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Cirúrgica
PEDIATRIA
15ª edição
Clínica
Cirúrgica
Pediatria
15ª edição
1
Capítulo
pré-operatório
do paciente pediátrico
Clínica Cirúrgica | Pediatria
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em solução fisiológica (3 mL) parece bastante eficien- saturação de oxigênio acima de 95% em ar ambiente;
te. Ela é mais usada pelo seu efeito vasoconstritor estabilidade circulatória e sem sangramento ativo;
do que pelo seu efeito broncodilatador, provocando
diminuição do edema da mucosa da via aérea. O uso
ausência de hipotermia (temperatura retal >
de corticosteroides (dexametasona 0,5 mg/kg) é con- 36°C) e hipertermia sob controle;
troverso; estudos apontam sua utilidade na profilaxia, dor, náusea ou vômito adequadamente controlados;
mas não no tratamento. sinais vitais estáveis pelo menos 30 minutos após
receber medicação analgésica (opioide).
Assunto discutido é a necessidade ou não de a
Hipoxia pós-operatória criança aceitar e reter líquidos VO antes de ter alta
hospitalar pós-operatória. Vômitos após anestesia e
Durante a anestesia geral há diminuição do volu- cirurgia são comuns, sendo a maior causa de interna-
me de reserva pulmonar e da capacidade de reserva fun- ção hospitalar não programada após cirurgias ambu-
cional, com consequente queda das trocas pulmonares. latoriais. Muitos anestesistas só permitem a alta após
A duração da hipoxemia é breve na maioria dos pacien- o paciente demonstrar habilidade de reter líquidos,
tes saudáveis, que se recuperam de procedimentos sim- já que creem que isso minimiza o potencial de read-
ples, especialmente se acordados e ativos ou chorando. missão hospitalar secundária à desidratação. Outros
Porém, mesmo acordados, pode haver hipoxia em de- acreditam que, forçando a alimentação, precipitarão
corrência de efeitos residuais dos anestésicos. É reco- os vômitos. Até recentemente não havia trabalhos
mendado oxigênio suplementar para todos os pa- comparativos dessas duas estratégias.
cientes na sala de recuperação, independentemente
da cirurgia e de sua duração, a menos que o pacien-
te esteja acordado suficientemente para rejeitar a Índice de recuperação pós-anestésica
máscara, a tenda ou o cateter nasal e apresente uma Atividade
saturação de oxigênio estável e satisfatória. Essa 2 Movimentação ativa, voluntária ou ao comando 1 Movi-
prática pode reduzir os episódios de bradicardia e co- mentos fracos, voluntários ou ao comando 0: Incapaz de mo-
lapso cardiorrespiratório na sala de recuperação. Estu- vimento
dos mostram que o limite inferior seguro aceitável da Respiração
saturação de pulso é de 95%, exceto nos pacientes com 2: Tosse livre, boa respiração ou choro 1: Obstrução parcial, ron-
doença cardíaca congênita (shunts direita → esquerda) cos ou dispneia 0: Apneia, obstrução, necessária assistência
e doenças pulmonares crônicas obstrutivas. Circulação
2: PA ± 20% dos valores pré-anestésicos
O tempo necessário para a recuperação da anestesia 1: PA ± 20 a 50% dos valores pré-anestésicos
geral depende da técnica anestésica e da ocorrência de pro- 0: PA > ± 50% dos valores pré-anestésicos
blemas, como náuseas e vômitos, dor, estridor laríngeo, Consciência
hipoxia, instabilidade cardiorrespiratória (tabela 1.2). 2: Totalmente acordado
Antes que a criança possa ser liberada da 1: Acorda ao estímulo
sala de recuperação com segurança deverá atin- 0: Irresponsivo
gir alguns critérios: Cor
2: Róseo
acordada ou facilmente despertável; 1: Pálido
reflexos respiratórios que mantenham a via aérea 0: Cianótico
e as trocas pulmonares e protejam contra aspira- Tabela 1.2 É necessário atingir 9 pontos para haver critério de alta da
ção de vômitos; sala de recuperação. PA: pressão arterial.
13
2
Capítulo
acesso vascular
2 Acesso vascular
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Dedo na furcúla
external
Veia jugular interna
Veia
Veia braquiocefálica
subclávia
Veia axilar
Veia jugular
interna
Veia subclávia
direita
Veia braquicefálica
direita
Veia cava superior
RO U CO
hidratação parenteral
BÁS CO eM
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Equilíbrio acidobásico
Em cirurgia de grande porte o controle acido- Rotina do controle da perda
básico é desejável evitando-se assim maior morbi- sanguínea transoperatória
dade e/ou letalidade. 10 gazes = 20 g; 1 compressa pequena = 10
Para bicarbonato abaixo de 16 mEq, calcular da g; 1 compressa grande = 40 g; 1 compressa
seguinte forma: grande nova = 55 g;
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24
Capítulo
PROPEDÊUTICO
defeitos da parede
SICO
abdominal
eM
4 Defeitos da parede abdominal
Onfalocele Gastrosquise
Defeito de parede abdominal no sítio do anel Defeito de parede abdominal adjacente e lateral
a um cordão umbilical de inserção normal, quase
umbilical, recoberto por membrana avascular
sempre à direita, não recoberto por saco membrano-
translúcida, composta internamente pelo peritônio, so e acompanhado pelo prolapso de alças intestinais
geleia de Wharton e âmnios externamente, íntegra ou de intestino delgado e parte do grosso. O diâmetro
não, que permite a saída de conteúdo do abdome para do defeito varia de 2 a 4 cm. As vísceras prolapsa-
das costumam ser: intestino delgado (100%), intesti-
o exterior. O cordão umbilical encontra-se inserido no
no grosso (90%), estômago (50%), trompas e ovários
saco. O conteúdo, quase sempre, é formado pelo in- (15%), bexiga (4%), testículos (6%) e fígado (1%). Os
testino delgado e grosso, estômago e fígado (35%). órgãos eviscerados ficam revestidos por exsudato es-
Dez por cento pode apresentar ruptura do saco. A rup- pesso, edematosos, rígidos, encurtados e aglomerados.
tura pode ocorrer intraútero, durante e após o parto. Quando se tratam de alças intestinais, essas alterações
podem ser causadas pela prolongada exposição intraú-
tero ao líquido amniótico e/ou alterações isquêmicas do
intestino secundárias a sua compressão e de seu mesen-
tério nas margens do defeito da parede abdominal.
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- Estruturais: cardiovasculares, 20% (as mais co- Figura 4.4 Classificação das onfaloceles em pequenas (A), grandes (B) e
muns são tetralogia de Fallot, 33%; defeitos septais, gigantes (C); essas últimas frequentemente associadas à presença de fígado.
principalmente atriais, ventrículo único e truncus
arteriosus), defeitos do tubo neural, divertículo de
Meckel, anomalias musculoesqueléticas.
- Associadas a anormalidades cromossômicas ou Classi昀椀cação das gastrosquises
síndromes específicas (15 a 20%): trissomias cromossô-
micas 13,15,18, 21 (12%), síndrome de Beckwith-Wiede-
de acordo com a variabilidade
mann (gigantismo, macroglossia, onfalocele, hiperplasia do aspecto intestinal
das células das ilhotas pancreáticas em 12%), celossomia
superior ou pentalogia de Cantrell (onfalocele epigástri- Tipo I: alças intestinais pouco ou nada recobertas
ca, hérnia diafragmática anterior, fenda esternal, ecto- por membranas, pouco edematosas, não encurtadas;
pia do coração e defeitos cardíacos), celossomia inferior Tipo II: alças intestinais recobertas por mem-
(pode incluir onfalocele inferior, extrofia de cloaca ou de branas, edematosas, mas ainda mantendo um
bexiga, anomalia anorretal, anomalias de vértebras sa-
bom comprimento;
cras, meningomielocele ou lipomeningocele).
Tipo III: alças intestinais recobertas por membra-
Onfalocele com fígado extracorpóreo costuma
apresentar mais anomalias congênitas estrutu- nas, edematosas, complicada pela presença de atre-
rais graves associadas, principalmente cardíacas. sia, estenose, volvo com necrose ou perfuração in-
Onfalocele menor, sem fígado extracorpóreo, testinal. Essas complicações podem ser simples ou
apresenta mais anomalias cromossômicas asso- múltiplas, assim como o intestino pode ser extre-
ciadas, síndromes e dismorfismo. mamente curto ou ter comprimento quase normal;
Tipo IV: presença de atresia com formação de Conduta nas onfaloceles: realizar ultrassonografia
pseudocisto gelatinoso e fibrinoso distal à atresia detalhada, ecocardiografia e análise do cariótipo.
e englobando a quase totalidade do intestino. Essa Orientar transferência in utero para centro terciário;
massa fibrinosa surge na tentativa de proteger-se
dos efeitos tóxicos do líquido amniótico após a Diagnóstico de gastrosquise: presença de alças
30ª semana de vida intrauterina (diminui a osmo- intestinais fora da cavidade abdominal fetal flu-
lalidade e concentração de sódio, mas aumenta a tuando livremente no líquido amniótico, sem co-
concentração da ureia, creatinina e ácido úrico e, bertura membranosa, cordão umbilical distinto
principalmente, de mecônio); e separado, não fazendo parte do defeito. Diag-
Um novo tipo tem sido descrito: a gastrosquise nóstico diferencial deve ser feito com onfalocele
fechada, que se caracteriza por um defeito de pare- rota, extrofia de bexiga e extrofia de cloaca;
de abdominal cicatrizado, remanescentes intestinais Conduta nas gastrosquises: realizar follow-up
paraumbilicais (muitas vezes mumificados) e, quase ultrassonográfico frequente. Se aparecer dilatação
sempre, perda por necrose do intestino médio (va- de alças (dilatação de alça de delgado > 11 mm
nishing gut). Seria causada por infarto do intestino em diâmetro) e/ou espessamento mural, pensar
médio eviscerado extra-abdominal (provavelmente na possibilidade de ocorrência de complicações
por volvo). O intestino sofreria reabsorção e, sem a intraútero; então, parto cesáreo após maturidade
presença de intestino viável para manter o defeito pa- pulmonar. Nos casos sem complicações, orientar
tente, o anel do defeito da parede abdominal fecharia, transferência in utero para centro terciário. Atu-
enquanto os remanescentes intestinais sofreriam rea- almente, trabalhos têm mostrado que o apareci
bsorção ou mumificação. mento pré-natal de dilatação intestinal deve ser
considerado como fator de risco para obstrução
intestinal pós-natal e maior tempo necessário
para iniciar a via oral. O parto prematuro parece
não melhorar os resultados nessa população de
pacientes. Portanto, a conduta continua contro-
versa. Também têm sido sugeridas infusão amnió-
tica, ou troca de líquido amniótico como técnicas
terapêuticas para melhorar a histologia intestinal,
A B reduzir o tempo necessário para atingir a dieta
completa e reduzir o tempo de hospitalização.
A infusão amniótica consiste na injeção de soro
fisiológico morno (37°C) e pode ser indicada na
gastrosquise associada a oligoidrâmnios. A troca
de líquido amniótico consiste na sua substituição,
volume por volume, com soro fisiológico morno.
Tem sido proposta para diminuir os efeitos adver-
D
sos do líquido amniótico sobre a parede intestinal.
A realização de cesárea está paltada nas seguintes
indicações: obstétricas, onfalocele com fígado extra-
C
corpóreo e gastroquise com complicações.
Figura 4.5 Tipos de gastrosquise. A: tipo I – com alças pouco alte-
radas; B: tipo II – com alças edematosas, com membranas, mas ainda
mantendo uma boa extensão de intestino; C: tipo III – aquelas associa-
das a complicações como atresia, estenose, volvo e perfuração e que,
em geral, apresentam intestino encurtado; D: tipo IV – gastrosquise
Tratamento cirúrgico clássico
com pseudocisto fibrinoso distal e alguma área com atresia. O intestino
encontra-se bastante encurtado.
da gastrosquise
Como o bebê nasce eviscerado, torna-se nítido o
risco de morte diante da demora no tratamento. A expo-
sição de grandes superfícies intestinais inflamadas leva
à perda de líquidos e de calor, com o potencial de choque
Diagnóstico hipovolêmico, hipotermia e sepse. A conduta inicial con-
siste em manter o recém-nascido aquecido e o conteúdo
Ultrassonografia pré-natal e conduta abdominal exteriorizado deve ser manuseado e protegi-
Diagnóstico de onfalocele: massa arredondada de do com compressas estéreis, molhadas em soro morno.
linha média ventral, recoberta por membrana e com Monitorar níveis de glicose. Empregar descompressão
vasos umbilicais inserindo-se na massa. Pode ser vi- gástrica para evitar distensão do trato gastrointestinal
sualizada a presença de fígado. Procurar anomalias e aspiração pulmonar. Obter acesso vascular. Realizar
do coração e do sistema nervoso central (SNC); sondagem vesical para controle rigoroso da diurese e
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orientar a reposição hídrica. Iniciar antibiótico de am- de bolsa plástica de cloreto de polivinil usada nas
plo espectro (ampicilina, gentamicina e metronidazol). transfusões de sangue e hemoderivados. A bol-
Na gastrosquise, os bebês têm grande perda de fluidos sa é estéril, impermeável a micro-organismos,
por evaporação e para terceiro espaço, necessitando de transparente, flexível, resistente, econômica e
reposição hídrica 2 a 3 vezes maior para manter o volume lisa internamente, não aderindo às alças intesti-
intravascular. Iniciar nutrição parenteral no pré ou no nais. No pós-operatório, o conteúdo do silo deve
pós-operatório imediato, uma vez que a previsão de re- ser reduzido diariamente ou a cada dois dias até
torno do trânsito intestinal é demorada. Solicitar exames redução completa. O silo é fixado e suspenso à
pré-operatórios. Encaminhar ao bloco cirúrgico somente incubadora, evitando a angulação dele (tensão
após estabilização do recém-nascido. sobre a sutura e/ou compressão da cavidade to-
rácica). Além disso, a suspensão do silo diminui
A conduta cirúrgica ideal é o fechamento primá- o edema das vísceras e mesentério. O fechamen-
rio da gastrosquise. Entretanto, a tendência cirúrgica to fascial deve ser realizado 24 h após a redução
é não fechar a parede abdominal em um tempo único completa do conteúdo do silo. Todos os silos
se o defeito for grande e causar aumento da pressão devem ser reduzidos e removidos em dez dias.
intra-abdominal. Na tentativa de fechamento total do Após esse período, apresentam risco aumentado
defeito, pode-se aumentar muito a pressão abdominal de deiscência com separação da parede e de sep-
(síndrome compartimental), levando à redução do dé- se. Se a criança ainda não apresentar condições
bito cardíaco pela queda do retorno venoso, dificuldade clínicas para o fechamento fascial, sugerimos a
respiratória pela elevação das cúpulas diafragmáticas, retirada do silo e o preenchimento do defeito
isquemia intestinal, insuficiência renal aguda e dimi- com curativo plástico transparente (Tegaderm®)
nuição da perfusão dos membros inferiores. sobre a recém-formada pseudomembrana. Após
A técnica de fechamento do defeito é decidida melhora das condições clínicas, deve ser realiza-
dependendo dos seguintes parâmetros: condição do o fechamento da parede abdominal;
do intestino, se há complicação associada, com- Gastrosquise tipo III:
placência pulmonar informada pelo anestesista,
- Enterostomia inicial: nos casos de intestino com
estado da perfusão periférica, estado clínico da
criança (presença de choque ou acidose), au- gangrena por volvo ou perfuração isquêmica, dilatação
mento de 4 mm da pressão venosa central (PVC) ou edema maciço da alça proximal, viabilidade duvidosa
(se estiver sendo medida), diferença de saturação da alça a anastomosar, múltiplas complicações intesti-
da hemoglobina medida por sensores colocados nais, intestinos muito edematosos e se definições ana-
nos membros superiores e inferiores, medida da tômicas não permitirem anastomose segura.
pressão intra-abdominal (pressão intragástrica - Enteroanastomose primária ou enteroanasto-
e/ou intravesical, que parece ser mais fidedig- mose retardada (entre três e seis semanas após a ope-
na, não deve ultrapassar 20 cmH2O). O cateter
ração) nos outros casos. O grau de espessamento das
de Foley ou sonda nasogástrica deve ser aspira-
alças pode ser definido pela ultrassonografia.
do antes da medida, sendo, a seguir, preenchido
com 2 mL de soro fisiológico. A pressão é medi- - Gastrosquise com atresia de cólon: geralmente
da pelo sistema de PVC; o diagnóstico é mais óbvio. Indicada colostomia inicial
O cordão umbilical deve ser sempre preservado; pela desproporção de calibre.
Gastrosquise tipo I: sem descoloração das alças Gastrosquise tipo IV: repor massa fibrinosa na
na redução e sem diminuição da complacência cavidade abdominal. Proibida a tentativa de dissecá-la
pulmonar: fechamento primário; pelo risco de lesar porções extensas de intestino. Fecha-
Gastrosquise tipo I: em pacientes chocados, po- mento primário ou com silo.
de-se confeccionar pequena hérnia ventral com
flap de pele de apenas l cm e fasciotomia cranial,
evitando o fechamento primário (risco de au-
mento excessivo da pressão intra-abdominal),
ou confecção de silo. Posteriormente é realizada
correção dessa pequena hérnia;
Gastrosquise tipo II: ou tipo I com alterações
hemodinâmicas na redução: fechamento com
silo de silicone reforçado (ideal: folha externa de
Dracon e interna de Silastic®). A tela é suturada
na borda da aponeurose, confeccionando um
silo em forma de cilindro (a base deve ter o mes-
mo diâmetro do ápice). Tem sido sugerida, como
excelente alternativa, a criação de silo com o uso Figura 4.6 Colocação do silo em gastrosquise.
Tela de silicone
Pele
Músculo
reto
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lam a atividade da musculatura lisa intestinal. Sua Diferenças do exame físico entre
imaturidade pode causar uma falha no processo de onfalocele e gastrosquise
despolarização e repolarização espontânea das células Onfalocele Gastrosquise
musculares lisas, ocasionando um padrão muito lento Localização do Anel umbilical Paraumbilical
ou anormal de ondas peristálticas. defeito direito
- Em onfalocele, além de ecocardiografia e carió- Defeito na parede Variável (4 a 10 cm) Pequeno (< 4 cm)
tipo, é necessária a investigação de anomalias renais e Saco Presente Ausente
neurológicas, uma vez que as complicações estão mais Cordão umbilical Incluído no defeito Lateral ao defeito
relacionadas aos defeitos associados.
Intestino Aspecto normal Edemaciado, pre-
sença de casca in-
flamatória
Fígado Pode estar presente Ausente
Prognóstico Rotação intesti- Presente Presente
nal incompleta
Sobrevida em gastrosquise: 85 a 90%. Causas Cavidade Pequena Pequena ou normal
principais de mortalidade estão relacionadas ao abdominal
fechamento primário sob tensão, prematuridade Comuns (40-80%) Raras
Anomalias
e presença de malformações associadas;
associadas
Sobrevida em onfalocele: 70 a 75%. Mortalida- Infarto intestinal Raro Frequente
de baseia-se principalmente em anomalias con-
Atresia intestinal Rara Frequente
gênitas associadas e insuficiência respiratória nas
onfaloceles gigantes. Tabela 4.1
RO U CO
obstrução duodenal
BÁSICO eM
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A
Fisiopatologia
B
A obstrução duodenal, total ou parcial, promove
um aumento da pressão intraluminar do duodeno que
se apresenta dilatado e com parede espessada.
C
Na atresia existe a interrupção total da luz do
duodeno. No pâncreas anular, observa-se tecido pan-
creático envolvendo o duodeno, levando na maioria
D das vezes a estenose e obstrução. Já no vício de rota-
ção, o ceco assume uma posição mais alta na cavidade
abdominal e a sua coalescência na parede posterior se
E
dá sobre o duodeno, causando a obstrução.
F
Quadro clínico
Vômitos biliosos desde o nascimento são o sinto-
ma mais comum, uma vez que na maioria das vezes a obs-
trução localiza-se distalmente à papila duodenal. Pode-se
observar distensão do epigástrio precedendo ao vômito. É
frequente a associação da obstrução duodenal por pâncre-
as anular e por atresia com a síndrome de Down.
Figura 5.1 Causas mais comuns de obstrução duodenal: A: atre-
sia sem perda de continuidade do duodeno; B: atresia com segmento do
duodeno substituído por cordão fibroso sem luz; C: atresia com falta de
segmento duodenal; D: membrana duodenal intraluminar; E: pâncreas
anular; F: brida de Ladd.
Diagnóstico
Pode ser feito no período pré-natal quando à ul-
trassonografia identifica-se o duodeno muito dilatado
e o restante das alças intestinais de pequeno calibre.
Embriologia O exame radiológico pós-natal revela o clássico
sinal da “dupla bolha” (figura 5.2). Esse sinal permite
Durante o 2° mês de vida intrauterina há um fazer o diagnóstico de obstrução duodenal, porém não re-
crescimento muito intenso do epitélio duodenal tor- vela qual a condição anatômica que a está determinando.
nando-o sólido (sem luz). Por volta da 8ª à 10ª se-
mana de vida embrionária ocorre vacuolização in-
testinal restabelecendo sua luz. Segundo Tandler,
a falha na coalescência desses vacúolos seria a res-
ponsável pelas atresias e pela formação de mem- Tratamento
branas duodenais intraluminares.
Nessa mesma época, o pâncreas começa a se formar O tratamento consiste inicialmente na colocação
através de dois brotos, um ventral e outro dorsal. Duran- de sonda nasogástrica e correção do distúrbio hidroe-
te a 5ª semana de vida embrionária o broto ventral migra letrolítico e metabólico que acompanha as obstruções
posteriormente ao redor do duodeno para encontrar-se e digestivas altas.
fundir-se com o broto dorsal. A falha na migração com- Na atresia duodenal a reconstrução do trânsi-
pleta do broto ventral forma uma estrutura pancreática to é realizada através de anastomose duodenoduo-
anelar que envolve e obstrui o duodeno. denal laterolateral do tipo diamond shape. Faz-se
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26
Capítulo
O U CO
atresia de duodeno
BÁSICO eM
6 Atresia de duodeno
Classi昀椀cação
Estenose e atresia de duodeno estão limitadas,
quase totalmente, à primeira e segunda porções duo-
A B C
denais. Pâncreas anular pode estar associado e quase
sempre não é causa da obstrução.
