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Clínica

Cirúrgica
PEDIATRIA

15ª edição
Clínica
Cirúrgica
Pediatria

15ª edição
1
Capítulo

pré-operatório
do paciente pediátrico
Clínica Cirúrgica | Pediatria

Introdução Os testes de coagulação estão entre os exames la-


boratoriais mais debatidos (controversos) pelo temor
O preparo do paciente começa com a história clí- de uma coagulopatia perioperatória não diagnosti-
nica e o exame físico. A visita pré-anestésica ao pacien- cada. Os testes comumente utilizados (tempo de co-
te internado ou a consulta anestésica para aquele que agulação, tempo de protrombina, tempo de trombo-
será atendido em regime ambulatorial trará condições plastina parcial ativada e contagem plaquetária) não
para qualificar o atendimento. As vantagens são para o conseguem predizer com segurança um sangramen-
paciente, para a família e para a equipe médica. to perioperatório. Esses testes devem ser realizados
Na entrevista é feita a história clínica do paciente, quando a história ou a condição médica for sugestiva
com atenção para a doença atual e seu grau de incapaci- de defeito na coagulação, quando o procedimento possa
tação (hemodinâmica, respiratória, renal, hidratação). induzir alterações (circulação extracorpórea), quando o
sistema hemostático for extremamente solicitado para
O uso de medicações e a sua aceitação, o uso de adequada hemostasia (adenoidectomia) e nos casos
aspirina, alergias a medicamentos e outras substân- em que o mínimo sangramento possa ser crítico (neu-
cias (ovo, iodo, látex) devem ser pesquisados. rocirurgia). Mesmo histórias detalhadas podem não
São pesquisadas experiências anestésicas pré- detectar formas leves de doença de von Willebrand,
vias, dificuldades ocorridas (via aérea, febre) e eventos disfunções plaquetárias ou deficiências de fatores de
relacionados à anestesia, como náuseas e vômitos ou coagulação (por exemplo, fator XI).
fraqueza muscular prolongada.
Conclui-se que a solicitação rotineira de exames
Questiona-se história familiar de complicações laboratoriais pré-operatórios em paciente pediátrico
relacionadas à anestesia, como hipertermia maligna saudável não é recomendada em razão do elevado cus-
ou paralisias prolongadas (deficiência de pseudocoli-
to e da baixa sensibilidade. Indicações específicas ou
nesterase). Tendências hemorrágicas e distrofias mus-
histórias sugestivas de doenças mais provavelmente
culares também são importantes.
resultarão em estudo laboratorial positivo.
O exame físico, com atenção à via aérea, à pre-
sença de adenoides, à ausculta pulmonar e cardíaca,
informará da necessidade de consultoria (presença de
sopros cardíacos) e da melhor técnica de indução anes-
tésica a ser empregada. Jejum
Enquanto entrevista o paciente e a família, o
anestesista estabelece um vínculo de confiança com o Nada por via oral (NPO, nil per os) é a orientação
paciente. A observação do comportamento deste de- fornecida ao paciente e seus familiares concernente ao
terminará o emprego ou não de pré-medicação e sua período pré-operatório.
intensidade, quando necessário. A pré-medicação deve O paciente e a família devem ser informados da
ser individualizada, isto é, alguns dispensarão pré-anes- importância em observar essas orientações (o risco
tésico, enquanto outros necessitarão de dose elevada. de aspiração pulmonar durante a indução anestésica).
Quando o paciente tiver autonomia em acessar ali-
mentos deverá ser vigiado.
De particular importância e benefício para o pa-
Avaliação laboratorial ciente pediátrico são os novos conhecimentos sobre
jejum pré-operatório. Vários estudos demonstraram
O paciente pediátrico necessita de avaliação que não há diferença no volume gástrico residual e no
laboratorial na dependência do procedimento ci- pH entre grupos submetidos a jejum padrão e grupos
rúrgico planejado.
nos quais foi permitida a ingestão de líquidos claros até
Hemograma e exames bioquímicos só devem ser 2 a 3 horas antes do horário agendado para a cirurgia.
realizadas em situações específicas. Existem, no en- O grupo que recebeu líquidos claros tinha volume gás-
tanto, subgrupos que demandam atenção especial. É trico residual menor e estava menos propenso à de-
o caso de pacientes abaixo de seis meses (anemia fisio-
sidratação (hipovolemia) e hipoglicemia; a ansiedade
lógica) e ex-prematuros (propensão à apneia) e pa-
também estava reduzida.
cientes nos quais haverá perda sanguínea significativa,
quando então terá utilidade o hematócrito, a tipagem Líquidos claros são aqueles através dos quais se
sanguínea e as provas cruzadas para possível transfu- pode enxergar, isto é, água com açúcar, chás adoçados
são de sangue transoperatória. e suco de maçã. O leite materno contém gorduras de-
O uso rotineiro da análise de urina é pouco sensí- pendentes da ingestão materna e isso influencia o es-
vel e demasiado inespecífico para ter utilidade clínica vaziamento gástrico. Portanto, leite materno deve ter
em detectar doença assintomática que tenha impacto o mesmo período de jejum que o leite de vaca, fórmu-
no manejo perioperatório. las e alimentos sólidos (tabela 1.1).

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1 Pré-operatório do paciente pediátrico

Medicações pré-anestésicas O controle da ventilação é diferente no neonato,


a curva de resposta ao gás carbônico (CO2) é mais in-
Existem muitas opções de agentes e técnicas de clinada e a resposta à hipóxia depende da maturidade
pré-medicação na literatura médica. Em geral, apresen- e da temperatura ambiental. Antes de 44 semanas de
tam índices de sucesso em 80% dos casos. Não há uma idade pós-concepção no RN a termo (40 semanas), a
técnica ideal em 100% dos casos, pois a pré-medicação hipóxia deprime ao invés de estimular o centro respi-
deve ser individualizada, considerando a condição mé- ratório. Aproximadamente 50% dos prematuros apre-
dica, o estado psicológico do paciente, a duração da ci- sentam respiração periódica, que tende a desaparecer
rurgia e a técnica de indução que será empregada. com 44 a 45 semanas pós-concepção.
Consequentemente, os prematuros com menos
Período de jejum de 44 semanas pós-concepção são candidatos à ap-
Idade (Meses) Leite/Sólido Líquidos claros
neia pós-operatória em resposta a traços de anes-
tésicos voláteis, hipoxia, hipotermia e opioides.
<6 4h 2h
6-36 6h 3h Estudos mostraram uma maior incidência em
> 36 8h 3h pacientes com menos de 46 semanas pós-concepção,
Tabela 1.1 mas existem casos com até 60 semanas. O risco é in-
versamente proporcional à idade gestacional e à idade
Pacientes de 0 a 6 meses não necessitam de pós-concepção; a presença de anemia impõe um risco
pré-medicação, mas lactentes com mais de 10 adicional e independente.
meses percebem a separação de seus pais, sendo O uso de anestesia regional pode diminuir, mas
nesses casos indicada a sedação. não abolir a incidência, que até aumenta quando é
A pré-medicação pode ser administrada por via usada sedação (cetamina, midazolam).
oral (VO), nasal, intramuscular, intravenosa ou retal. A Portanto, é recomendável e prudente internar
via oral tem início lento, a intramuscular causa descon- todos os ex-prematuros com menos de 44 semanas
forto e dor, a intravenosa necessita de infusão em an-
pós-concepção, os que apresentam anemia e aqueles
damento, a retal pode causar defecação e desconforto, e
que têm história de doença pulmonar e/ou episódios
a nasal, embora irritante, tem início de ação rápida em
de apneia. Esses pacientes devem ser internados em
razão da boa absorção; a sublingual também tem boa
instituição com condições de observação e monitora-
absorção, mas necessita da colaboração do paciente.
ção por pessoal capacitado.
Atualmente o midazolam constitui boa opção
nas crianças maiores e naquelas que se beneficiam
com a presença dos pais na sala de cirurgia. Pode
ser administrado tanto pela via intramuscular (100 a Infecção de via aérea superior
150 µg/kg) ou pela via oral (500 a 700 µg/kg), produ-
A criança que no pré-operatório imediato apre-
zindo nessas doses um paciente colaborativo e “feliz”.
senta quadro de infecção de via aérea superior (IVAS)
Caso o paciente durma é sinal de sobredose do medi-
constitui uma situação de desafio. É sabido que as
camento. A via nasal também pode ser utilizada (200
a 300 µg/kg), tendo uma rápida absorção. complicações associadas incluem aumento de cinco
vezes na incidência de laringoespasmo e de broncoes-
pasmo, dez vezes, e incidência aumentada de dessatu-
ração. A tendência é postergar o procedimento, mas
essa nem sempre é a melhor conduta. Caso a crian-
Situação especiais ça apresente rinorreia purulenta e esteja piorando, o
caso deve ser postergado, mas se é uma rinite clara,
sem outros sintomas, uma cirurgia ambulatorial de
Ex-prematuro pequeno porte não aumentará o risco significativa-
Desde os primeiros relatos descrevendo a incidên- mente. A transferência para outra data não garante
cia de apneia pós-operatória nesses pacientes, vários es- que as complicações associadas diminuam de incidên-
tudos foram feitos para individualizar os fatores de risco. cia. A hiperreatividade brônquica permanece até seis
A apneia pode ser de origem central, obstrutiva semanas ou mais. Existem situações nas quais a IVAS
ou mista. Clinicamente é a cessação da respiração por é pródromo de uma doença maior, ou seja, um pacien-
mais de 20 s ou menos se associada à bradicardia, cia- te que apresenta febre e prostração claramente não
nose ou palidez. Respiração periódica é a cessação da está em boas condições para o ato cirúrgico. A decisão
respiração por 5 a 10 s sem bradicardia ou hipoxemia. final deve considerar a relação risco-benefício.

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Anemia evitar depressão respiratória e resultante hipoxia. Seu


uso deve ser evitado em pacientes com menos de um
A criança com anemia crônica ou anemia diag- mês de idade e em prematuros abaixo de 60 semanas
nosticada no pré-operatório impõe uma conduta indi- pós-concepção. O uso de medicações intramusculares
vidualizada. Se o procedimento agendado implica per- não tem lugar na sala de recuperação. Não há motivo
da sanguínea, a questão de prosseguir ou não se impõe. para o uso de um método doloroso, de eficiência len-
É razoável investigar e tratar essa anemia e o paciente ta, fracamente controlado, quando é possível adequar a
retornar aos valores hematimétricos normais. Essa dose rapidamente e sem dor, pelo uso intravenoso.
conduta evitará transfusões desnecessárias. A analgesia controlada pelo paciente, na qual
Caso a criança tenha outros problemas, como in- ele controla a liberação do narcótico, é relativamen-
suficiência renal, significa que sua anemia já está com- te nova em nosso meio. Tem sido usada até em pa-
pensada. Nesse caso, ocorre um desvio para a esquerda cientes com apenas cinco anos de idade, apresen-
da curva de dissociação da oxiemoglobina, em virtude tando bons resultados.
do aumento de 2,3-difosfoglicerato, que proporciona
maior liberação de oxigênio. Nessa situação, teremos
que decidir o quanto vamos permitir que o hematócrito
diminua antes de intervir com transfusão sanguínea. Náusea e vômitos
Complicação relativamente frequente e descon-
fortável, constitui a principal causa de retardo de alta
da sala de recuperação. Raramente constitui risco de
morte, mas pode ser causa de aspiração pulmonar e
Asma pneumonite química, principalmente naqueles pa-
cientes que não receberam bloqueadores de receptores
Na criança portadora de doença broncoespástica e histamínicos. A profilaxia deve ser feita no transope-
em uso de medicação broncodilatadora, temos que nos ratório, aspirando ao conteúdo gástrico e adminis-
assegurar de que suas drogas estejam no efeito máxi- trando medicações antieméticas.
mo. Uma consulta ao pneumologista pediátrico dessa
criança é de valor, particularmente nos casos graves. Droperidol (50 a 100 mg/kg) parece ser eficiente
em reduzir a frequência de vômitos, mas causa sono-
lência e sedação indesejáveis no paciente ambulato-
rial. Metoclopramida em dose de 0,15 mg/kg IV não
parece causar efeitos colaterais, mas seu efeito é ape-
Situações comuns no nas levemente superior ao do placebo. Atualmente,
está disponível o medicamento ondansetrona (0,15
pós-imediato mg/kg), usado para controle de náuseas pós-quimio-
terapia e que apresenta grande eficácia no controle de
náuseas e vômitos pós-operatórios.
Dor pós-operatória
Devemos atentar para o fato de que outras cau-
sas de dor e desconforto pós-operatório, além da inci- Estridor laríngeo
são e do trauma tecidual, podem estar presentes. Isso
inclui curativo muito apertado, distensão da bexiga, Com o uso de tubos endotraqueais esterilizados
presença de sonda vesical e de sonda nasogástrica. A e fabricados com materiais inertes, associados à umi-
dificação dos gases anestésicos, houve uma diminui-
sonda nasogástrica nos lactentes, que são respirado-
ção significativa da incidência de estridor e espasmo
res nasais obrigatórios, aumenta a resistência da via
laríngeo. Atualmente a incidência é de 1% comparada
aérea, causando agitação. Abrasão de córnea, extrema-
a 1,6 e 6% em estudos anteriores. A principal causa
mente dolorosa, ocorre em 44% dos pacientes que não atual é o uso de tubos muito justos que causam edema,
tiveram seus olhos protegidos no transoperatório. cujo efeito obstrutivo é mais acentuado nos pacientes
O uso de anestesia regional ou analgesia epidu- abaixo de quatro anos. A lubrificação dos tubos com
ral administrada antes do início da anestesia geral gel de xilocaína parece aumentar o problema.
proporciona eficiente método. É útil em neonatos nos Os pacientes com síndrome de Down estão
quais os narcóticos têm efeito prolongado. mais propensos a desenvolver essa complicação,
A morfina IV constitui método mais confiável em virtude de hipotonia, macroglossia relativa e
e efetivo de controle da dor e da excitação. A dose de tecido linfoide hipertrofiado.
0,05 mg/kg IV é bem tolerada em pacientes sem hipo- Para o tratamento do estridor pós-operatório,
volemia ou instabilidade circulatória. Incrementos po- que não alivia com a simples umidificação da mistura
dem ser necessários com o devido monitoramento para inalada, a nebulização de epinefrina racêmica diluída

