando há prejuízo significativo à oferta ou à dades de concentrados de hemácias (CH) em até
utilização de oxigênio, ocorre aumento dos níveis 24hs.12 Outras definições mais dinâmicas consideram
séricos de lactato, cujo clearence pode ser útil em a transfusão de quatro ou mais CH em até uma hora,
pacientes críticos – quando interpretado em conjun- associada a sangramento ativo, ou a substituição de
to a outros marcadores.8 mais de 50% da volemia em até três horas. Nesses
A monitorização de variações dinâmicas envolve casos, é importante administrar precocemente os
provocar alterações da pré-carga a fim de predizer produtos do sangue – hemácias, plasma e plaquetas
a resposta hemodinâmica à terapia de expansão do – em uma razão que tende a ser de 1:1:1. Essa es-
volume intravascular. Dentre elas, pode-se citar a ele- tratégia está associada a redução da mortalidade em
vação passiva das pernas, a variação do calibre da situações de trauma – tanto em combatentes, quanto
veia cava inferior e a variação da pressão de pulso em civis.13,14
(Delta PP).
Outras tecnologias de monitorização minima- Recomendações para manejo do choque hemor-
mente [ou não-] invasivas incluem ecocardiograma, rágico
doppler esofagiano e análise do contorno do pulso
arterial (como LIDCO®, PiCCO® e FloTrac®).8 As recomendações para ressuscitação inicial,
prevenção de sangramento adicional, diagnóstico
Ressuscitação de controle de danos (RCD) e monitorização do sangramento são resumidas na
FIGURA 1.4
Cirurgia de controle de danos (CCD) é um con-
ceito de laparotomia abreviada, desenvolvido para As demais recomendações do guideline euro-
priorizar a recuperação fisiológica a curto prazo em peu4 seguem abaixo:
detrimento da reconstrução anatômica em pacientes
gravemente traumatizados. Nos últimos dez anos, um Oxigenação tecidual, tipo de fluido e manejo da tem-
novo paradigma emergiu dentro desse conceito: a peratura
RCD, cujos objetivos iniciais são ressuscitação hipo-
tensiva e administração de produtos do sangue para ■■ Oxigenação tecidual: recomenda-se o alvo de
prevenir a tríade letal do trauma (acidose, coagulo- pressão arterial (PA) sistólica de 80–90 mmHg,
patia e hipotermia).9 Assim, é essencial que aqueles até que o sangramento principal seja interrom-
que lidam com o trauma estejam familiarizados com pido, na fase inicial do trauma sem lesão cere-
esses princípios, pois essa estratégia pode represen- bral. (Grau 1C) Em pacientes com traumatismo
tar a diferença entre um bom e um mal desfecho. O cranioencefálico (TCE) grave (Escala de Coma
anestesiologista, portanto, possui papel fundamental de Glasgow ≤8), recomenda-se manter PA média
na oferta adequada dessa modalidade terapêutica. ≥80 mmHg. (Grau 1C).
10, 11
■■ Reposição volêmica restritiva: recomenda-se
uma estratégia de reposição volêmica restritiva
Coagulopatia relacionada ao trauma para alcançar os alvos pressóricos até que o san-
gramento possa ser controlado. (Grau 1B)
Sabe-se que vários mecanismos interagem e con- ■■ Vasopressores e agentes inotrópicos: na presen-
tribuem para o desenvolvimento da coagulopatia ça de hipotensão ameaçadora à vida, recomen-
relacionada ao trauma, como: perda de fatores e pla- da-se administração de vasopressores associa-
quetas por diluição; ativação excessiva da coagula- dos a fluidos para manter o alvo de PA. (Grau
ção; fibrinólise; hipotermia; acidose; hipocalcemia; 1C) Recomenda-se ainda infusão de agente ino-
e anemia. No choque hemorrágico traumático, a trópico na presença de disfunção miocárdica.