Tipo I (86%): são constituídas por um diafrag-
ma ou membrana formada por mucosa e submu-
cosa. São divididas em: D E
– Membrana completa.
– Membrana com pequeno orifício central. Figura 6.1 Representação esquemática dos tipos anatômicos mais
frequentes de atresias e estenoses duodenais. A: atresia membranosa.
– Membrana do tipo “biruta” (windsock). Esse tipo B: membrana perfurada. C: membrana tipo “biruta”. D: atresia com
de membrana alongada surge por influência direta da pe- cotos conectados por cordão fibroso. E: atresia com cotos separados.
35
Clínica Cirúrgica | Pediatria
Atenção: enquanto a atresia duodenal é uma si- 20% das crianças com atresia de duodeno podem ter
tuação diagnosticada nos primeiros dias de vida, a es- o diagnóstico sugerido por ultrassonografia pré-natal.
tenose duodenal pode ter quadro clínico muito menos Sinais ultrassonográficos:
aparente, com icterícia neonatal prolongada e déficit Poli-hidrâmnio (a quantidade de fluido amnió-
no crescimento. Os vômitos biliosos estão usualmen- tico deglutido excede a capacidade absortiva do
te presentes desde o nascimento. Como a obstrução é estômago e duodeno proximal);
somente parcial, há eliminação de mecônio e “fezes de
transição”. A radiografia do abdome e mesmo o estudo
Sinal da dupla bolha (estômago e duodeno pre-
contrastado do esôfago, estômago e duodeno são usu- enchidos com líquido).
almente inconclusivos e a endoscopia digestiva alta é
necessária para confirmar o diagnóstico.
Abordagem diagnóstica
História e exame físico;
Radiografia de abdome;
- Atresias: visualização de dupla bolha (estômago
e bulbo duodenal);
- Estenoses: dilatação do estômago, duodeno
proximal e pouco gás visível abaixo da obstrução; Figura 6.3 Ultrassonografia fetal: sinal da dupla bolha.
Avaliação e cuidados
pré-operatórios
Reequilíbrio hidroeletrolítico e sonda nasogás-
trica n° 8-10;
Solicitar hemograma com plaquetas, prova de coa-
gulação, glicose, bilirrubinas, ureia, creatinina, ele-
trólitos, cálcio, gasometria arterial e ecocardiografia.
Cirurgia
Acesso: laparotomia transversa supraumbilical
direita;
solicitar ao anestesista que introduza a sonda na- tomose inicia-se aproximando as extremidades da
sogástrica até o duodeno, guiada pelo cirurgião. incisão proximal à porção média da incisão distal.
Essa manobra pode diagnosticar membrana do É a técnica mais utilizada atualmente;
tipo “biruta” ao distendê-la e provocar indenta- Duodenoplastia redutora pode ser indicada pri
ção proximal, definindo o ponto de sua inserção;
mariamente durante o primeiro ato operatório,
A permeabilidade do restante do duodeno e do ou no pós-operatório tardio complicado por vô-
jejunoíleo é comprovada pela injeção intralumi- mitos recorrentes, com radiografia demonstran-
nal de ar ou soro fisiológico. A coexistência de do duodeno extremamente dilatado (megaduo
uma segunda membrana duodenal é de 1 a 3%. deno) e atônico. Pouco usada;
Gastrostomia: pouco usada atualmente.
Tratamento da membrana
Duodenotomia longitudinal sobre a inserção da
membrana;
Identificar a localização da ampola de Vater em
relação à membrana. Comprimir a vesícula biliar
para observar a saída de bile pela ampola. Usar
magnificação óptica. Havendo orifício na mem-
brana, a ampola quase sempre estará localizada A
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27
Capítulo
RO U CO
má rotação intestinal
BÁSICO eM
7 Má rotação intestinal
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Clínica Cirúrgica | Pediatria
Dor abdominal (em criança maior) e choro persis- - Quadro radiológico simulando obstrução intesti-
tente no lactente. Sensibilidade abdominal varia de nal baixa (principalmente se acompanhado por disten-
acordo com o grau de comprometimento vascular; são abdominal): pensar na possibilidade de volvo de in-
Distensão abdominal, principalmente quando sur- testino médio já com gangrena intestinal. Na obstrução
ge gangrena intestinal e massa abdominal palpável; em alça fechada (volvo de má rotação), o ar costuma ser
reabsorvido quando a drenagem linfática ainda está in-
Mau estado geral, desequilíbrio hidroeletrolítico, tacta. Essa reabsorção de ar cessa quando o volvo é bas-
toxemia, hipovolemia e choque. tante apertado, obstruindo também o fluxo linfático.
Radiografia contrastada do tubo digestivo
superior (estômago, duodeno e jejuno proxi-
mal). Mais efetiva do que o enema opaco. Se
Volvo crônico de intestino médio existirem dúvidas diagnósticas, deve-se aguar-
O volvo pode ser intermitente ou parcial e resul- dar a passagem do contraste e seguir o exame
ta em obstrução linfática e venosa e em aumento dos até o bário chegar ao ceco.
linfonodos mesentéricos.
Dor abdominal intermitente; Características:
Vômitos biliosos ou não biliosos intermitentes; – Posição anormal do ligamento de Treitz situan-
do-se na linha média ou à direita da coluna vertebral;
Constipação ou diarreia crônica;
– Jejuno proximal localizado no abdome direito;
Falha de crescimento;
– Aparência do duodeno adquirindo a forma de
Abordagem diagnóstica; bico de pássaro ou cone no nível da segunda ou tercei-
Pode surgir má nutrição proteica. A absorção e ra porções, principalmente (volvo estrangulante);
o transporte podem ser impedidos pela estase – Aparência de espiral ou saca-rolha, com a colu-
linfática e venosa. na de bário estendendo-se para dentro do jejuno (vol-
vo não totalmente estrangulante). A projeção oblíqua
pode mostrar essa imagem projetando-se para a fren-
te, afastando-se da parede abdominal posterior;
Obstrução duodenal aguda por – Em atresia duodenal, a obstrução é mais proximal
e o contorno é liso, sem o aspecto espiralado ou de bico.
bandas de Ladd
Causada por compressão da terceira porção do
duodeno por bandas peritoneais. A obstrução intesti- Enema opaco
nal costuma ser incompleta.
Vômitos biliosos;
Características:
Distensão do andar superior do abdome;.
- Localização anormal do ceco. Ceco subepático
Pode ter eliminado mecônio normalmente; (alto) é encontrado em aproximadamente 6 a 7% da
Icterícia frequente. população em geral, podendo ser móvel em cerca de
35% dos lactentes. Ceco normalmente situado pode
ser encontrado em 5 a 20% dos casos de má rotação.
Obstrução do transverso causada por volvo produzin-
do imagens de obstrução completa ou incompleta.
Abordagem diagnóstica Deslocamento medial e superior do ceco. Simples
posicionamento medial do ceco não é indicativo de volvo.
Radiografia de abdome: pode demonstrar ne-
Deve estar deslocado para cima. O grau de deslo-
nhuma anormalidade (20%), obstrução duode- camento do ceco vai depender do número de torções.
nal completa (muito rara), obstrução duodenal
parcial (muito mais comum), obstrução intesti- Quanto maior o número de voltas, mais alto e
nal baixa (volvo com gangrena). mais deslocado o ceco.
Ultrassonografia: busca a visualização e localização
- Sinal da dupla bolha com pouco gás intesti-
da veia mesentérica superior, que normalmente se
nal distal (escassas pequenas bolhas distais). Deve situa à direita da artéria e é encontrada à esquerda
ser feito diagnóstico diferencial urgente entre esteno- ou anterior, em casos de má rotação. Em torno de
se duodenal intrínseca e má rotação intestinal. Indica- 30% dos pacientes com má rotação podem apre-
da radiografia contrastada do tubo digestivo superior. sentar posição vascular normal. O ecodoppler pode
mostrar artéria mesentérica superior hiperdinâmica,
- Sinal da dupla bolha sem gás intestinal dis- dilatação distal da veia mesentérica superior e o sinal
tal geralmente é causado por atresia duodenal. A do redemoinho, baseado no aspecto espiralado da
obstrução completa não é sugestiva de má rotação, veia mesentérica superior em torno do eixo da ar-
mas se deve ter precaução. téria mesentérica superior (esse sinal sugere volvo).
41
28
Capítulo
O U CO
atresia intestinal
BÁSICO eM
8 Atresia intestinal
Etiologia
A causa das atresias intestinais é desconhecida. I
IIIa
menor de intestino com falha em seu meso. Figura 8.1 Classificação da atresia intestinal. Tipo I: membrana
mucosa; Tipo II: fundos cegos separados por cordão fibroso com inte-
gridade do meso; Tipo IIIa: os fundos cegos estão separados e há falha
no mesentério; Tipo IIIb: o intestino atrésico dispõe-se ao redor de um
pedículo vascular anômalo; Tipo IV: múltiplas atresias.
Fisiopatologia
O quadro obstrutivo pela interrupção da luz in-
testinal determina distensão progressiva das alças in-
testinais com grande sequestro de água e eletrólitos Quadro clínico
para o seu interior.
O poli-idrâmnio é o primeiro sinal de alerta
A distensão do coto intestinal em fundo cego pode
da atresia intestinal, o que permite muitas vezes a
ser de tal ordem que alterações estruturais da parede da
suspeita diagnóstica pré-natal da doença.
alça ocorrem determinando hipomotilidade mesmo após
o restabelecimento do trânsito. Além disso, a distensão Ao nascimento, a presença de resíduo gástrico
progressiva da alça provoca diminuição do retorno ve- elevado (maior que 20 mL) e de aspecto bilioso sugere
noso e posteriormente da perfusão arterial, culminando obstrução do trato digestivo. Vômitos biliosos segui-
com necrose e perfuração da porção proximal ao defeito. dos de distensão abdominal e peristaltismo visível são
achados frequentes.
Situação ainda mais grave ocorre quando as atre-
sias forem múltiplas (Tipo IV) ou dispostas ao redor de
um vaso mesentérico anômalo (Tipo IIIb). Essas duas Atresia jejunoileal: apresentação clínica
condições associam-se ao intestino curto congênito. Achados Atresia jeju- Atresia
nal (%) ileal (%)
Poliidrâmnio 38 15
Vômitos biliosos 84 81
Patologia Distensão abdominal 78 98
Eliminação de mecônio 65 71
As atresias intestinais ocorrem em uma incidência anormal (1º dia de vida)
variável de 1:1.000 a 1:5.000 nascidos vivos. São duas
Icterícia 32 20
vezes mais frequentes do que as atresias duodenais.
Tabela 8.1
Ocorrem mais comumente no íleo terminal e
jejuno proximal. São únicas em 90% dos casos e múl-
tiplas em 10%. Segundo Grosfeld e cols., as atresias
intestinais podem ser classificadas em quatro tipos:
Tipo I (18%) – A obstrução deve-se a um septo mu-
Diagnóstico
coso com integridade da parede da alça e do mesentério. O diagnóstico pode ser feito já no período pré-
Tipo II (25%) – Os cotos proximal e distal estão -natal através da ultrassonografia fetal.
conectados por um cordão fibroso sem luz. O quadro clínico de obstrução intestinal sugere
Tipo IIIa (31%) – Os cotos atrésicos estão sepa- o diagnóstico.
43
Clínica Cirúrgica | Pediatria
O exame radiológico simples de abdome mostrará Se houver extensão intestinal residual limitada, pode
alças dilatadas, com imagem em “pilhas de moedas” e nível ser realizada enteroplastia antimesentérica redutora,
hidroaéreo. O raio X contrastado raramente é necessário, ao invés de ressecar seguimento intestinal dilatado;
pois no recém-nascido o ar deglutido é o suficiente para Técnica de enteroplastia redutora do bordo anti
delinear as alças intestinais e identificar sua dilatação. mesentérico descrita para atresias jejunais próxi-
mas ao ligamento de Treitz:
O enema opaco revela um cólon desfuncionaliza-
do pela falta de trânsito (microcólon). Ressecção redutora descrita por Thomas + anas-
tomose término-oblíqua ou plicatura redutora simples
sem ressecção descrita por De Lorimier + anastomose
término-oblíqua. Grosfeld preconiza a ressecção redu-
tora com grampeadores mecânicos colocando sonda
Tratamento moldadora de Pezzer nº 22 a 24F no lado mesentérico.
- A enteroplastia redutora pode ser realizada até
a segunda porção duodenal, após mobilização do có-
Pré-operatório lon direito, divisão do ligamento de Treitz e liberação
da porção retrocólica do duodeno.
O paciente deve ser mantido em incubadora
aquecida e umidificada. Sondagem nasogástrica com Em atresias do tipo III B, realizar jejunoplastia
aspiração periódica. Deve-se corrigir o desequilíbrio redutora com ressecção antimesentérica com gram-
peador mecânico até o ligamento de Treitz, conforme
hidroeletrolítico e metabólico associado. Antibiotico-
preconizado por Grosfeld. A linha grampeada é re-
terapia e vitamina K devem ser empregadas como me- forçada com sutura contínua e anastomose termino-
dida profilática pré-operatória. terminal completa o procedimento. Outros autores
preconizam jejunostomia proximal em chaminé tipo
Bishop-Koop, que anastomosa o coto proximal a ± 1,5
a 2 cm de uma enterostomia distal.
Cirúrgico
Acesso: laparotomia transversa supraumbilical
direita e supraumbilical esquerda (em obstru-
ções de jejuno alto);
Avaliar todo o intestino: outras atresias ou es-
tenoses, defeitos mesentéricos, presença de má
rotação intestinal;
A permeabilidade do jejunoíleo restante é
comprovada pela injeção intraluminal de ar
ou soro fisiológico no coto distal, observando
sua progressão até o ceco;
Para distender o intestino distal, antes da anas-
tomose, aplicar clampe do tipo bulldog cerca de
8 cm distais à área da anastomose e injetar soro
fisiológico sob pressão;
O intestino proximal muito dilatado não tem pe-
ristalse efetiva e costuma causar obstrução fun-
cional pós-operatória muito prolongada: ressecar
área atrésica e intestino proximal dilatado em
uma extensão de 10 a 15 cm (em ângulo reto) e 4 a
5 cm do distal (em ângulo oblíquo de 45° e incisão
continuada sobre o bordo antimesentérico), isso
tudo se não houver intestino curto. Esses segmen-
tos junto à área atrésica são isquêmicos, muito di-
latados e possuem dismotilidade intrínseca;
Realizar anastomose término oblíqua (dor
sal) em plano total único com fio 5-0 ou 6-0 e
magnificação óptica;
Gastrostomia tipo Stamm com sonda de Pezzer
nº 14 a 16 pode estar indicada a prematuros e/ou
atresias jejunais altas com jejunoplastia redutora.
Pouco utilizada;
Caso hajam membranas associadas, elas devem
ser ressecadas e complementadas com ente-
roplastias pela técnica de Heinecke Mikulicz,
mantendo um diâmetro aproximado de 1,5 cm;
Prognóstico
As complicações do tratamento cirúrgico são
representadas por: síndrome do intestino curto, sín-
drome de má absorção, pneumonia, peritonite e sepse.
45
29
Capítulo
O U CO
duplicidade intestinal
BÁSICO eM
9 Duplicidade intestinal
Etiologia
A etiologia das duplicidades intestinais não está
bem esclarecida. As hipóteses levantadas para ex-
Diagnóstico
plicar sua origem são:
Como não há uma manifestação clínica especí-
a) alteração na vacuolização do intestino primiti- fica, o diagnóstico raramente é suspeitado no pré-
vo para o restabelecimento de sua luz; -operatório. Os pacientes são, habitualmente, subme-
b) acidente vascular intrauterino; tidos à cirurgia com diagnóstico de obstrução intestinal,
invaginação, hemorragia digestiva ou apendicite aguda.
c) defeito primitivo da notocorda levando à sua
aderência com o intestino; Ao raio X simples aparecem como massa ho-
mogênea deslocando o ceco. Nos casos de obstrução
d) sequestro epitelial para o mesênquima. Essas intestinal observam-se alças de delgado dilatadas e a
teorias explicam, no conjunto, o aparecimento da afec-
presença de níveis hidroaéreos.
ção em diferentes pontos do aparelho digestivo.
Tratamento
Patologia
Por causa das diferentes localizações e confor-
As duplicidades podem ocorrer em qualquer por- mações anatomopatológicas, o tratamento cirúrgico
ção do trato digestivo, sendo mais comum no íleo da duplicidade intestinal não pode ser padronizado.
terminal. Possuem túnica mucosa, muscular e serosa; Assim, diferentes técnicas podem ser utilizadas, le-
assumem forma esférica ou tubular e podem se comu- vando sempre em consideração que essas lesões são
nicar ou não com a luz do intestino adjacente. benignas. O procedimento cirúrgico deve eliminar o
problema agudo e garantir a prevenção de problemas
O suprimento sanguíneo é o mesmo da alça futuros, sem ser excessivamente radical.
intestinal com a qual mantém relação. Mucosa
gástrica ou intestinal heterotópica pode ser en- As técnicas mais utilizadas são:
contrada em seu interior. Ressecção simples da duplicidade: nem sem-
pre é possível pelo fato de a irrigação sanguínea ser
a mesma do intestino normal e suas paredes esta-
rem em íntima relação.
Ressecção da duplicidade e do intestino adja-
Quadro clínico cente: é a técnica mais empregada. O trânsito intes-
tinal é restabelecido através de anastomose primária.
Não há um quadro clínico específico que permita o Marsupialização: quando a ressecção não pode ser
reconhecimento da patologia. As diferentes apresentações realizada, faz-se a marsupialização do cisto e destruição
anatomopatológicas explicam essa sintomatologia varia- de sua mucosa com solução esclerosante ou curetagem. É
da. As manifestações mais comumente encontradas são: conduta de exceção, reservada para quadros agudos e pa-
Dor abdominal em virtude, possivelmente, da cientes em estado geral ruim. É necessário procedimento
distensão do cisto e de espasmos musculares do intes- definitivo em circunstâncias mais favoráveis.
47
210
Capítulo
O UTICO
doenças do mecônio
BÁSICO eM
10 Doenças do mecônio
Introdução Etiologia
A análise química do mecônio espessado revela um
São incluídas nesse item as doenças resultantes de
ação nociva do mecônio que ou bloqueia o lúmen intesti- aumento de até cinquenta vezes da albumina deglutida
nal ou patologicamente se localiza na cavidade peritoneal. com o líquido amniótico. Nos casos de íleo meconial
em pacientes com mucoviscidose, possivelmente esta
Embora grande parte dos casos de doença me-
conial esteja associada à mucoviscidose, outras con- superconcentração de albumina se deve à redução do
dições podem ocasionar essa doença. Sob o ponto de teor de água do lúmen intestinal em decorrência da não
vista clínico, a doença do mecônio pode ser dividida secreção de cloro pelos canais de cloro das criptas intes-
em quatro categorias: tinais. Não havendo secreção de cloro, não há secreção
1. íleo meconial; de água. Além disso, a água continua sendo absorvida,
2. rolha de mecônio;
acompanhando a absorção de sódio pelas células vilosi-
tárias. No íleo meconial dos não mucoviscidóticos, não
3. peritonite meconial.
se conhece a razão dessa concentração proteica.
Diagnóstico
Íleo meconial
Alguns casos de íleo meconial são diagnosticados
É uma obstrução intestinal intraluminal que no pré-natal através do ultrassom, principalmente nas
ocorre no período neonatal, caracterizada pela pre-
sença anormal de mecônio viscoso e espesso, levan-
formas complicadas, onde há presença de massa ou
do à obstrução do intestino delgado, geralmente calcificação peritoneal e polidrâmnio.
em nível do íleo terminal, descrito pela primeira vez No recém-nascido a termo, a forma de apresen-
por Landsteiner em 1905.
tação mais frequente é distensão abdominal, vômitos
biliosos e falha na eliminação do mecônio, mas o recém-
-nascido é capaz de tolerar várias alimentações antes de
Frequência desenvolver sinais de obstrução intestinal, e assim o
De todos os casos de obstrução intestinal no diagnóstico pode ser retardado por 24 ou 48 horas.
recém-nascido, 9 a 33% são ocasionados por íleo O raio X simples de abdome mostra sinais de dilata-
meconial. Dos pacientes com íleo meconial detectou-
ção de alças, comum a qualquer quadro obstrutivo, mas a
-se mucoviscidose entre 25 e 80% dos casos; dentre os
pacientes com mucoviscidose, 10 a 16% deles relatam presença de imagens em bolha de sabão no quadrante in-
íleo meconial ao nascimento. ferior direito, acrescida da ausência de níveis hidroaéreos
na posição ereta, sugere o diagnóstico de íleo meconial.
O enema opaco auxilia na confirmação diagnóstica,
Classi昀椀cação mostrando a presença de microcólon, e, se houver reflu-
xo ileal, aparecerá imagem de falha no enchimento ileal
Pode ser classificado em duas categorias:
compatível com a presença de concreções de mecônio.
1) simples ou não complicado quando o mecônio
anormal causa uma simples obstrução no íleo distal, Os testes laboratoriais para mucoviscidose no
onde se encontram muitas concreções de mecônio, cor- período neonatal são duvidosos:
responde a 70% dos casos, o segmento distal do íleo é
fino e contém concreções acinzentadas e pétreas; Teste do suor: é o mais acurado. Concentrações
de Na+ maior do que 60 mEq/L fazem o diagnóstico.
2) complicado quando a massa de mecônio es-
pesso funciona como um fulcro, levando ao desenvol- Obtém-se quantidade adequada de suor para a reali-
vimento de volvo, perfuração e peritonite meconial zação do exame aproximadamente com três semanas
cística gigante. Corresponde a 30% dos casos. de vida. O suor deve ser obtido de um único local, não
de múltiplos sítios.
