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PRÉ E PÓS-OPERATÓRIO DE CIRURGIA ELETIVA

(texto adaptado do Manual do residente de Cirurgia – CBC 2022 – Cuidados Pré e Pós-operatórios -
Pedro Éder Portari Filho; Pedro Carlos Muniz de Figueiredo. Nutrição – Alessandra M. Borges)

INTRODUÇÃO
Cirurgião é o médico que promove alterações anatômicas e fisiológicas, temporárias e/ou
perenes, em uma pessoa enferma na expectativa de que essas promovam ganho estético
e/ou funcional em relação a condição pré-operatória promovendo a recuperação do organismo
e consequentemente a cura da enfermidade. A remoção de tecidos/órgão(s) doentes, pode
gerar uma condição pós-operatória de evolução imprevisível considerando a exclusividade de
reposta própria de cada indivíduo, uma vez que cada ser humano tem suas peculiaridades e
idiossincrasias. Portanto o cirurgião deverá pautar-se pelo indispensável emprego de todo
refinamento técnico-cirurgico e a observância das melhores práticas médicas disponíveis,
mas, ainda assim à evolução satisfatória no pós-operatório dependerá fundamentalmente da
capacidade de cicatrização do enfermo naquele momento especial da vida em que o cirurgião
é chamado a atuar, “todas as operações são perigosas”, em outras palavras: nenhuma cirurgia
é isenta do risco de complicações.
PRÉ-OPERATÓRIO
Na avaliação pré-operatória, definido que a cirurgia é necessária, torna-se imperativo
que o paciente esteja bem esclarecido em relação ao procedimento cirúrgico ao qual vai
submeter-se e suas possíveis complicações, assim a relação médico-paciente solidifica-se
e a confiança na equipe cirúrgica aumenta e facilita a cooperação da pessao assim como
sua recuperação no pós-operatório. Uma maneira objetiva de avaliar o risco de complicações
e de morte em uma cirurgia não-cardíaca por exemplo é aplicar ferramentas estruturadas
como: a classificação da American Society of Anesthesiologists (ASA). Nessa avaliação são
considerados dados da pessoa a ser operada como: idade; condicionamento físico; história
clínica geral e avaliação dos diversos aparelhos; exame físico; exames complementatres
evetualmente solicitados; e o tipo de cirurgia a que será submetido. Outro ponto fundamental
do processo é uma consulta com o cirurgião principal que fará: solicitação de exames
complementares; e avaliará a necessidade de interconsulta com outros especialistas sempre
orientado conforme quadro clínico do paciente e a paresentação da enfermidade. A consulta
inicial, com o cirurgião principal, serve para: coletar informações sobre o quadro clínico do
paciente, com foco na história mórbida atual e história pregressa, assim como será o
momento de realizar o exame físico completo, visando estratificar o risco de complicações
específico para aquele paciente no momento da vida que se aresenta para cirurgia e
direcionar a devida avaliação pré-operatória, que irá considerar o tipo de procedimento e os
riscos inerentes ao procedimento. Além dessas determinações durante a consulta o cirurgião
deve: verificar a capacidade funcional do paciente; e estimar o melhor local para a cirurgia
proposta, considerando: disponibilidade de suporte técnico (pessoal e de equipamentos); tipo
de anestesia; tempo cirúrgico estimado; além de fatores sociodemográficos e culturais, como
idade, sexo, tipo sanguíneo, possibilidade de transfusão e aceitação da operação.
O bom preparo pré-operatório é fundamental para o sucesso de qualquer procedimento
cirúrgico. De forma objetiva pode ser dividido em:
a) geral;
b) específico para determinadas operações (a partir da
classificação de risco das operações);
c) preparo de pacientes portadores de doenças prévias.
Por exemplo um paciente jovem, que vai se submeter a um procedimento cirúrgico de
