Você está na página 1de 7

DIAGNÓSTICO E MANEJO DO PACIENTE PORTADOR DE ESTENOSE

AÓRTICA
Eduardo Gatti Pianca
Lavínia Garcia Flores
João Carlos Vieira da Costa Guaragna

UNITERMOS
ESTENOSE DA VALVA AÓRTICA/Diagnóstico; ESTENOSE DA VALVA AÓRTICA/Terapêutica.

KEYWORDS
AORTIC VALVE STENOSIS/Diagnosis; AORTIC VALVE STENOSIS/Therapeutics.

SUMÁRIO
Os autores desse artigo fazem uma revisão sobre estenose aórtica,
enfatizando seus aspectos clínicos, classificação de risco e modalidades
terapêuticas.

SUMMARY
The authors of this article make a review of aortic stenosis, emphasizing its
clinical aspects, risk assessment and therapeutic modalities.

INTRODUÇÃO
A estenose aórtica (EA) é uma doença progressiva, inicia seu curso de
maneira assintomática e ao longo do tempo culmina com os sintomas de
dispneia, síncope e angina. Uma vez que o paciente apresente as manifestações
descritas, sua sobrevida média passa a ser de 2, 3 e 5 anos, respectivamente, e a
sua probabilidade de morte súbita de 3-5% nos assintomáticos, até 34% nos
sintomáticos.1

EPIDEMIOLOGIA
A esclerose valvar aórtica (espessamento e calcificação sem gradiente de
pressão) acomete cerca de um quarto dos adultos com mais de 65 anos,
enquanto que a EA está presente em 2%-9% da população geral. Um aumento
na prevalência de ambas condições é observado em relação à idade (48% e 4%
em indivíduos acima de 85 anos).
A etiologia do processo patológico da valva aórtica tem se alterado nos
últimos anos. A frequência relativa de doença reumática diminuiu, enquanto a
forma calcífica-degenerativa de EA aumentou para 46%. Fatores de risco
associados à EA são semelhantes aos associados à ateroesclerose: idade, sexo
masculino, altura (relação inversa), tabagismo, história de hipertensão, níveis
séricos elevados de lipoproteina (a) e de LDL colesterol.2

AVALIAÇÃO CLÍNICA e INVESTIGAÇÃO


Ao exame físico, na EA grave, nota-se um sopro de ejeção rude, mais
intenso na borda esternal superior direita, e que irradia-se para fúrcula e
carótidas, abafando B2 ou com desdobramento paradoxal de P2 devido ao
retardo do fechamento da válvula aórtica. Uma B4 também pode estar presente
devido à contração atrial vigorosa, assim como um click junto com B1. Algumas
vezes o sopro pode irradiar-se para o ápice e aparecer com uma qualidade
musical, lembrando o som da regurgitação mitral, este é o chamado fenômeno
de Gallavardin. A intensidade do sopro aumenta com a elevação das pernas,
agachamento súbito, seguido de pausa após contração prematura ou após
administração de nitrato. Diminui com manobra de Valsalva ou após manobra
de handgrip (esforço isométrico, como pressão das mãos; provoca aumento na
resistência vascular simétrica).3
A obstrução ao fluxo pela válvula aórtica estenosada provoca uma
sobrecarga de pressão no ventrículo esquerdo (VE) levando-o inicialmente a
uma hipertrofia concêntrica do ventrículo como forma de compensação e,
conforme a severidade e tempo de evolução da obstrução, resultando em
insuficiência cardíaca. Devido à redução do volume de ejeção a pressão do pulso
arterial está diminuída e o pulso é fraco e pequeno (Parvus tardus). A ascensão
pode aparentar estar mais lenta e o pico prolongado em relação ao normal.
O ecocardiograma é o procedimento que: confirma o diagnóstico, define a
anatomia da válvula, fornece informação quantitativa do grau de estenose,
informa a coexistência de outras lesões valvares e infere o comprometimento
do VE pela sobrecarga crônica a que tem se submetido. Do ponto de vista
prático, é o procedimento que permite dar seguimento ao longo dos anos,
detectar oportunamente o grau de comprometimento da válvula e indicar o
momento cirúrgico adequado. A área valvar aórtica normal varia de 3 à 4 cm². A
EA é classificada como: leve quando apresenta gradiente médio < 20mmHg e
área valvar >1,5 cm², moderada com valores entre 20 e 40mmHg e entre 1,0 e
1,5cm², severa quando >40mmHg e <1,0cm².
Mesmo na presença de EA grave, exames como o Raio-x de tórax e o
eletrocardiograma de repouso podem permanecer inalterados, não possuindo
sensibilidade e especificidade adequadas para o diagnóstico dessa condição.
Hipertensão arterial pode interferir com a estimativa do grau de EA, portanto os
níveis pressóricos do paciente devem ser medidos durante o procedimento e
mantidos em níveis ótimos.4
É importante lembrar que, em pacientes adultos, não é raro a coexistência
de doença coronariana com EA. Isto obriga a realização prévia de
coronariografia, uma vez que, em casos de alterações significativas, a cirurgia de
troca valvar deve ser acompanhada de cirurgia de revascularização do
miocárdio (CRM).5