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1 Pré-operatório do paciente pediátrico

em solução fisiológica (3 mL) parece bastante eficien- € saturação de oxigênio acima de 95% em ar ambiente;
te. Ela é mais usada pelo seu efeito vasoconstritor € estabilidade circulatória e sem sangramento ativo;
do que pelo seu efeito broncodilatador, provocando
diminuição do edema da mucosa da via aérea. O uso
€ ausência de hipotermia (temperatura retal >
de corticosteroides (dexametasona 0,5 mg/kg) é con- 36°C) e hipertermia sob controle;
troverso; estudos apontam sua utilidade na profilaxia, € dor, náusea ou vômito adequadamente controlados;
mas não no tratamento. € sinais vitais estáveis pelo menos 30 minutos após
receber medicação analgésica (opioide).
Assunto discutido é a necessidade ou não de a
Hipoxia pós-operatória criança aceitar e reter líquidos VO antes de ter alta
hospitalar pós-operatória. Vômitos após anestesia e
Durante a anestesia geral há diminuição do volu- cirurgia são comuns, sendo a maior causa de interna-
me de reserva pulmonar e da capacidade de reserva fun- ção hospitalar não programada após cirurgias ambu-
cional, com consequente queda das trocas pulmonares. latoriais. Muitos anestesistas só permitem a alta após
A duração da hipoxemia é breve na maioria dos pacien- o paciente demonstrar habilidade de reter líquidos,
tes saudáveis, que se recuperam de procedimentos sim- já que creem que isso minimiza o potencial de read-
ples, especialmente se acordados e ativos ou chorando. missão hospitalar secundária à desidratação. Outros
Porém, mesmo acordados, pode haver hipoxia em de- acreditam que, forçando a alimentação, precipitarão
corrência de efeitos residuais dos anestésicos. É reco- os vômitos. Até recentemente não havia trabalhos
mendado oxigênio suplementar para todos os pa- comparativos dessas duas estratégias.
cientes na sala de recuperação, independentemente
da cirurgia e de sua duração, a menos que o pacien-
te esteja acordado suficientemente para rejeitar a Índice de recuperação pós-anestésica
máscara, a tenda ou o cateter nasal e apresente uma Atividade
saturação de oxigênio estável e satisfatória. Essa 2 Movimentação ativa, voluntária ou ao comando 1 Movi-
prática pode reduzir os episódios de bradicardia e co- mentos fracos, voluntários ou ao comando 0: Incapaz de mo-
lapso cardiorrespiratório na sala de recuperação. Estu- vimento
dos mostram que o limite inferior seguro aceitável da Respiração
saturação de pulso é de 95%, exceto nos pacientes com 2: Tosse livre, boa respiração ou choro 1: Obstrução parcial, ron-
doença cardíaca congênita (shunts direita → esquerda) cos ou dispneia 0: Apneia, obstrução, necessária assistência
e doenças pulmonares crônicas obstrutivas. Circulação
2: PA ± 20% dos valores pré-anestésicos
O tempo necessário para a recuperação da anestesia 1: PA ± 20 a 50% dos valores pré-anestésicos
geral depende da técnica anestésica e da ocorrência de pro- 0: PA > ± 50% dos valores pré-anestésicos
blemas, como náuseas e vômitos, dor, estridor laríngeo, Consciência
hipoxia, instabilidade cardiorrespiratória (tabela 1.2). 2: Totalmente acordado
Antes que a criança possa ser liberada da 1: Acorda ao estímulo
sala de recuperação com segurança deverá atin- 0: Irresponsivo
gir alguns critérios: Cor
2: Róseo
€ acordada ou facilmente despertável; 1: Pálido
€ reflexos respiratórios que mantenham a via aérea 0: Cianótico
e as trocas pulmonares e protejam contra aspira- Tabela 1.2 É necessário atingir 9 pontos para haver critério de alta da
ção de vômitos; sala de recuperação. PA: pressão arterial.

13
2
Capítulo

acesso vascular
2 Acesso vascular

Introdução Dissecção da artéria infraumbilical pode ser re-


alizada quando o coto umbilical estiver impróprio para
cateterização (“seco”) ou já houver sido manipulado.
A cateterização vascular central é uma parte in-
Realiza-se uma pequena incisão infraumbilical e aber-
tegral do cuidado dos pacientes criticamente doentes.
tura da aponeurose dos retos abdominais, visualizando-
Permite monitoração hemodinâmica, administração
-se as artérias umbilicais e o buraco sobre o peritônio.
de fluidos, produtos sanguíneos, medicações e nutri-
A artéria é aberta com cuidado para evitar sua torção
ção parenteral, sendo por isso a obtenção de um aces-
ou angulação, e um cateter de tamanho adequado é
so venoso profundo um procedimento imperativo na
introduzido. Este deve progredir sem dificuldade até a
prática do cirurgião pediátrico.
posição desejada, conforme a tabela para cateterização
da artéria umbilical, não se esquecendo de descontar a
distância entre o umbigo e o local da dissecção. A locali-
zação deve ser checada por radiografia assim que possí-
Cateterização de vasos umbilicais vel. O cateter é fixo com fio inabsorvível 4-0.
Os vasos umbilicais são utilizados principalmen-
te em recém-nascidos (RN).
Cateterização da veia umbilical é um procedi-
mento simples, que permite a colocação de um cateter
de grosso calibre no sistema venoso central.
Dissecção venosa
A cateterização da veia umbilical no recém-nascido É utilizada principalmente quando há contrain-
só pode ser utilizada em situações de emergência, duran- dicações para a punção percutânea central ou quan-
te a reanimação na sala de parto e mais especificamente do ocorre insucesso deste procedimento. As veias do
quando há necessidade de exsanguineotransfusões. Até membro superior (basílica, axilar e cefálica) e do pes-
o quarto ou quinto dia, a cateterização pode ser feita di- coço (jugular externa, facial e interna) são as preferen-
retamente pela secção do coto umbilical, rente à parede cialmente cateterizadas. A veia safena, junto ao ma-
abdominal. A veia é identificada no quadrante superior léolo tibial, é um acesso fácil utilizado em casos de
do coto e tem luz ampla. Após a mumificação do coto emergências. Dá-se preferência a cateteres de silicone
umbilical, o acesso pode ser obtido ainda no período (Silastic®), que devem ser exteriorizados por contrain-
neonatal através de pequena incisão transversa media- cisão, diminuindo-se assim os riscos de infecção.
na, logo acima da cicatriz umbilical. A veia é encontrada
entre a aponeurose anterior do abdome e o peritônio pa-
rietal e dirige-se cranialmente, continuando como ramo
esquerdo da veia porta e entrando na veia cava inferior
através do ducto venoso. O cateter deve ser introduzi- Punção percutânea
do em extensão de 4 a 5 cm, suficiente para que ocorra
O procedimento tem a vantagem de ser rápido, se-
o fácil refluxo de sangue, e sua extremidade distal deve guro (quando realizado por médico experiente) e de não
situar-se na veia cava inferior, no ducto venoso ou na inutilizar a veia para uso posterior. As veias jugular in-
própria veia umbilical. Não deve ser utilizado em hipóte- terna e subclávia são as mais utilizadas. A punção da
se alguma para administração de soluções hipertônicas e, veia jugular interna é mais segura do que a subclávia no
após 24 a 48 horas, obrigatoriamente deve ser retirado, que concerne à lesão acidental da cúpula pleural. Existem
pelo risco de flebite e trombose da veia porta. contraindicações para a utilização da técnica percutânea,
Cateterização da artéria umbilical é um método como discrasias sanguíneas, tumores mediastinais, de-
fácil de colocação de cateteres dentro da aorta. Permi- formidades e traumatismos torácicos, lesões cutâneas in-
te coletas de amostras de sangue arterial, infusão de fectadas ou queimaduras no local da punção e disfunção
líquidos, cateterização cardíaca para angiografia. A ca- respiratória grave. Pode-se também puncionar veias su-
teterização é semelhante aquela da veia umbilical e o perficiais, como a veia jugular externa e cefálica, podendo
cateter pode ser colocado em uma posição baixa, acima ser usadas na presença de discrasias sanguíneas. A desvan-
da bifurcação da aorta e abaixo das artérias renais e me- tagem dessa técnica é que a progressão do cateter pode ser
sentérica inferior, determinada por radiografia, entre a difícil em razão da presença de válvulas e angulações.
3ª e a 5ª vértebra lombar ou em uma posição alta, no Recentemente, cateteres longos de silicone estão
nível do diafragma, entre a 6ª e a 10ª vértebra torácica. disponíveis para serem introduzidos por meio de uma
Existem tabelas para medida do comprimento de cate- agulha metálica ou de Teflon desde uma veia periférica
ter a ser introduzido de acordo com o nível desejado, até a veia cava superior. Os cateteres, conhecidos como
mas sua posição deve ser confirmada por radiografia. PICC (Peripherally Inserted Central Catheters), são en-
As complicações incluem espasmos vasculares contrados em pequenos diâmetros (25 e 27), o que facili-
de membros inferiores, oclusões renais e mesentéri- ta o uso destes em prematuros. Uma característica desses
cas que geralmente devem-se a êmbolos. Os índices de cateteres é de que a agulha “rasga-se” ao meio (técnica
infecção são baixos, podendo ocorrer hemorragia por peel away), facilitando a colocação do cateter que pode
desconexão do cateter ou perfuração do vaso. permanecer por um longo período de tempo no paciente.