pequeno ou médio porte, não precisa de nenhum exame laboratorial, desde que a história e o
exame físico mostrem que ele está saudável. Ênfase, portanto, deve ser dada a uma
anamnese minuciosa, com avaliação cuidadosa dos sistemas orgânicos, antecedentes
patológicos e uso de medicamentos. A avaliação física deve ser igualmente minuciosa e
completa, e nunca substituída por exames complementares. Também não é mais
recomendável a realização de exames pré-operatórios de "rotina", já que apenas um reduzido
percentual de pacientes (0,2%) irá se beneficiar. Os exames complementares em pacientes
assintomáticos, portanto. só deverão ser solicitados em algumas circunstâncias, baseados na
idade do paciente, no tipo de ato cirúrgico e em alterações evidenciadas na história clínica ou
ao exame físico:
Hemograma: intervenções de grande porte, suspeita clínica de anemia ou
policitemia, insuficiência renal, neoplasias, esplenomegalia, uso de
anticoagulantes, presença de infecção, radio ou quimioterapia recentes.
Coagulograma: história de sangramentos anormais, operações vasculares,
oftalmológicas, neurológicas ou com circulação extracorpórea hepatopatias e
síndromes de malabsorção, neoplasias avançadas esplenomegalia. Apenas
o tempo e atividade protrombina (TAP), o tempo parcial de tromboplastina
(TPT) e a contagem de plaquetas costumam ser necessários nestes casos.
Tipagem sangüínea: apenas em procedimentos cirúrgicos de grande porte
com possibilidade de perda sangüínea elevada. Deve ser acompanhada de
reserva de sangue.
Glicemia: pacientes acima de 40 anos, história pessoal ou familiar de
diabetes, uso de hiperglicemiantes, como corticóides ou tiazídicos,
pancreatopatias, nutrição parenteral.
Creatinina: pacientes acima de 40 anos, história pessoal ou familiar de
nefropatias, hipertensão arterial, diabetes.
Eletrólitos: uso de diuréticos ou corticóides, nefropatias, hiperaldosteronismo
secundário, cardio ou hepatopatias.
Urinocultura: pacientes com indicação de cateterismo vesical durante a
operação e que façam parte de grupos de risco de bacteriúria assintomática,
como idosos, diabéticos, história de infecção urinária de repetição, litíase
urinária, bexiga neurogênica, malformação de vias urinárias, gravidez e
síndrome de imunodeficiência adquirida (Aids).
O exame de elementos anormais e sedimentos da urina (EAS): não têm
indicação como exame pré-operatório.
Parasitológico de fezes: intervenções sobre o tubo digestivo.
RX simples de tórax [póstero-anterior (PA) e perfil]: pacientes com mais
de 60 anos, operações torácicas ou do abdome superior, cardiopatas,
pneumopatas e portadores de neoplasias, tabagistas de mais de 20
cigarros/dia.
ECG: Homens com mais de 40 anos e mulheres com mais de 50 anos,
cardiopatas, coronariopatas ou com sintomas de angina, diabéticos,
hipertensos e portadores de outras doenças que cursam com cardiopatias ou
em uso de drogas cardiotóxica.
Estes exames, quando normais, têm validade de um ano, a menos que ocorram
alterações clínicas durante este período, detectadas pela história e/ou exame físico.
A avaliação clínica e laboratorial, feita pelo cirurgião principal, deve ser seguida pela
estimativa de risco operatório, que se baseia no estado de saúde geral do paciente para
identificar possíveis anormalidades que possam aumentar o trauma operatório ou influenciar
negativamente na recuperação do mesmo. A escala mais utilizada é a da Sociedade
Americana de Anestesiologia (ASA):
Risco I: paciente saudável e normal.
Risco II: paciente com doença sistêmica leve a moderada
Risco III: paciente com doença sistêmica grave, com limitação, sem ser, porém, incapacitante.
Risco IV: paciente com doença sistêmica incapacitante.
Risco V: paciente moribundo.