TRATAMENTO CLÍNICO
Todos os pacientes devem ser cuidadosamente educados sobre as
implicações dos sintomas, para que os mesmos sejam relatados ao seu médico,
assim como qualquer adaptação de atividade física. É de fundamental
importância controlar fatores de risco para ateroesclerose embora ainda sejam
necessários estudos adicionais para estimar o valor preditivo da terapia
agressiva de redução de lipídios no desfecho clínico.
Pacientes com calcificação moderada à severa da valva aórtica e
velocidade de pico da valva aórtica > 4m/s na avaliação inicial devem ser
reavaliados a cada 6 meses a procura de sintomas, alterações na tolerância ao
exercício e parâmetros ecocardiográficos. Se houver evidência de progressão da
doença, a cirurgia deve ser considerada. Em pacientes que não preenchem estes
critérios, uma avaliação anual é suficiente, devendo ser mais precoce naqueles
com valores limítrofes.6

TRATAMENTO CIRÚRGICO

A sequência da indicação do tratamento segue o algoritmo apresentado na


Figura 1.
Figura 1- Adaptada de The Joint Task Force on the Management of Valvular
Heart Disease of the European Society of Cardiology (ESC) and the European
Association for Cardio-Thoracic Surgery (EACTS).Guidelines on the
management of valvular heart disease. Eur. Heart

A cirurgia de troca valvar aórtica é a terapia de escolha em pacientes


sintomáticos. Pacientes que sobrevivem à cirurgia apresentam uma expectativa
de vida quase normal: 99% sobrevivem no mínimo 5 anos, 85% no mínimo 10
anos, e 82% por 15 anos. Quase todos os pacientes apresentam melhora na
fração de ejeção e nos sintomas de insuficiência cardíaca, sendo que aqueles
que apresentavam sintomas mais avançados no pré-operatório se beneficiaram
mais com o procedimento cirúrgico.
Em pacientes com EA severa, assintomáticos, a American Heart Association
e o American College of Cardiology recomendam a cirurgia de troca valvar
aórtica se a fração de ejeção do VE for < 50%, ou caso o paciente seja submetido
à CRM, ou outra cirurgia cardíaca. A ergometria serve como um meio de
identificar aqueles mais propensos a desenvolver sintomas, ou aqueles que mais
se beneficiariam com o tratamento cirúrgico.
A cirurgia deve ser considerada em pacientes assintomáticos com provável
progressão rápida da EA (exemplo: idosos, portadores de doença arterial
coronariana, calcificação severa), ou caso a cirurgia fosse adiada com o início
dos sintomas. Ainda, em pacientes com EA muito severa (área valvar < 0,6 cm²,
gradiente médio > 60mmHg, velocidade > 5,0 m/s) se a mortatildade operatória
for menor de 1%, a cirurgia também deve ser considerada.7
A bioprótese apresenta menos falhas estruturais em pacientes idosos
comparados aos jovens e pode ser preferível, nesse grupo, em relação à prótese
mecânica devido à necessidade de anticoagulação indefinida desta. Usuários de
bioprótese podem ser tratados com uma dose de AAS diária de 75-100mg, a
menos que apresentem fibrilação atrial, episódio prévio de tromboembolismo,
estado hipercoagulante, ou disfunção sistólica do VE - condições em que a
terapia antitrombótica é necessária.8 Os riscos cirúrgico e de óbito são avaliados
e apresentados nas Tabelas 1 e 2, respectivamente.

Risco Cirúrgico
Tabela 1 – Adaptada de GUARAGNA, João Carlos da Tabela 2 – Adaptada de GUARAGNA, João Carlos da
Costa et al. Proposta de escore de risco pré- Costa et al. Proposta de escore de risco pré-
operatório para pacientes candidatos à cirurgia operatório para pacientes candidatos à cirurgia
cardíaca valvar. Arq. Bras. Cardiol; São Paulo, v.94, cardíaca valvar. Arq. Bras. Cardiol; São Paulo, v.94,
nº4, Apr. 2010 nº4,Apr.2010

A partir da experiência do setor de pós-operatório de cirurgia cardíaca do


Hospital São Lucas da PUC-RS e de estudos prévios da literatura, foi possível
construir um escore de risco para óbito (HSLPUC – RS) para pacientes
submetidos à cirurgia valvar. Os fatores de risco que se associaram à ocorrência
de óbito hospitalar após cirurgia cardíaca valvar foram: idade acima de 60 anos,
prioridade cirúrgica, sexo feminino, fração de ejeção FE ≤ 45%, CRM
concomitante, hipertensão pulmonar, classe funcional III ou IV da NYHA e
creatinina elevada.9