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Técnica de punção da veia ou dissecção. Quando colocados por flebotomia, dá-se


preferência às veias do pescoço (jugular externa ou in-
subclávia (via infraclavicular) terna) ou do membro superior (cefálica). A punção per-
A veia subclávia direita é preferida pela maioria, cutânea é feita na veia subclávia ou jugular interna.
pelo fato de que, à esquerda, a cúpula pleural é mais Cateteres semi-implantáveis são fabricados em sili-
alta e o ducto torácico está presente. cone ou poliuretano, são radiopacos e apresentam de uma
Com a criança em decúbito dorsal e em posição a três vias, com diâmetros variados. São tunelizados pelo
de Trendelenburg (15°), os membros superiores devem subcutâneo, onde fica um cuff de dracon, que tem a finali-
ficar fixos ao longo do corpo e um coxim cilíndrico dade de aderir o cateter e criar uma barreira mecânica à
colocado entre as escápulas. A cabeça fixa em posição infecção. São exteriorizados na parede anterior do tórax.
mediana ou levemente rotada para o lado contralate- Cateteres totalmente implantáveis surgiram
ral. Anestesia com xilocaína a 1% no local da penetra- posteriormente e receberam a denominação genérica
ção da agulha. Pode ser necessária a sedação da criança de ports ou portocaths. São similares aos semi-implan-
ou anestesia geral. A punção é realizada na junção do táveis, porém o cateter é ligado a um reservatório no
terço médio e interno da clavícula, abaixo do bordo in- subcutâneo, o qual fica recoberto pela pele, sem expo-
ferior desta. A agulha é orientada medialmente e cra- sição externa. O reservatório possui uma cúpula de
nialmente em direção à fúrcula esternal onde estará o silicone que permite a punção pela pele até o seu inte-
dedo indicador do operador. Em crianças menores, a rior. Apresenta menor índice de complicações, melhor
agulha deve ser orientada levemente acima da fúrcu- aceitação pelo paciente e menor custo de manutenção.
la (mais cranial). O cateter é colocado pela técnica de
Seldinger. A ponta do cateter deve progredir até a po-
sição da linha intermamilar. O cateter é fixado à pele
com sutura e curativo. Deve-se realizar radiografia de
tórax durante a injeção de contraste no cateter (se não
Complicações
for radiopaco) para conferir a posição da ponta. A obtenção e a manutenção do acesso venoso
central podem resultar em intercorrências sérias e
muitas vezes fatais.
Técnica de punção da veia
jugular interna Do procedimento
A veia jugular interna direita é preferida por
Pneumotórax é uma complicação rara, a maioria
ser maior e mais afastada da carótida e seguir dire-
não manifesta qualquer sintoma. Apesar dos graus va-
tamente pela veia inominada até a veia cava superior. riáveis de pneumotórax, eventualmente os pacientes
A posição da criança é a mesma da punção da desenvolvem pneumotórax sintomático, evidenciado
veia subclávia, mas o coxim deve ficar transverso, sob por dor intensa, taquipneia e angústia respiratória.
as escápulas e a cabeça estendida e rotada para o lado Esses pacientes necessitam de descompressão urgente
oposto. Após a anestesia, realiza-se a punção logo (drenagem torácica).
abaixo do ápice do triângulo formado entre os dois Hematoma mediastinal e hemotórax são com-
feixes do músculo esternocleidomastoideo (clavicular plicações decorrentes da punção acidental das arté-
e esternal) e a clavícula, em direção ao mamilo ipsila- rias, principalmente em pacientes com hipertensão
teral, em um ângulo de 15° a 45°. arterial ou discrasias sanguíneas.
As punções devem ser realizadas com cateteres ade- Embolia gasosa é uma complicação que pode ser
quados ao tamanho das crianças; em RN e prematuros, prevenida com a colocação do paciente em posição de
pode ser utilizado cateter 22G (Certofix®) ou 4Fr. Nas Trendelenburg no momento da punção e o perfeito ajus-
crianças maiores de 6 kg, usamos o 18G (Certofix®) ou 5Fr. te das conexões do cateter, evitando a entrada de ar.
Embolia do cateter pode ser prevenida, desde
que, sempre que houver alguma resistência durante a
introdução do cateter, a agulha e o cateter sejam reti-
Acesso vascular de rados juntos, evitando que ele seja cortado pela ponta
longa duração da agulha, produzindo um êmbolo.
Erosão da veia pelos cateteres é uma complica-
A utilização de cateteres de demora tem facilita- ção rara e ocorre principalmente quando a extremida-
do o tratamento de pacientes com neoplasias malignas, de dos cateteres semirrígidos é biselada ou seccionada
discrasias sanguíneas e síndromes de má absorção. Per- para reduzir o seu comprimento. O fluxo sanguíneo
mitem a administração segura de fluidos, medicações, turbulento também pode contribuir para a erosão dos
soluções nutritivas. Podem ser semi ou totalmente im- cateteres através da parede venosa, o que pode levar
plantáveis, colocados por meio de punção percutânea ao tamponamento cardíaco.

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2 Acesso vascular

Complicações da manutenção cateter, o material e, principalmente, o tempo de per-


manência. Os maiores fatores de risco são a prematu-
dos cateteres ridade, a utilização de nutrição parenteral total e o uso
frequente do cateter. A propagação do processo trom-
Infecção bótico pode levar à síndrome da veia cava superior,
ao trombo intra-atrial e à embolia pulmonar.
A colonização bacteriana no cateter é três a sete
A síndrome da veia cava superior (SVCS) apre-
vezes mais comum que a septicemia. A utilização de
senta sinais bem estabelecidos e facilmente reco-
pomadas antimicrobianas reduz a colonização por
nhecidos. Ocorrem pletora, edema e cianose da face,
bactérias, mas tem o inconveniente de predispor à
da região cervical e da porção superior do tronco, que
colonização por Candida sp.
se agrava com manobras que interferem no retorno
Sepse relacionada ao cateter tem sido ligada à intro- venoso, como tosse, choro e decúbito supino. A mor-
dução de micro-organismos no momento da inserção do talidade é significativa com o aparecimento de trom-
cateter, contaminação de soluções de nutrientes durante a bose concomitante da veia cava inferior. Pode ser diag-
sua preparação e infusão e contaminação do sítio de entra- nosticada por ecocardiografia.
da do cateter. Em pacientes febris, portadores de cateteres
Raramente se suspeita de embolia pulmonar em
venosos, meticulosa avaliação inicial deve ser feita, com
crianças, mas ocorre com maior frequência do que é
atenção para possíveis sítios ocultos de infecção. Culturas
diagnosticada. Manifesta-se por meio de dispneia, ta-
devem ser obtidas das vias do cateter e do sangue perifé- quipneia, dor torácica, taquicardia e cianose de apare-
rico. Deve-se realizar a palpação do trajeto subcutâneo do cimento súbito, não explicado pela doença de base. A
cateter para identificar a presença de infecção de túnel. Os repetição desses episódios fortalece a suspeita. O ma-
germes mais comumente relacionados a infecções do nejo das situações tromboembólicas, secundárias ao
cateter são as bactérias Gram-positivas (estafilococos), cateter, é feito por meio de substâncias trombolíticas.
mas outras bactérias e agentes não bacterianos podem ser A estreptoquinase, a uroquinase e o ativador tecidual
responsáveis por infecção, principalmente em pacientes do plasminogênio (t-PA) são os agentes mais utilizados.
neutropênicos (bacilos, corinebactérias, micobactérias atí-
picas, Gram-negativos e fungos). Estreptoquinase pode ser infundida sistemicamen-
te na dose de 1.000 U/kg em 10 min., seguida de infusão
Terapia antibiótica empírica é iniciada, cobrindo contínua de 1.000 a 4.400 U/kg/h. No entanto, a ausên-
Gram-negativos e Estafilococos, até o resultado das cia de seletividade na lise dos coágulos eleva o risco de
culturas, quando o esquema antibiótico é adaptado. hemorragia grave. A utilização da técnica de infusão sele-
Em cateteres multilúmen, a infusão de antibióticos tiva de baixa dose (50 U/kg/h), liberada o mais próximo
para tratamento deve ser alternada, pois a infecção possível do local da trombose, pelo cateter, diminui os
pode estar restrita a uma das vias. Permanecendo si- riscos de sangramento. Indica-se a suspensão da terapia
nais de bacteremia após 72 h, em vigência de terapia trombolítica quando houver lise completa do coágulo,
apropriada ou quando fungos são identificados, indi- ausência de efeito em 24 a 48 h e/ou progressão da trom-
ca-se a retirada do cateter. bose, hemorragia séria ou choque anafilático.
Em cateteres de longa duração, a infecção do tú-
nel subcutâneo e ao redor do reservatório na maioria
das vezes indica a sua remoção, quando a infecção es-
tiver associada a fungos.
Punção intraóssea
Obstrução É uma rota efetiva para situações de emergência,
quando o acesso venoso não pode ser obtido. Qualquer
Relacionada à utilização dos cateteres, ocorre infusão que puder ser usada intravenosamente também
principalmente pela presença de trombos. A implan- poderá ser administrada pela medula óssea. A tíbia pro-
tação de cateteres em vasos de pequeno calibre e a pre- ximal e distal e o fêmur distal são os locais preferidos
sença de material estranho promovem a formação de de punção. Em geral, a punção é feita medial à crista da
fibrina, fibronectina e colágeno. Os depósitos de fibri- tíbia, de 1 a 3 cm abaixo da tuberosidade tibial. A agulha
na e/ou as aderências na parede do vaso são suficien- é direcionada para baixo em um ângulo de 40° a 60°, e
tes para ocluir a luz de um cateter de pequeno lúmen. a punção da medula é detectada quando diminui a re-
sistência oferecida pela cortical óssea. Soro fisiológico
é injetado e o tecido adjacente palpado para verificar se
Trombose venosa existe extravasamento. Abaixo dos 18 meses a agulha
18-20 de punção de medula óssea é utilizada; acima
Decorre da estase, hipercoagulabilidade e/ou lesão dos 18 meses, utiliza-se de 13 a 16. Após 2 h de infu-
endotelial. Esta última é o principal fator contribuinte, são, acesso venoso deve ser realizado e a via intraós-
sendo secundária à infusão de soluções hiperosmolares. sea retirada. Áreas infectadas e zonas de fraturas devem
Outros fatores também relacionados são: o calibre do ser evitadas. O risco de osteomielite é muito baixo.

17
Clínica Cirúrgica | Pediatria

Cuidados com os cateteres


O curativo deve ser trocado assepticamente a
cada 48 horas. Sempre que existir secreção, deve-se
coletar um swab para cultura. As conexões devem ser
cuidadosamente manejadas e o interior das linhas
deve ser mantido estéril.
Cateteres centrais de uso prolongado necessitam
de cuidados especiais, mais elaborados, quanto à de-
sinfecção, ao curativo e à heparinização.
Os cateteres semi-implantáveis devem ser limpos Figura 2.3 Dispositivo implantável port-cath. Observar a campânula
conectada ao cateter de silicone.
ao redor do sítio de saída com gazes embebidas em ál-
cool a 70% e o curativo deve ser trocado uma vez ao dia
após o banho. Para manter a permeabilidade, quando
este não estiver sendo utilizado, deve ser usada solução
de heparina, que é trocada a cada 72 h. Durante a ma-
nipulação dos cateteres totalmente implantáveis, são
necessários cuidados básicos, como lavar as mãos, usar
luvas e fazer a antissepsia do local com álcool iodado.
No momento de puncionar, a agulha deve estar em um
ângulo de 90° e o reservatório mantido firme. Não sen-
do mais necessário o seu uso, o cateter deve ser lavado
com 20 mL de soro fisiológico e injetada solução de he-
parina (100 UI/mL), na quantidade adequada. A troca Figura 2.4 Cateter central (setas). Notar a extremidade do cateter na
de heparina deve ser a cada 14 a 21 dias. transição entre a veia cava superior e o átrio direito.

Dedo na furcúla
external
Veia jugular interna

Veia
Veia braquiocefálica
subclávia
Veia axilar

Veia cava superior

Figura 2.1 Punção da veia subclávia por via infraclavicular.

Veia jugular
interna

Veia subclávia
direita

Veia braquicefálica
direita
Veia cava superior

Figura 2.5 Cateteres em má posição. A: notar que o cateter foi intro-


Figura 2.2 Punção-cateterização percutânea da veia jugular interna. Ob- duzido através da veia jugular interna e a extremidade localizou-se na
servar que a inserção da agulha é no ápice do triângulo formado pelos fei- veia subclávia contralateral (seta). B: foi pouco introduzido e a extremi-
xes musculares esternal e clavicular do esternocleidomastoide e a clavícula. dade está localizada na veia cava superior (seta).