⃰ Quando se tratar de cirurgia de urgência/emergência deve-se anotar após a


classificação da ASA a letra “E” denotando aumento do risco de ocorrência de
eventos adversos.
AVALIAÇÃONUTRICIONAL
Está indicada em todos os pacientes e é indispensável: nos desnutridos; emagrecidos;
candidatos ao tratamento cirúrgico da obesidade mórbida; com doenças consumptivas ou que
afetem a capacidade de absorção do trato gastrintestinal; doentes com perdas por fístulas,
vômitos, diarreias ou infecções. Essa avaliação inclui: parâmetros antropométricos e
laboratoriais, e tem por objetivo verificar a condição proteico/calórica e reservas nutricionais
do candidato a operação. A ocorrência de perda ponderal igual ou superior a 5% do peso
habitual do indivíduo, nos últimos 30 dias e na ausência de dieta hipocalórica, sugere uma
intensa depleção protéica e baixa da imunidade, com aumento do risco de morbi-mortalidade
no per e pós-operatórias. Medidas antropométricas, como da prega cutânea tricipital, da
circunferência do braço e da massa corporal, devem ser realizadas especialmente nos casos
suspeitos de desnutrição ou obesidade e a redução nos valores aferidos no curso do tempo
para um mesmo indivíduo correlaciona-se com mal resultado. Dosagem de albumina menor
que 3,5g/dl e contagem de linfócitos abaixo de 1.500/mm são marcadores de mau prognóstico.
A dosagem da transferrina sérica (normal> 250mg/dl) é também importante, pois, por ter meia
vida menor que a albumina, retrata melhor os índices. Testes cutâneos, apesar de pouco
utilizados atualmente, proporcionam boa aferição da imunidade celular e do prognóstico do
paciente desnutrido. Os mais utilizados são: candidina, PPD, tricofitina, estreptoquinase-
estreptodornase e vaccinia. Os pacientes normorreatores reagem a pelo menos dois testes,
os hiporreatores a um teste, e os anérgicos a nenhum. Em pacientes com indicação para
operações eletivas e com avaliação nutricional deficiente nos quais o suporte nutricional não
pode ser feito pelo tubo digestivo há indicação de nutrição parenteral prévia à cirurgia, por um
período mínimo de 15 dias. Isto porque as proteínas responsáveis pelo estado imunológico
(proteínas de fase aguda: fibrinogênio, fibronectina, ceruloplasmina) são sintetizadas durante
10 dias, sendo necessários mais cinco dias para o fornecimento de substrato. Considerando
que a desnutrição está presente em cerca de metade dos pacientes internados, que um terço
daqueles que estão internados há apenas dois dias já estão desnutridos, que cerca de 60%
dos internados há 14 dias ou mais apresentam essa condição, representando uma piora do
estado nutricional durante o período da internação, e que não existe diferença entre a
frequência em função de faixa etária, ou local de internação: enfermaria de cirurgia geral,
enfermaria de clínica geral, enfermaria de medicina respiratória, enfermaria de cirurgia
ortopédica e unidades de avaliação de medicina para idosos um cuidado especial para a
entrega de nutrientes aos enfermos merece toda a atenção da equipe. Mesmo conhecendo
esse panorama e os impactos negativos do jejum para organismo humano a restrição dietética
é frequente em pacientes internados e suas principais motivações são: a anestesia; jejum para
exames; doença do trato digestivo; tipo de procedimento cirúrgico a ser realizado entre outros.
Em relação à técnica anestésica, qualquer procedimento cirúrgico, sob anestesia geral, deve
respeitar jejum mínimo de oito horas, para evitar estímulo à produção de secreção gástrica e
possibilidade de broncoaspiração, durante a indução anestésica ou a intubação orotraqueal.
Operações, realizadas sob anestesia subdural ou peridural, têm menor risco de cursar com
esta complicação, e o jejum não precisa ser tão rigoroso, mas pode haver necessidade da
transformação daquelas em geral (seja por dificuldade técnica ou por complicações, como
convulsões durante esses procedimentos). Por isso recomenda-se fazer também restrição da
dieta oral pelo mesmo período de oito horas considerando as indicação mais conservadosras.
Todavia preconizações mais “ousadas” tem sido defendidas pelo projeto “aceleração da