Strip test: demonstra o excesso de albumina no
Doenças associadas mecônio (valor superior a 20 mg/g de mecônio).
Além da fibrose cística, o íleo meconial pode es-
tar associado à doença de Hirschsprung, insuficiência Atividade da tripsina: também válida para lipa-
pancreática não mucoviscidótica, atresia intestinal e se ou amilase. Verifica a ausência de atividade tríptica
pseudo-obstrução intestinal crônica. no conteúdo duodenal e no mecônio.
49
Clínica Cirúrgica | Pediatria
Tratamento
Não cirúrgico
O íleo meconial simples deve ser tratado de
modo conservador, conforme esquema instituído por
Noblett em 1969, com enemas de gastrografina (dia-
trizoato de meglumina) diluídos 3:1 ou 4:1 em água e
administrados lentamente pelo reto. A maioria dos pa-
cientes necessita de quatro ou mais enemas para liberar
a obstrução intestinal. A solução chega no íleo terminal
e se mistura com o mecônio espesso. Geralmente, após
24-48 horas ocorre a passagem de mecônio semilíquido.
Figura 10.1 Radiografia de abdome com imagens de vidro moído ou Há registro de 11% de perfuração relacionada ao
de bolhas de sabão causadas por mecônio e ar deglutido. uso de enema com gastrografina. Alguns autores diluem a
gastrografina em baixas concentrações, pois diminuindo a
osmolaridade o risco de perfuração também se reduz.
Outras preparações de enema incluem a acetil-
cisteína a 4% com ou sem gastrografina e o hypaque
20 a 40%, (diatrizoato de sódio), mas estas também
podem levar a complicações como perfuração. O uso
associado de N-acetilcisteína por sonda nasogástrica
pode facilitar a eliminação do mecônio espesso.
Hidratação antes e durante o enema (100 a 150
mL/kg/dia) e antibioticoterapia e gentamicina.
Cirurgia
Via de acesso: laparotomia transversa supraum-
Figura 10.2 Enema opaco mostrando microcólon, pérolas de mecôni- bilical direita;
co e distensão de alças de delgado.
Enterotomia junto ao bordo antimesentérico do
íleo dilatado, próximo à transição com o seg-
mento de íleo estreitado;
Cateter calibre 12 F colocado em direção ao íleo
proximal dilatado, onde é fixado por bolsa inva-
ginante; irrigações repetidas com soro fisiológico
ou N-acetilcisteína a 4 a 5%. Depois, o cateter é
recolocado distalmente e são repetidas as irriga-
ções no íleo estreitado;
Após algum tempo (15 a 30 min. para amolecer),
o mecônio proximal e as pérolas distais são orde-
nhados pela enterotomia. As pérolas mais distais
podem ser ordenhadas em direção ao cólon. Se as
pérolas estiverem muito impactadas, pode passar,
no íleo distal até a válvula ileocecal, cateter Fogar-
ty nº 5, inflar seu balão e retirá-lo inflado trazen-
do junto as pérolas mais espessadas. Esse proce-
dimento costuma ser menos traumático do que a
ordenha do mecônio perolado muito impactado;
Ressecção Bishop-Koop
Complicações
As complicações mais frequentes são obstrução
intestinal persistente, fístula da anastomose, bridas e
complicações pulmonares.
No tratamento do íleo meconial não se pode es-
quecer das alterações sistêmicas (pulmonares, pancre-
áticas e hepáticas) determinadas pela mucoviscidose.
Elas devem ser tratadas profilaticamente e prolonga-
damente a fim de evitar suas complicações.
51
Clínica Cirúrgica | Pediatria
Diagnóstico Diagnóstico
O quadro clínico é de distensão abdominal, com A sintomatologia ocorre logo após o nascimento,
nenhuma ou pequena eliminação de mecônio. com grave e progressiva distensão abdominal, eritema
O enema opaco mostra defeitos de enchimento e edema de parede abdominal. O abdome pode estar
tenso e distendido, com massa palpável. A distensão
do cólon em virtude de uma ou mais rolhas de mecô-
abdominal pode levar a desconforto respiratório e o
nio, ou cólon esquerdo com obstrução abrupta. O exa- sequestro hídrico a hipovolemia.
me pode se tornar terapêutico, pois com a eliminação
No recém-nascido feminino com peritonite me-
do contraste pode haver a eliminação da rolha de me-
conial, pode ser visualizado mecônio na vagina como
cônio, embora por vezes seja necessária a realização de resultado da passagem do mecônio para os tubos fa-
enemas salinos para a desobstrução colônica. lopianos e útero. Nos meninos com peritonite meco-
A realização de biópsia retal para se afastar me- nial, o escroto pode aparecer escuro como resultado de
gacólon agangliônico é mandatória, além da dosagem passagem de mecônio intraperitoneal para dentro da
bolsa escrotal, às vezes já calcificado.
de cloro no suor para se afastar fibrose cística.
O achado do raio X simples de abdome é variável
com o tipo de peritonite, sendo comum o aparecimen-
to de calcificações, que podem ocorrer em até 24 horas
Tratamento após a perfuração. É importante a diferenciação entre
calcificações intraperitoneais de calcificações intralu-
A desobstrução com clister salino ou com gastro- minais que não têm significação clínica.
grafina é indicada, podendo-se adicionar N-acetilciste-
ína, que é um mucolítico e favorece, através de contato
Classificação
prolongado com o mecônio, a sua fluidificação e con-
Generalizada 15% Evento mais Ascite volumosa
sequente eliminação. Cuidados são necessários com o
tardio
volume e pressão na introdução da solução de clister,
Fibroadesiva 60% Evento mais Predominam calcifi-
pois pode haver ruptura de parede intestinal e facilita- precoce cações e aderências,
ção de disseminação bacteriana, levando a septicemia. pouca ascite
O tratamento cirúrgico é bastante raro, reservando-se Cística 25% Perfuração Pseudocisto de
aos casos complicados com perfuração ou com falência mantida mecônio bloqueado
de resposta ao tratamento clínico. Tabela 10.1
53
211
Capítulo
ROPEDÊUTICO
Enterocolite
BÁSICO eM (ECN)
Necrosante
11 Enterocolite necrosante (ECN)
55
Clínica Cirúrgica | Pediatria
Abordagem laboratorial
Observa-se deterioração da função cardiovas-
cular, respiratória, renal, hepática e hematológica,
no momento ou poucas horas após o diagnóstico da Figura 11.2 Raio X de abdome de um recém-nascido com ECN no
doença, sendo que o número de sistemas envolvidos estádio I. A seta mostra uma alça distendida. Como regra prática,
considera-se uma alça distendida quando o seu tamanho supera o da
parece estar correlacionado com a gravidade e o prog-
primeira vértebra lombar.
nóstico da doença. Esses fatos fazem com que o qua-
dro laboratorial seja variável, mostrando quase sem- O prognóstico da afecção pode ser determina-
pre dados laboratoriais que sugerem insuficiência de do pela extensão da lesão do trato gastrointestinal. O
múltiplos órgãos. comprometimento isolado do cólon é acompanhado
Além disso, chama atenção na ECN o aparecimen- de melhor prognóstico quando comparado com o do
to de sinais laboratoriais indicando presença de proces- intestino delgado. Nos casos mais graves da doença,
so infeccioso. Dessa forma, o número total de leucócitos o gás presente na parede das alças pode penetrar nos
poderá estar aumentado ou diminuído, sendo mais fre- vasos sanguíneos e estender-se em direção ao sistema
quente o encontro de leucopenias. Outro dado que ha- venoso portal, caracterizando o pneumoportograma.
bitualmente se apresenta alterado por ocasião do diag- Deve-se lembrar que cerca de 30% dos pacientes
nóstico é o prolongamento do tempo de tromboplastina com ECN cursam com perfuração intestinal, constituin-
parcial ativada e do tempo de protrombina, bem como do-se no pneumoperitônio. Seu reconhecimento preco-
a plaquetopenia. A hemocultura é positiva em cerca de ce é fundamental, já que a sua presença se constitui na
1/3 dos pacientes. Pode-se ainda isolar o agente infec- indicação absoluta para laparotomia exploradora.
cioso nas fezes, urina ou liquor, sendo os germes Gram- Para a detecção precoce do pneumoperitônio, se
-negativos os agentes mais frequentemente encon- faz necessário que a radiografia de abdome seja realizada
trados. No entanto, nos últimos anos, o Staphylococus com o neonato em decúbito lateral esquerdo e com raios
coagulase-negativo tem sido isolado nas hemoculturas horizontais. Dessa forma, o ar livre na cavidade peritone-
com frequência progressivamente elevada. al irá se situar entre a parede abdominal e o fígado.
Além disso, são descritos outros sinais radiológi- Hirschsprung. Além disso, a pneumatose intestinal pode
cos que indicam a presença de pneumoperitônio, como estar ausente em cerca de 15% dos casos de ECN confir-
o sinal da “dupla-parede” e o sinal da “bola de rúg- mada por achados cirúrgicos e de necropsia.
bi”. Normalmente, na radiografia simples de abdome,
Apesar dessas ressalvas, até o momento, o diagnós-
somente a face da mucosa intestinal é visível, por causa
tico clínico da ECN se faz pela associação de sinais e sin-
do contraste entre o ar presente na luz intestinal e a
tomas sistêmicos e gastrointestinais com o achado radio-
superfície mucosa. Em situações de presença de ar livre
na cavidade peritoneal, observa-se também o contraste lógico de pneumatose intestinal ou pneumoportograma.
na superfície serosa da alça, tornando-se ambas as su-
perfícies visíveis ao raio X (sinal da “dupla-parede”). O
sinal da “bola de rúgbi” é a imagem radiológica produzi-
da pelo confinamento de coleção de ar na cavidade ab- Estadiamento
dominal superior, delineando o ligamento falciforme.
A ultrassonografia abdominal vem se firmando
clinicorradiológico
como método útil para o diagnóstico da ECN. Vários A fim de avaliar e conduzir objetivamente o neo-
estudos mostram que o ultrassom parece ser mais
nato com quadro de ECN, em 1978, Bell e cols. propuse-
sensível do que a radiografia na detecção de pneumo-
ram um estadiamento clinicorradiológico, classificando
portograma, pneumatose intestinal e espessamento
a doença em estádio I ou suspeita, II ou definida e III ou
da parede das alças. Além disso, o ultrassom é útil na
complicada. Essa classificação foi modificada posterior-
avaliação quantitativa e qualitativa (com ou sem resí-
mente por Walsh & Kliegman em 1986, que incluíram
duos) do líquido presente na cavidade abdominal. A
sinais sistêmicos e intestinais e sugeriram o tratamento
avaliação ultrassonográfica está indicada nos casos em
de acordo com o estadiamento da doença.
que há suspeita clínica de ECN, mas as radiografias ab-
dominais mostram imagens inespecíficas. Os pacientes com sinais e sintomas inespecíficos,
porém sugestivos de ECN, são classificados como estádio
I (ECN provável). A maioria dessas crianças não evolui
com ECN, mas sim com sépsis, distúrbios metabólicos e
do equilíbrio acidobásico ou intolerância alimentar tran-
Critérios diagnósticos sitória, condições essas muito frequentes nos prematu-
ros. No estádio II ou ECN definida, surgem os sinais e
A ECN caracteriza-se pela presença da tríade
sintomas mais específicos, como resistência à palpação
distensão abdominal, enterorragia micro ou ma-
abdominal, peritonite, eritema ou celulite de parede do
croscópica e pneumatose intestinal.
abdome, ascite, plastrão palpável, e no exame radiológico
No entanto, deve-se lembrar que os dois primei- observam-se pneumatose intestinal e/ou pneumoporto-
ros sinais são inespecíficos, podendo estar presentes em grama. Quanto às manifestações do estádio II, associam-
uma variedade de outras doenças, como sépsis e diar- -se alterações importantes do estado hemodinâmico, do
reias infecciosas. O diagnóstico da ECN implica o achado sistema de coagulação e sinais de insuficiência de múl-
radiológico da pneumatose intestinal, porém esta não é tiplos órgãos, juntamente com o achado radiológico de
patognomônica desta afecção, podendo ser também en- perfuração intestinal, a ECN é classificada como avança-
contrada, por exemplo, na enterocolite da moléstia de da ou complicada ou, ainda, de estádio III.
57
Clínica Cirúrgica | Pediatria
tes que atingem o estádio III através do metronidazol A duração e a agressividade das medidas terapêuti-
ou da clindamicina. Apesar dos poucos estudos contro- cas devem ser modificadas de acordo com a gravidade da
lados, há uma tendência de escolha pela primeira, já que ECN, determinada pelo estadiamento clinicorradiológico.
o uso da clindamicina parece associar-se a maior risco De forma geral, estabelecem-se as seguintes
de desenvolvimento da estenose pós-ECN. Existe um
diretrizes:
consenso de não se utilizar a antibioticoterapia por via
oral, pois essa estratégia não se mostrou efetiva tanto a) pausa intestinal;
para prevenir como para evitar a progressão da doença b) descompressão gástrica com sonda n° 10 ou 12;
para fases mais avançadas. Além disso, o uso de antibi-
c) avaliação das condições metabólicas, acidobási-
óticos por essa via aumenta os riscos de crescimento de
cas e eletrolíticas: glicemia, pH, BE, HCO3-, Na+, K+ e Cl-;
cepas super-resistentes e pode aumentar os níveis séri-
cos do antibiótico quando há associação com a via sis- d) estudo hematológico: hematológico completo,
têmica. Em relação às imunoterapias (imunoglobulinas, com contagem da série branca e plaquetária;
transfusão de granulócitos e exsanguineotransfusão), e) estudo bacteriológico: coleta de sangue, fezes,
infelizmente todas as tentativas com o seu uso para o urina e, se necessário, liquor, para cultura;
controle do processo infeccioso no período neonatal
foram infrutíferas. Recentes estudos mostram aumen- f ) antibioticoterapia sistêmica: ampicilina +
to da contagem de neutrófilos com a administração de amicacina;
estimuladores de colônias de granulócitos; no entanto, g) controles radiológicos periódicos;
até o momento, não existem evidências seguras de sua h) nutrição parenteral, se as condições metabóli-
eficácia no controle do processo infeccioso. Nos casos cas e hemodinâmicas estiverem estáveis.
de choque séptico, pode-se utilizar de maneira empírica
o plasma fresco congelado. Para as crianças no estádio I (IA e IB), em geral, as
medidas que mantêm o repouso intestinal são suficien-
O trato gastrointestinal é o órgão-alvo na
tes. Após 72 horas, caso não haja progressão do quadro
ECN, porém outros aparelhos são afetados du-
e as culturas se mostrem negativas, a antibioticoterapia
rante a evolução da doença, provavelmente pela
sistêmica é suspensa e a alimentação enteral é instituída
ação de mediadores inflamatórios produzidos
gradativamente, de preferência com o leite humano da
durante o processo de instalação da lesão intes-
própria mãe. Na impossibilidade desse, as fórmulas lác-
tinal. Observa-se, em ordem de frequência, a deterio-
teas devem ser administradas cuidadosamente, sempre
ração da função cardiovascular, respiratória, renal e
hepática. A disfunção desses aparelhos, em particular monitorizando o quadro abdominal. A qualquer sinal de
o cardiovascular e o respiratório, diminui a perfusão e intolerância à fórmula, substituir por hidrolisados.
a oxigenação intestinal, agravando a lesão instalada. No estádio RA, as medidas de repouso intestinal
Portanto, é fundamental a monitorização intensiva e a antibioticoterapia devem ser mais prolongadas, no
da função desses órgãos, como a oxigenação, o estado mínimo por sete dias, mantendo a oferta nutricional
hemodinâmico, o débito urinário, o hematológico, os através da alimentação parenteral. Caso o paciente
distúrbios de coagulação e do equilíbrio acidobásico e apresente sinais de peritonite, recomenda-se o uso de
eletrolítico. A qualquer sinal de disfunção, iniciar com analgésicos (fentanil ou morfina).
as medidas adequadas para o seu controle.
Identificação precoce da perfuração intestinal: a Agressividade das medidas terapêuticas na ECN, se-
perfuração intestinal é a principal complicação cirúr- gundo o estadiamento clinicorradiológico
gica observada na fase aguda da ECN. Sua ocorrência Estádio Pausa intestinal + Medidas adicionais
associa-se a altas taxas de morbimortalidade, sendo o antibioticoterapia
seu reconhecimento precoce fundamental nos resul- I 3 a 5 dias
tados cirúrgicos. O método propedêutico de escolha,
IIA 7 a 10 dias
ainda, é o estudo radiológico do abdome. O controle
radiológico periódico tem como objetivo surpreender IIB 14 dias Aumentar oferta hídrica
precocemente a perfuração, bem como a evolução do Considerar drogas vasoativas
(dopamina e/ou dobutami-
estado funcional das alças intestinais. Recomenda-se na) e ventilação mecânica
que as avaliações radiológicas, até a confirmação diag-
Estádio Pausa intestinal + Medidas adicionais
nóstica da ECN, sejam realizadas em duas incidências:
antibioticoterapia
anteroposterior na posição supina e com o paciente em
IIIA > 14 dias IIB +
decúbito lateral esquerdo com raios horizontais. Após
Considerar paracentese
a confirmação do diagnóstico, as avaliações podem ser
realizadas somente com a última posição. Realizar ava- IIIB > 14 dias Laparotomia exploradora
Drenagem peritoneal
liação ultrassonográfica nos casos de suspeita da pre-
sença de ascite ou de coleções peritoneais. Tabela 11.5
59
Clínica Cirúrgica | Pediatria
sos, é conveniente não ressecar; fecha-se a laparotomia temente são múltiplas, daí a necessidade de se realizar
em um único plano, reoperando-se após 48 horas. Essa o estudo radiológico contrastado do intestino delgado e
estratégia tem como objetivo precisar melhor a delimi- cólons antes de se reconstruir o trânsito intestinal.
tação da área a ser ressecada.
Convém lembrar que nesse grupo etário as
enterostomias determinam grandes perdas de
fluidos e eletrólitos, sendo difícil a manipulação
hidroeletrolítica no pós-operatório. Para evitar
Prognóstico
esse tipo de inconveniente, indica-se a reanasto- A mortalidade situa-se entre 20 e 40%, dependen-
mose o mais precocemente possível. do do grau da prematuridade, da gravidade da infecção
Nos recém-nascidos com menos de 1.000 g ou e da insuficiência de múltiplos órgãos. As complicações
naqueles que se encontram em má condição clínica que podem ocorrer na fase aguda são as relacionadas à
independentemente do peso, o procedimento mais septicemia, como choque, necrose tubular aguda, CIVD,
recomendado é a drenagem peritoneal simples com neutropenia, trombocitopenia, meningite, bem como
a peritonite com ou sem perfuração intestinal. Entre as
anestesia local, e que pode ser realizada na própria
complicações tardias, a mais importante é a síndrome do
unidade neonatal à beira do leito. Oportunamente, o
intestino curto (8-10%) nos pacientes submetidos a gran-
recém-nascido será submetido à laparotomia explora- des ressecções intestinais. Outras complicações tardias
dora para ressecção das alças necrosadas e realização são: síndrome de má absorção, atresias ou estenoses in-
das estomias e, se possível, da anastomose. testinais, fístulas enteroentéricas ou enterocólicas, pseu-
O repouso intestinal deverá ser mantido até docisto intraperitoneal e colestase. A complicação tardia
três a cinco dias após a normalização das funções mais frequente é a estenose, à qual já nos referimos. Sua
gastrointestinais, época em que, nos casos de crian- suspeita clínica deve ser feita em casos de recorrência de
ças portadoras de estomias, está indicado o seu fe- sangramento intestinal, distensão abdominal ou através
chamento. No entanto, antes de realizá-lo, deve-se do quadro bem caracterizado de semioclusão intestinal
lembrar que a incidência de estenoses pós-ECN se após reconstrução do trânsito digestivo.
situa em torno de 15 a 30% dos casos. Tais estenoses O prognóstico a longo prazo depende da ocor-
ocorrem preferencialmente no cólon, sendo o ângulo rência ou não da síndrome do intestino curto, obser-
esplênico o local mais frequentemente acometido. vando-se bom desenvolvimento ponderoestatural nos
Podem também ocorrer no intestino delgado e frequen- casos que não desenvolvem essa síndrome.
61
212
Capítulo
Hérnia
O UTICO
Diafragmática
BÁSICO eM
Congênita
COLOGIA
12 Hérnia diafragmática congênita
Definição Fisiopatologia
Defeito do diafragma permitindo a passagem de A diminuição da área de troca alveolar, diminui-
alças intestinais para a cavidade torácica, sempre asso- ção da complacência pulmonar, deficiência da produ-
ciada a hipoplasia pulmonar e hipertensão pulmonar ção de surfactante são características da hipoplasia
persistente de gravidade variável. pulmonar e contribuem decisivamente para o quadro
de insuficiência respiratória grave, com hipoxemia e
hipercapnia. Estes dois últimos, por sua vez, são im-
portantes fatores vasoconstritores do território vas-
cular pulmonar, contribuindo juntamente com outras
Incidência alterações anatômicas estruturais para a hipertensão
pulmonar persistente. A partir daí temos um círculo
Calculada entre 1:2.000 e 1:12.000, sendo a discre-
vicioso em que a insuficiência respiratória, levando a
pância atribuída à frequência de óbitos precoces não diag-
hipoxemia e hipercapnia, perpetua a hipertensão pul-
nosticados como HDC (hérnia diafragmática congênita).
monar. Esta acarreta manutenção do padrão circula-
Distribuição equitativa entre meninos e meninas. tório fetal, com significativo shunt direito-esquerdo
O defeito mais comum é a HDC posterolateral e desvio do fluxo sanguíneo do território pulmonar,
de Bochdaleck, sendo 85% esquerdo, 10-15% direito agravando ainda mais a insuficiência respiratória.
e cerca de 1% bilateral. Fatores adjuvantes, como acidose mista, hipo-
Quando o defeito é anterior-xiforetroester- termia, estímulo adrenérgico relacionado à manipula-
nal a herniação se faz pelo forame de Larry e é de- ção e dor agravam a hipertensão pulmonar e o shunt.
nominada hérnia de Morgami. São nestes fatores manipuláveis que devemos atuar
quebrando decisivamente o círculo de insuficiência
respiratória – hipertensão pulmonar, a fim de se ob-
ter estabilização clínica do paciente antes de qualquer
tentativa de reparo cirúrgico do diafragma.