18 SJT Residência Médica - 2015


23
Capítulo

RO U CO
hidratação parenteral
BÁS CO eM
Clínica Cirúrgica | Pediatria

Introdução A fase lenta requer muitas horas (± 20 h) para re-


posição. É uma tentativa de repor o volume de líquido
A reposição dos déficits visa ao restabelecimento extracelular antes da cirurgia. Em situações de urgên-
da homeostase por meio da reexpansão dos comparti- cia, essa fase continua durante o transoperatório e pós-
mentos hídricos do organismo, aumentando a filtra- -operatório imediato. Administrar metade do líquido
ção glomerular e o fluxo plasmático renal. Inicia com o de reposição calculado em 6 a 8 h e a outra metade nas
cálculo das perdas anteriores. horas restantes. Se a fase rápida não tiver sido realiza-
da, 25% do total pode ser acrescentado em 4 h. Caso
tenha sido feita, descontar o volume utilizado na fase
Cálculos das necessidades hídricas diárias básicas rápida do total calculado. Administrar potássio somen-
(Regra de Holliday-Segar)
te após a diurese estar restabelecida. A qualidade do lí-
Peso (kg) Volume diário quido dependerá das dosagens eletrolíticas. Iniciar com
0-10 100 mL/kg/dia ou 4 mL/kg/h soro glicofisiológico 1:1 a 2:1. Todas as soluções devem
10-20 1.000 mL + 50 mL/kg/dia para cada kg acima conter glicose 5%, com exceção da fase rápida.
de 10 kg ou 40 mL + 2 mL/kg/h
> 20 1.500 mL + 20 mL/kg/dia para cada kg acima
de 20 kg ou 60 mL + 1 mL/kg/h
Tabela 3.1 Reposição das perdas
Essas perdas podem ter ocorrido por perdas ex- posteriores
ternas (saliva, bile, ascite, diarreia, drenagem de drenos
e estomias) ou perdas internas (perdas do 3º espaço) As perdas externas devem ser repostas mililitro
causadas, principalmente, por peritonite e obstrução por mililitro e miliequivalente por miliequivalente. O
intestinal. Nos pacientes cirúrgicos, as perdas de água volume de drenagem deve ser medido e analisado ele-
e eletrólitos ocorrem, na maioria das vezes, em propor- troliticamente antes da reposição.
ções fisiológicas, ocasionando desidratação isotônica. O
cálculo do déficit de água está exposto na tabela 3.2. Aproximadamente, as perdas podem ser re-
postas com as seguintes soluções:
Perda gástrica (acima do piloro): soro glicofi-
Cálculo do déficit de sódio: Sódio necessário = déficit de só- siológico 1:1 + 3 a 4 mEq de cloreto de potássio (KCl)
dio (140 – sódio atual) x peso em kg x 0,6.
para cada 100 mL drenados.
€ Perdas intestinais biliosas (abaixo do piloro):
RL + 2 mEq de KC1 para cada 100 mL drenados;
Reposição das perdas anteriores € Perdas da ileostomia: RL + 1,5 a 2 mEq de KCl
É dividida em duas fases (rápida e lenta) e vai de- para cada 100 mL drenados. Em perdas conti-
pender, também, do grau de desidratação. nuadas de enterostomia, deve-se adicionar só-
A fase rápida visa à restauração do volume intravascu- dio à dieta ou ao soro, variando de 4 mEq/kg/
lar, sendo utilizada nos pacientes com desidratação grave e dia até 12 mEq/kg/dia;
choque. Faz-se um push de 20 mL/kg (representa 1/4 do volu- € Diarreia: RL + 4 mEq de KCl para cada 100 mL
me vascular de 80 mL/kg) de Ringer lactato (RL) sem glicose e eliminados.
sem potássio adicional, em 1 a 2 h, aumentando ou diminuin-
do o ritmo de infusão até alcançar o objetivo que é a melhora
Composição eletrolítica dos líquidos corporais na
clínica, micções adequadas e repetidas e com densidade igual
criança e de alguns líquidos intravenosos
ou inferior a 1.010 ou diurese mínima de 2 mL/kg/h, melhora
da perfusão periférica e pressão venosa maior do que 5 cm Líquidos cor- Eletrólitos (mEq/L)
de água. Quando há choque associado, pode-se acrescentar porais e intra- Na+ K+ Cl- HCO-3
venosos
concentrado de hemácias e 2 mEq/kg de bicarbonato de só-
dio. Quando há choque associado com hematócrito alto ou Gástrico 70 5-15 120 0
peritonite, acrescentar 10 a 20 mL/kg de plasma fresco. Pancreático 140 5 50 – 100 100
Bile 130 5 100 40
Cálculo do déficit de água e reposição Ileostomia 130 15-20 120 25-30
Graus de desidratação Líquidos necessários (mL/kg) Diarreia 50 35 40 50
Leve 50 Saliva 35 10 35 20-30
Moderado 50-100 Soro fisiológico 154 0 154 0
Grave > 100 Ringer-lactato 130 4 109 28
Tabela 3.2 Tabela 3.3

20 SJT Residência Médica - 2015


3 Hidratação parenteral

Esquema de hidratação € HCO3– necessário: (20 – HCO3– atual) x 0,3 x


peso em kg. Em acidose grave, multiplicar por
transoperatória 0,6 em vez de 0,3. Nesse caso, dar metade da
dose calculada diluída em glicose e reavaliar.
O déficit estimado de líquido transoperatório Para pH entre 7,20 e 7,30, calcular da seguin-
e sua reposição é calculado da seguinte forma: te forma:
Volume de manutenção (RN: 2,5 mL/kg/h e lac- € HCO3– necessário = peso em kg x 0,3 x BE (ex-
tentes e crianças maiores: 4 mL/kg/h) x nº de horas cesso de base).
em jejum desde a última alimentação. Quando o pa- Para pH abaixo de 7,20, calcular da seguinte forma:
ciente já está recebendo hidratação parenteral, não é
necessário repor o tempo de jejum prévio. É reposto
€ HCO3– necessário = peso em kg x 0,6 x BE.
com RL com SG 5% ou soro glicofisiológico 4:1 ou 5:1.
No RN, o RL pode ser diluído ao meio. Na cirurgia am-
bulatorial, a metade calculada é administrada duran-
te a cirurgia e a outra metade na sala de recuperação,
Cálculo da reposição sanguínea
sendo suspensa quando receber VO adequada. Nos pré-operatória
casos com cavidade aberta, o cálculo das perdas do 3º
espaço e evaporação costuma ser o seguinte, e vai de-
Fórmulas utilizadas
pender do sítio e da extensão da cirurgia:
• Concentrado de hemácias (Ht = 60%) necessário = 1,5 mL
€ Cirurgia abdominal: varia de 6 a 10 mL/kg/h; x peso em kg x (Ht desejado - Ht atual).
€ Cirurgia torácica: varia de 4 a 6 mL/kg/h; • Concentrado de hemácias necessário = 4 mL x peso em kg
x (Hb desejada - Hb atual): para crianças < 5 kg.
€ Cirurgia de superfície: varia de 1 a 2 mL/kg/h.
• Concentrado de hemácias necessário = 3 mL x peso em kg
Certos tipos de afecções, como enterocolite necro- x (Hb desejada Hb atual): para crianças > 5 kg.
sante perfurada e gastrosquise, têm uma grande perda Tabela 3.4
para o 3º espaço, necessitando de até 15 mL/kg/h.
Após 3 horas de reposição transoperatória, reava- O concentrado de hemácias (5 a 10 mL/kg)
liar hidratação, porque a translocação de líquidos para o deve ser transfundido em 2 a 4 h. A transfusão
3º espaço começa a diminuir. A reposição é feita com RL. de 10 mL/kg deve elevar a concentração de Hb em
aproximadamente 3 g/dL. Como regra, a hemoglo-
bina (Hb) não deve ser aumentada em mais de 5 g/dL
em uma transfusão.
Controle clínico e laboratorial Volume sanguíneo estimado (mL/kg):
da hidratação parenteral € prematuro: 90-100;
€ recém-nascido a termo: 80-90;
Para se ter controle do estado de hidratação da
€ lactente: 75-80;
criança, o exame clínico deve ser repetido a cada 4 h no
RN, 6 h no lactente e 12 h na criança maior. Pesquisar € criança maior: 70.
com a palpação dos pulsos periféricos, ausculta cardí-
aca e pulmonar, inspeção e palpação da pele (edema e
reenchimento capilar), palpação das fontanelas e peso
corporal. Deve-se conhecer o débito urinário horário e Cálculo das perdas
a densidade da urina. O débito urinário adequado é de
2 a 4 mL/kg/h no RN e 2 mL/kg/h na criança maior.
sanguíneas e reposição
Realizar dosagens seriadas de ureia, creatinina, hemo- transoperatória
globina, hematócrito, sódio, potássio e cálcio.
Medir sangue aspirado (subtrair do volume de ir-
rigação) + perdas nas compressas e gazes + perdas nos
campos cirúrgicos.

Equilíbrio acidobásico
Em cirurgia de grande porte o controle acido- Rotina do controle da perda
básico é desejável evitando-se assim maior morbi- sanguínea transoperatória
dade e/ou letalidade. € 10 gazes = 20 g; 1 compressa pequena = 10
Para bicarbonato abaixo de 16 mEq, calcular da g; 1 compressa grande = 40 g; 1 compressa
seguinte forma: grande nova = 55 g;

21
Clínica Cirúrgica | Pediatria

€ Pesar gazes com sangue em número mínimo de


10 e descontar o peso delas (20 g);
Transfusão de plaquetas
€ Pesar compressas com sangue em número míni Em geral é indicada para prevenir sangra-
mo de 3 e descontar o peso delas. mento quando a contagem de plaquetas é < 10.000/
mm3 sem sangramento ativo; quando a contagem
é < 50.000/mm3 e o paciente vai submeter-se a um
procedimento cirúrgico; sangramento ativo em pa-
cientes com contagem < 50.000/mm3; sangramento
Formas de reposição sanguínea ativo com plaquetas funcionando mal.
€ Perdas < 10% do volume sanguíneo estimado Transfusão: 1 U para cada 10 kg de peso. Cada
devem ser repostos com ± 3 mL de RL ou soro 1 U = 50 mL de plaquetas. Essa quantidade aumenta
fisiológico (SF) para cada 1 mL de sangue perdido. a concentração de plaquetas de 5.000 a 10.000/mm3.
O RN é pouco tolerante à perda sanguínea transo- Outras formas de cálculo são 0,1 U de concentrado de
peratória. Repor com concentrado de hemácias a plaquetas/kg ou 4 U/m2 de concentrado de plaquetas.
perda de 5 a 7,5% do volume sanguíneo estimado; Não se devem transfundir plaquetas:
€ Perdas entre 10 e 15% do volume sanguíneo es- – em casos de púrpura trombocitopênica idiopática
e púrpura trombocitopênica trombótica (a menos que o
timado podem ser repostas com RL + albumi-
sangramento coloque em risco a vida do paciente);
na 5% ou plasma fresco congelado, dependendo
– profilaticamente, em transfusões maciças de
das circunstâncias clínicas e do tipo de cirurgia.
sangue (relativo);
Reposição: para cada 1 mL de sangue perdido,
– profilaticamente, em cirurgias com circulação
repor com 1 mL da solução acima;
extracorpórea.
€ Perdas > 15% do volume sanguíneo estimado devem As plaquetas devem ser indicadas criteriosamente,
ser repostas com concentrado de hemácias e soro fi- pelo alto risco de refratariedade futura a transfusões, cau-
siológico. Reposição: para cada 1 mL de sangue per- sada por anticorpos anti-HLA ou próprios plaquetários.
dido repor com 0,5 mL de concentrado de hemácias
+ 0,5 a 2 mL de RL ou SF ou 0,5 mL de concentrado
de hemácias + 0,5 mL de solução coloide.
Transfusão de plasma
O plasma para transfusão é preparado pela cen-
Rotina de transfusão sanguínea trifugação de sangue total anticoagulado de um único
doador, seguido pelo seu armazenamento em tempe-
€ Em reposições grandes, acrescentar RL 2 mL ratura de -18°C. Plasma congelado dentro de 8 h da
para cada 1 mL de sangue transfundido. Isso doação é denominado plasma fresco congelado. É o
reduz a ocorrência pós-operatória de compli- produto de escolha para tratamento de sangramento
cações pulmonares; secundário à deficiência de algum fator de coagulação
ainda não diagnosticado. O plasma congelado, após
€ Acrescentar gluconato de cálcio 10% e bicarbo- as primeiras 8 h da coleta, tem os fatores de coagu-
nato de sódio 2 mEq/kg nas transfusões maciças; lação V e VIII reduzidos em 15%.
€ Indica-se aquecimento do sangue quando a € Indicações de plasma fresco congelado: re-
transfusão é > 15 mL/kg/h, nas transfusões ma- constituição do concentrado de hemácias para
exsanguinotransfusão ou outra transfusão maci-
ciças e na exsanguinotransfusão; ça; deficiência de fatores de coagulação, quando
€ Sinais vitais (temperatura, pulso e pressão arte- fatores específicos não estão disponíveis; CIVD;
rial devem ser medidos antes de iniciar a trans- deficiência de vitamina K com coagulopatia,
com sangramento ou previamente à cirurgia;
fusão, e no final). Temperatura e pulso devem ser
reposição em deficiência congênita da antitrom-
medidos a cada 15 min. após o início da transfu- bina III, deficiência da proteína C ou proteína S,
são de sangue e derivados sanguíneos; quando fatores específicos não estão disponíveis.
€ Ritmo de infusão em lactentes: Cada unidade de PFC contém 250 mL. Em
adultos, a dose depende de cada situação clínica em
- concentrado de hemácias: 3 a 5 mL/kg/h; especial, do(s) fator(es) envolvido(s) e do volume a ser
- plasma fresco congelado: dentro de 30 min., se administrado. Em crianças, a dose de 20 mL/kg é a
preconizada na maioria dos casos. A periodicidade
o volume não exceder 5 a 10 mL/kg/h;
das aplicações depende do quadro clínico e da vida-
- plaquetas: até 10 mL/kg/h. -média do(s) fator(es)-alvo.