recuperação total no pós-operatório” (ACERTO), concebido originalmente na forma de “projeto
de pesquisa”, em 2004, pelo grupo de pesquisa em Nutrição e Cirurgia, da Universidade
Federal do Mato Grosso, (UFMT). O projeto assumiu conceitos disseminados por Kehlet e
Wilmore, que na década de oitenta do século passado reconheceram inúmeros obstáculos à
recuperação pós-operatória adequada e propuseram medidas que originaram programas
como ERAS (Enhanced Recovery After Surgery) no norte da Europa, ASER e SMART nos
Estados Unidos elencando procedimentos e posturas capazes acelerar a recuperação pós-
operatória: “fast track”. Esses procedimentos nada mais são que a combinação e
sistematização de várias técnicas de cuidados perioperatórios conhecidas em cirurgia eletiva:
anestesia epidural ou regional, cirurgia minimamente invasiva, controle adequado da dor,
reabilitação agressiva no pós-operatório, realimentação oral/enteral precoce e deambulação
pronta. Não obstante ao sucesso representado pelas mudanças propostas pelo projeto
ACERTO pacientes obesos, gestantes, portadores de hérnia hiatal, ou com grandes tumores
intra-abdominais, têm maior risco de broncoaspiração e devem fazer jejum de 12 horas, além
de ser indicado o uso de drogas capazes de reduzir o conteúdo gástrico (metoclopramida) ou
elevar seu pH (bloqueadores H2, antiácidos, citrato de sódio), na tentativa de impedir a
broncoaspiração ou de diminuir seus efeitos deletérios sobre os pulmões. Intervenções,
realizadas especificamente sobre o tubo digestivo (especialmente cólon), irão necessitar
previamente de dietas especiais.
MEDICAMENTOS
Alguns medicamentos devem ser suspensos ou ajustados seu uso por exemplo:
anticoagulantes orais. Esses medicamentos têm meia-vida longa e, por isso, devem ser
substituídos por heparina, cerca de cinco dias antes. Esta, por sua vez, deve ser suspensa
seis horas antes do procedimento cirúrgico e reiniciada 24-48 horas depois. Nas operações
de urgência, deve-se transfundir plasma fresco (15-20mI/kg), para garantir níveis adequados
dos fatores da coagulação; anti-agregantes plaquetários, por exemplo: o ácido acetil salicílico
(AAS) deve ser suspenso dez dias antes da intervenção. Essa é uma recomendação muito
conservadora e alguns protocolos consideram a manutenção da antiagregação na maioria dos
procedimentos, porém em procedimentos cuja a contensão mecânica do sangramento é
desafiadora a suspensão do AAS é imprensindível, por exemplo: neurocirurgias e ressecção
transuretral de próstata. Outros antiagregantes têm indicações específicas; antiinflamatórios
não esteróides: alteram a função plaquetária e devem ser suspensos 24-48 horas antes da
operação; antidepressivos: em especial, os inibidores da monoaminoxidase (IMAO) devem
ser retirados 3 a 5 dias antes do ato; os hipoglicemiantes orais: devem ser substituídos por
insulina regular ou NPH na véspera do ato cirúrgico, para melhor controle da glicemia e evitar
a hipoglicemia. Aqueles em uso de NPH devem receber apenas 1/3 – ½ da dose pela manhã
da operação, seguida da infusão de soro glicosado a 5%; diuréticos inibidores da reabsorção
do potássio; Outros medicamentos devem ser mantidos até o dia da operação, exemplos:
betabloqueadores; anti-hipertensivos em geral, salvo recomendações específicas;
cardiotônicos; broncodilatadores; corticóides; anticonvulsivantes; insulina; antialérgicos;
potássio; medicação psiquiátrica.
TRICOTOMIA
A depilação com lâmina está contra-indicada pelo maior risco de infecção da ferida
operatória. A aparação dos pêlos, apenas na área da incisão, é o método preconizado.
Quando, por questões de falta de infra-estrutura hospitalar, houver necessidade de tricotomia,
esta deve ser realizada o mais próximo possível do momento da operação e, até mesmo, na
sala cirúrgica.
PREPARO DA PELE
Deve-se orientar o paciente para uma boa higiene e banho no dia anterior à intervenção,
utilizando, se possível, soluções degermantes antissépticas, lavando, em especial, a região
que será incisada. Já na sala é fundamental a realização de degermação com soluções