Embriologia
O diafragma é formado pela fusão de quatro com-
ponentes (septo transverso, mesentério dorsal do esô-
fago, músculos da parede torácica e membrana pleu- Sinais e sintomas
roperitoneal), ocorrendo posteriormente migração de
mioblastos e da inervação pelo nervo frênico (4a e a
8a semanas de vida intrauterina). A permanência do
Insu昀椀ciência respiratória
defeito diafragmático aberto após a 10ª semana Em 90% dos casos temos um início precoce, sen-
permite herniação do conteúdo abdominal para do tanto mais grave quanto mais precoce a manifes-
a cavidade torácica, comprimindo o broto pul- tação de desconforto respiratório. Possível período de
monar e desencadeando hipoplasia do pulmão “lua-de-mel” inicial, com piora relacionada à distensão
ipsilateral. A hipoplasia pulmonar e as alterações intestinal por aerofagia, aumento do conteúdo hernia-
vasculares responsáveis pela hipertensão pulmo- do e agravamento da hipoxemia e hipercapnia, pioran-
nar persistente são diretamente responsáveis pela do a hipertensão pulmonar.
mortalidade elevada desta malformação.
Cerca de 50% dos pacientes recém-nascidos
com HDC apresentam associação com outras mal- Sinais de instabilidade
formações, especialmente defeitos do tubo neural, hemodinâmica
sistema genitourinário, alterações de membros e cra-
Decorrente de insuficiência cardíaca por falência
niofacial, defeitos cardíacos (defeitos do septo ventri-
de bomba direita secundária a regime de hipertensão
cular, anel vascular e coarctação de aorta) e atresia de
pulmonar grave ou prejuízo do retorno venoso secun-
esôfago, onfalocele e anomalia de rotação intestinal,
dário a desvio de mediastino.
assim como as trissomias do 13, 18 e 21, a síndrome
45XO é registrada como parte das síndromes de Gol-
denhar, Beckwith-Wiedemann, Pierre Robin, Goltz- A hipoplasia pulmonar e a hipertensão pulmonar serão os
determinantes na sobrevida do recém-nascido.
-Gorlin e rubéola congênita.
63
Clínica Cirúrgica | Pediatria
Informações essenciais
É contraindicado ventilar o recém-nascido com máscara e ba-
lão. Se necessário, realizar entubação traqueal.
O recém-nascido deve estar clinicamente estável em seu qua-
dro respiratório e hemodinâmico para ser submetido à cirurgia.
Controlar rigorosamente hipoxemia, hipercarbia, acidose e
hipotermia
Fatores prognósticos
Sobrevida global < 50%.
Início dos sintomas < 6 horas, RNPT baixo
peso, presença de malformação cardíaca são fato-
res de pior prognóstico.
Nota: temas como Atresia de Vias Biliares, Atre-
Figura 12.1 Hemitórax esquerdo mostrando imagens císticas aéreas sia de Esôfago e Uropediatria você encontrará nos mó-
compatíveis com padrão radiológico de alças intestinais, desvio do me- dulos de Cirurgia de Vias Biliares, Cirurgia do Esôfago
diastino e pouco ar no abdome (hemiabdome esquerdo) e Cirurgia Urológica.
65
213
Capítulo
PROPEDÊUTICO
Megacólon de
ÁSICO eM
Hirschsprung
13 Megacólon de Hirschsprung
Conceito Diagnóstico
O megacólon aganglionar, também conhecido O megacólon aganglionar ocorre em 1/5.000
como megacólon congênito ou doença de Hirschsprung, nascidos vivos, havendo predileção para o sexo mas-
é uma doença congênita que se caracteriza por suboclu- culino na proporção de 3,9/1 nos casos esporádicos.
são intestinal crônica primária, que ocorre por ausência O megacólon aganglionar na forma clássica,
congênita dos gânglios parassimpáticos mioentéri- ocorre em 80% dos casos, na região retossigmoide,
cos de Auerbach e submucosos de Meissner. e o transverso e o cólon direito são acometidos em
10 a 20% das vezes. O megacólon aganglionar total
ocorre em apenas 3% dos casos, sendo desconhecida
a verdadeira incidência das formas curta e ultracurta
Etiologia em razão dos critérios diagnósticos não uniformes
empregados pela literatura.
O megacólon aganglionar ocorre por interrupção O quadro clínico é variável com o comprimento
da migração craniocaudal dos neuroblastos da crista do segmento aganglionar.
neural até a parede intestinal, por volta da 12ª sema- A forma clássica tem manifestação no período
na de vida intrauterina, ocasionando incoordenação neonatal, com demora para eliminação de mecônio,
peristáltica e obstrução ao trânsito intestinal. distensão abdominal e raramente vômitos. A elimi-
Estudos recentes demonstram a existência de três nação de fezes ocorre nas primeiras 24 horas após o
genes responsáveis pela doença; 10% dos casos têm ca- parto em 94% dos recém-nascidos normais e a termo.
racterísticas hereditárias e o restante se apresenta na A ausência de eliminação de mecônio além desse tem-
forma de mutação livre. Estudos genéticos têm demons- po é altamente sugestiva de processo suboclusivo ou
trado casos familiares, com gene autossômico dominan- oclusivo nessas crianças. Entretanto, esse tempo para
te, de penetração incompleta para a forma total, e gene eliminação do primeiro mecônio em recém-nascidos
recessivo de baixa penetrância na forma clássica. pré-termo deve ser estendido para até 72 horas sem
significação patológica. Os recém-nascidos em geral
são bastante irritados, com baixa aceitação alimentar
e desnutridos. A manipulação anal pode levar à elimi-
nação de mecônio pelo recém-nascido, melhorando a
Classificação distensão abdominal, que, entretanto, logo se reinsta-
la. O padrão de evacuações e distensão abdominal não
De acordo com o comprimento e a localização do
responde ao tratamento clínico com dieta ou laxantes,
segmento aganglionar, a doença pode ser classificada
exceção feita aos clisteres.
em quatro formas diferentes:
A forma total tem quadro clínico irregular e, pa-
1. Longa ou clássica: o segmento aganglionar se
radoxalmente, em geral, mais branda do que a forma
estende do reto até o sigmoide.
clássica, embora já presente no período neonatal. A
2. Total: o segmento aganglionar se estende sintomatologia mais leve poderia ser explicada por-
por todo o cólon, podendo também o íleo terminal que não há incoordenação peristáltica, uma vez que
ser aganglionar. todo o cólon é aganglionar. Assim como na forma
3. Curta: a aganglionose está restrita à porção clássica, as crianças acometidas apresentam grave
distal do reto. comprometimento ponderal.
4. Ultracurta: a aganglionose restringe-se ao es- As formas curta e ultracurta têm sintomatolo-
fíncter interno do ânus. gia leve, constituindo-se de constipação intestinal,
com pouca ou nenhuma repercussão pondoestatural,
fazendo com que o diagnóstico muitas vezes ocorra
Classificação mais tardiamente.
Forma clássica 80% dos Zona de transição A enterocolite (megacólon tóxico) é uma com-
casos no retossigmoide
plicação grave do megacólon aganglionar, que pode
Forma longa 5% Transição no cólon descendente ocorrer no recém-nascido ou mesmo no lactente jo-
Forma curta 5% Transição no reto distal vem, e se caracteriza por diarreia profusa, fétida,
Forma rara Apenas esfíncter interno com sangue e muco, intensa distensão abdominal e
ultracurta comprometimento do estado geral.
Aganglionose 10% Zona aganglionar atinge íleo A perfuração do cólon ou o apendicite pode ocorrer,
cólica total terminal complicando a doença, concomitantemente à enterocoli-
Tabela 13.1 te ou não, e é bastante sugestiva de megacólon aganglio-
67
Clínica Cirúrgica | Pediatria
nar. A literatura refere que toda criança abaixo de 2 mucosa e submucosa, sendo somente possível a pesqui-
anos com perfuração de cólon ou apendicite, mesmo sa de plexos de Meissner. A presença de acetilcolina em
com ausência de constipação intestinal, deve ser in- virtude de hipertrofia de fibras colinérgicas pré-simpá-
vestigada para megacólon aganglionar. ticas que ocorre na doença é demonstrada através da
O toque retal é de grande importância, pois ca- coloração histoquímica com acetilcolinesterase, e foi
racteriza reto vazio. A presença de fezes em ampola
descrita pela primeira vez por Meier-Ruge. Na criança
acima de 1 ano, o padrão histológico clássico consiste
retal só ocorre na constipação do tipo funcional ou na
em fibrilas nervosas acetilcolinesterase positivas em
forma ultracurta.
submucosa e muscular da mucosa e clara infiltração de
O raio X simples de abdome é inespecífico, po- fibras nervosas foras acetilcolinesterase positiva em
dendo mostrar apenas fezes impactadas. lâmina própria. A manometria anorretal está indicada
O clister opaco (ou enema opaco) é o exame de es- principalmente naqueles casos de formas curta e ul-
colha, porque permite o diagnóstico pela demonstra- tracurta, para diagnóstico diferencial com constipação
ção de segmento estreitado distal, correspondendo ao funcional, pois no megacólon aganglionar não ocorre
segmento aganglionar, contrastando com o segmento resposta manométrica de relaxamento do esfíncter in-
dilatado proximal, que corresponde ao segmento gan- terno ao aumento de pressão retal.
glionar normal, além de permitir avaliação da exten-
são do cólon acometido. Entretanto, cuidados técnicos Diagnóstico
são essenciais para a realização do clister opaco:
1. Raio X simples Distensão de alças de cólon sigmoide
O exame deve ser realizado sem preparo prévio, 2. Enema opaco Identificação de cone de transição entre
pois o preparo atenua a diferença de calibre entre área distal espástica e dilatação proximal
o segmento acometido e o normal, uma vez que a
3. Manometria Balão insuflado no reto - distensão da pare-
dilatação do segmento normal, ganglionar, é se- de retal - relaxamento do esfíncter interno
cundária ao acúmulo de fezes. Presença de reflexo mioentérico permite
A quantidade de contraste deve ser pequena, excluir Hirschsprung
pois grandes quantidades de contraste impe- 4. Biópsia HE Pesquisar ausência de gânglios na pa-
dem a individualização dos segmentos. rede total obtida a 2, 4 e 6 cm da linha
pectínea análise do fragmento adequa
O perfil é a posição ideal para se realizar a ra- do por patologista experiente ausência
diografia, pois permite melhor visualização de células ganglionares e hipertrofia de
do retossigmoide. troncos nervosos
Na presença de estudo radiológico inconclusivo 5. Biópsia AchE Aumento da atividade acetilcolinesterase
no recém-nascido, repetir o exame após uma ou Técnica imuno-histoquímica
duas semanas, pois as imagens típicas nem sem- Tabela 13.2
pre estão presentes ao nascimento.
Diagnósticos diferenciais
O enema opaco nas formas clássicas demonstra a
diferença de calibre entre a zona acometida (estreitada) Displasia neuro- Síndrome do cólon Íleo meconial
e o segmento colônico ganglionar a montante (dilatado). nal intestinal esquerdo
Nas formas de aganglionose total o enema opaco Hipotireoidismo Obstipação crônica asso- Megarreto
ciada a erro alimentar funcional
mostra cólon de calibre uniforme constante e apaga-
Tabela 13.3
mento das haustrações, não se observando diferenças
de calibre entre os segmentos colônicos e a zona de
transição, uma vez que todo o cólon está acometido.
Nas formas curtas, o enema opaco é incaracterístico.
A biópsia da parede retal cirúrgica ou a biópsia
por sucção com coloração pela hematoxilina/eosi-
na (HE) e por histoquímica pela acetilcolinesterase
(AchE) complementam o estudo, e são confiáveis e
seguras (é fundamental realizá-la). A biópsia cirúr-
gica da parede retal tem a desvantagem de exigir inter-
nação e anestesia geral, por se tratar de procedimento
cirúrgico, mas permite a obtenção de fragmento repre-
sentativo, contendo submucosa e muscular, possibili-
tando, com segurança, pesquisar os plexos mioentéri-
cos de Auerbach e os submucosos de Meissner. A biópsia
por sucção é mais simples, não requerendo internação e
nem mesmo sedação, mas requer patologista experien- Figura 13.1 Enema opaco: área agangliônica (estreitada), com dilata-
te, pois o fragmento obtido dessa forma só representa ção a montante.
69
214
Capítulo
PEDÊUTICO
anomalia
BÁSICO eM (AAR)
anorretal
14 Anomalia Anorretal (AAR)
Classi昀椀cação
Classificação das AAR
Meninos Meninas
Fístula perineal Fístula retroperineal
Fístula retouretral bulbar Fístula retovestibular
(mais comum) (mais comum)
Fístula retoprostática Fístula retovaginal
Fístula retovesical Cloaca Figura 14.1 A: recém-nascido do sexo feminino com ânus imperfu-
rado baixo. O mecônio está sendo eliminado pela vagina, através de
AAR sem fístula AAR sem fístula uma fístula retovaginal. B: recém-nascido do sexo masculino com ânus
Tabela 14.1 imperfurado alto. O mecônio está sendo eliminado pela urina.
71
Clínica Cirúrgica | Pediatria
Fístula perineal: definida como AAR baixa, b- Esperar até 36 horas para observar eliminação
apresenta esfíncter externo bem desenvolvido e po- de mecônio e caracterizar fístula com trato genital, uri-
sicionado, permitindo correção primária com baixo nário ou diretamente no períneo, determinando con-
risco de lesão. Observação de mecônio no períneo duta neonatal (colostomia X anorretoplastia primária).
ou em trajeto na rafe mediana do escroto. Muscu-
latura e sulco interglúteo bem desenvolvidos, prog- c- Se não ocorrer eliminação de mecônio realizar
nóstico de continência fecal bom. invertograma (raio X simples realizado com a região
Fístula uretral bulbar: diagnóstico a partir do glútea elevada em relação ao abdome e marcador me-
colograma distal realizado algumas semanas após a tálico na impressão anal). Quando a distância entre o
confecção de colostomia em duas bocas. Eliminação final do reto (visualizado como uma bolha gasosa) e o
de mecônio na urina. Presença de parede comum ex- marcador anal for maior que 1 cm, indicar colostomia.
tensa entre reto e uretra bulbar dificulta separação. Caso contrário, é possível correção definitiva neonatal.
Bom prognóstico de continência fecal.
Fístula uretral prostática: caracterização de
fístula urinária no RN e diagnóstico definitivo através
do colograma. Apresenta parede comum mais curta, 2- Investigação de anomalias
porém a dificuldade de dissecção é maior em razão do
acesso profundo na cavidade pélvica. Pior prognóstico associadas
de continência em virtude de associação com malfor- Em função da presença comum de malformações
mação da coluna sacral e da inervação do períneo. Even- associadas, algumas cujo tratamento pode ser priori-
tualmente necessária abordagem abdominoperineal. tário em relação à anomalia anorretal, é importante a
Fístula retovesical: comunicação com o colo vesi- investigação completa, permitindo diagnóstico e tra-
cal, geralmente associada a malformações perineais da tamento precoces de outros problemas complexos.
musculatura e inervação, definindo prognóstico de con-
tinência fecal precário. Abordagem cirúrgica abdomino- V- malformações vertebrais: realizar raio X de
perineal, eventualmente com auxílio de laparoscopia. coluna lombossacra e USG de canal medular.
Fístula vestibular: geralmente abertura ampla A- investigação do nível de comunicação da AAR com
no vestíbulo vaginal (externo ao hímen), com parede o trato urinário ou genital através do colograma distal.
comum longa entre vagina e reto. Bom prognóstico de
continência, com musculatura glútea bem desenvolvi- C- anomalias cardíacas: exame físico e eco-
da e sacro normal. Necessária colostomia no período cardiograma.
neonatal para correção sem contaminação fecal. TE- pesquisar anomalias traqueoesofágicas,
AAR sem fístula: corresponde a cerca de 5% dos como atresia de esôfago e traqueomalacia associadas.
casos em ambos os sexos, tendo bom prognóstico de
R- malformações renais: inicialmente investiga-
continência. Em geral o fundo cego do reto dista 1 a 2
cm do períneo, sendo definida conduta neonatal a partir das através de USG de vias urinárias.
do invertograma (distância de até 1 cm permite correção
primária, enquanto maior distância indica colostomia e
anorretoplastia sagital posterior (ARPSP) a seguir.
Cloaca: canal distal comum entre os tratos di-
Tratamento de昀椀nitivo
gestivo, genital e urinário de extensão variável, onde AAR baixa Proctoplastia perineal sem colostomia
desembocam uretra, vagina e reto. Malformação no período neonatal.
complexa associada à agenesia sacral, malformação AAR uretral e Anorretoplastia sagital posterior (ARPSP
TGU, hidrocolpos por retenção de urina, útero bífido vestibular cirurgia de Penã) entre 1 e 6 meses.
assimétrico. Necessidade de separação e mobilização AAR vesical e Cirurgia abdominoperineal entre 6 me-
do reto e da vagina, preservando esfíncter urinário e cloaca ses e 1 ano.
fecal. (Aguardar primeiro ano para tratamento cirúr- Tabela 14.2
gico definitivo na criança maior).
Tratamento Complicações
Incontinência fecal nas AAR altas e constipação
1- Conduta no RN nas AAR baixas.
a- Diagnóstico feito pela inspeção ao nascimen- Bexiga neurogênica decorrente de malformação
to. Manter jejum e SOG aberta. congênita ou lesão cirúrgica.
O U CO
Hérnias Inguinais
BÁSICO eM
Clínica Cirúrgica | Pediatria
Introdução
O conduto peritoneovaginal é uma projeção do
peritônio que acompanha a descida do testículo (♂) ou
do ligamento redondo (♀) e normalmente está oblite-
rado ao nascimento. A persistência deste conduto no
A B C D E
RN e na criança causa manifestações clínicas variadas,
algumas vezes concomitantes, cuja diferenciação tem Figura 15.1 Afecções originárias da persistência do conduto pe-
ritônio vaginal. A: reabsorção completa; B: persistência do segmento
interesse para indicação cirúrgica. Baseando-se na his- inguinal (hérnia ingunal); C: persistência inguinoescrotal (hérnia in-
tória clínica e no exame físico, é definido o diagnóstico guinoescrotal); D: cisto de cordão e E: persistência do conduto, mas
sem conteúdo herniário formando a hidrocele comunicante.
e a conduta em cada caso, levando em conta o risco de
complicações e a possibilidade de resolução espontânea.
Apresentações clínicas
Apresentação História/exame físico Conteúdo
Epidemiologia
Hérnia Abaulamento na região Projeção de alças São mais frequentes em meninos (♂ 3:1♀);
inguinal inguinal aos esforços intestinais, apên Acometem cerca de 1% dos RNs e lactentes nor-
e espessamento do cor- dice cecal, bexiga, mais, mas chegam a 30% de incidência em RNs
dão espermático trompa, ovário prematuros;
Hérnia Projeção de conteú- O mesmo da hér- Podem ser assintomáticas em até 20% dos casos
inguinoes- do abdominal até o nia inguinal
com persistência comprovada do conduto peri-
crotal escroto
toneovaginal.
Hidrocele Aumento do volume es- Apenas líquido
crotal, variável ou não, peritoneal Quanto ao acometimento:
sem alteração inguinal Em meninos: direito, 60%; esquerdo, 25 a 30%;
Cisto de Coleção líquida encis- Apenas líquido bilateral, 10 a 15% (o testículo esquerdo desce pri-
cordão (♂) tada no trajeto ingui- peritoneal meiro que o direito);
Cisto de nal, não redutível Em meninas: direito, 60%; esquerdo, 30%; bi-
Nuck (♀) lateral, 10%.
Tabela 15.1
Essa taxa de bilateralidade corresponde ao diag-
nóstico pré-operatório. História familiar: 11%.
A hérnia inguinal na criança é considerada uma Bilateralidade nos prematuros: ± 40%.
alteração congênita e classificada como sendo indireta
(oblíqua externa), porque o anel herniário, por onde o
conteúdo abdominal se projeta, localiza-se lateral-
mente aos vasos epigástricos. As hérnias inguinais Fisiopatologia
do adulto são geralmente adquiridas e relacionadas a
uma fraqueza da parede abdominal, classificando-as A base fisiopatológica da hérnia inguinal na
como hérnias diretas (oblíquas internas). criança é a persistência do conduto peritoneovagi-
nal, a qual é definida, classicamente, como a persis-
tência do conduto com comprimento mínimo, sem
tração, de 2 cm e luz óbvia comprovada pela intro-
dução de estilete ou ar injetado.
Hérnia inguinal só aparecerá quando entrar uma
víscera ou parte de uma víscera dentro dessa persistên-
cia do conduto. Hidrocele e hérnia de cordão são ca-
racterizadas pela presença de somente líquido den-
tro do processo vaginal. O processo vaginal patente é
uma hérnia em potencial. A diferença entre hérnia in-
guinal, cisto de cordão e hidrocele está fundamenta-
da no calibre do processo vaginal e conteúdo do saco,
sendo no caso de hérnia o saco mais largo e contendo
víscera intra-abdominal, ao passo que nos casos de
hidrocele e cisto de cordão, o saco é estreito e só con-
tém fluido peritoneal.