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(Grau 1C) as medidas de monitorização e de conservação


■■ Tipo de fluido: recomenda-se iniciar fluidotera- da coagulação sejam iniciadas imediatamente
pia com soluções cristaloides isotônicas no pa- após a admissão hospitalar. (Grau 1B)
ciente traumatizado com hemorragia e hipoten- ■■ Ressuscitação inicial da coagulação: no mane-
são. (Grau 1A) Sugere-se evitar o uso excessivo jo inicial de pacientes com expectativa de he-
de solução de NaCl 0,9%. (Grau 2C) Recomen- morragia maciça, recomenda-se uma das duas
da-se evitar soluções hipotônicas como ringer seguintes estratégias: (1) plasma (plasma fresco
lactato em pacientes com TCE grave. (Grau 1C) congelado ou plasma com inativação de patóge-
Sugere-se que o uso de coloides seja restrito devi- nos) – em proporção plasma–CH de, pelo me-
do aos efeitos adversos para a hemostasia. (Grau nos, 1:2 – conforme necessário. (Grau 1B); ou
2C) (2) CH de acordo com os níveis de Hb e concen-
■■ Eritrócitos: recomenda-se um alvo de hemoglo- trado de fibrinogênio. (Grau 1C)
bina (Hb) entre 7 e 9 g/dL. (Grau 1C) ■■ Agentes antifibrinolíticos: recomenda-se admi-
■■ Manejo da temperatura: recomenda-se aplica- nistração de ácido tranexâmico (ATX) o mais
ção precoce de medidas para reduzir as perdas precocemente possível em pacientes traumati-
de calor e para aquecer o paciente hipotérmico zados que estejam sangrando, ou que possuam
a fim de alcançar e manter normotermia. (Grau risco de hemorragia significativa, na dose inicial
1C) de 1g – infundido em 10 minutos, seguida por
infusão intravenosa contínua de 1g ao longo de
Controle rápido do sangramento 8 horas. (Grau 1A) Recomenda-se que a admi-
nistração de ATX ao paciente traumatizado com
■■ Cirurgia de controle de danos: recomenda-se sangramento ocorra nas primeiras três horas
o emprego de CCD em pacientes gravemente após a lesão (Grau 1B). Sugere-se que protoco-
traumatizados que se apresentam em profundo los para manejo da hemorragia considerem a
choque hemorrágico com sinais de sangramento administração da primeira dose de ATX na fase
ativo e coagulopatia. (Grau 1B) Os fatores que pré-hospitalar do trauma. (Grau 2C).
podem indicar a abordagem de controle de da-
nos são coagulopatia grave, hipotermia, acidose, Ressuscitação adicional
lesão anatômica extensa inacessível, necessida-
de de procedimentos prolongados ou lesão ex- ■■ Terapia guiada por metas: recomenda-se que as
tensa concomitante fora do abdome. (Grau 1C) medidas de ressuscitação utilizem uma estraté-
Recomenda-se também manejo cirúrgico defini- gia guiada por metas e direcionada por testes
tivo primário em pacientes hemodinamicamente laboratoriais e/ou viscoelásticos da coagulação.
estáveis e na ausência dos fatores acima. (Grau (Grau 1C)
1C) ■■ Plasma fresco congelado: se a estratégia de res-
■■ Estabilização e fechamento do anel pélvico: re- suscitação for baseada na administração de plas-
comenda-se que pacientes com rotura do anel ma, recomenda-se infundi-lo de forma a manter
pélvico em choque hemorrágico sejam subme- o tempo de protrombina e o tempo de trombo-
tidos a estabilização e fechamento imediatos da plastina parcial ativada <1,5 vezes os valores
pelve. (Grau 1B) normais. (Grau 1C) Recomenda-se evitar a trans-
■■ Tamponamento, embolização e cirurgia: reco- fusão de plasma em pacientes sem sangramento
menda-se que pacientes hemodinamicamente substancial. (Grau 1B)
instáveis – apesar de adequada estabilização do ■■ Fibrinogênio e criopreciptado: se uma estratégia
anel pélvico – recebam tamponamento retrope- baseada em concentrados for utilizada, recomen-
ritoneal precoce, embolização angiográfica e/ou da-se tratamento com concentrado de fibrinogê-
controle cirúrgico do sangramento. (Grau 1B) nio ou criopreciptado – se houver sangramento
■■ Medidas hemostáticas locais: recomenda-se o significativo e presença de sinais viscoelásticos
uso de agentes hemostáticos tópicos, combina- de déficit funcional de fibrinogênio, ou se os ní-
dos a outras medidas cirúrgicas ou ao tampona- veis plasmáticos de fibrinogênio forem inferiores
mento, para sangramentos venosos – ou arteriais a 1,5–2,0g/L. (Grau 1C) Sugere-se suplementação
moderados – associados a lesões parenquimato- inicial do fator com 15-20 unidades de criopre-
sas. (Grau 1B) ciptado ou 3-4g de concentrado de fibrinogênio.
As doses podem ser repetidas conforme a moni-
Manejo inicial do sangramento e da coagulopatia torização viscoelástica e a avaliação laboratorial
dos níveis de fibrinogênio. (Grau 2C)
■■ Conservação da coagulação: recomenda-se que ■■ Plaquetas: recomenda-se administração de pla-