antissépticas de polivinil-pirrolidona-iodo ou clorexidina. Em seguida, procede-se à antissepsia
propriamente dita com soluções alcoólicas daqueles mesmos agentes.
PREPARO INTESTINAL
A limpeza do cólon se faz necessária em operações sobre o próprio cólon, e em qualquer
outra que tenha risco de manipulação e abertura desse orgão, como nos tumores pélvicos e
do corpo gástrico. O esvaziamento do cólon também deve ser realizado em pacientes
constipados (em especial nos idosos), pela possibilidade de esses cursarem com fecaloma no
pós-operatório, em conseqüência da paralisia intestinal fisiológica nesse período. O
esvaziamento simples pode ser conseguido com clister glicerinado ou enemas de fosfato de
sódio, algumas horas antes. Nas intervenções sobre o cólon, é fundamental um bom preparo
mecânico e antibioticoprofilaxia, para diminuir a população bacteriana na luz intestinal.
CATETERISMOS
O cateterismo vesical só deve ser feito quando há necessidade absoluta de
monitorização da perfusão tecidual e em operações pélvicas ou das vias urinárias. Quando
indicado, deve ser realizado com todo rigor de assepsia e antissepsia, com sistema fechado
de drenagem e, de preferência, no centro cirúrgico. Não é procedimento inócuo, tendo em
vista o elevado risco de gerar infecção urinária ou bacteriúria assintomática prolongada. A
aspiração gástrica pré-operatória também só é necessária em casos especiais, como
pacientes com dilatação gástrica, com estenose pilórica, distendidos por oclusão ou
suboclusão intestinal, e nas emergências cirúrgicas, especialmente quando indicada
anestesia geral
TRANSFUSÃO DE SANGUE
A anemia das doenças crônicas pode cursar com volemia normal, mas, quando a
hemoglobina é menor que 07 a 10 mg/dl a transfusão deve ser aventada, especialmente em
idosos. Pode ser utilizada, também, a auto-transfusão, com coleta programada nas
intervenções eletivas: na primeira semana, colhe-se uma bolsa de sangue e repõe-se a
volemia com solução salina; na semana seguinte, colhem-se duas bolsas, e a reposição é
realizada com solução salina mais uma bolsa colhida na semana anterior; na terceira semana,
colhem-se duas bolsas, repõe-se com solução salina mais uma das bolsas da semana
anterior; na quarta semana, a reposição é feita com solução salina mais a segunda bolsa
colhida na segunda semana. As bolsas obtidas na terceira e quartas semanas (quatro bolsas)
serão utilizadas durante a operação.
PÓS-OPERATÓRIO
Para garantir uma boa evolução pós-operatória o cirurgião principal deve examinar
diariamente seu paciente, verificando pelo menos: o nível de consciência, estado hidratação,
balanço hídrico e eletrolítico, condições de ventilação e oxigenação, performance
hemodinâmica, características das cicatrizes cirúrgicas e o funcionamento de drenos, sondas
e cateteres. Durante a recuperação anestésica é dedicado cuidado especial ao
reestabelecimento hemodinâmico e de condições ventilatórias ideais. O reinício da
movimentação deve ser precoce e depende do tipo e da extensão da cirurgia. Recomenda-
se a mudança de decúbito várias vezes ao dia no sentido de prevenir o acúmulo de secreções
e a atelectasia pulmonar. Outro aspecto importante é o controle da dor pós-operatória. A
presença de dor no pós-operatório dificulta a mobilização ativa, restringe o esforço para a
tosse produtiva, leva à hipoventilação e compromete o estado geral do paciente operado. A
hipertermia também é parte do pós-operatório habitual, sem complicações, e pode não
ocorrer. É consequente à elevação do metabolismo e ao trauma cirúrgico (REMIT).
Alteração dos parâmetros ventilatórios são as mais comumente observadas no período
pós-operatório. Pacientes com doença pulmonar obstrutiva crônica constituem grupo de
especial vulnerabilidade devido ao fato de frequentemente apresentarem aumento de volume
da secreção brônquica, diminuição da atividade ciliar do epitélio e tendência a acúmulo de
secreções. A atelectasia é a complicação pulmonar mais comum no pós-operatório. Surge
habitualmente nas primeiras 48 horas, sua ocorrência deve ser suspeitada pela verificação de