Existem certos fatores predisponentes que, agin- Pesquisa do sinal da seda de Gross (sinal in-
do sobre o processo vaginal, podem favorecer o apare- direto da presença de um saco herniário). Com
cimento de hérnia inguinal. Esses fatores são: o dedo indicador deve-se palpar o cordão esper-
mático em sua passagem sobre a crista do pú-
Tonicidade diminuída da musculatura da região
bis, fazendo-se movimentos laterais. Observar
inguinal (prematuros, desnutridos, doenças
o espessamento do cordão e a sensação de seda
musculares e do tecido conetivo);
determinada pelo deslizamento das paredes do
Aumento da pressão abdominal (ascite, mas- saco uma sobre a outra;
sas abdominais); A não visualização ou palpação de uma hérnia
Diâmetro aumentado da porção proximal do inguinal nos obriga a uma nova reavaliação em
processo vaginal. consulta posterior. A mãe deve ser orientada a
As hérnias diretas, surgidas após a correção de observar se o testículo está dentro da bolsa es-
crotal, quando notar a presença de abaulamento.
uma hérnia indireta, têm como causa:
Se a presença de hérnia inguinal for testemunha-
Não reconhecimento do defeito de parede posterior
da por pediatra e houver história compatível, pode ser
durante o reparo cirúrgico de uma hérnia indireta;
indicada a correção cirúrgica, mesmo sem confirma-
Lesão do assoalho posterior durante a correção ção diagnóstica pelo cirurgião. Assunto controverso.
cirúrgica prévia. Aproximadamente 12% das hérnias observadas pelos
pais ou encaminhadas pelos pediatras não estão pre-
sentes na exploração cirúrgica inguinal.
Localização
Cerca de 60% localizam-se à direita, 25-30% à es- Condições associadas
querda e 10% são bilaterais. As hérnias bilaterais são
mais comuns em prematuros. Quando encarceradas Fibrose cística do pâncreas;
são mais frequentes em lactentes. Derivação ventriculoperitoneal;
Defeitos pélvicos congênitos (extrofia de bexiga e
de cloaca);
Síndrome de Hurler-Hunter (defeito no meta-
Diagnóstico bolismo dos mucopolissacarídeos);
História de aumento de volume na região inguinal Síndrome de Ehlers-Danlos (doenças do teci-
ou inguinoescrotal que aparece, principalmente, do conetivo);
com os esforços; Diálise peritoneal;
Hérnias costumam ser assintomáticas, até Luxação congênita do quadril;
que encarcerem. Criptorquidia.
Inspeção da região inguinal: observa-se abaula- Anomalias congênitas da parede abdominal (ex-
mento da região inguinal ou não. No caso de não haver trofia de bexiga, extrofia de cloaca, onfalocele,
abaulamento da região inguinal, nas crianças que coo- gastrosquise).
peram, solicita-se que façam esforços (manobra de Val-
Em doenças metabólicas e mesenquimais, além da
salva) como soprar na mão sem deixar o ar escapar ou ligadura alta do saco hernário devemos acrescentar o fe-
tossir na posição de pé. Nos lactentes, quando a hérnia chamento do anel inguinal interno. Se a fáscia transver-
inguinal não se torna visível à inspeção, pode-se colocá- salis estiver enfraquecida, colocar prótese de Marlex®.
-los de pé (apoiados pela mãe) para facilitar o apareci-
mento da hérnia. Palpação da região inguinal e inguino-
escrotal: massa na região inguinal de consistência mole,
redutível com borborigmo e polo superior não palpável
por sua continuidade com a cavidade abdominal. Diagnóstico diferencial
A palpação de uma massa arredondada, firme, mó- Hidrocele (a transluminação distingue entre lí
vel, algo dolorosa, irredutível na região inguinal de uma quido e alça intestinal);
menina é, mais provavelmente, causada por um ovário Cisto de cordão;
deslizado. Quinze a vinte por cento das meninas com hér-
nia têm ovário ou trompa deslizada. O diagnóstico dife- Adenomegalia.
rencial é com hidrocele do canal de Nuck, linfonodo au- Importante diferenciar hérnia inguinal encarce-
mentado, ou intestino encarcerado. rada, pois este diagnóstico define urgência cirúrgica.
75
Clínica Cirúrgica | Pediatria
OPEDÊUTICO
Hidrocele e
BÁSICO
Cisto de Cordão
eM
Clínica Cirúrgica | Pediatria
Introdução
Hidrocele é o acúmulo de líquido peritoneal den-
tro da túnica vaginal do testículo. Pode ser residual
(não comunicante) ou comunicante.
Cisto de cordão é o acúmulo de líquido peritone-
al dentro de porção do conduto peritoneovaginal que
persistiu sem relação com a túnica vaginal do testículo.
Também pode ser residual ou comunicante. Nas hidro-
celes e cistos de cordão não comunicantes, o proces-
so vaginal obliterou-se e certa quantidade de líquido
peritoneal ficou aprisionada na túnica vaginal ou em
qualquer outra porção do conduto peritoneovaginal.
Figura 16.2
Esse tipo de hidrocele é comum nos primeiros meses de
vida. Nas hidroceles e cistos de cordão comunicantes,
o processo vaginal encontra-se aberto, podendo fluir
livremente líquido peritoneal da cavidade abdominal
para a túnica vaginal ou para qualquer outra porção
do conduto que persistiu e vice-versa.
79
217
Capítulo
P O U CO
Hérnia Umbilical
BÁSICO eM
17 Hérnia umbilical
Fatores predisponentes
Negros (cordão é mais espesso, infecção umbi-
lical é mais comum e fator genético herdado);
Desnutridos, prematuros (distensão abdominal,
hipotonia muscular);
Hipotireoidismo (hipotonia generalizada);
Síndrome Beckwith-Wiedemann (autossô-
mica dominante: tumor de Wilms, hepatoblas-
toma, rabdomiossarcoma);
Gêmeos;
Trissomias 13, 18 e 21 (síndrome de Down);
Bebês grandes com cordões largos;
Infecção neonatal do umbigo;
Mielomeningocele (hipotonicidade da parede
abdominal);
Aumento da pressão intra-abdominal (ascite,
tumores e outras);
Mucopolissacaridoses;
Predisposição familiar. Figura 17.1 Hérnia umbilical.
81
Clínica Cirúrgica | Pediatria
AfecçõesPROPEDÊUTICO
Cirúrgicas da
BÁSICOCervical
Região eM
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Cisto tireoglosso
É um resquício embriológico do ducto tireoglosso,
o qual se estende da base da língua até a glândula tireoi-
de, passando pelo osso hioide, em uma fase do desenvol-
vimento da glândula.
Durante sua migração embriológica, a tireoide
permanece unida à língua por um canal, o trato tireo-
glosso. Pela 7º semana, a glândula tireoide alcança sua
posição definitiva. O trato tireoglosso deve obliterar- Figura 18.1 Exérese de cisto tireoglosso. Incisão cervical.
85
Clínica Cirúrgica | Pediatria
Nas crianças e adolescentes de até 12 anos de ida- biópsia aspirativa da massa com agulha fina (PAAF, o
de, os linfonodos axilares, cervicais e inguinais de até 1 padrão-ouro), para análise citológica do material obti-
cm de diâmetro podem ser considerados normais; já nos do, com 90% de possibilidade de se firmar o diagnós-
neonatos, qualquer linfonodo palpável é anormal. tico. Em casos de dúvida, indica-se cirurgia para bióp-
sia, com exame do tumor sob congelação, para que se
As adenomegalias na região cervical podem ocor-
possa tomar conduta no mesmo ato.
rer de forma isolada ou em associação com aumento
de volume de gânglios linfáticos em outras regiões do
organismo. Podem ser decorrentes de infecções virais
(as causas mais comuns), bacterianas (a segunda cau- Fatores preditivos de malignidade
sa mais comum) ou fúngicas, infestações parasitárias, Nódulo único, consistência dura, frio (cintilo-
doenças de depósito, colagenoses e, finalmente, neo- grafia), sólido (ultrassonografia);
plasias primárias ou metastáticas. Invasão de estruturas vizinhas;
Nos casos em que o diagnóstico não pôde ser es- Fixação aos tecidos adjacentes;.
tabelecido após período de observação clínica ou por
Gânglios regionais cervicais aumentados de
exames subsidiários recomenda-se o exame direto do
volume;
material colhido do próprio gânglio. A retirada de pe-
quena amostra de tecido ganglionar através de punção Crescimento rápido;
por agulha sob anestesia local, realizada em ambula- Estigmas que sugerem carcinoma medular: múl-
tório, embora muito utilizada em adultos, não deve tiplos neuromas de mucosas e conformação cor-
ser indicada em crianças por dois motivos básicos: pri- poral marfanoide;
meiro, pela dificuldade em se realizar procedimentos Disfunção transitória do nervo recorrente;
invasivos em crianças sob anestesia local e, segundo, Sensibilidade localizada transitória (geralmen-
pela dificuldade do patologista em definir o diagnósti- te devido a episódio de sangramento dentro de
co com material exíguo, o que, na prática, leva a erros. um tumor sólido com necrose).
A biópsia com excisão total do gânglio ou de gru- Os exames de imagem são pouco úteis para
pos ganglionares, sob anestesia geral, é o meio mais se- decisão da conduta terapêutica, pois apenas
guro para a definição diagnostica das adenomegalias. confirmam a presença da massa. Outro exame
Indicações de biópsia: presença de um ou muito utilizado em adultos, o mapeamento ra-
mais gânglios aumentados (≥ 3 cm) ou aumen- dioisotópico da tireoide é de pouca utilidade em
crianças, já que é rara a ocorrência de nódulo
tado de volume na mesma área anatômica, con-
“quente” hipercaptante. A radiografia de tórax
sistência firme, fixos à pele ou fáscia profunda,
deve ser feita, pois em 20% dos casos pode ha-
após seis semanas de evolução, sem sinais in-
ver metástases pulmonares.
flamatórios evidentes, sem história de infecção
conhecida e quadro clínico sem diagnóstico. Confirmado o diagnóstico de neoplasia maligna
da glândula tireoide, deve-se realizar tireoidectomia
Indicações de biópsia precoce: alta proba-
bilidade de doença grave – adenopatia supra- total, com esvaziamento dos gânglios cervicais, se
clavicular ou região cervical inferior (exceções: estes estiverem acometidos por metástase, fato que
contato com gato ou radiografia de tórax e me- ocorre em cerca de 20% dos casos. A complementação
diatismo normais); febre persistente; emagreci- da cirurgia é feita com administração de iodo radioa-
mento; gânglios com fixação à pele e/ou tecidos tivo, para destruir neoplasia residual (para os carcino-
profundos, indolores e aglomerados. mas diferenciados: papilífero e folicular).
O prognóstico depende do tipo histológico da
neoplasia. Em 90% das crianças, trata-se do car-
cinoma papilífero, cujo prognóstico é muito bom.
Afecções da tireoide Em casos de ressecção completa, considera-se que a
criança está curada. Mesmo que haja tumor residual,
O nódulo de tireoide é a afecção de maior inte- o tratamento complementar com iodo radioativo per-
resse nesta população. Cerca de 70% dos nódulos na mite boa evolução e cura. O carcinoma do tipo medu-
glândula tireoide em crianças são neoplasias ma- lar (proto-oncogene RET) é muito raro em crianças, de
lignas (e a mais prevalente é o carcinoma papilífero, pior prognóstico, e associado à síndrome de neopla-
assim como nos adultos). De modo geral, a primeira sias endócrinas múltiplas (NEM 2A e 2B).
manifestação clínica é a presença de massa tumoral no
NEM 2A (síndrome de Sipple): carcinoma
pescoço, indolor, o que motiva a consulta ao pediatra.
medular da tireoide, feocromocitoma e hiperparati-
Após a comprovação da massa ao exame físico, deve-
reoidismo primário.
-se realizar cuidadosa palpação de todo pescoço para
se verificar o acometimento de gânglios cervicais por NEM 2B (neuromas mucosos): carcinoma me-
neoplasia metastática. Em seguida, pode-se realizar dular, feocromocitoma e neuromas mucosos.
O CO
Apendicite Aguda
BÁSICO eM
Clínica Cirúrgica | Pediatria
Introdução Localização
Dor intensa e progressiva, inicialmente periumbili- Retrocecal (intra ou retroperitoneal): 55 a 60%;
cal, evoluindo em horas ou dias para localização em FID, Descendente ou subcecal: 2%;
com irritação peritoneal localizada ou difusa e acompa-
nhada de outros sintomas de abdome agudo inflamató- Pélvica: 35 a 40%;
rio. É a causa mais frequente de AA inflamatório na Mesocecal pós-ileal ou posterior: 1%;
infância, com pico de incidência entre 4 e 15 anos. Em Pré-ileal ou anterior: 1%;
crianças menores, o diagnóstico pode ser mais difícil e a
evolução, mais agressiva. Em recém-nascidos, apendicite Laterocecal: 2%;
aguda está associada com megacólon congênito. Outros: quadrante inferior esquerdo, dentro de
Pico máximo de incidência aos 12 anos de idade, saco herniário, quadrante superior direito: 1%.
sendo rara nos primeiros dois anos de vida, incomum
antes dos cinco e raríssima em recém-nascido.
Quadro clínico
Etiopatogenia A dor abdominal é o principal e primeiro sintoma a
se manifestar.
A obstrução do lúmen apendicular é o fator
desencadeante da apendicite aguda (AA). Em 2/3 A dor visceral é conduzida pelos nervos aferentes
dos casos é causada por hiperplasia dos linfonodos do sistema nervoso autônomo e tende a ser vaga, difí-
submucosos do apêndice. Outras causas, em ordem cil de ser descrita e de localização central no abdome.
decrescente de importância: coprólito (10%), corpo A dor do peritônio parietal é conduzida pelos nervos
estranho, vermes e outros. aferentes somáticos (sistema nervoso central) e costu-
ma ser precisamente descrita, localizando-se confor-
A obstrução do lúmen apendicular retém muco no me o órgão de origem da dor.
lúmen distal à obstrução. O acúmulo progressivo de muco
leva à distensão e ao aumento da pressão intraluminar. A dor inicial da apendicite aguda é visceral e
As bactérias presentes convertem o muco em pus, pois deve-se à distensão do apêndice obstruído, sendo
em uma cavidade fechada elas aumentam sua virulência e de localização mais imprecisa e vaga, nas regiões
multiplicação e rapidamente penetram na parede apendi- epigástrica e periumbilical.
cular já em sofrimento vascular. Surge edema da parede do Quando começa a haver periviscerite (irritação
apêndice (obstrução linfática e venosa). A pressão intralu- causada por exsudato inflamatório sobre o peritônio
minar ultrapassa a pressão capilar e surge hipoxia tecidual. parietal), a dor passa a ser conduzida pelos nervos afe-
As bactérias começam a penetrar na parede edematosa, in- rentes do sistema nervoso central (SNC) e localiza-se
flamada e hipóxica, atravessando-a (diapedese de organis- na fossa ilíaca direita (FID). Essa dor passa a ser mais
mos). Aparece inflamação dos tecidos adjacentes. O omen- localizada, progressiva, contínua e intensa e a dor pe-
to e as alças de delgado mais próximas dirigem-se para a riumbilical é suprimida. Essa migração é encontrada
área inflamada. Com a progressão do processo, aparece em 50 a 60% dos casos.
necrose da parede apendicular, seguida por perfuração e A dor da apendicite aguda pode ser aliviada
peritonite generalizada. Se houver bloqueio (processo fica
imediatamente após a perfuração (alívio da pressão
contido pelo omento e pelas alças intestinais adjacentes),
intraluminar), permanecendo menos intensa, até
aparece massa periapendicular localizada (plastrão).
que a peritonite generalizada se estabeleça e a dor
O curso natural da apendicite aguda é a progressão volte mais intensa e difusa.
para perfuração. Com menos de 24 h de evolução apre-
Dores atípicas podem ser causadas por localiza-
senta taxa de perfuração aproximada de 7%; entre 24 e
ções anômalas dos apêndices (retrocecal, dor lombar;
48 horas a taxa é de 38% e, acima de 48 horas, a perfu-
pélvico, dor suprapúbica; quadrante superior direito,
ração atinge mais de 65% dos casos.
dor no hipocôndrio direito).
A dor em apendicite retrocecal pode permanecer
Fases da apendicite aguda periumbilical ou vaga e imprecisa, não migrando para
1 Edematosa Inflamação a FID, pois não ocorre irritação do peritônio parietal
2 Fibrinopurulenta Infecção bacteriana (no caso de apêndice retrocecal extraperitoneal).
3- Necrótica/perfurativa Possibilidade de bloqueio por epí- Vômitos. O início, virtualmente, ocorre sempre
plon x peritonite difusa após começar a dor. Primeiro são de origem reflexa,
4- Apendicite hiperplástica Bloqueio intenso e fibrose sem com conteúdo gástrico. Nos casos com peritonite, tor-
inflamação nam-se biliosos pela estase intestinal do íleo paralíti-
Tabela 19.1 co ou por obstrução intestinal causada por aderências
oriundas do apêndice inflamado. Anorexia (45 a 75%) e A palpação profunda deve iniciar em um ponto
náuseas (35 a 90%). Sempre aparecem após a dor abdo- diagonalmente oposto ao local da dor espontânea e lo-
minal. Ocorrência em ± 80% dos casos. calizar o ponto de dor mais intensa (clássico ponto de
Em relação aos hábitos intestinais, podem-se dor de McBurney).
apresentar com fezes normais, constipação intestinal Sinal de Blumberg: dor à descompressão
(5 a 25%) ou fezes diarreicas (5 a 15%). A diarreia sur- brusca da fossa ilíaca direita. Está presente em
ge quando o apêndice inflamado irrita o cólon (princi- 35 a 65% dos casos;
palmente cólon sigmoide), como em apendicite pélvi- Sinal de Rovsing: a pressão contínua sobre o
ca, peritonite difusa e abscesso pericólico. cólon descendente e transverso faz com que os
Um apêndice inflamado situado junto à bexiga gases intestinais distendam o cólon direito e o
ceco, causando dor referida na fossa ilíaca direi-
pode causar urgência urinária, polaciúria e hema-
ta. É observado em < 5% dos casos;
túria microscópica.
Sinal do psoas (em apendicite retrocecal):
Quanto menor a criança, mais difícil o diag- nesse local, os nervos somáticos são ausentes
nóstico. Quase 100% dos lactentes com menos de 1 ou escassos e a dor permanece vaga e difícil de
ano de idade submetidos à cirurgia têm perfuração. localizar. Os sinais são obscuros, podendo apre-
Felizmente, a apendicite é rara neste grupo etário, pois sentar contratura da musculatura posterior ou
a abertura apendicular no ceco é bem maior do que a ex- lateral. A dor costuma manifestar-se junto à
tremidade, sendo incomum a obstrução. A perfuração espinha ilíaca anterossuperior. O psoas pode
está presente em 70-80% das crianças com menos entrar em espasmo, produzindo dor e flexão da
de 2 anos de idade e em 50% das crianças com até coxa para manter o músculo não contraído (po-
5 anos de idade. Nas crianças pequenas, particular- sição antálgica). Esses acontecimentos são mais
mente, é necessário um elevado índice de suspeita e o intensos quando o apêndice, além de retrocecal,
diagnóstico rápido é crucial. Tomando como referência for extraperitoneal (posterior ao peritônio sem
o momento exato do início dos sintomas (usualmente nenhuma serosa peritoneal recobrindo-o).
anorexia relacionada a uma das refeições), verifica-se Técnica de exame: com o paciente em decúbito
que 10% dos pacientes apresentam perfuração nas pri- lateral esquerdo, pede-se para ele realizar uma hipe-
meiras 24 horas e 50% em 48 horas. rextensão da coxa direita, que será dolorosa, ou o exa-
Exames laboratoriais e de imagem apenas nos ca- minador estende a coxa direita do paciente enquanto
sos atípicos, para diagnosticar outras patologias. Entre os aplica uma contrarresistência no quadril direito.
diagnósticos diferenciais, destacamos abaixo (tabela 19.2). Sinal do obturador (apendicite pélvica):
Exame físico completo e cuidadoso é essencial dor abdominal vaga junto ao hipogástrio por
para o diagnóstico precoce e exato. inervação somática escassa. Pode localizar-se
junto à bexiga ou ao sigmoide, causando sinto-
Às vezes, são necessários observação ativa contí- mas urinários (polaciúria, disúria) ou sintomas
nua e re-exames clínicos em 4 a 6 h. cólicos (diarreia). Costumam provocar espasmo
Observar atentamente o deambular da criança, do músculo obturador e dor à flexão e rotação
como sobe os degraus da mesa de exame, escoliose, interna da articulação coxofemoral. Pesquisa-se
ausculta do tórax, exame da orofaringe e dos ouvidos pela rotação interna da coxa direita flexionada
e ferimentos existentes nos membros inferiores, prin- com o paciente em decúbito dorsal. Palpação
cipalmente o direito; de plastrão apendicular: palpação de massa in-
Observar o tipo de respiração. Havendo peritoni- flamatória dolorosa, fixa, com periapendicite
te, o tipo respiratório costal é o predominante; plástica, localizada na fossa ilíaca direita e cons-
Observar o estado de hidratação e se há fás-
tituída por alças intestinais conglomeradas,
cies de dor; apêndice inflamado, epíplon, fibrina e pus;
A posição passiva do membro inferior direito fle- Exame retal: dor ao toque retal em apenas
xionado pode significar irritação do músculo psoas; 50% das crianças com apendicite aguda, mas
Observar distensão abdominal em casos de apen-
também em 50% das crianças sem ela.
dicite com peritonite difusa; O seu valor diagnóstico tem sido questionado. É
Auscultar o abdome antes da palpação abdomi- um achado inespecífico. Tem importância quando se
nal. Ruídos hidroaéreos costumam ser normais palpa massa inflamatória dolorosa ou apêndice pél-
ou levemente diminuídos em apendicite aguda vico edemaciado e doloroso. Em apendicites clássicas
inicial e diminuídos ou ausentes em peritonite; oferece pouca ajuda. Para melhorar sua eficácia, deve
Febre. Temperatura > 38°C em somente 4% das ser adotada a posição de Sims (lateral) ou genupeito-
crianças com duração dos sintomas < 24 h; tem- ral. A posição de litotomia (a mais utilizada) mantém o
peratura > 38°C em 64% das crianças com dura- apêndice muito alto e inacessível ao toque retal;
ção dos sintomas entre 24 e 48 h; temperatura
> 39°C em 63% das crianças com duração dos Sinal de Lenander: diferença axilorretal de tem-
sintomas > 48 h. peratura tem algum valor diagnóstico acima de 1°C.