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quetas para manter a contagem acima de 50 × ■■ Anticoagulantes orais diretos – inibidores da


109/L. (Grau 1C) Sugere-se manutenção da con- trombina: sugere-se mensuração dos níveis plas-
tagem acima de 100 × 109/L em pacientes com máticos de dabigatran nos pacientes tratados,
sangramento ativo e/ou TCE. (Grau 2C) Se forem ou sob suspeita de estarem em tratamento, com
necessárias, sugere-se uma dose inicial de qua- dabigatran. Se a mensuração for impossível ou
tro a oito unidades de plaquetas ou de uma uni- inviável, sugere-se avaliação qualitativa da pre-
dade obtida por aférese. (Grau 2C) sença de dabigatran através do tempo de trom-
■■ Cálcio: recomenda-se que os níveis de cálcio bina e do tempo de tromboplastina parcial ativa-
iônico sejam monitorados e mantidos dentro do. (Grau 2C) Se o sangramento for ameaçador
do intervalo de normalidade durante transfusão à vida, sugere-se tratamento com idarucizumab
maciça. (Grau 1C) 5g (Grau 1B) ou, se indisponível, sugere-se tra-
■■ Agentes antiplaquetários: sugere-se administra- tamento com altas doses de CCP/CCP ativado
ção de plaquetas em pacientes com sangramen- (25–50U/kg) – em ambos os casos, combina-se
to substancial ou com hemorragia intracrania- ATX 15mg/kg (ou 1g). (Grau 2C)
na e que estejam em tratamento com agentes ■■ Fator VII recombinante ativado (rFVIIa): sugere-
antiplaquetários (Grau 2C) Sugere-se mensurar -se que o uso off-lable do rFVIIa seja considerado
a função plaquetária em pacientes tratados ou apenas em sangramentos extensos associados a
sob suspeita de estarem em tratamento com coagulopatia traumática persistente – apesar de
agentes antiplaquetários. (Grau 2C) Sugere-se todas as outras tentativas para controlar o san-
tratamento com concentrados de plaquetas se gramento e do emprego das mais efetivas medi-
houver disfunção plaquetária documentada em das hemostáticas convencionais. (Grau 2C)
paciente com sangramento microvascular contí- ■■ Tromboprofilaxia: recomenda-se tromboprofila-
nuo. (Grau 2C) xia farmacológica até 24hs após o controle do
■■ Desmopressina: sugere-se que a desmopressina sangramento. (Grau 1B) Recomenda-se trom-
(0,3μg/kg) seja administrada em pacientes tra- boprofilaxia mecânica precoce através da com-
tados com agentes inibidores plaquetários ou pressão pneumática intermitente (Grau 1C) e do
com doença de von Willebrand. (Grau 2C) Não uso de meias anti-embolia. (Grau 2C) Não se re-
é recomendado o uso rotineiro da desmopres- comenda o uso rotineiro de filtros de veia cava
sina em pacientes traumatizados que estejam inferior como tromboprofilaxia.
sangrando. (Grau 2C)
■■ Concentrado de complexo protrombínico COMENTÁRIOS
(CCP): recomenda-se o uso precoce de CCP
para reversão emergencial do efeito dos anticoa- Pacientes com lesões traumáticas devem ser
gulantes orais dependentes da vitamina K. (Grau transportados o mais rapidamente possível para um
1A) Sugere-se a administração de CCP para ate- centro especializado. Além disso, medidas para mo-
nuar o sangramento pós-traumático que repre- nitorar e conservar a coagulação devem ser iniciadas
sente ameaça a vida em pacientes tratados com o mais precocemente possível e utilizadas para guiar
novos anticoagulantes orais. (Grau 2C). Quando a ressuscitação. Quando indicada, uma abordagem
houver sangramento na presença de níveis nor- de controle de danos deve guiar o manejo do pacien-
mais de fibrinogênio e evidência de atraso no te.
início da coagulação, documentada através de Além disso, sempre que se recomendar tratamen-
testes viscoelásticos, sugere-se administrar CCP to ou profilaxia antitrombótica, deve-se ter consciên-
ou plasma. (Grau 2C) cia da real indicação da prescrição e do potencial
■■ Anticoagulantes orais diretos – inibidores do risco trombótico, particularmente em idosos – uma
fator Xa: sugere-se mensuração dos níveis plas- vez que lesões traumáticas que ocorrem na vigência
máticos dos agentes anti-fator Xa – como rivaro- desses tratamentos tendem a ser consideravelmente
xaban, apixaban ou edoxaban – nos pacientes mais graves.
tratados, ou sob suspeita de estarem em trata- Outro ponto fundamental é a aderência aos pro-
mento, com alguma dessas medicações. (Grau tocolos de tratamento – multidisciplinares e basea-
2C) Se a mensuração for impossível ou inviá- dos em evidências – que devem servir como pilar
vel, sugere-se buscar aconselhamento com um para o planejamento das condutas.
hematologista. (Grau 2C) Se o sangramento for
ameaçador à vida, sugere-se tratamento com CONCLUSÃO
ATX 15mg/kg (ou 1g) e altas doses de CCP/CCP
ativado (25–50U/kg) – enquanto antídotos espe- O manejo do choque hemorrágico é complexo e,
cíficos não estiverem disponíveis. (Grau 2C) apesar de todo o conhecimento que se agregou ao