TRATAMENTO PERCUTÂNEO
Em pacientes com EA severa, sintomáticos, com contraindicação cirúrgica
devido ao alto risco operatório, procedimentos menos invasivos são preferíveis.
O implante valvar aórtico transcateter é realizado através de duas abordagens:
transfemoral retrógrada – mais utilizada – ou transapical anterógrada. O
procedimento é realizado sob controle angiográfico, hemodinâmico e
ecocardiográfico, com colocação de marcapasso transitório por 48h.10
A bioprótese autoexpansível, fabricada pela CoreValve Inc, é feita de
pericárdio suíno, trivalvar, suturada a um stent autoexpansível de nitinol. A
porção distal da prótese implanta-se na saída do VE e ao nível do anel valvar
com grande força radial, permitindo sua expansão. A porção central é
desenhada para evitar a obstrução da porção inicial das coronárias, enquanto a
proximal expande-se até firmar-se à parede da aorta ascendente,
proporcionando estabilidade longitudinal junto com alinhamento coaxial
correto.11
O estudo PARTNER B randomizou pacientes com EA severa contrandicados
ao tratamento cirúrgico pelo escore da Society of Thoracic Surgeons para
tratamento padrão (com valvoplastia por balão em 84%) e para implante
transcateter valvar aórtico. Houve uma melhora da sobrevida em 1 ano no
grupo que recebeu o implante percutâneo (mortalidade por qualquer causa
30,7% vs 50,7%; P < 0,001), porém o mesmo apresentou mais complicações
relacionadas ao procedimento, como eventos vasculares (16,2% vs 1,1%; P <
0,001) e acidente vascular encefálico (5,0% vs 1,1%; P = 0,06).12

CONCLUSÃO
O paciente portador de estenose aórtica merece atenção integral devido à
morbimortalidade desta patologia, necessitando de acompanhamento médico
regular e tratamento conforme sua estratificação de risco. A medida que novos
métodos intervencionistas são criados, estudos adicionais são fundamentais a
fim de se estabelecer o seu impacto a curto e longo prazo, assim como o
momento ideal de sua aplicação.

REFERÊNCIAS
1. Spina GS, Bento AM; Estenose Aórtica e Morte súbita. Rev Soc Cardiol. 2003; 3:317-20.
2. Faggiano P, Antonini-Canterin F, Baldessin F, et al. Epidemiology and cardiovascular risk factor of
aortic stenosis. Cardiovasc Ultrasound. 2006; 4:27.
3. Castilhos RD, Guaragna JCVC. Sopros cardíacos: do normal ao patológico. Acta Médica.
2010;31:524-40.
4. Pibarot P, Dumesnil JG. Assessment of aortic stenosis severity: check the valve but don’t forget the
arteries! Heart. 2007 Jul;93(7):780-2.
5. Lorenzo JA. El momento quirúrgico de la estenosis aórtica en el paciente adulto. Arch Cardiol Mex.
2004; 74(2):316-20.
6. Jung B, Gohlke-Bärwolf C, Tornos P, et al. Recommendations on the management of the
asymptomatic patient with valvular heart disease. Eur Heart J. 2002 Aug;23(16):1253-66.
7. Sawaya F, Stewart J, Babaliaros V; Aortic stenosis: who should undergo surgery, transcatheter valve
replacement? Cleve Clin J Med. 2012 Jul;79(7):487-97.
8. Aronow WS; Valvular aortic stenosis in the elderly. Cardiol Rev. 2007 Sep-Oct;15(5):217-25.
9. Guaragna JC, Bodanese LC, Bueno FL, et al. Proposta de escore de risco pré-operatório para
pacientes candidatos à cirurgia cardíaca valvar. Arq. Bras. Cardiol. 2010 Apr;94(4):541-8.
10. Vahanian A, Alfieri OR, Al-Attar N, et al. Transcatheter valve implantation for patients with aortic
stenosis: a position statement from European Association of Cardio-Thoracic Surgery (EACTS) and
the European Society of Cardiology (ESC). In: collaboration with the European Association of
Percutaneous Cardiovascular Interventions (EAPCI). Eur J Cardiothorac Surg. 2008 Jul;34(1):1-8.
11. Cura FA, Albertal M, Padilla, L, et al; Reemplazo valvular aórtico percutáneo en pacientes de alto
riesgo quirúrgico. Rev Argent Cardiol. 2009 May-Jun; 77(3):203-7.
12. Leon MB, Smith CR, Mack M, et al. Transcatheter aortic-valve implantation for aortic stenosis in
patients who cannot undergo surgery. N Engl J Med 2010 Oct 21;363(17):1597-607.

Você também pode gostar