89
Clínica Cirúrgica | Pediatria
radiação ionizante, risco em potencial de reação continuada por tempo variável, dependendo dos acha-
anafilactoide com contraste intravenoso e seu dos cirúrgicos. Nos casos mais simples poderá ser usa-
caráter invasivo. Consideramos seu uso rotinei- da a cefoxitina por 24 a 48 horas. Nos casos compli-
ro um exagero. Em casos duvidosos, as opções cados existem vários esquemas possíveis, tais como a
diagnósticas são repetir a ultrassonografia, fazer associação de amicacina ou gentamicina e metronida-
tomografia limitada (focada no abdome inferior zol ou ainda ampicilina, gentamicina e clindamicina.
e na pelve) com contraste retal ou videolaparos-
copia diagnóstica e terapêutica. A complicação mais frequente no pós-operatório
da apendicectomia é a supuração da incisão. Outras com-
plicações menos frequentes e mais graves que podem
Diagnósticos diferenciais
ocorrer no pós-operatório imediato são a obstrução por
Peritonite primária Adenite mesenté Diverticulite aderências (bridas) e os abscessos intraperitoneais.
rica de Meckel
Obstipação GECA Enterite neu
A apendicectomia laparoscópica está ganhan-
tropênico do popularidade como método alternativo à apendicec-
Torção de cisto Moléstia inflamató
tomia convencional. Estudos de metanálise ainda não
ovário ria pélvica definiram qual dos métodos é melhor em apendicite
Crise falcização Púrpura Henoch aguda, se o aberto clássico ou a laparoscopia. Tem sido
-Schönlein indicada preferencialmente a crianças obesas
Broncopneumonia com AA inicial e a casos de diagnóstico duvidoso.
de base Vantagens da apendicectomia laparoscópi-
Tabela 19.3 ca sobre a técnica aberta: menor trauma cirúrgico;
melhor visualização de toda a cavidade abdominal; in-
cisão operatória mais estética; menor taxa de infecção
da ferida operatória (nos casos não-complicados), re-
dução das aderências pós-operatórias; menor dor pós-
Tratamento -operatória; menor período de hospitalização.
O tratamento é a apendicectomia através de pe- Dificuldades e desvantagens da apendicecto-
quena incisão transversa (tipo Davis) no ponto de Mc- mia laparoscópica: o apêndice cecal é uma víscera po-
Burney. Após a apendicectomia é de grande importân- sição anômala, muitas vezes retrocecal, dificultando ou
cia a limpeza mecânica da cavidade abdominal e nos impedindo seu acesso; ceco inflamado fixo, dificultando
casos de peritonite generalizada a lavagem exaustiva sua mobilização; dor gerada pelo pneumoperitônio (dor
da cavidade com soro fisiológico. A antibioticoterapia no ombro); maior índice de abscesso intra-abdominal;
deve ser iniciada 30 a 40 minutos antes da cirurgia e custos mais elevados que a técnica clássica.
91
220
Capítulo
O U CO
Doenças do Lactente
BÁSICO eM
20 Doenças do lactente
93
Clínica Cirúrgica | Pediatria
Quadro clínico
A intussuscepção ocorre mais frequente-
mente em crianças previamente saudáveis, bem
nutridas. Classicamente, a intussuscepção é prece-
dida por início súbito de dor abdominal. Esta dor
súbita, em cólica, faz a criança chorar, contorcer-se e
fletir as pernas e é frequentemente acompanhada de
sudorese. A dor continua por um curto período e a
criança parece bem nos intervalos, antes de reiniciar.
Vômitos e febre ocorrem posteriormente. Fezes com
sangue, “em geleia de groselha” são classicamente
descritas, mas não universalmente vistas. De fato, a
tríade de dor abdominal, vômitos e sangramento
retal está presente somente em 15% dos casos.
Os sinais variam consideravelmente, dependendo da
duração e gravidade da doença. Ocorre um grau va-
riável de desidratação e distensão abdominal. Uma
massa abdominal, em forma de salsicha, é palpável
no quadrante superior direito ou no abdome médio
superior, em cerca de metade dos pacientes. O sinal
de Dance – ausência de vísceras no abdômen inferior Figura 20.2 Radiografia simples do abdome de outro paciente tam-
direito – está presente em alguns pacientes. No exa- bém com intussuscepção revela distensão difusa de alças predominan-
me retal, fezes com sangue macroscópico ou guáiaco- temente delgadas.
-positiva podem ser observadas, ou, ocasionalmente,
a intussuscepção é palpável.
Os achados mais específicos são o sinal do “alvo”
e o sinal do “menisco”. O sinal do “alvo” consiste em
uma massa de partes moles contendo áreas circula-
Exames de imagem res concêntricas de radiotransparência (completas
Permitem o diagnóstico, mas principalmente es- ou não) determinadas pela gordura mesentérica do
tão indicados para tratamento nos casos em que não intussuscepto. Já o sinal do “menisco” consiste em
haja indicação cirúrgica obrigatória.
um crescente de gás (radiotransparente) dentro do
A realização de radiografias simples do abdome lúmen colônico delineando o ápice do intussuscepto,
em crianças com suspeita de intussuscepção permane-
o qual aparece como uma massa de partes moles de
ce controversa e sua aplicação engloba três principais
tópicos: a) excluir obstrução intestinal ou perfuração; limites precisos.
b) confirmar intussuscepção quando a suspeita é alta;
c) tentar diagnosticar outros processos patológicos
quando a suspeita de intussuscepção é baixa.
Dentre os sinais radiológicos, o mais comum é
uma massa de partes moles frequentemente observa-
da no quadrante superior direito, obscurecendo o con-
torno hepático adjacente. A ausência de gás ou fezes
no cólon ascendente é um sinal sugestivo de intus-
suscepção e a exclusão desta forma ileocólica em
radiografia simples abdominal é comumente base-
ada na presença destes conteúdos no ceco. Todavia,
em 45% das crianças com cinco anos ou menos, o có-
lon sigmóide localiza-se no quadrante inferior direito
do abdome e quando preenchido por gás e fezes pode
ser erroneamente interpretado como “ceco normal”.
Outros sinais que podem ser vistos, depen-
dendo da localização da intussuscepção, são: a) re- Figura 20.3 Radiografia localizada do quadrante inferior direi-
duzida quantidade de gás ou ausência de gás intra- to evidencia o sinal do “alvo” (seta), caracterizado por anéis in-
-intestinal; b) ar em apêndice deslocado; c) sinais de completos de radiotransparência na topografia da intussuscepção
obstrução do intestino delgado. (gordura mesentérica).
95
Clínica Cirúrgica | Pediatria
97
Clínica Cirúrgica | Pediatria
sia de esôfago, onfalocele, malformações cardíacas e dendo espontaneamente, requerendo com frequência
do sistema nervoso e anomalias anorretais. Alguns transfusões. Feito o diagnóstico de hemorragia intes-
autores descreveram a associação de fístula bronco- tinal baixa, temos de afastar outros sangramentos,
gástrica, sequestro pulmonar, má rotação intestinal e através de endoscopia digestiva alta e colonoscopia;
divertículo de Meckel. os exames radiológicos contrastados são pouco efica-
zes para o diagnóstico. O método de maior eficácia e
usado de longa data é a cintilografia com Tc99-pertec-
netato, que revela presença de células parietais de mu-
cosa gástrica ectópicas, no quadrante inferior direito
do abdome. Esse exame é positivo em cerca de 80% dos
divertículos sangrantes. Falsos-positivos ocorrem em
obstruções do trato urinário e malformações vascula-
res, como hemangiomas, fístulas arteriovenosas etc. A
utilização de medicação prévia ao exame com agentes
bloqueadores de H2 melhora a sensibilidade e diminui,
praticamente a zero, os falsos-negativos. Alguns au-
tores recomendam utilizar cimetidina VO (20 mg/kg
em crianças e 300 mg em adultos) 48 horas antes do
exame, que é realizado com injeção venosa de 37 a 180
mbq de 99mTcO4; a duração do exame é de uma hora,
e os autores aconselham, além da incidência anterior
do detector, imagens oblíquas e laterais, desse modo
conseguindo detectar praticamente 100% dos diver-
tículos sangrantes. A arteriografia é um método mais
invasivo, mas que pode complementar o diagnóstico.
Obstrução intestinal
A segunda complicação mais frequente é a obs-
trução intestinal, que pode ser causada por: (1) vólvulo
do intestino delgado ao redor do cordão fibroso, que
Figura 20.10 Divertículo de Meckel. ocasionalmente faz conexão do divertículo com o um-
bigo; (2) intussuscepção; (3) mais raramente, encar-
ceramento em uma hérnia, condição conhecida como
hérnia de Littré.
Quadro clínico e diagnóstico A obstrução intestinal é a principal complicação
A maioria dos divertículos de Meckel é benigna e é encontrada em adultos. A diverticulite aguda geral-
descoberta incidentalmente durante a necropsia, a lapa- mente apresenta um quadro semelhante ao da apen-
rotomia ou aos exames baritados. A apresentação clínica dicite aguda. Ao contrário da obstrução intestinal e da
mais comum é o sangramento gastrointestinal, que ocorre hemorragia, a diverticulite de Meckel é mais comum em
em 25% a 50% dos pacientes que se apresentam com as pacientes mais velhos. O desenvolvimento de adenocar-
complicações; a hemorragia é o achado sintomático mais cinoma em tecido gástrico ectópico de divertículo de
comum em crianças com idade de dois anos ou menos. Meckel tem sido raramente observado.
O diagnóstico pode ser estabelecido por estudo ra-
diológico contrastado do intestino delgado ou empregan-
Hemorragia do o estudo de captação de radioisótopos (tecnécio). O
tecnécio é captado pela mucosa gástrica contida no diver-
É a mais frequente em crianças, ocorre abaixo
tículo e, assim, é capaz de identificar os divertículos de Me-
dos 2 anos, é consequente à ulceração da mucosa ileal.
ckel que contêm mucosa gástrica ectópica. Portanto, esse
Nessa apresentação parece haver sempre presença de
método tem uma elevada precisão para diagnosticar os
mucosa gástrica. O quadro, em geral, não se acompa-
divertículos de Meckel que complicam com sangramento.
nha de dor e a intensidade do sangramento vai desde
pequenas perdas insidiosas até hemorragias maciças O diagnóstico geralmente é feito por laparotomia
com enterorragia franca causando hipovolemia; na de- exploradora realizada por suspeita de apendicite, e, nesse
pendência da velocidade do trânsito intestinal, pode caso, se o apêndice é normal, o íleo deve ser sempre exa-
ocorrer melena. Essas hemorragias são episódicas, ce- minado durante a operação.
Estenose hipertró昀椀ca
de piloro
Conceito
Hipertrofia da musculatura pilórica (principal-
mente da camada circular), provocando obstrução
progressiva ao esvaziamento gástrico. O canal pilórico
torna-se estreitado, alongado e espessado.
Trata-se de malformação rara, resultante de de-
feito congênito da mucosa, que determina suboclusão
pré-pilórica, simulando estenose hipertrófica de pilo-
ro. Ela pode estar associada a outras obstruções pilo-
roduodenais e não ser percebida no ato cirúrgico. O
Figura 20.11 A: US modo B: estrutura cística (C) no quadrante infe- diagnóstico é essencialmente endoscópico, e sua cor-
rior direito. B: US com Doppler colorido não detectou vasos na parede reção é endoscópica ou aberta.
da estrutura cística. A estrutura vascular (seta) é a artéria mesentérica
adjacente. C: Captação do radiofármaco pelo DM em cintilografia. D:
Peça cirúrgica mostrando DM na borda antimesentérica do íleo (seta).
Etiologia
Etiologia desconhecida. Provavelmente de cau-
sa multifatorial. Teorias incluem: hiperacidez gástrica
Tratamento induzindo espasmo pilórico e hipertrofia pilorospas-
O tratamento para o divertículo de Meckel, acha- mo com liberação aumentada de gastrina e hiper-
do incidentalmente, é controverso. Os divertículos trofia, imaturidade ou alterações degenerativas das
que aparentam conter mucosa gástrica ectópica células ganglionares mioentéricas, redução de fibras
(presença de enduração no seu interior) devem ser nervosas peptidérgicas causando deficiência da sínte-
ressecados por causa do alto risco de complicações. se de óxido nítrico (neurotransmissor da musculatura
Idade inferior a 40 anos, divertículo maior que 2 cm
lisa), motilidade anormal secundária à diminuição de
células tipo marcapasso e outras.
ou com cordão fibroso também são fatores de risco,
sendo considerados indicações relativas para res-
secção. Em crianças, a ressecção também é geralmente
recomendada para os divertículos assintomáticos pre-
sentes durante laparotomia.
Epidemiologia
Prevalência: 2 a 3:1.000 nascidos vivos;
Os divertículos sintomáticos devem ser resse-
cados. Ressecções nessas condições são associadas É a causa mais comum de vômito de tratamento
à taxa de mortalidade de 5 a 10%. Existem contro- cirúrgico em recém-nascidos e lactentes;
vérsias entre a realização de diverticulectomia ou a É responsável por 30% dos vômitos não biliosos
ressecção do segmento ileal. persistentes em crianças < 1 ano de idade;
99
Clínica Cirúrgica | Pediatria
Cirurgia
O manuseio inicial focaliza-se na reposição de
fluidos e eletrólitos. Falha em corrigir a alcalose meta-
bólica hipoclorêmica no pré-operatória pode resultar
em apneia durante a cirurgia e parada respiratória.
Piloromiotomia clássica de Fredet-Rams-
tedt. Realizada na porção anterossuperior do
piloro, área relativamente avascular, após sua
exteriorização pela incisão abdominal. O piloro .
hipertrofiado termina abruptamente na extre-
midade duodenal e essa transição é demarcada Figura 20.13 Estenose hipertrófica de piloro. Note que a
parte distal do músculo hipertrófico protrui para o interior do
externamente pela veia pilórica. A incisão na
duodeno (seta), demonstrando a facilidade de perfuração do duo-
musculatura pilórica deve parar a aproxi-
deno durante a piloromiotomia.
madamente 4 mm do final do músculo hi-
pertrofiado. Essa estratégia é adotada para
evitar perfuração duodenal. As fibras musculares
são separadas por dissecção romba até comple-
to abaulamento da mucosa intacta pela incisão.
Nenhuma tentativa deve ser feita para separar
as poucas fibras musculares mais distais do pilo-
ro, evitando a perfuração duodenal. Essas fibras
remanescentes se separarão espontaneamente
durante as primeiras mamadas, devido ao peris-
taltismo gástrico e aos esforços de esvaziamento;
Sempre pesquisar perfuração duodenal orde-
nhando distalmente a bile do duodeno em dire-
ção ao estômago.
Caso haja perfuração duodenal pode-se utilizar
uma dessas técnicas cirúrgicas;
- Fechar completamente a piloromiotomia, gi-
rar o piloro 90 a 180° e refazer a piloromiotomia
nessa nova área.
Suturar a mucosa perfurada, colocando um re-
mendo de epíplon sobre a área suturada.
Cuidados pós-operatórios:
No período pós-operatório, 4 a 6 horas após o
Figura 20.14 A: achados ultrassonográficos em estenose hipertrófica
procedimento, pode-se iniciar a alimentação por via de piloro. Vista longitudinal mostrando as paredes musculares em per-
oral com cerca de 5 mL de leite a cada 3 horas. Cerca fil. Estão separadas por duas linhas ecogênicas, que representam mu-
de 15 minutos antes da próxima oferta, é necessário cosa-submucosa e uma parte central hipoecogênica, que representa o
abrir a sonda gástrica para observar o resíduo gástrico, lúmen do canal pílórico. O comprimento do canal pilórico e a espessura
fechando-a a seguir. A nutrição parenteral é reduzida do músculo estão maiores. B: achados ultrassonográficos da estenose
gradualmente conforme a via oral for progredindo. A hipertrófica de piloro. Corte transversal do piloro mostrando aumento
alta hospitalar costuma se dar em 2 dias. da espessura da camada muscular circunferencial.
101
Clínica Cirúrgica | Pediatria
Epidemiologia
Existem poucos estudos epidemiológicos sobre a
hemorragia digestiva na infância, e sua incidência não é
bem estabelecida; parece ser um evento incomum, mas
não raro. Um estudo prospectivo em terapia intensiva
relatou uma incidência de 6,4% de hemorragia digesti-
va alta, mas apenas 0,4% dos episódios foram conside-
rados clinicamente graves. Outros estudos mostraram
uma incidência de até 25% para pacientes criticamente
doentes que não tinham recebido profilaxia. Em relação
a hemorragia digestiva baixa, um estudo com mais de
Figura 20.15 Seriografia esofagogastroduodenal: distensão gástrica
com estenose do canal pilórico. 40 mil pacientes mostrou que o sangramento retal foi
a queixa principal em um departamento de emergência
em 0,3% dos pacientes, sendo que mais de 50% tinham
menos de 1 ano de idade.
Etiologia e 昀椀siopatologia
Hemorragia digestiva alta
As principais causas de hemorragia digestiva alta
estão relacionadas na tabela 20.2 e são classificadas de
acordo com a idade e a frequência.
No período neonatal é comum a ingestão de
Figura 20.16 Piloromiotomia de Fredt Ramstedt. A incisão na mus- sangue materno durante o parto ou posteriormen-
culatura pilórica deve parar a aproximadamente 4 mm do final do mús-
te nas mamadas se a mãe apresentar fissuras ma-
culo hipertrofiado.
márias. Podem ocorrer sangramentos verdadeiros
devido a esofagites, gastrites ou úlceras, que aco-
metem prematuros ou recém-nascidos de termo.
Em algumas ocasiões, os achados são relacionados
Hemorragia digestiva alta ao estresse provocado por internação em terapia
intensiva, mas muitas vezes não se encontra um
De forma didática, as hemorragias digestivas di- fator de risco associado. A coagulopatia devido à
videm-se em altas, acima do ângulo de Treitz, e baixas, deficiência de vitamina K, levando a hemorragia di-
que apresentam sangramentos abaixo deste ponto. gestiva alta, praticamente não existe mais devido à
Embora muitas das causas de hemorragia diges- rotina de administração desta vitamina em todos os
tiva sejam comuns entre adultos e crianças, sua fre- recém-nascidos. Raros casos de falha de tratamen-
quência difere muito conforme a faixa etária e, além to com vitamina K, uso de antibióticos modifican-
disso, algumas doenças são exclusivamente pediátri- do a flora ou má absorção de gorduras por fibrose
cas, justificando uma abordagem diferenciada para cística ainda são fatores de risco para esta doença.
esta população. A hematêmese também pode ocorrer em pacientes
O sangramento pode ocorrer em qualquer lugar com alergia à proteína do leite de vaca. Em neona-
do trato gastrointestinal, e sua identificação pode ser tos criticamente doentes, outras causas de sangra-
bem complicada. Felizmente, os sangramentos do in- mento alto são descritas, como uso de medicações,
testino delgado, que são aqueles cuja localização tor- principalmente anti-inflamatórios não hormonais
na a investigação mais difícil, são os menos frequen- (indometacina), distúrbios de coagulação provoca-
tes, enquanto que as lesões erosivas do estômago e dos por insuficiência hepática por sepse, doenças
esôfago são as mais encontradas. Os sangramentos metabólicas ou lesões isquêmicas. Causas mais ra-
secundários a hipertensão portal não são muito fre- ras de sangramento alto nesta faixa etária incluem
quentes, mas são graves o suficiente para serem con- duplicações intestinais, estenose hipertrófica do pi-
siderados, enquanto que as malformações vasculares loro, faixa de constrição duodenal ou antral e tecido
são raras na infância. pancreático ectópico no estômago.
Gastropatias
Síndrome de Mallory-Weiss
A criança pode apresentar úlcera péptica por vá-
rias causas. Sua incidência na faixa etária pediátrica A síndrome de Mallory-Weiss é definida por la-
ainda é pouco estudada, mas é uma causa importante ceração da mucosa gástrica, logo abaixo da junção gas-
de hemorragia digestiva alta. As úlceras de estresse são troesofagiana, podendo se estender até a mucosa eso-
comuns em pacientes em unidade de terapia intensiva fágica. Ocorre classicamente depois de vários episódios
com lesões do sistema nervoso central, trauma raqui- de vômitos, a princípio com conteúdo gástrico e depois
medular, qualquer tipo de choque, sepse e ventilação com hematêmese.
mecânica por mais de 48 horas. Também ocorrem com
mais frequência em grandes queimados, politraumati-
zados e no pós-operatório. Todas estas são situações em Gastropatia hipertensiva
que ocorre diminuição da perfusão da mucosa gástrica
ou desequilíbrio na produção acidopéptica. Ulcerações A gastropatia da hipertensão portal é responsável
e erosões gástricas também podem ocorrer em crianças por 10 a 50% das hemorragias digestivas altas em pa-
em uso de algumas medicações como corticosteroides, cientes com hipertensão portal.
• •
Gastropatia da hipertensão
Úlceras gastroduodenais Estresse Gástricas
portal
Coagulopatias • Medicações • Duodenais Coagulopatias
•
Gastropatia da hipertensão •
Associadas a infecção Ingestão cáustica Púrpura trombocitopênica
portal
•
Estenose hipertrófica do •
Doença hemorrágica do RN Epistaxes Quimioterapia
piloro
Malformações vasculares Síndrome de Mallory Weiss Síndrome de Mallory Weiss Síndrome de Mallory Weiss
Hemobilia
Tabela 20.2
103
Clínica Cirúrgica | Pediatria
Varizes gastroesofágicas
O sangramento decorrente das varizes gastroesofágicas corresponde a 10 a 15% do total das hemorragias diges-
tivas na faixa etária pediátrica, são consequência da hipertensão portal devido a lesões intra-hepáticas ou extra-
-hepáticas, mas raramente pode ocorrer associada a malformações vasculares ou cardiopatias congênitas. Em
geral, os pacientes com hipertensão portal têm cirrose hepática, que deve ser considerada principalmente em
doenças como atresia de vias biliares, fibrose cística, colangite esclerosante, hepatite autoimune, hepatite viral,
deficiência de alfa-1 antitripsina, doenças de depósito de glicogênio e esteatoses. As causas não cirróticas de
hipertensão portal intra-hepáticas são bem menos frequentes e incluem a fibrose hepática congênita, doenças
veno-oclusivas e esquistossomose.