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Choque hemorrágico e trauma: breve revisão e recomendações para manejo do sangramento e da coagulopatia

tema nos últimos anos, as taxas de mortalidade ainda resuscitation: More than just transfusion
permanecem altas. Nesse cenário, o papel principal strategies. Curr Anesthesiol Rep. 2016.
do anestesiologista inclui manejar a coagulopatia, ga- 12. Patil, Vijaya, Shetmahajan M. Massive transfusion
rantir oferta de oxigênio – apesar do sangramento – e and massive transfusion protocol. Indian j.
limitar a hipóxia tecidual, a inflamação e a disfunção anaesth. 2014; 58.5: 590–5.
orgânica.
13. Bouglé A, Harrois A, Duranteau J. Resuscitative
Ainda existem controvérsias quanto às melhores
strategies in traumatic hemorrhagic shock. Ann
estratégias de ressuscitação e, para que se possa evo-
Intensive Care. 2013; Jan 12:3(1)-1.
luir, é necessário estabelecer abordagens terapêuti-
cas baseadas em evidências e com claros objetivos 14. Pham HP, Shaz BH. Update on Massive
quanto a administração de fluidos, alvos pressóricos Transfusion. Br. j. anaesth. 2013; 11(S1): 71-82.
e níveis de hemoglobina para limitar os riscos da so-
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ILUSTRAÇÕES

TABELA 1: Classificação das recomendações

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Tabela 2: Classificação de perdas sanguíneas baseada na apresentação inicial do paciente*

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Choque hemorrágico e trauma: breve revisão e recomendações para manejo do sangramento e da coagulopatia

Figura 1: Sumário das modalidades de tratamento para o sangramento relacionado ao trauma. TC: tomografia
computadorizada; Hb: hemoglobina; BD: déficit de bases; TP: tempo de protrombina; TTPa: tempo de trombo-
plastina parcial ativada. Fonte: adaptado de Roissant et al, 2016.4.

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