22 SJT Residência Médica - 2015


3 Hidratação parenteral

Transfusão de crioprecipitado cipitado deve ser repetida a cada 12 h, até passar


o risco pós-operatório de sangramento ou até
hemostasia adequada ser obtida;
€ O crioprecipitado contém, por bolsa (10 a 15 € Indicações: doença de von Willebrand, tipos II ou
mL), 100 a 250 mg de fibrinogênio, 80 a 120 III, com sangramento ou pré-operatório; hipofibri-
unidades de fator VIII, 30% de fator XIII e 40 a nogenemia ou disfibrinogenemia com sangramen-
to ou no pré-operatório; deficiência do fator XIII.
70% do fator de von Willebrand;
€ As deficiências do fator VIII são mais bem repos-
€ Dose: em geral uma bolsa para cada 10 kg/peso tas com concentrados modernos de fator VIII.
como dose inicial. Em cirurgias de grande porte € Dose: 10 a 15 mL/kg aumentam os fatores de co-
ou sangramento prolongado, a dose de criopre- agulação em 10 a 20%.

23
24
Capítulo

PROPEDÊUTICO
defeitos da parede
SICO
abdominal
eM
4 Defeitos da parede abdominal

Onfalocele Gastrosquise
Defeito de parede abdominal no sítio do anel Defeito de parede abdominal adjacente e lateral
a um cordão umbilical de inserção normal, quase
umbilical, recoberto por membrana avascular
sempre à direita, não recoberto por saco membrano-
translúcida, composta internamente pelo peritônio, so e acompanhado pelo prolapso de alças intestinais
geleia de Wharton e âmnios externamente, íntegra ou de intestino delgado e parte do grosso. O diâmetro
não, que permite a saída de conteúdo do abdome para do defeito varia de 2 a 4 cm. As vísceras prolapsa-
das costumam ser: intestino delgado (100%), intesti-
o exterior. O cordão umbilical encontra-se inserido no
no grosso (90%), estômago (50%), trompas e ovários
saco. O conteúdo, quase sempre, é formado pelo in- (15%), bexiga (4%), testículos (6%) e fígado (1%). Os
testino delgado e grosso, estômago e fígado (35%). órgãos eviscerados ficam revestidos por exsudato es-
Dez por cento pode apresentar ruptura do saco. A rup- pesso, edematosos, rígidos, encurtados e aglomerados.
tura pode ocorrer intraútero, durante e após o parto. Quando se tratam de alças intestinais, essas alterações
podem ser causadas pela prolongada exposição intraú-
tero ao líquido amniótico e/ou alterações isquêmicas do
intestino secundárias a sua compressão e de seu mesen-
tério nas margens do defeito da parede abdominal.

Figura 4.1 Onfalocele.

Figura 4.3 Gastrosquise.


Hérnia de cordão umbilical
Defeito no sítio do anel umbilical de pequeno
diâmetro (geralmente < 2,5 cm), recoberto por saco Epidemiologia
íntegro ou não, contendo uma ou duas alças de intes- € Onfalocele e gastrosquise apresentam prevalên-
tino delgado, ou divertículo de Meckel, ou ducto onfa- cia combinada de aproximadamente 1:2.000 a
3.000 nascidos vivos;
lomesentérico patente.
€ Prevalência de onfalocele: 1:5.000 a 6.000 nasci-
dos vivos;
€ Prevalência de gastrosquise: 1:10.000 nascidos vi-
vos e 7:10.000 nascidos vivos com mães < 20 anos;
€ Atualmente, muitos estudos têm mostrado que a
prevalência da gastrosquise está aumentando, já ul-
trapassando a da onfalocele, que se mantém igual;
€ Muitos fatores de risco materno têm sido identi-
ficados em associação à gastrosquise, como idade
materna abaixo de 20 anos, primípara, baixo nível
social, baixo nível escolar, abuso de drogas (tabaco,
álcool e cocaína) e outros teratógenos em potencial,
como aspirina, ibuprofeno, pseudoefedrina e aceta-
minofeno. Essas substâncias podem ter efeitos va-
Figura 4.2 Hérnia do cordão umbilical. soativos durante o desenvolvimento embrionário;

25
Clínica Cirúrgica | Pediatria

€ Predisposição sexual: gastrosquise, 1♂:1♀; on-


falocele, 1,5 a 2♂:1♀;
Classi昀椀cação das onfaloceles
€ Nas gastrosquises, 50 a 65% dos bebês são de acordo com o tamanho
prematuros e/ou pequenos para a idade gesta- do defeito
cional. O exato mecanismo fisiopatológico que
€ Onfalocele pequena: < 4 cm de diâmetro;
ocasiona a falha de crescimento não é claro. As
hipóteses baseiam-se na perda transmural de € Onfalocele grande: entre 4 e 8 cm. Pode conter
substâncias nutricionais do intestino, ou falha fígado no saco;
na absorção de nutrientes do líquido amniótico
€ Onfalocele gigante: > 8 cm. Quase sempre apresen-
deglutido no intestino funcionalmente obstruí-
do da gastrosquise. Nas onfaloceles, 10 a 15% ta fígado extracorpóreo de localização central. Pode
dos bebês são prematuros e/ou pequenos para ser chamada de hepatonfalocele (10% dos casos).
a idade gestacional; Outros autores classificam dessa forma:
€ Frequência de anomalias congênitas associadas € Onfalocele pequena: < 5 cm de diâmetro;
nas gastrosquises: 15% (3/4 são originadas no
intestino médio). As principais são: estenose in- € Onfalocele grande: > 5 cm;
testinal, atresia intestinal e perfuração intestinal. Onfalocele gigante: aquela > 5 cm contendo fí-
Todas consequentes à isquemia mesentérica cau- gado posicionado centralmente.
sada por um dos seguintes fenômenos:
- Interrupção do suprimento sanguíneo do intes-
tino exposto através de um defeito de parede muito
estreito (estrangulamento).
- Peso do intestino prolapsado com tração excessiva
de seu mesentério.
- Volvo intrauterino.
Outras anomalias associadas costumam ser ra-
ras, entre elas destacamos: criptorquidia, artrogripose A B
múltipla congênita (3 a 5% dos casos), divertículo de
Meckel, malformações cardíacas (4%), geralmente mais
simples do que nas onfaloceles, e as mais comuns são:
ducto arterial patente e defeitos septais do ventrículo.
€ Frequência de anomalias congênitas nas onfalo-
celes: mais de 50%. Podem ser divididas em: C

- Estruturais: cardiovasculares, 20% (as mais co- Figura 4.4 Classificação das onfaloceles em pequenas (A), grandes (B) e
muns são tetralogia de Fallot, 33%; defeitos septais, gigantes (C); essas últimas frequentemente associadas à presença de fígado.
principalmente atriais, ventrículo único e truncus
arteriosus), defeitos do tubo neural, divertículo de
Meckel, anomalias musculoesqueléticas.
- Associadas a anormalidades cromossômicas ou Classi昀椀cação das gastrosquises
síndromes específicas (15 a 20%): trissomias cromossô-
micas 13,15,18, 21 (12%), síndrome de Beckwith-Wiede-
de acordo com a variabilidade
mann (gigantismo, macroglossia, onfalocele, hiperplasia do aspecto intestinal
das células das ilhotas pancreáticas em 12%), celossomia
superior ou pentalogia de Cantrell (onfalocele epigástri- € Tipo I: alças intestinais pouco ou nada recobertas
ca, hérnia diafragmática anterior, fenda esternal, ecto- por membranas, pouco edematosas, não encurtadas;
pia do coração e defeitos cardíacos), celossomia inferior € Tipo II: alças intestinais recobertas por mem-
(pode incluir onfalocele inferior, extrofia de cloaca ou de branas, edematosas, mas ainda mantendo um
bexiga, anomalia anorretal, anomalias de vértebras sa-
bom comprimento;
cras, meningomielocele ou lipomeningocele).
€ Tipo III: alças intestinais recobertas por membra-
€ Onfalocele com fígado extracorpóreo costuma
apresentar mais anomalias congênitas estrutu- nas, edematosas, complicada pela presença de atre-
rais graves associadas, principalmente cardíacas. sia, estenose, volvo com necrose ou perfuração in-
Onfalocele menor, sem fígado extracorpóreo, testinal. Essas complicações podem ser simples ou
apresenta mais anomalias cromossômicas asso- múltiplas, assim como o intestino pode ser extre-
ciadas, síndromes e dismorfismo. mamente curto ou ter comprimento quase normal;