febre, taquipnéia e taquicardia neste período. A pneumonia é complicação mais frequente das Comentado [U1]:
atelectasias persistentes ou da aspiração de secreções. O diagnóstico clínico de pneumonia Comentado [U2R1]:
é sugerido pelo encontro de calafrios, febre elevada, dor pleurítica e tosse com expectoração.
Os dados do exame físico frequentemente não se correlacionam bem com os achados
radiológicos na fase inicial do processo; sendo assim, suspeitando-se da ocorrência da
complicação, deve-se submeter o paciente a estudo radiológico do tórax. A embolia pulmonar
é complicação mais frequente no pós-operatório de indivíduos imobilizados por longo período
de tempo, nos idosos, nas cirurgias pélvicas e do colo do fêmur, nos cardiopatas, nos obesos,
em pacientes com história de acidentes tromboembólicos e naqueles apresentando
insuficiência venosa periférica ou em uso de anovulatórios (Escore de Wells). O principal fator
na fisiopatogenia é o estado de hipercoagulabilidade sangüínea no pós-operatório. Na maioria
das vezes a embolia pulmonar ocorre sem prévia manifestação de sinais de trombose venosa.
Apenas cerca de 10% dos casos de embolização venosa produzem infarto pulmonar com
manifestações clínicas características.
A causa mais comum de deterioração cardiocirculatória em pacientes cardiopatas
submetidos a um procedimento cirúrgico de vulto é a hipovolemia. Deve-se avaliar com
especial atenção as perdas hidreletrolíticas e sangüíneas ocorridas durante o ato cirúrgico,
assim como as necessidades e a qualidade da reposição pós-operatória. Em pacientes
submetidos a cirurgias de grande porte a reincidência de infarto é tanto mais elevada quanto
mais recente tenha sido o evento antecedente.
EVENTOS ADVERSOS
Toda complicação cirúrgica constitui um acontecimento marcante. A maioria dos
cirurgiões nunca relembra os pacientes que terminam bem e jamais esquece os que evoluem
sob o estigma de uma complicação. Nesta, há sensação de perda perante o operado e a de
fracasso do cirurgião. Em relação ao fator tempo, as complicações são divididas em imediatas,
mediatas ou tardias. São imediatas ou precoces as complicações que surgem nas primeiras
24 horas, mediatas até o sétimo dia e tardias as que acontecem depois da retirada de pontos
e da alta hospitalar definitiva. Quanto aos sistemas orgânicos básicos, passíveis de
descompensação no período pós-operatório, as complicações surgem nos sistemas:
respiratório, cardiovascular, urinário, digestório e hepatobiliar. De maneira genérica as
complicações cirúrgicas distribuem-se em grupos que, se não completos, pretendem ser
didáticos, no entendimento do raciocínio clínico:
Complicação Geral: acontece a todo operado em qualquer
sistema orgânico, exemplo: hemorragia; atelectasia pulmonar;
insuficiência renal aguda e doença tromboembólica etc.
Complicação específica: acontece em determinada
circunstância em consequência ao ato operatório, exemplo:
fístulas digestivas; deiscência de sutura; rejeição de enxerto;
doença enxerto X hospeideiro etc.
1. Febre no contexto operatório: A febre no contexto operatório é relativamente
frequente, podendo ter várias etiologias. Um ponto importante para a identificação da
etiologia da febre é estabelecer o momento em que ela começou, assim, a febre pode
ser classificada como pré-operatória, febre entre 24-72 horas de pós-operatório e
febre após 72 horas de pós-operatório. A atelectasia (primeiro dia) e a pneumonite
são as causas mais frequentes de febre nos três primeiros dias pós-operatórios; crise
tireotóxica também pode associar-se precocemente com febre pós-operatória. Do
terceiro ao sexto da cirurgia deve-se pensar em infecção de cateteres vasculares,
infecção urinária ou incisional, peritonite localizada ou generalizada, além de
tromboflebite de membros inferiores. Do sexto ao décimo dia surgem como
complicações sépticas, causadoras de febre, os abscessos incisionais e as coleções
purulentas. Os fatores sistêmicos que favorecem o surgimento de infecção cirúrgica
são: desnutrição, obesidade, presença de infecção concomitante em outro local do
corpo, depressão da imunidade, uso de corticoesteróides e citotóxicos, diabete melito,