Entre as causas de hipertensão portal extra-hepáticas, a trombose de veia porta é a mais comum e re-
presenta causa importante de hemorragia digestiva alta, sendo identificada em 40% das crianças e adoles-
centes com hemorragia por varizes. Outras causas são trombose de veia esplênica e obstrução de veia hepática
(síndrome de Budd Chiari). A atresia de vias biliares é a principal causa de insuficiência hepática na faixa
etária pediátrica, requer procedimento cirúrgico precoce e mesmo com tratamento adequado as varizes esofá-
gicas se desenvolvem em 50 a 60% dos casos. Os episódios de sangramento podem ocorrer no primeiro ano de
vida e a plaquetopenia causada por hiperesplenismo (ocorre em 10% dos pacientes) pode tornar o quadro ainda
mais grave.
Outras causas
Algumas parasitoses comuns em nosso meio, como a estrongiloidíase e a giardíase, podem levar a he-
morragia digestiva alta. As anomalias vasculares são raras em crianças e podem ser focais, como o heman-
gioma gástrico, a fístula aortoesofágica e a lesão de Dieulafoy (variação congênita de artéria calibrosa que
apresenta trajeto até a submucosa gástrica), ou podem ser difusas, como a telangiectasia hemorrágica here-
ditária, a hemangiomatose neonatal ou a síndrome de Kasabach-Merritt (hemagioma cavernoso gigante
e CIVD). Outras causas mais raras incluem duplicações intestinais no trato gastrointestinal alto, vasculhes
(púrpura de Henoch-Schonlein), gastrite varioliforme, ruptura de pseudocisto pancreático, pólipos gástri-
cos, síndrome de Munchausen e corpos estranhos.
105
Clínica Cirúrgica | Pediatria
Principais dados de história e exame físico para o diagnóstico etiológico do paciente com hemorragia digestiva
História Exame físico Diagnóstico provável
Aumento do volume abdominal, Sinais de hipertensão portal Varizes esofágicas e/ou gástricas,
icterícia, edema gastropatia hipertensiva difusa
Epigastralgia, uso de medicamentos Dor epigástrica à palpação Úlceras ou gastrites
Hematomas, sangramento espontâneo, me- Petéquias, hematomas, sangramento de muco- Coagulopatias, plaquetopenia
dicamentos, antecedente familiar sas, sangramento em local de punção
Dor ao evacuar, sangue vivo não misturado Fissuras anais, obstipação Obstipação, fissuras anais
nas fezes
Sangramento retal maciço vivo, indolor Palidez cutânea, necessidade de transfusão Divertículo de Meckel
Dor abdominal, fezes em “geleia de frambo- Massa abdominal, dor abdominal, palidez, Intussuscepção
esa”, vômitos apatia, irritabilidade
Sangramento intermitente, vivo, indolor Possibilidade de palpação do pólipo ao exame retal Pólipos
107
Clínica Cirúrgica | Pediatria
hemácias em um volume maior do que 50% da volemia de sangramento deve ser instituída, na maioria dos pa-
do paciente, devem ser considerados plasma fresco e cientes, a prevenção secundária de sangramento, com be-
concentrado de plaquetas. Além disso, a transfusão de tabloqueadores como o propranolol, que diminui o fluxo
plaquetas também é recomendada se a criança apresen- venoso portal. Este medicamento não deve ser utilizado
tar plaquetopenia abaixo de 50.000/mm3, e o plasma na vigência de sangramentos e é contraindicado em bradi-
fresco, em casos de coagulopatia. Medidas terapêuticas cardias, bloqueios cardíacos ou broncoespasmos.
específicas para cada patologia devem ser consideradas.
Pode ser realizado esvaziamento gástrico, facilitando a
endoscopia e evitando aspiração em caso de vômitos.
Pelo risco de hipotermia não deve ser realizada lavagem Tratamento endoscópico
gástrica com água gelada.
A endoscopia é fundamental no tratamento dos
pacientes com hemorragia varicosa, pois permite a
confirmação do local de sangramento concomitante ao
Terapêutica especí昀椀ca: hemorragia tratamento, sendo esta a terapia de escolha na maioria
dos casos. O procedimento deve ser realizado o mais
digestiva alta varicosa precocemente possível, idealmente até 12 horas após o
início do quadro. A escleroterapia de varizes esofágicas é
Drogas vasoativas um procedimento bem estabelecido e eficaz em crianças;
estudos demonstram sucesso em mais de 90% dos pa-
A vasopressina, a somatostatina, o octreotide e cientes. A substância mais utilizada para a esclerose é a
a terlipressina (atualmente, a mais utilizada) são efe- etanolamina com injeções intra e paravasais. As varizes
tivos no controle da hemorragia varicosa e podem ser gástricas geralmente são mais calibrosas e apresentam
administrados logo após a admissão do paciente, ainda sangramentos mais intensos. Os melhores resultados
na sala de emergência. Sabe-se que o tratamento com- na escleroterapia gástrica ocorrem com a utilização de
binado de drogas vasoativas e endoscopia é mais efe- cianocrilato, mas ainda assim apresentam maior taxa de
tivo. A vasopressina, que era muito utilizada no pas- mortalidade e de recidiva de sangramento. Em relação
sado, tem sido substituída pela somatostatina ou pelo às complicações decorrentes da escleroterapia, podemos
seu análogo sintético, o octreotide, pois estes atuam citar o estreitamento esofágico, que é a complicação mais
seletivamente na circulação esplâncnica. Ocorre então comum, ocorrendo em 5 a 20% dos estudos, e a ulceração
uma vasoconstrição esplâncnica, com alta eficácia no superficial, que também é comum. Por outro lado, a ul-
controle do sangramento e menores efeitos colaterais. ceração profunda ou a perfuração são complicações ra-
ras. Já foi relatada lesão espinhal isquêmica. A ligadura
O octreotide apresenta vida média mais longa do que a
elástica de varizes tem sido relatada com eficácia e segu-
somatostatina, podendo ser utilizado de forma inter-
rança nos pacientes pediátricos, mas ainda são poucos os
mitente a cada 8 horas e por via subcutânea. A infusão estudos disponíveis. Comparada com a escleroterapia é
da droga é mantida em média por 48 a 72 horas. Seu necessária maior habilidade do endoscopista para mani-
desmame é iniciado 24 horas após o controle do san- pular o dispositivo de ligadura no esôfago mais estreito
gramento e deve ser progressivo, reduzindo metade da criança. Não foram descritas maiores complicações
da dose a cada 12 horas. As recomendações para doses da ligadura elástica em crianças.
variam muito, sendo descritas doses de somatostatina
de 1 a 20 µg/kg/hora, ou 250 a 500 µg/hora para ado-
lescentes e adultos. Em relação ao octreotide é descri- Tratamento mecânico
ta uma dose inicial de 1 µg/kg, seguida da infusão de 1
µg/kg/hora ou 50 µg/hora para adolescentes e adultos. A indicação do tamponamento com o balão de
Durante o uso de somatostatina ou octreotide devem Sengstaken-Blakemore está cada vez mais restrita,
ser monitorizadas pressão arterial e glicemia, que po- indicada apenas nos casos de hemorragia maciça não
dem aumentar com o uso das medicações, principal- controlada com endoscopia e/ou tratamento farmaco-
lógico. Produz uma hemostasia temporária pela com-
mente em altas doses.
pressão direta das varizes. As principais complicações
são a perfuração esofágica e a insuficiência respirató-
ria por aspiração pulmonar ou migração do balão.
Outras drogas
Também estão indicados os bloqueadores de H2,
como a ranitidina, os inibidores da bomba de próton (pre- Shunt portossistêmico transjugular
ferencialmente), como o omeprazol, lansoprazol e panto- intra-hepático (TIPS)
prazol, ou os agentes citoprotetores, como o sucralfato,
todos com o objetivo de diminuir a incidência de compli- É uma prótese que conecta a veia hepática e a veia
cações, como úlceras e estenoses, principalmente após en- porta, colocada por meio de radiologia intervencionista.
doscopia com realização de escleroterapia. Após episódio Está indicada principalmente nas crianças com hiperten-
são portal de etiologia intra-hepática, quando o procedi- riores. Alguns estudos demonstram que o omeprazol é
mento endoscópico não é eficaz, ou seja, na recorrência mais efetivo no controle do sangramento proveniente
de sangramento após duas intervenções endoscópicas de úlceras hemorrágicas. O risco de sangramento de
na mesma internação. As principais complicações são a úlceras e gastrites aumenta quando existe associação
encefalopatia hepática e a estenose do shunt. Não com- com infecção por Helicobacter pylori; assim, crianças e
promete a realização posterior do transplante hepático. adolescentes com a infecção devem ser tratados erra-
dicando o agente com antibioticoterapia específica. As
drogas vasoativas também são eficazes nas hemorra-
gias digestivas não varicosas e devem ser utilizadas nos
Tratamento cirúrgico casos de hemorragias intensas ou persistentes.
As indicações do tratamento cirúrgico também
são bastante restritas pelo sucesso da terapêutica en-
doscópica e farmacológica. A cirurgia se torna neces- Tratamento endoscópico
sária nos casos de falha das alternativas terapêuticas
já citadas. As opções cirúrgicas são os shunts portos- A endoscopia deve ser realizada o mais precoce-
sistêmicos, transecção e desvascularização esofágica mente possível, a fim de diagnosticar e, se necessário,
e, finalmente, o transplante hepático. O transplante tratar a lesão encontrada. Nos casos de úlcera hemor-
hepático é o tratamento definitivo para as crianças rágica, os estigmas de sangramento vão definir a ne-
com hemorragia varicosa e doença hepática avançada cessidade da hemostasia endoscópica, pois, como já
e deve ser considerado em todos os casos. foi visto, a classificação de Forrest ajuda na previsão
do índice de recidiva das lesões. Assim, a hemostasia
endoscópica está indicada nas lesões que apresentam
sinais endoscópicos com alto índice de recidiva, como
Hemorragia digestiva alta não sangramento ativo ou vaso visível. São várias as téc-
nicas endoscópicas para a realização da hemostasia,
varicosa como as térmicas, mecânicas, tópicas e injeções. A mais
utilizada, por ser eficaz, de baixo custo e de fácil ma-
nuseio, ainda é a técnica da injeção, em que se utiliza
Tratamento farmacológico principalmente a epinefrina. Por outro lado, nenhuma
conclusão pode ser feita sobre a melhor técnica, pois
Como as lesões pépticas predominam, estão indi- não existem estudos suficientes. Os pacientes com san-
cados os agentes citoprotetores, os bloqueadores de H2, gramentos importantes e com tratamento endoscópi-
os antiácidos e principalmente os inibidores da bomba co bem-sucedido devem ficar em jejum por 48 horas e
de próton, que apresentam a vantagem teórica de se- internados por pelo menos 72 horas, devido ao risco de
rem mais potentes na supressão ácida do que os ante- recidiva neste período.
Radiologia intervencionista
A arteriografia para fins terapêuticos é potencialmente útil para o controle dos sangramentos de úlceras, sín-
drome de Mallory-Weiss, esofagites, gastrites e anomalias vasculares em que houve falha terapêutica no procedi-
mento endoscópico. A injeção intra-arterial com vasopressina é o método mais aceito. Também são utilizadas a
embolização com geofoam ou microesferas.
Tratamento cirúrgico
O tratamento cirúrgico fica reservado para sangramentos importantes que não puderam ser resolvidos com o trata-
mento medicamentoso, endoscópico ou arteriográfico. É associado a muitas complicações e alta taxa de mortalidade. Nas
crianças, as principais indicações são hemorragias por rompimento arterial, perfurações ou obstruções gastrointestinais.
109
Clínica Cirúrgica | Pediatria
Tratamento endoscópico
A terapia endoscópica geralmente é para retirada de pólipos, mas também podem ser feitos escleroterapia,
laser e ligadura de banda elástica para anomalias vasculares no cólon.
Tratamento cirúrgico
A cirurgia é mais frequentemente indicada para pacientes com intussuscepção não redutível, divertículo de Meckel, duplica-
ções intestinais ou malformações vasculares. Nos casos em que ocorre perfuração ou obstrução intestinal a cirurgia também
é indicada.
O U CO
Neuroblastoma
BÁSICO eM
Clínica Cirúrgica | Pediatria
Grupos favoráveis:
Expressão de receptores neurotrópicos Cariótipos triploides;
As células de Schwann estão presentes nos neu- Ausência de deleção 1p;
roblastomas mais diferenciados e vários fatores neu- Ausência de amplificação do Mycn.
rotrópicos estão envolvidos no processo de maturação
neuronal. Três receptores da tirosina associados a tais
fatores foram identificados: TrKA/NGF (nerve growth Grupos desfavoráveis:
factor), TrKB/BDNF (brain derived neurotrophic fac- Cariótipo diploide;
tor) e TrKC/NT-3 (neurotwphin-3).
Presença de deleção em 1p;
Os neuroblastomas com amplificação do Mycn
(mau prognóstico) têm níveis reduzidos ou indetectáveis Amplificação do Mycn.
de expressão de TrKA. Os neuroblastomas com estádios
limitados e ausência de amplificação de Mycn (bom prog- Anomalias associadas
nóstico) têm altos níveis de TrKA.
Doença de Hirschsprung;
As expressões elevadas de TrKB associam-se a neu-
roblastomas de prognóstico desfavorável, com estádios Síndrome de Klippel-Feil;
avançados do tumor. As expressões elevadas de TrKC Síndrome Waardenburg;
associam-se a neuroblastomas de prognóstico favorável. Síndrome de Ondine;
Síndrome de Beckwith-Wiedemann;
Expressão e atividade da telomerase Síndrome fetal-álcool;
Síndrome fetal-hidantoína;
Pacientes portadores de neuroblastoma com nenhu-
ma atividade da telomerase (enzima que atua na extremi- Neurofibromatose.
dade do cromossomo evitando o desgaste do telômero)
apresentam um excelente prognóstico. Os com elevada
atividade da telomerase (a maioria está associada à am-
plificação do Mycn) apresentam prognóstico ruim.
Quadro clínico
Aproximadamente 70% dos pacientes apre-
Caspases sentam metástases ao diagnóstico. Os sinto-
mas variam de acordo com a localização primária
As caspases são enzimas proteolíticas responsá-
do tumor e presença ou não de metástases. As
veis pela execução do sinal apoptótico.
metástases mais comuns são encontradas
A caspase 8 é uma protease sérica localizada no na medula óssea, cortical do osso (lesões lí-
loco 2q23, sendo a chave para a sinalização do apoptose ticas em radiografia), linfonodos regionais e dis-
celular (morte celular programada como parte de um tantes e hepáticas (mais comuns no estádio 4S).
processo normal), sendo os genes BCL2 e BCLX, por As metástases em pulmões e cérebro são ra-
meio de suas proteínas intracelulares, necessários à efe- ras. As metástases ósseas costumam ocorrer nas
tivação do sinal apoptótico. metáfises dos ossos longos e crânio;
113
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Abordagem diagnóstica
No exame físico detecta-se massa abdominal
palpável quando o tumor está localizado no ab-
dome. A presença de nodulações azuladas no
tecido celular subcutâneo (Síndrome do Muffin
de Blueberry) sugere o diagnóstico de neuroblas-
toma IV-S. Podem se perceber sinais da síndro-
me de Horner, quando temos o acometimento
do gânglio estrelar (1º cervicotorácico). Encon-
tramos em raros casos sinais de compressão da
veia cava superior, quando o tumor comprime
esses vasos. Podemos ainda encontrar massas
de mediastino posterior em achados radiográ-
ficos ocasional, outras, pelo tamanho, já com Figura 21.2 Raio X de tórax: massa em região superior do HTE. TC:
compressão de estruturas respiratórias, ocasio- massa de mediastino posterior, sugestivo de neuroblastoma. Observe
nando distúrbios respiratórios. área de calcificação.
Histopatologia
Os três tipos histopatológicos clássicos dos tu-
mores neuroblásticos (neuroblastoma, ganglioneuro-
blastoma e ganglioneuroma) refletem um espectro de
maturação, diferenciação e comportamento clínico do
tumor. O neuroblastoma é uma das neoplasias de pe-
quenas células redondas azuis e deve ser distinguido de
outros tumores que apresentam essa semelhança, tais
como linfomas não Hodgkin e sarcomas indiferenciados
do tecido mole, incluindo o rabdomiossarcoma, haven-
do a necessidade da imunoistoquímica para realização
do diagnóstico diferencial em algumas situações. Pela
imunoistoquímica são positivados os seguintes coran-
Figura 21.4 Cintilografia com I123 – MIBG (metaiodobenzilguanidina)
tes de anticorpos monoclonais (CAM): neurofilamento,
mostrando metástases ósseas e o tumor primário na adrenal direita.
sinaptofisina e enolase neurônio-específico (ENE).
A classificação prognóstica baseada nos aspectos
histopatológicos mais utilizados é a classificação de Shi-
Investigação laboratorial mada, revisada por Joshi. Essa classificação baseia-se nas
características do estroma de células de Schwann, na ida-
Hemograma completo; de do paciente e no índice de mitose-cariorrexe (IMC):
Provas de coagulação; Estroma rico: são células com aparência de
Provas de função hepática; ganglioneuroblastoma, imaturas, uniforme-
DHL (desidrogenase lática): valores abaixo de mente distribuídas, bem diferenciadas. Estro-
1.500 UI/mL são encontrados nos pacientes que ma rico não favorável tem aparência nodular;
têm bom prognóstico; Estroma pobre: são três as variáveis que mos-
Ureia e creatinina; tram se o tumor é de característica favorável ou
desfavorável:
Eletrólitos;
- Idade da criança ao diagnóstico.
Dosagens de HVA (ácido homovanílico) e VMA
(ácido vanilmandélico). HVA com valores su- - Diferenciação dos neuroblastos (nuclear ou
periores a 6 mg/g de creatinina e VMA com citoplasmática).
valores superiores a 10 mg/g de creatinina são - Índice de mitose cariorrexe (IMC), que é a soma
considerados elevados. A relação VMA: HVA > 1 de anormalidades nucleares, número de células tumorais
indica prognóstico mais favorável; necróticas, número de células com mitoses e o número
Dosagens de metanefrinas e dopamina; de células malformadas por 5.000 células examinadas.
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As crianças com estádio 2B e 3 que, após o tra- Nas crianças abaixo de dois anos, quando o
tamento cirúrgico, apresentam massas macroscópicas neuroblastoma cresce rapidamente do mediastino
residuais sem metástases e sem linfonodos acometi- posterior para o anterior, causando compressão se-
dos, independentemente da idade, requerem trata- vera de traqueia e de brônquios principais, a medida
mento quimioterápico complementar e, em alguns de terapêutica oncológica mais importante, como
casos, tratamento radioterápico. Após o tratamento medida salva-vida, é a toracotomia ou esternoto-
quimioterápico, se persistir massa, há indicação de mia de urgência, com a descompressão de traqueia
nova intervenção cirúrgica (second-look surgery) para e brônquios.
ressecção da massa, ou coleta de material para estudo Quando ocorre a invasão do canal medular, pe-
biomolecular e anatomopatológico para complemen- los forames vertebrais nos casos de neuroblastoma em
tação do tratamento clínico. halter geralmente estágio 2, o tratamento inicial deve
ser com quimioterapia.
Deve-se destacar a importância da amostragem
de gânglios linfáticos não aderentes à massa tumoral
no momento da cirurgia. O aspecto macroscópico,
mesmo na avaliação de cirurgiões experientes não é fi- Complicações da cirurgia
dedigno e o comprometimento de linfonodos aderidos Frequência: 5 a 25%. A complicação é maior
ao tumor não parecem alterar o prognóstico de cura. quanto maior for a agressividade cirúrgica;
Portanto, o correto estadiamento depende da avalia-
Complicações: sangramento, necessidade de ne-
ção de linfonodos não aderidos ao tumor.
frectomia, formação de aderências, invaginação
Crianças menores de 1 ano de idade, sem fato- pós-operatória, lesões neurológicas (síndrome
res moleculares desfavoráveis de prognóstico, podem de Horner, impotência sexual, incontinência
receber tratamento bem menos agressivo do que as urinária e/ou fecal, diarreia), insuficiência re-
crianças maiores e apresentar alto índice de cura, nal (por lesão de vasos), ligadura inadvertida de
mesmo quando a primeira tentativa de quimioterapia grandes vasos.
falha, sendo necessário um segundo esquema quimio-
terápico de maior agressividade.
O papel da cirurgia, per se, é limitado, já que Quimioterapia
proporciona a obtenção de amostras para análises
A quimioterapia está indicada, fundamental-
moleculares e anatomopatológicas. A experiência
mente, nas seguintes situações:
mostra que cirurgias citorredutoras (debulking) em
nada melhoram o prognóstico. Tumor irressecável;
A cirurgia exerce papel importante do ponto de Quando a cirurgia não foi radical;
vista prático nos casos em que os estudos de imagem Em estádios avançados (doença disseminada);
não são capazes de mostrar com certeza a existência Em algumas situações do estádio 4S, como infil-
de tumores residuais. tração medular e metástases hepáticas com he-
Nos tumores de estádio 4S, não tratados, indica-se patomegalia maciça.
excepcionalmente tratamento cirúrgico para remoção do Drogas quimioterápicas habitualmente utilizadas
tumor primário nos casos em que os exames clínicos e nos diversos protocolos: vincristina, ciclofosfamida,
laboratoriais sejam contraditórios, ou nos casos em que a doxorrubicina (adriamicina), cisplatina, etoposide, car-
regressão foi insatisfatória no local primário, já que pode boplatina, ifosfamida, inibidores da topoisomerase I.
haver recidiva local tardia.
Em regimes de consolidação, o tiotepa e a melfa-
No neuroblastoma pélvico, devemos tentar a ex- lana. Atualmente, a quimioterapia é utilizada de acordo
cisão da neoplasia, evitando a lesão dos plexos sacros com os grupos de risco.