26 SJT Residência Médica - 2015


4 Defeitos da parede abdominal

€ Tipo IV: presença de atresia com formação de € Conduta nas onfaloceles: realizar ultrassonografia
pseudocisto gelatinoso e fibrinoso distal à atresia detalhada, ecocardiografia e análise do cariótipo.
e englobando a quase totalidade do intestino. Essa Orientar transferência in utero para centro terciário;
massa fibrinosa surge na tentativa de proteger-se
dos efeitos tóxicos do líquido amniótico após a € Diagnóstico de gastrosquise: presença de alças
30ª semana de vida intrauterina (diminui a osmo- intestinais fora da cavidade abdominal fetal flu-
lalidade e concentração de sódio, mas aumenta a tuando livremente no líquido amniótico, sem co-
concentração da ureia, creatinina e ácido úrico e, bertura membranosa, cordão umbilical distinto
principalmente, de mecônio); e separado, não fazendo parte do defeito. Diag-
Um novo tipo tem sido descrito: a gastrosquise nóstico diferencial deve ser feito com onfalocele
fechada, que se caracteriza por um defeito de pare- rota, extrofia de bexiga e extrofia de cloaca;
de abdominal cicatrizado, remanescentes intestinais € Conduta nas gastrosquises: realizar follow-up
paraumbilicais (muitas vezes mumificados) e, quase ultrassonográfico frequente. Se aparecer dilatação
sempre, perda por necrose do intestino médio (va- de alças (dilatação de alça de delgado > 11 mm
nishing gut). Seria causada por infarto do intestino em diâmetro) e/ou espessamento mural, pensar
médio eviscerado extra-abdominal (provavelmente na possibilidade de ocorrência de complicações
por volvo). O intestino sofreria reabsorção e, sem a intraútero; então, parto cesáreo após maturidade
presença de intestino viável para manter o defeito pa- pulmonar. Nos casos sem complicações, orientar
tente, o anel do defeito da parede abdominal fecharia, transferência in utero para centro terciário. Atu-
enquanto os remanescentes intestinais sofreriam rea- almente, trabalhos têm mostrado que o apareci
bsorção ou mumificação. mento pré-natal de dilatação intestinal deve ser
considerado como fator de risco para obstrução
intestinal pós-natal e maior tempo necessário
para iniciar a via oral. O parto prematuro parece
não melhorar os resultados nessa população de
pacientes. Portanto, a conduta continua contro-
versa. Também têm sido sugeridas infusão amnió-
tica, ou troca de líquido amniótico como técnicas
terapêuticas para melhorar a histologia intestinal,
A B reduzir o tempo necessário para atingir a dieta
completa e reduzir o tempo de hospitalização.
A infusão amniótica consiste na injeção de soro
fisiológico morno (37°C) e pode ser indicada na
gastrosquise associada a oligoidrâmnios. A troca
de líquido amniótico consiste na sua substituição,
volume por volume, com soro fisiológico morno.
Tem sido proposta para diminuir os efeitos adver-
D
sos do líquido amniótico sobre a parede intestinal.
A realização de cesárea está paltada nas seguintes
indicações: obstétricas, onfalocele com fígado extra-
C
corpóreo e gastroquise com complicações.
Figura 4.5 Tipos de gastrosquise. A: tipo I – com alças pouco alte-
radas; B: tipo II – com alças edematosas, com membranas, mas ainda
mantendo uma boa extensão de intestino; C: tipo III – aquelas associa-
das a complicações como atresia, estenose, volvo e perfuração e que,
em geral, apresentam intestino encurtado; D: tipo IV – gastrosquise
Tratamento cirúrgico clássico
com pseudocisto fibrinoso distal e alguma área com atresia. O intestino
encontra-se bastante encurtado.
da gastrosquise
Como o bebê nasce eviscerado, torna-se nítido o
risco de morte diante da demora no tratamento. A expo-
sição de grandes superfícies intestinais inflamadas leva
à perda de líquidos e de calor, com o potencial de choque
Diagnóstico hipovolêmico, hipotermia e sepse. A conduta inicial con-
siste em manter o recém-nascido aquecido e o conteúdo
Ultrassonografia pré-natal e conduta abdominal exteriorizado deve ser manuseado e protegi-
€ Diagnóstico de onfalocele: massa arredondada de do com compressas estéreis, molhadas em soro morno.
linha média ventral, recoberta por membrana e com Monitorar níveis de glicose. Empregar descompressão
vasos umbilicais inserindo-se na massa. Pode ser vi- gástrica para evitar distensão do trato gastrointestinal
sualizada a presença de fígado. Procurar anomalias e aspiração pulmonar. Obter acesso vascular. Realizar
do coração e do sistema nervoso central (SNC); sondagem vesical para controle rigoroso da diurese e

27
Clínica Cirúrgica | Pediatria

orientar a reposição hídrica. Iniciar antibiótico de am- de bolsa plástica de cloreto de polivinil usada nas
plo espectro (ampicilina, gentamicina e metronidazol). transfusões de sangue e hemoderivados. A bol-
Na gastrosquise, os bebês têm grande perda de fluidos sa é estéril, impermeável a micro-organismos,
por evaporação e para terceiro espaço, necessitando de transparente, flexível, resistente, econômica e
reposição hídrica 2 a 3 vezes maior para manter o volume lisa internamente, não aderindo às alças intesti-
intravascular. Iniciar nutrição parenteral no pré ou no nais. No pós-operatório, o conteúdo do silo deve
pós-operatório imediato, uma vez que a previsão de re- ser reduzido diariamente ou a cada dois dias até
torno do trânsito intestinal é demorada. Solicitar exames redução completa. O silo é fixado e suspenso à
pré-operatórios. Encaminhar ao bloco cirúrgico somente incubadora, evitando a angulação dele (tensão
após estabilização do recém-nascido. sobre a sutura e/ou compressão da cavidade to-
rácica). Além disso, a suspensão do silo diminui
A conduta cirúrgica ideal é o fechamento primá- o edema das vísceras e mesentério. O fechamen-
rio da gastrosquise. Entretanto, a tendência cirúrgica to fascial deve ser realizado 24 h após a redução
é não fechar a parede abdominal em um tempo único completa do conteúdo do silo. Todos os silos
se o defeito for grande e causar aumento da pressão devem ser reduzidos e removidos em dez dias.
intra-abdominal. Na tentativa de fechamento total do Após esse período, apresentam risco aumentado
defeito, pode-se aumentar muito a pressão abdominal de deiscência com separação da parede e de sep-
(síndrome compartimental), levando à redução do dé- se. Se a criança ainda não apresentar condições
bito cardíaco pela queda do retorno venoso, dificuldade clínicas para o fechamento fascial, sugerimos a
respiratória pela elevação das cúpulas diafragmáticas, retirada do silo e o preenchimento do defeito
isquemia intestinal, insuficiência renal aguda e dimi- com curativo plástico transparente (Tegaderm®)
nuição da perfusão dos membros inferiores. sobre a recém-formada pseudomembrana. Após
€ A técnica de fechamento do defeito é decidida melhora das condições clínicas, deve ser realiza-
dependendo dos seguintes parâmetros: condição do o fechamento da parede abdominal;
do intestino, se há complicação associada, com- € Gastrosquise tipo III:
placência pulmonar informada pelo anestesista,
- Enterostomia inicial: nos casos de intestino com
estado da perfusão periférica, estado clínico da
criança (presença de choque ou acidose), au- gangrena por volvo ou perfuração isquêmica, dilatação
mento de 4 mm da pressão venosa central (PVC) ou edema maciço da alça proximal, viabilidade duvidosa
(se estiver sendo medida), diferença de saturação da alça a anastomosar, múltiplas complicações intesti-
da hemoglobina medida por sensores colocados nais, intestinos muito edematosos e se definições ana-
nos membros superiores e inferiores, medida da tômicas não permitirem anastomose segura.
pressão intra-abdominal (pressão intragástrica - Enteroanastomose primária ou enteroanasto-
e/ou intravesical, que parece ser mais fidedig- mose retardada (entre três e seis semanas após a ope-
na, não deve ultrapassar 20 cmH2O). O cateter
ração) nos outros casos. O grau de espessamento das
de Foley ou sonda nasogástrica deve ser aspira-
alças pode ser definido pela ultrassonografia.
do antes da medida, sendo, a seguir, preenchido
com 2 mL de soro fisiológico. A pressão é medi- - Gastrosquise com atresia de cólon: geralmente
da pelo sistema de PVC; o diagnóstico é mais óbvio. Indicada colostomia inicial
€ O cordão umbilical deve ser sempre preservado; pela desproporção de calibre.
€ Gastrosquise tipo I: sem descoloração das alças Gastrosquise tipo IV: repor massa fibrinosa na
na redução e sem diminuição da complacência cavidade abdominal. Proibida a tentativa de dissecá-la
pulmonar: fechamento primário; pelo risco de lesar porções extensas de intestino. Fecha-
€ Gastrosquise tipo I: em pacientes chocados, po- mento primário ou com silo.
de-se confeccionar pequena hérnia ventral com
flap de pele de apenas l cm e fasciotomia cranial,
evitando o fechamento primário (risco de au-
mento excessivo da pressão intra-abdominal),
ou confecção de silo. Posteriormente é realizada
correção dessa pequena hérnia;
€ Gastrosquise tipo II: ou tipo I com alterações
hemodinâmicas na redução: fechamento com
silo de silicone reforçado (ideal: folha externa de
Dracon e interna de Silastic®). A tela é suturada
na borda da aponeurose, confeccionando um
silo em forma de cilindro (a base deve ter o mes-
mo diâmetro do ápice). Tem sido sugerida, como
excelente alternativa, a criação de silo com o uso Figura 4.6 Colocação do silo em gastrosquise.

28 SJT Residência Médica - 2015


4 Defeitos da parede abdominal

Tela de silicone

Pele

Músculo
reto

Figura 4.8 Técnica de Schuster, em que a pele é liberada do saco amniótico


e da fáscia medial do músculo reto abdominal adjacente. O saco amniótico é
mantido intacto e a tela é suturada nas bordas do músculo reto do abdome.
Figura 4.7 Gastrosquise: cicatriz conservando o cordão umbilical.

Tratamento das Onfaloceles Pós-operatório


€ Onfalocele com ruptura do saco: quando possí- - Suspeitar de complicação devido ao fe-
vel, o saco amniótico deve ser suturado e a onfalo- chamento primário quando surgir: anúria,
cele transformada em íntegra. Após, adotar con oligúria (urina < 0,5 mL/kg/h), trombocitopenia
duta de acordo com as situações descritas a seguir; (plaquetas < 50.000), colapso cardiovascular (re-
enchimento capilar pobre, extremidades frias), ou
€ Onfaloceles pequenas: fechamento fascial pri- necessidade de suporte inotrópico. O rendimento
mário com ou sem retirada do saco. O fígado é cardíaco diminui pelo aumento da pós-carga impos-
delicadamente reintroduzido debaixo do rebor- ta ao ventrículo esquerdo pelo aumento da pressão
do costal. Refazer umbigo com sutura subcuti intra-abdominal, redistribuindo o fluxo sanguíneo
cular em bolsa; para longe do abdome e também porque a pressão
intra-abdominal elevada causa diminuição do re-
€ Onfaloceles grandes e gigantes: torno venoso das extremidades inferiores. Conse-
- Técnica preconizada por Schuster, mantendo o quentemente, a pressão intra-abdominal elevada
saco intacto. A junção onfalocele-pele é incisada deixan- também diminui a circulação sanguínea renal e me-
do 1 a 2 mm de pele junto ao saco da onfalocele, mate- sentérica. Pesquisar fluxo femoral com sonar (Dop-
pler) ou ecografia com Doppler (ecodoppler).
rial protético é suturado nas margens mediais do mús-
culo reto, podendo ou não recobrir a tela com pele. Essa - Antes de cada redução do silo, realizada na
tela vai sendo reduzida diariamente até redução com- UTI neonatal, certificar-se se a prótese está frouxa,
se o abdome está sem tensão e se o estado cardior-
pleta. Posteriormente, o material protético é removido,
respiratório é estável.
a fáscia muscular e a pele são aproximadas (figura 4.8).
- Iniciar via oral (VO) somente quando as funções
- Técnicas com base na inversão do âmnio (téc- gastrointestinais estiverem recuperadas (pouca drena-
nicas de Lorimier e de Yokomori). O silo de Silastic é gem clara pela SNG, início das evacuações, ausência de
suturado diretamente na pele, perto da junção pele- distensão abdominal).
-âmnio. Membrana da onfalocele é deixada intacta. O - Manter nutrição parenteral total (NPT) até tolerar
silo e o saco da onfalocele são reduzidos diariamente dieta enteral.
ou de dois em dois dias, invertendo vísceras e mem- - Complicações pós-operatórias da gastros-
brana para dentro da cavidade abdominal. Após a re- quise: íleo prolongado por disfunção intestinal, sep-
dução completa, sob anestesia geral, o silo é removido se, infarto intestinal (por compressão), enterocolite
e são aproximadas as margens fasciais e da pele. necrosante (ECN), fístula enterocutânea, bridas pós-
-operatórias (por até 30 dias), refluxo gastroesofágico
- Nas onfaloceles associadas a anormalidades
(até 40%). Algumas poucas crianças podem mostrar
cromossômicas graves, ou estruturais inoperáveis ou distúrbios prolongados de dismotilidade intestinal
múltiplas, é indicado o tratamento com substâncias es- após a correção cirúrgica. Acredita-se que essa dis-
carificantes: álcool 70° (melhor escolha, pois não é ab- motilidade é causada pela diferenciação retardada das
sorvido), nitrato de prata 0,25%, sulfadiazina de prata. células intersticiais de Cajal. As células de Cajal regu-