hospitalização prolongada, doenças debilitantes e consumptivas como neoplasias.
Outras causas infecciosas importantes que explicam febre no pós-operatório são: uma
infecção pré-existente ao ato cirúrgico; pela reação a alguma droga utilizada; à
transfusão; e pela hipertermia maligna (devido à exposição à anestésicos inalatórios
e/ou à succinilcolina). A febre no período pós-operatório pode ocorrer em cirurgias de
menor porte, no entanto, não é tão frequente, ocorrendo de modo mais significativo
em procedimentos cirúrgicos abdominais e torácicos.
2. Complicações da ferida operatória: as complicações da ferida operatória são
comumente encontradas e, na maioria das vezes, apresentam fácil resolução.
Podemos subdividi-las em seroma, hematoma, deiscência de ferida operatória e
infecção de sítio cirúrgico.
3. Seroma: é onsiderado a complicação mais ‘’benigna’’ da ferida cirúrgica, sendo
caracterizado pelo acúmulo no tecido celular subcutâneo de soro ou linfa que ocorre
provavelmente devido a lesões de pequenos canais linfáticos. Apresenta-se como um
abaulamento indolor e sem sinais flogísticos, eventualmente drenando material de
coloração clara. O tratamento é a aspiração e/ou o uso de curativo compressivo.
4. Hematoma: Define-se o hematoma como acúmulo de sangue no tecido
subcutâneo. Na área da incisão cirúrgica pode-se apresentar como um edema
azulado na pele, as vezes associado à saída de secreção avermelhada. Pode
favorecer o surgimento de hérnias incisionais, bem como comprometer a
vascularização da região, podendo ocasionar necrose tecidual. Os hematomas
volumosos que surgem dentro das primeiras 24-48 horas devem ser drenados,
enquanto que hematomas menores podem ser tratados de maneira conservadora,
através do calor úmido e da imobilização.
5. Deiscência aponeurótica: definida por um defeito músculo-aponeurótico,
podendo ocasionar eviscerações. Tem evolução um pouco mais tardia, pois surge
com mais frequência entre o sétimo a décimo dia após a cirurgia. O diagnóstico é
clínico, quando se observa um abaulamento na ferida operatória, associada à calor
local e à saída de líquido sero-hemático através da ferida (cor salmão/ água de carne).
O tratamento é cirúrgico.
6. Infecção de sítio cirúrgico: conhecida como infecção de ferida operatória, é uma
das infecções pós-operatórias mais comuns, sendo que, nos EUA, é responsável por
40% das infecções nosocomiais em pacientes cirúrgicos. É definida como a infecção
localizada no local da ferida operatória que ocorre no período entre 30 dias a um ano
(no caso de implantação de próteses) após a realização da cirurgia. Os fatores mais
importantes para o desenvolvimento de infecção de sítio cirúrgico são: idade
avançada, desnutrição, diabetes mellitus, obesidade mórbida, radioterapia prévia,
colonização da ferida com bactérias, infecção anterior coexistente (urinária,
pneumonia) e imunossupressão. Além disso, a incidência de infecção de sítio cirúrgico
aumenta com a maior duração da cirurgia. Em cirurgias limpas, os principais agentes
etiológicos são Staphylococcus aureus e Staphylococcus coagulase negativo. Já no
caso de cirúrgicas em segmentos gastrointestinais, os agentes etiológicos mais
comuns são Escherichia coli e Enterobacter. A infecção de sítio cirúrgico pode ser
subdividida em superficial, profunda e de órgãos e cavidades. A infecção de sítio
cirúrgico superficial envolve a pele e o tecido subcutâneo, apresentando febre
(geralmente do quinto ao sexto dia, mas podendo ocorrer a qualquer momento dentro
de 30 dias), dor, flogose e pus na região da incisão. O tratamento consiste na retirada
dos pontos, na drenagem e na higienização com soro da região. A infecção de sítio
cirúrgico profundanvolve fáscia e músculos. Os sinais e sintomas são idênticos aos
da infecção superficial, com a manifestação de sinais flogísticos e ao tratamento
acrescenta-se o uso de antibióticos. Por fim, na infecção de sítio cirúrgico de órgãos e
cavidades além da febre há sinais predominantes de distensão e toxemia. O tratamento
consiste no uso de antibióticos e na drenagem do local acometido.