(risco de incontinência fecal e urinária), já que nessa
localização os neuroblastomas apresentam baixa mor-
talidade, mas alta morbidade.
Nos tumores torácicos é geralmente satisfató- Radioterapia
ria a toracotomia posterolateral e a ressecção pode A radioterapia com a intensificação dos protocolos
envolver parte da cadeia simpática e nervos intercos- de quimioterapia avançada, associados ou não à ablação
tais, não havendo necessidade da excisão em bloco de medula óssea, tem seu uso cada vez mais restrito. É
da parede torácica. Habitualmente não são realizadas utilizada de uma maneira geral nas seguintes situações:
lobectomias, pois dificilmente o parênquima pulmo- Controle local de foco residual da doença após
nar está acometido. o uso de quimioterapia como medida paliativa.
117
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119
222
Capítulo
O U CO
Rabdomiossarcoma
BÁSICO eM
22 Rabdomiossarcoma
Fatores de risco
Embora a maioria dos casos seja esporádica (sem
fatores predisponentes), alguns fatores de risco são Classificação
bem reconhecidos.
Embrionário (tecido imita músculos es-
Os SPM estão incluídos na família Li-Frau- queléticos imaturos; 60 a 70% dos casos). É
meni de tumores que estão associados à mutação constituído de quantidade variada de células
no gene p53 (leucemias, tumores de SNC ou adrenal, fusiformes e redondas primitivas que podem
câncer de mama pós-menopausa). estar intimamente ligadas ou livremente dis-
Indivíduos que apresentam mutação do gene persas em uma base mixoide. Locais mais co-
do retinoblastoma apresentam risco aumentado muns: cabeça e pescoço e genitourinários. Há
dois tipos especiais: RMS botrioide e RMS de
de desenvolver SPM, da mesma forma que há aumen-
células fusiformes (spindle cell).
to de risco para pacientes com neurofibromatose-1.
Os sarcomas botrioides ocorrem em estruturas
Pacientes portadores de síndrome de Beckwi-
recobertas por mucosa, como bexiga, vagina, útero,
th-Wiedermann, síndrome de Noonan, esclerose nasofaringe e ductos biliares (5% de todos os rabdo-
tuberosa são também de risco maior para RMS. miossarcomas). Localizam-se na submucosa esten-
A correlação com trauma local, muitas vezes esta- dendo-se ao lúmen das estruturas ocas como massas
belecida pelos pacientes, não foi comprovada, e os SPM polipoides (em forma de cacho de uva). Têm estroma
induzidos por radiação representam aproximadamente frouxo, mixomatoso e camada submucosa de celulari-
2,5% dos casos, mas provavelmente ocorrem em menos dade aumentada. O RMS tipo spindle cell, ocorre mais
de 1% dos pacientes submetidos à radioterapia. frequentemente na região paratesticular. Tem baixa
celularidade, é constituído de células fusiformes e es-
cassas células redondas, mimetizando o aspecto de
um tumor de músculo liso. Tende a ocorrer em crian-
ças menores e sítios mais favoráveis.
Localização anatômica Alveolar (padrão similar aos alvéolos do pul-
mão fetal). Composto de septos fibrovasculares
Em crianças, os RMS ocorrem em qualquer parte e agregados mal-definidos de células pobre-
do corpo, quer exista ou não musculatura estriada. Os mente diferenciadas de forma oval ou redonda
tumores de cabeça e pescoço são os mais comuns que, frequentemente, mostram perda da coesão
e responsáveis por aproximadamente 35% dos central e formação de espaços alveolares. Mais
casos, dos quais cerca de 16% são parameníngeos frequente nas extremidades, tronco e períneo.
e 9% são orbitários. Os RMS genitourinários res- Parece estar associado a mau prognóstico. Cor-
pondem por 26% dos casos (bexiga e próstata, 10%; responde a 20% dos casos;
121
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Neste tipo de RMS observa-se o rearranjo dos As metástases se fazem por disseminação
cromossomos 2 e 13 provocando translocação espe- hematogênica, e os locais mais comuns são pul-
cífica: t(2;13) (q3.5-3.7; q14) na qual o gene FKHR mão, ossos, medula óssea, gânglios e fígado.
(forked head rhabdomyosarcoma) em 70% dos casos
ou sua variante mais rara, em que a fusão dos genes
FKHR e gene PAX7 é gerada pela translocação t(1;13)
(p36; q14) em 10 a 20% dos casos. Os rabdomiossar-
comas com o gene PAX7-FKHR tendem a ocorrer em Diagnóstico
crianças menores, em lesões localizadas e costumam
apresentar melhor sobrevida. A lesão primária deverá ser avaliada por exame
Indiferenciado (10 a 20%) também parece apre- de imagem, geralmente TC e eventualmente resso-
sentar mal prognóstico. Mais comum nas extre- nância nuclear magnética (RNM), dependendo do lo-
midades, tronco, cabeça e pescoço; cal anatômico, TC de tórax, biópsia de medula óssea,
Pleomórfico (0,5 a 1%) raro na criança. mielograma e cintilografia óssea com tecnécio fazem
O tipo histológico está relacionado ao prognósti- parte do estadiamento dos RMS, uma vez que os locais
co, conforme tabela a seguir. mais frequentes de metástases são os pulmões, a me-
dula óssea e os ossos.
O diagnóstico deve ser firmado por meio de
Classificação histológica internacional de rabdomios-
sarcoma (RMS) relacionada ao prognóstico biópsia tumoral naqueles casos em que a ressecção
primária não é possível. O planejamento das biópsias
Tipo de RMS Prognóstico Sobrevida em 5 anos
(%)
é de extrema importância, principalmente nos tumores
de extremidades, uma vez que a cicatriz da incisão da bi-
RMS botrioide Favorável 90
ópsia realizada para o diagnóstico deverá ser incluída na
RMS spindle cell
peça cirúrgica quando da ressecção completa do tumor.
Embrionário Intermediário 65-75
Pleomórfico
Alveolar Desfavorável 40-55
Indiferenciado
Tabela 22.1
Imunoistoquímica
Identificação de anticorpos musculoesqueléticos
específicos (marcadores de diferenciação miogênica):
desmina, actina musculoespecífico, miogenina, mio-
globina e fator de transcrição Myo D. Ocasionalmen-
te, podem expressar em S-100, vimentina e Leu-
7. A intensidade de expressão correlaciona-se ao grau
de diferenciação rabdomioblástica.
Quadro clínico
A sintomatologia é dependente do local do tumor
primário, mas, via de regra, os RMS apresentam-se como
massa indolor. Os genitourinários podem manifestar-
-se como hematúria, dificuldade miccional ou obstrução
urinária ou como massas escrotais ou vaginais. Os de
localização parameníngea apresentam-se com disfunção
de pares cranianos, além de sinais sugestivos de sinusi-
te, secreção auricular, cefaleia ou dor facial. Os tumores
Figura 22.1 Lactente com um mês de idade investigando hepatome-
de localização orbitária frequentemente apresentam-se galia. A: TC contrastada demonstra impregnação heterogênea do fíga-
através de proptose ou edema periorbitário e, aqueles de do. B: em nível renal, revelou massa heterogênea com pouco realce em
localização na extremidade, apresentam crescimento rá- topografia de suprarrenal direita (neuroblastoma de suprarrenal com
pido levando à incapacidade funcional. metástases hepáticas estágio IV-S).
123
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OPEDÊUTICO
Teratomas
BÁSICO eM
Sacrococcígeos
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127
Clínica Cirúrgica | Pediatria
Sonda vesical;
Sonda nasogástrica;
Em tumores grandes estão indicadas, no transope-
ratório, medida da pressão venosa central e arterial
média por punção-cateterismo da artéria radial e
colocação de cateter vesical;
Posição prona com coxim colocado debaixo
dos quadris;
Colocação de gaze untada com vaselina no reto.
A cirurgia
Acesso transacro com incisão em V invertida. O ápi-
ce do V invertido deve ficar sobre o sacro inferior;
Excisão do cóccix em bloco junto com o tumor
(coccigectomia). A falha em remover o cóccix
está associada a 35% de taxa de recorrência;
Usar estimulador de nervos e músculos;
Figura 23.3 Massa sacra cística, cujo o estudo anatomopatológico
confirmou o diagnóstico de teratoma sacrococcígeo . Estar ciente de que pode haver extensão in-
traespinhal;
Excisar amplamente a massa, não permitindo a
ruptura e disseminação tumoral. O extravasa-
mento de líquido dos cistos não está associado
Risco de malignidade à recorrência do tumor, mas o extravasamento
de conteúdo sólido sim;
A incidência de malignidade é dependen- Procurar a presença de plano avascular entre o
te da idade; tumor e tecidos circunvizinhos comprimidos,
pois é um tumor encapsulado;
Antes dos dois meses de idade: somente 10% são
malignos, independentemente do sexo; Cuidar o excesso de sangramento (ligar vasos
sacros médios junto ao plano de ressecção do
Após os dois meses de idade: 67% nos meni- cóccix). Estar atento, pois a vascularização tam-
nos e 47% nas meninas podem ser malignos; bém pode ser oriunda de outros vasos arteriais
A malignidade, nos teratomas sacrococcígeos, derivados da hipogástrica e ilíaca externa;
está relacionada à idade quando do diagnóstico Indicar acesso abdominossacro combinado (la-
e extensão intrapélvica (classificação de Altman). parotomia transversa infraumbilical) nas se-
Locais de metástases: linfonodos, regiões ingui- guintes situações: nas recorrências, em todos os
nais, pulmões, vértebras, cérebro e fígado; teratomas gigantes com extensão intra-abdo-
minal e em tumores com ruptura e sangramen-
Inadequado retardo diagnóstico ou inade- to ativo. Nesse caso, é interessante o preparo
quado tratamento cirúrgico resulta em au- pré-operatório circunferencial de toda a metade
mento da malignidade. inferior do corpo, anterior e posterior;
Se indicada laparotomia, realizar estadiamento
abdominal completo, incluindo líquido de ascite,
lavado peritoneal para citologia, biópsia bilateral
Tratamento
de linfonodos retroperitoneais;
Iniciar, primariamente, pela via sacra para
Tempo ideal para tratamento cirúrgico: ressec- ressecar o cóccix e separar o tumor dos mús-
ção tumoral deve ser tão precoce quanto possível culos glúteos e reto;
após o nascimento. Geralmente na 1ª e 2ª sema- A maior complicação cirúrgica é a hemor-
na de vida. O retardo pode ocasionar degenera- ragia transoperatória com choque hipovo-
ção maligna, infecção e hemorragia intratumoral. lêmico. Nesses casos está indicada laparotomia
com ligadura de todos os vasos sangrantes. Se
Uso de antibióticos perioperatórios: 30 minutos não for possível coibir o sangramento, colocar
antes do ato operatório, mantendo-os por 48 horas. clampe vascular na aorta logo abaixo da mesen-
Preparo de cólon pré-operatório, conforme roti- térica inferior, fechar o abdome temporaria-
mente, reposicionar o paciente em posição pro-
na do serviço, em todos os bebês já alimentados;
na, ressecar o tumor por via sacra, ligar todos
Adequado acesso venoso central do sistema os vasos e, após completada a cirurgia sacral,
cava superior; posicionar novamente o paciente em decúbito
129
224
Capítulo
EDÊUTICO
Tumores
BÁSICO eM
Adrenocorticais
24 Tumores adrenocorticais
Epidemiologia
Aspectos genéticos
Tumores adrenocorticais representam ± 0,2%
Fatores constitucionais genéticos predisponen-
de todas as neoplasias malignas da criança;
tes têm sido encontrados em aproximadamente
Prevalência: 0,3 a 4 casos: 1.000.000 de crian- 50% dos casos. O carcinoma adrenocortical tem
ças abaixo de 15 anos de idade; sido relatado em membros imediatos de uma
mesma família e parentes de 1º grau. Adicional-
No sul do Brasil e no estado de São Paulo exis- mente, uma alta incidência de outras malignida-
te uma grande concentração de casos de causa des tem sido observada em família e parentes de
ainda não identificada. A prevalência nessas crianças com tumores adrenais;
regiões é dez vezes maior. Devido à natureza Principalmente duas síndromes são as-
agrícola dessa região, é especulado, como fator sociadas a esses tumores. A síndrome Li-
causal, sua origem em algum fertilizante quí- -Fraumeni, associada a alterações (mutação
mico ou pesticida; germinativa) no gene supressor tumoral p53 no
cromossomo 17p e a de Beckwith-Wiedemann,
Dentre todos os tumores adrenais, somente associada a alterações da região 11p15;
6% crescem do córtex adrenal, o restante é Múltiplos estudos confirmaram que 100% dos
metastático; carcinomas adrenais são monoclonais, crescendo
de uma simples célula progenitora;
Predisposição sexual geral: 3 a 4♀: 1♂;
Pico de incidência: 2 a 5 anos (80% < 5 anos);
Bilateralidade: 2 a 5%;
50% ocorrem à esquerda e os outros 50% à Anatomopatologia
direita;
Adenomas são menores, encapsulados, bem cir-
Doenças associadas: síndrome de Beckwith- cunscritos, com textura e cor homogêneas.
-Wiedemann, síndrome NEM-I, síndrome de Os adenomas costumam ser de coloração mais uni-
Li-Fraumeni, hemangiomatose cutânea, mal- forme, geralmente amarelada, superfície de corte unifor-
formações urinárias e hemi-hipertrofia. No me e raras zonas de hemorragia, necrose e calcificações.
Brasil essas associações são menos comuns. O aspecto microscópico do adenoma mostra uma
Carcinoma adrenocortical tem sido relatado em arquitetura bem preservada, menos variação no tama-
membros próximos da mesma família. nho celular e pleomorfismo nuclear e mínima ativida-
de mitótica. Há rara presença de hemorragia, necrose
Globalmente, os adenomas correspondem a 1/3 e calcificações, sem evidências de invasão da cápsula
de todos os tumores adrenocorticais. ou vasos sanguíneos.
131
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Carcinomas são maiores, apresentam bandas tanto, após a puberdade, a sintomatologia pode
fibrosas largas e maior número de áreas de necrose confundir-se com o desenvolvimento normal
e hemorragia. do adolescente e tornar a suspeita clínica difí-
cil. Em crianças maiores de 5 anos, a síndrome
O carcinoma pode ou não ser encapsulado, com zo-
de Cushing é determinada por tumor adrenal
nas de necrose, calcificações, hemorragia e invasão cap- em 10 a 20% dos casos, enquanto em lactentes
sular ou vascular. Ao corte é lobulado, com diversas co- e crianças até 5 anos, a proporção de síndrome
lorações, variando do amarelado ao vermelho-marrom. de Cushing secundária a neoplasia sobe para até
À microscopia apresenta desarranjo da arquitetura, mi- 90% dos casos. Portanto, o desenvolvimento
toses frequentes, bandas fibrosas largas, marcado pleo- dessa síndrome em lactentes deve desencadear
morfismo celular, atipia nuclear e hipercromasia. detalhada investigação radiológica e laboratorial
para afastar-se a existência de tumor adrenal.
Em crianças mais velhas, a principal causa está
relacionada com secreção excessiva de hormônio
Quadro clínico adrenocorticotrófico pela hipófise, resultando
em hiperplasia adrenal bilateral.
Tumores adrenocorticais podem secretar, au- Características do virilismo: aumento do pênis
tonomamente, excesso de cada tipo de esteroides: (80%) ou clitóris (90%), voz de tonalidade grave
glicocorticoides, mineralocorticoides e esteroides (50%), crescimento dos pelos púbicos (90%),
sexuais (andrógenos e, mais raramente, estrógenos), axilares e faciais (60%), acne (45%), aumento da
cada um associado a uma síndrome clínica particular. massa muscular, ausência de crescimento testi-
cular. Noventa e cinco por cento das crianças
Na maioria das vezes, apresentam síndromes clínicas
maiores de 5 anos com carcinoma adrenal
mistas. Entretanto, uma síndrome clínica costuma
apresentam virilização;
predominar, dependendo da quantidade e qualidade
dos esteroides produzidos. Características de feminização: ginecomas-
tia precoce, menarca precoce;
Aproximadamente 95% desses tumores são
hormonalmente ativos. Geralmente, o adenoma Tumor abdominal pode ser palpado em 40%
é mais eficiente do que o carcinoma na produção dos casos.
de hormônios esteroides. Aldosterona, cortisol,
andrógenos e estrógenos são derivados do colesterol
após uma série de reações enzimáticas. Bloqueios en-
zimáticos são comuns em tumores, resultando no acú- Abordagem diagnóstica
mulo de um ou mais precursores esteroides no plasma.
Sinais e sintomas de virilismo podem estar
Laboratorial;
presentes em até 90% dos casos. Dosagens urinárias: cortisol urinário livre,
Somente virilização: 50 a 55%; 17-hidroxicorticosteroides (17-OH), 17-cetoes-
teroides (17-KS);
Virilização + síndrome de Cushing: 35 a 40%;
Dosagens séricas: cortisol, desidroepiandros-
Síndrome de Cushing isolada, ou feminização, terona (DHEA), sulfato de desidroepiandros-
ou assintomático: 5 a 10%; terona (DHEA-S), 17-hidroxiprogesterona,
100% das síndromes de Cushing em crianças testosterona, androstenodiona, aldosterona,
são produzidas por tumores adrenocorticais; atividade de renina. O nível de ACTH plasmá-
tico deve ser medido por radioimunoensaio. Ní-
Virilismo resulta de secreção aumentada
vel normal ou baixo sugere adenoma não fun-
de DHEA (desidroepiandrosterona), andrógeno
cionante ou carcinoma. Teste de supressão com
fraco que é convertido em testosterona e andros-
dexametasona: serve para fazer o diagnóstico
tenodiona (dois agentes virilizantes potentes);
diferencial entre causa hipofisária e não hipofi-
Características da síndrome de Cushing: sária de síndrome de Cushing. Falha em supri-
obesidade central (90%), fraqueza (90%), au- mir a excreção de hormônios sugere causa não
mento do pelo facial, seborreia e acne (80%), hipofisária. Embora os tumores não funcionan-
estrias abdominais cutâneas (70%), hipertensão tes (raros) não produzam excessivos hormônios
arterial (70%), corcova de búfalo (25%), fácies ativos, precursores esteroides podem ser secre-
de lua cheia (30%), aumento de peso. Cortisol tados com abundância.
produz retenção de sal e água com desequilíbrio
eletrolítico e alcalose metabólica hipoclorêmica. Imunoistoquímica: células carcinomatosas cos-
Em meninas, desenvolve-se clitoromegalia, ca- tumam corar positivamente para vimentina.
racterísticas masculinas e amenorreia. Em me- Citometria de fluxo celular: aneuploidia costu-
ninos, a puberdade precoce é frequente, no en- ma estar associada a carcinoma.
133
Clínica Cirúrgica | Pediatria
três a cinco dias, até atingir a dose desejada. pois a glândula contralateral pode estar atrófica
Dose máxima: 10 g/m2/dia. Indicações: tu- pelo excesso de cortisol secretado pelo tumor.
mor inoperável, incompletamente resseca- Hidrocortisona intravenosa e prednisona devem
do com margens positivas, ruptura tumoral ser interrompidas cuidadosamente;
transoperatória, hormônios persistentemente Esquema pré e perioperatório: hidrocortisona
aumentados, recidiva e metástases. Causa me- 100 mg (ou 2 a 5 mg/kg/dose) IM ou IV 6 h
lhora da síndrome endócrina em 2/3 dos ca- antes da cirurgia, 100 mg diluído em soro gli-
sos e parada de crescimento do tumor em 1/3 cosado 5% na indução anestésica. No pós-ope-
dos pacientes. Entretanto, não altera a taxa de ratório: 25 a 50 mg de 8/8 h no 1º dia, redu-
sobrevida. Efeitos secundários: náuseas, vômi- zindo a dose progressivamente e passando para
tos, diarreia, dor abdominal, rash e manifes- prednisona VO, que é mantida por dois a três
tações neurológicas (principalmente letargia, meses. Após esse período, reavaliar a necessida-
sonolência, fraqueza muscular e vertigem). de de permanecer em uso de corticoide VO por
Durante seu uso, deve ser sempre mantida a meio do teste curto de estimulação com ACTH
suplementação com glicocorticoides (predni- (10 mg/kg intravenoso), com medida do corti-
sona 10 a 15 mg/m2/dia) e mineralocorticoides sol sérico após 1 h da sua injeção.
(fludrocortisona 0,1 a 0,2 mg/dia);
Quimioterapia com múltiplas drogas tem sido
também utilizada em adição ao mitotano (cis-
platina + etoposide; 5-fluorouracil + doxorru- Estadiamento cirúrgico
bicina + cisplatina e outros esquemas). Porém, Estádio I: tumor totalmente ressecado, sem inva-
atualmente sabe-se que não existe nenhuma são local e nodal, tamanho < 5 cm, peso < 200 g;
quimioterapia efetiva e o valor de terapia coad-
Estádio II: tumor totalmente ressecado com
juvante permanece não comprovado;
tumor residual microscópico ou tumor > 5 cm
Causa principal de recidiva local: ruptura tran- e/ou peso > 200 g;
soperatória da cápsula tumoral com contamina-
Estádio III: tumor com invasão local ou ino-
ção maciça do leito;
perável;
Mortalidade operatória: 2 a 4%;
Estádio IV: metástases a distância.
Sobrevida: 10 a 50%;
Morbidade: até 40% (lesões de estruturas
contíguas, infecção pós-operatória, insufici-
ência adrenal);
Fatores prognósticos
Após a remoção de adrenal com carcinoma ou
adenoma, principalmente quando existe síndro- Principais: presença de metástases ao diagnós-
me de Cushing associada, um período de insufi- tico, impossibilidade de ressecção completa do
ciência adrenal aparece no pós-operatório e pode tumor, idade ≥ 3,5 anos, volume tumoral > 200
durar até um a dois anos (até recuperação do eixo cm3 retardo diagnóstico maior que seis meses,
hipotálamo-pituitária-adrenal). O suporte com ressecção incompleta, ruptura da cápsula du-
corticoide perioperatório é sempre necessário, rante a cirurgia, trombo intravenoso.
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