29
Clínica Cirúrgica | Pediatria

lam a atividade da musculatura lisa intestinal. Sua Diferenças do exame físico entre
imaturidade pode causar uma falha no processo de onfalocele e gastrosquise
despolarização e repolarização espontânea das células Onfalocele Gastrosquise
musculares lisas, ocasionando um padrão muito lento Localização do Anel umbilical Paraumbilical
ou anormal de ondas peristálticas. defeito direito
- Em onfalocele, além de ecocardiografia e carió- Defeito na parede Variável (4 a 10 cm) Pequeno (< 4 cm)
tipo, é necessária a investigação de anomalias renais e Saco Presente Ausente
neurológicas, uma vez que as complicações estão mais Cordão umbilical Incluído no defeito Lateral ao defeito
relacionadas aos defeitos associados.
Intestino Aspecto normal Edemaciado, pre-
sença de casca in-
flamatória
Fígado Pode estar presente Ausente
Prognóstico Rotação intesti- Presente Presente
nal incompleta
€ Sobrevida em gastrosquise: 85 a 90%. Causas Cavidade Pequena Pequena ou normal
principais de mortalidade estão relacionadas ao abdominal
fechamento primário sob tensão, prematuridade Comuns (40-80%) Raras
Anomalias
e presença de malformações associadas;
associadas
€ Sobrevida em onfalocele: 70 a 75%. Mortalida- Infarto intestinal Raro Frequente
de baseia-se principalmente em anomalias con-
Atresia intestinal Rara Frequente
gênitas associadas e insuficiência respiratória nas
onfaloceles gigantes. Tabela 4.1

30 SJT Residência Médica - 2015


25
Capítulo

RO U CO
obstrução duodenal
BÁSICO eM
Clínica Cirúrgica | Pediatria

Introdução Nesse mesmo período do desenvolvimento em-


brionário ocorre a rotação intestinal, de forma que
o ceco roda 270° coalescendo-se definitivamente na
As condições anatômicas que mais frequen-
fossa ilíaca direita. Na rotação incompleta o ceco
temente determinam obstrução duodenal são
assume uma posição sub-hepática e fixa-se sobre o
atresia duodenal, membrana duodenal, pâncreas
duodeno através de uma banda mesenterial deno-
anular e vício de rotação. As duas primeiras repre-
minada brida de Ladd.
sentam obstruções intrínsecas do duodeno, enquanto
as duas últimas correspondem à obstrução extrínseca.

A
Fisiopatologia
B
A obstrução duodenal, total ou parcial, promove
um aumento da pressão intraluminar do duodeno que
se apresenta dilatado e com parede espessada.

C
Na atresia existe a interrupção total da luz do
duodeno. No pâncreas anular, observa-se tecido pan-
creático envolvendo o duodeno, levando na maioria
D das vezes a estenose e obstrução. Já no vício de rota-
ção, o ceco assume uma posição mais alta na cavidade
abdominal e a sua coalescência na parede posterior se
E
dá sobre o duodeno, causando a obstrução.

F
Quadro clínico
Vômitos biliosos desde o nascimento são o sinto-
ma mais comum, uma vez que na maioria das vezes a obs-
trução localiza-se distalmente à papila duodenal. Pode-se
observar distensão do epigástrio precedendo ao vômito. É
frequente a associação da obstrução duodenal por pâncre-
as anular e por atresia com a síndrome de Down.
Figura 5.1 Causas mais comuns de obstrução duodenal: A: atre-
sia sem perda de continuidade do duodeno; B: atresia com segmento do
duodeno substituído por cordão fibroso sem luz; C: atresia com falta de
segmento duodenal; D: membrana duodenal intraluminar; E: pâncreas
anular; F: brida de Ladd.
Diagnóstico
Pode ser feito no período pré-natal quando à ul-
trassonografia identifica-se o duodeno muito dilatado
e o restante das alças intestinais de pequeno calibre.
Embriologia O exame radiológico pós-natal revela o clássico
sinal da “dupla bolha” (figura 5.2). Esse sinal permite
Durante o 2° mês de vida intrauterina há um fazer o diagnóstico de obstrução duodenal, porém não re-
crescimento muito intenso do epitélio duodenal tor- vela qual a condição anatômica que a está determinando.
nando-o sólido (sem luz). Por volta da 8ª à 10ª se-
mana de vida embrionária ocorre vacuolização in-
testinal restabelecendo sua luz. Segundo Tandler,
a falha na coalescência desses vacúolos seria a res-
ponsável pelas atresias e pela formação de mem- Tratamento
branas duodenais intraluminares.
Nessa mesma época, o pâncreas começa a se formar O tratamento consiste inicialmente na colocação
através de dois brotos, um ventral e outro dorsal. Duran- de sonda nasogástrica e correção do distúrbio hidroe-
te a 5ª semana de vida embrionária o broto ventral migra letrolítico e metabólico que acompanha as obstruções
posteriormente ao redor do duodeno para encontrar-se e digestivas altas.
fundir-se com o broto dorsal. A falha na migração com- Na atresia duodenal a reconstrução do trânsi-
pleta do broto ventral forma uma estrutura pancreática to é realizada através de anastomose duodenoduo-
anelar que envolve e obstrui o duodeno. denal laterolateral do tipo diamond shape. Faz-se

32 SJT Residência Médica - 2015


5 Obstrução duodenal

uma incisão transversal no duodeno proximal e lon-


gitudinal no duodeno distal. As bocas são suturadas
em cruz, dando um aspecto final semelhante a um
diamante multifacetado.
Essa modalidade de anastomose tem sido muito
utilizada, pois possibilita uma grande boca anasto-
mótica com funcionamento mais precoce. A anas-
tomose duodenojejunal transmesocólica pode ser
uma alternativa quando o duodeno distal for de
difícil acesso.
A membrana duodenal é tratada por duode-
notomia longitudinal, ressecção da membrana e
fechamento da duodenotomia no sentido trans-
versal. Deve-se ter cuidado especial na ressecção
da membrana em razão de sua proximidade com a
papila duodenal.
Na obstrução duodenal por pâncreas anular
o trânsito duodenal é desviado através de anastomo-
se duodenoduodenal pré e pós-obstrução. O teci-
do pancreático não deve jamais ser abordado sob
o risco de fistulas, sangramentos e lesões das vias
biliar e pancreática.
O tratamento cirúrgico do vício de rotação com
obstrução duodenal é bem mais simples. A brida de
Ladd, causadora da obstrução, deve ser seccionada
posicionando-se o intestino delgado à direita e o
cólon à esquerda do paciente.

Figura 5.3 Atresia duodenal. A: radiografia simples revela distensão


gástrica e duodenal, bem como ausência de gás no restante do trato
gastrintestinal (sinal da dupla bolha) (setas). B: dois níveis hidroaéreos
adjacentes são vistos quando em ortostatismo (setas).

Figura 5.2 Raio X simples de abdome mostrando sinal da dupla bolha


em paciente com obstrução duodenal. Figura 5.4 Ecografia do 3º trimestre: sinal da “dupla bolha”.

33
26
Capítulo

O U CO
atresia de duodeno
BÁSICO eM
6 Atresia de duodeno

Definição ristalse. O local de origem dessa membrana pode estar


muitos centímetros proximais ao nível da obstrução.
Atresia corresponde à obstrução completa do € Tipo II (2%): fundos cegos são conectados por
lúmen duodenal quase sempre no nível da ampola curto cordão fibroso e têm mesentério intacto.
de Vater. Estenose: obstrução parcial geralmente no € Tipo III (12%): não há cordão fibroso conectando
nível da ampola de Vater, com pequeno orifício comu- os cotos, que são separados por alguma distância. O
nicando os dois segmentos comprometidos. mesentério está ausente em defeito com forma de V.

Epidemiologia Quadro clínico


€ Prevalência: 1:5.000 a 10.000 nascidos vivos; € Vômitos biliosos nas primeiras 24 h em atre-
€ Leve predisposição ao sexo feminino; sias e entre 24 e 48 h, em estenoses, com resí-
€ Aproximadamente 50% pesam menos do que duo gástrico: > 30 mL;
2.500 g (prematuros e/ou pequenos para a idade € Distensão do epigástrio e restante do abdome
gestacional - PIG) e, destes, 20% pesam menos escavado;
do que 2.000 g;
€ Presença de icterícia: 50%. Normalmente, os
€ Em 80% dos casos a atresia é distal à ampola de recém-nascidos, principalmente prematuros ou
Vater e em 20% proximal; pequenos para a idade gestacional, apresentam
€ Aproximadamente 50% possuem anomalias icterícia por hiperbilirrubinemia indireta. Isso
congênitas associadas (veja a seguir); se deve ao aumento da produção de bilirrubi-
€ Pâncreas anular é encontrado associado à atresia na, meia-vida mais curta dos eritrócitos, maior
duodenal com cotos separados em 20 a 30% dos formação de bilirrubinas de origem não hemo-
casos, embora não seja considerado causa pri- globínica do heme, diminuição da concentração
mária de obstrução. da albumina sérica resultando em menor capa-
cidade de ligação e maior ciclo enteroepático. O
mecônio do recém-nascido contém bilirrubina
e betaglicuronidase, uma enzima que hidrolisa
a bilirrubina conjugada à forma não conjugada.
Anomalias congênitas Pode ser reabsorvida e voltar ao fígado pelo ciclo
enteroepático, que costuma estar aumentado nos
associadas recém-nascidos. Em obstruções intestinais con-
gênitas, principalmente do duodeno, a alimenta-
€ Trissomia 21: 25 a 30%; ção retardada e a motilidade intestinal diminuída
€ Gastrointestinais: 30% (atresia de esôfago 7%; favorecem maior atividade da betaglicuronidase.
má rotação intestinal 20%; anomalia anorretal € Poli-hidrâmnio: 50 a 60%, em atresias e 10 a
3%; atresia jejunoileal e divertículo de Meckel); 15%, em estenoses;
€ Cardiovasculares: 20%; € Constipação ou eliminação de mecônio anormal;
€ Genitourinárias: 8%. Prematuridade ou PIG: 45 a 50%.

Classi昀椀cação
Estenose e atresia de duodeno estão limitadas,
quase totalmente, à primeira e segunda porções duo-
A B C
denais. Pâncreas anular pode estar associado e quase
sempre não é causa da obstrução.
€ Tipo I (86%): são constituídas por um diafrag-
ma ou membrana formada por mucosa e submu-
cosa. São divididas em: D E
– Membrana completa.
– Membrana com pequeno orifício central. Figura 6.1 Representação esquemática dos tipos anatômicos mais
frequentes de atresias e estenoses duodenais. A: atresia membranosa.
– Membrana do tipo “biruta” (windsock). Esse tipo B: membrana perfurada. C: membrana tipo “biruta”. D: atresia com
de membrana alongada surge por influência direta da pe- cotos conectados por cordão fibroso. E: atresia com cotos separados.

35
Clínica Cirúrgica | Pediatria

Atenção: enquanto a atresia duodenal é uma si- 20% das crianças com atresia de duodeno podem ter
tuação diagnosticada nos primeiros dias de vida, a es- o diagnóstico sugerido por ultrassonografia pré-natal.
tenose duodenal pode ter quadro clínico muito menos Sinais ultrassonográficos:
aparente, com icterícia neonatal prolongada e déficit € Poli-hidrâmnio (a quantidade de fluido amnió-
no crescimento. Os vômitos biliosos estão usualmen- tico deglutido excede a capacidade absortiva do
te presentes desde o nascimento. Como a obstrução é estômago e duodeno proximal);
somente parcial, há eliminação de mecônio e “fezes de
transição”. A radiografia do abdome e mesmo o estudo
€ Sinal da dupla bolha (estômago e duodeno pre-
contrastado do esôfago, estômago e duodeno são usu- enchidos com líquido).
almente inconclusivos e a endoscopia digestiva alta é
necessária para confirmar o diagnóstico.

Abordagem diagnóstica
€ História e exame físico;
€ Radiografia de abdome;
- Atresias: visualização de dupla bolha (estômago
e bulbo duodenal);
- Estenoses: dilatação do estômago, duodeno
proximal e pouco gás visível abaixo da obstrução; Figura 6.3 Ultrassonografia fetal: sinal da dupla bolha.