RECOMENDAÇÕES DE LEITURA
1. COLÉGIO BRASILEIRO DE CIRURGIÕES. Manual do Residente do Colégio Brasileiro de
Cirurgiões – Roberto Saad Junior, Luiz Carlos Von Bahten - 2023.

2. COLÉGIO BRASILEIRO DE CIRURGIÕES. Primeiro programa de auto avaliação em


cirurgia. Rio de Janeiro. Diagraphic Editora Ltda, n. 1, 2001. Disponível em:
https://cbc.org.br/wp-content/uploads/2013/05/Ano1-I.Pre-e-pos-operatorio.pdf. Acesso em: 29
abr. 2020.

3. MEDEIROS, A. C.; DANTAS FILHO, A. M. Resposta metabólica ao trauma. Revista de


pesquisa cirúrgica e clínica da UFRN, Natal, v. 8, p. 56-76, 2017. Disponível em:
https://periodicos.ufrn.br/jscr/article/view/13036/8923. Acesso em: 29 fev. 2020.

4. PERLINGEIRO, J. A. G. Resposta endócrino-metabólica ao trauma. Curso continuado de


cirurgia geral – serviço de emergência FCMSCSP, 2007. 1 slide. Disponível em:
https://cbcsp.org.br/wp-content/uploads/2016/aulas/resposta_metabolica_trauma.pdf. Acesso em:
28 abr. 2020.

5. BASILE-FILHO, A. et al. Monitorização da resposta orgânica ao trauma e à sepse. Revista de


Medicina da USP, Ribeirão Preto, v. 34, n. 1, 2001. Disponível em:
https://www.ufpe.br/documents/40070/1837975/ABNT+NBR+6023+2018+%281%29.
pdf/3021f721-5be8-4e6d-951b-fa354dc490ed. Acesso em: 06 fev. 2020.

6. STRACIERI, L. D. da S. Cuidados e complicações pós-operatórias. Revista de Medicina da


USP, Ribeirão Preto, v. 41, n.4, 2008. Disponível em:
http://www.revistas.usp.br/rmrp/article/view/288. Acesso em 06 fev. 2020.

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