Trânsito intestinal e/ou enema opaco: para


afastar má rotação intestinal, que deve ser conside-
rada emergência.
Tratamento

Avaliação e cuidados
pré-operatórios
€ Reequilíbrio hidroeletrolítico e sonda nasogás-
trica n° 8-10;
€ Solicitar hemograma com plaquetas, prova de coa-
gulação, glicose, bilirrubinas, ureia, creatinina, ele-
trólitos, cálcio, gasometria arterial e ecocardiografia.

Cirurgia
€ Acesso: laparotomia transversa supraumbilical
direita;

Figura 6.2 Radiografia simples de abdome mostrando o sinal da du-


€ Liberação do ângulo hepático do cólon e mano-
pla bolha. A bolha esquerda corresponde ao estômago (E) e a direita, ao bra de Kocher;
duodeno obstruído (D). € Tratar bandas de Ladd ou outra forma de má ro-
tação se houver;
€ Observar aspecto da vesícula biliar (associação
com atresia de vias biliares é de 1 a 2%);
Ultrassonogra昀椀a pré-natal € Certificar-se de que não existe veia porta pré-
-duodenal (4% dos casos);
Detecção pré-natal de atresia duodenal é uma € A observação de continuidade preservada na pa-
indicação de análise cromossômica pré-natal pela alta rede do duodeno faz o diagnóstico de membra
associação com a síndrome de Down. Cerca de 15 a na. Colocar sonda de Foley por gastrotomia ou

36 SJT Residência Médica - 2015


6 Atresia de duodeno

solicitar ao anestesista que introduza a sonda na- tomose inicia-se aproximando as extremidades da
sogástrica até o duodeno, guiada pelo cirurgião. incisão proximal à porção média da incisão distal.
Essa manobra pode diagnosticar membrana do É a técnica mais utilizada atualmente;
tipo “biruta” ao distendê-la e provocar indenta- € Duodenoplastia redutora pode ser indicada pri
ção proximal, definindo o ponto de sua inserção;
mariamente durante o primeiro ato operatório,
€ A permeabilidade do restante do duodeno e do ou no pós-operatório tardio complicado por vô-
jejunoíleo é comprovada pela injeção intralumi- mitos recorrentes, com radiografia demonstran-
nal de ar ou soro fisiológico. A coexistência de do duodeno extremamente dilatado (megaduo
uma segunda membrana duodenal é de 1 a 3%. deno) e atônico. Pouco usada;
€ Gastrostomia: pouco usada atualmente.

Tratamento da membrana
€ Duodenotomia longitudinal sobre a inserção da
membrana;
€ Identificar a localização da ampola de Vater em
relação à membrana. Comprimir a vesícula biliar
para observar a saída de bile pela ampola. Usar
magnificação óptica. Havendo orifício na mem-
brana, a ampola quase sempre estará localizada A

na sua margem posteromedial;


€ Ressecar porções anteriores e laterais da mem-
brana em forma de V (membranectomia parcial
em forma de V). Deixar porção medial intacta;
€ Realizar sutura fina contínua bem próxima das
margens ressecadas para controlar sangramento,
se necessário. Nunca usar cautério para isso;
€ Fechamento duodenal no sentido transversal;
€ No caso de diafragma ou membrana duodenal, B
também pode ser feita duodenoplastia do tipo
Heinecke-Mikulicz, sem ressecção da membrana.
Também é possível a ressecção da membrana por
via endoscópica, por operadores experientes (ris- Figura 6.4 A: anastomose de Kimura em forma de diamante. A
cos: perfuração duodenal, lesão da papila de Vater). extremidade proximal da incisão longitudinal (distal) deve ser aproxima-
da ao ponto médio da borda inferior da incisão transversa (proximal). Os
pontos médios da incisão longitudinal devem ser aproximados às extre-
midades da incisão proximal transversa. B: anastomose simples.

Tratamento da atresia sem


continuidade ou pâncreas
anular associado Pós-operatório
€ Duodenojejunostomia laterolateral: pouco utili-
zada atualmente; € A maioria pode ser alimentada em sete a dez dias
€ Duodenoduodenostomia laterolateral; usando-se a técnica de Kimura. Porém, têm sido
observadas até três semanas de obstrução funcional.
€ Duodenoduodenostomia laterolateral em forma
de diamante (Diamond-shape), conforme descri- € A realimentação, em geral, pode ser iniciada
ção de Kimura: incisão transversa no coto proximal quando a drenagem da SNG tornar-se clara e <
do duodeno e longitudinal no coto distal. A anas- 30 a 35 mL/dia.

37
27
Capítulo

RO U CO
má rotação intestinal
BÁSICO eM
7 Má rotação intestinal

Introdução Má rotação tipo I ou rotação


É a rotação incompleta ou anormal do trato gas-
incompleta
trointestinal e seu mesentério em torno da artéria A parada de rotação acontece próxima à ro-
mesentérica superior. É uma das poucas doenças ne- tação de 180°, sem atingir a de 270º. A alça duode-
onatais que pode se apresentar sob a forma de emer- nojejunal fica na linha média abaixo da artéria mesen-
gência cirúrgica (no caso de volvo). térica superior (plano sagital) e a alça cecocólica fica
situada também na linha média, na frente da artéria
mesentérica superior (plano sagital). O volvo é uma
complicação comum.
Epidemiologia Bandas peritoneais, estendendo-se do cólon direito
à goteira peritoneal superior direita (abaixo do fígado) e
€ Prevalência: 1:500 nascidos vivos tem anomalia
de rotação e fixação; passando sobre o duodeno, formam as bandas de Ladd.
€ Prevalência nos casos sintomáticos: 1:6.000 nas-
cidos vivos;
€ Levemente mais frequente no sexo masculino. Má rotação tipo II ou rotação
- Frequentemente associada a anomalias congênitas
da parede abdominal e diafragma (onfalocele, gastrosqui-
mista e reversa
se, síndrome de Prune-Belly e hérnia diafragmática). São menos comuns e um grupo muito variado de
- Outras anomalias associadas em 30 a 60%, anomalias de rotação. A mais corrente é a não rotação
principalmente atresias e estenoses intestinais (duo- da alça duodenojejunal seguida pela rotação normal
deno e jejuno alto), doença de Hirschsprung, invagi- e fixação da alca cecocólica. A junção duodenojejunal
nação intestinal, refluxo gastroesofágico, volvo gástri- e alça cecólica ficam separadas satisfatoriamente e o
co, divertículo de Meckel, veia porta pré-duodenal e risco de volvo é baixo.
anomalias dos canais biliares extra-hepáticos.
A rotação reversa é rara e pode causar volvo. Im-
- Presença de má rotação associada em 30% das plica em algum grau de rotação na direção horária em
atresias e estenoses duodenais.
torno da artéria mesentérica superior. Rotação rever-
- Síndrome de Prune-Belly: A Síndrome de Prune sa da alça duodenojejunal resulta em duodeno ante-
Belly é também conhecida como síndrome de Eagle-Bar- rior à artéria mesentérica superior. A alça cecocólica
ret, ou ainda Síndrome do Abdome em Ameixa Seca.
pode sofrer rotação inversa ou rotar normalmente.
É caracterizada por uma tríade de anormalidades
congênitas que consiste em:
€ Ausência ou deficiência da musculatura abdominal;
€ O não desenvolvimento dos testículos - condição
vista em recém-nascidos onde um ou dois deles
Apresentação clínica
não ultrapassam o saco escrotal; € Obstrução intestinal (duodeno) aguda por ban-
€ Uma anormal expansão da bexiga e problemas das de Ladd;
no trato urinário superior, que pode incluir a be-
€ Obstrução intestinal (duodeno) crônica por
xiga, ureteres e rins.
bandas de Ladd;
€ Volvo de intestino médio;
€ Volvo intermitente de intestino médio.
Classi昀椀cação
Volvo agudo do intestino médio
Tipo não rotação
Atinge todo o segmento intestinal suplementa-
Nesse caso, a alça proximal gira somente 90° de do pela artéria mesentérica superior (do ligamento de
um total de 270° de rotação normal, ficando a junção
Treitz à porção média do cólon transverso).
duodenojejunal à direita da coluna vertebral, enquan-
to a alça distal (alça cecocólica) também deixa de rotar € Trinta por cento dos volvos ocorrem na pri-
90° da rotação normal, ficando o cólon ascendente à meira semana de vida; 75% por cento no pri
esquerda com ceco próximo à linha média. Essa con- meiro mês e, 90%, no primeiro ano. Início
figuração é encontrada nos defeitos da parede abdo- abrupto de vômitos biliosos e eliminação de
minal e hérnia diafragmática. É o tipo mais comum. mecônio (todos os pacientes);

39
Clínica Cirúrgica | Pediatria

€ Dor abdominal (em criança maior) e choro persis- - Quadro radiológico simulando obstrução intesti-
tente no lactente. Sensibilidade abdominal varia de nal baixa (principalmente se acompanhado por disten-
acordo com o grau de comprometimento vascular; são abdominal): pensar na possibilidade de volvo de in-
€ Distensão abdominal, principalmente quando sur- testino médio já com gangrena intestinal. Na obstrução
ge gangrena intestinal e massa abdominal palpável; em alça fechada (volvo de má rotação), o ar costuma ser
reabsorvido quando a drenagem linfática ainda está in-
€ Mau estado geral, desequilíbrio hidroeletrolítico, tacta. Essa reabsorção de ar cessa quando o volvo é bas-
toxemia, hipovolemia e choque. tante apertado, obstruindo também o fluxo linfático.
€ Radiografia contrastada do tubo digestivo
superior (estômago, duodeno e jejuno proxi-
mal). Mais efetiva do que o enema opaco. Se
Volvo crônico de intestino médio existirem dúvidas diagnósticas, deve-se aguar-
O volvo pode ser intermitente ou parcial e resul- dar a passagem do contraste e seguir o exame
ta em obstrução linfática e venosa e em aumento dos até o bário chegar ao ceco.
linfonodos mesentéricos.
€ Dor abdominal intermitente; Características:
€ Vômitos biliosos ou não biliosos intermitentes; – Posição anormal do ligamento de Treitz situan-
do-se na linha média ou à direita da coluna vertebral;
€ Constipação ou diarreia crônica;
– Jejuno proximal localizado no abdome direito;
€ Falha de crescimento;
– Aparência do duodeno adquirindo a forma de
€ Abordagem diagnóstica; bico de pássaro ou cone no nível da segunda ou tercei-
€ Pode surgir má nutrição proteica. A absorção e ra porções, principalmente (volvo estrangulante);
o transporte podem ser impedidos pela estase – Aparência de espiral ou saca-rolha, com a colu-
linfática e venosa. na de bário estendendo-se para dentro do jejuno (vol-
vo não totalmente estrangulante). A projeção oblíqua
pode mostrar essa imagem projetando-se para a fren-
te, afastando-se da parede abdominal posterior;
Obstrução duodenal aguda por – Em atresia duodenal, a obstrução é mais proximal
e o contorno é liso, sem o aspecto espiralado ou de bico.
bandas de Ladd
Causada por compressão da terceira porção do
duodeno por bandas peritoneais. A obstrução intesti- Enema opaco
nal costuma ser incompleta.
€ Vômitos biliosos;
Características:
€ Distensão do andar superior do abdome;.
- Localização anormal do ceco. Ceco subepático
€ Pode ter eliminado mecônio normalmente; (alto) é encontrado em aproximadamente 6 a 7% da
€ Icterícia frequente. população em geral, podendo ser móvel em cerca de
35% dos lactentes. Ceco normalmente situado pode
ser encontrado em 5 a 20% dos casos de má rotação.
Obstrução do transverso causada por volvo produzin-
do imagens de obstrução completa ou incompleta.
Abordagem diagnóstica Deslocamento medial e superior do ceco. Simples
posicionamento medial do ceco não é indicativo de volvo.
€ Radiografia de abdome: pode demonstrar ne-
Deve estar deslocado para cima. O grau de deslo-
nhuma anormalidade (20%), obstrução duode- camento do ceco vai depender do número de torções.
nal completa (muito rara), obstrução duodenal
parcial (muito mais comum), obstrução intesti- Quanto maior o número de voltas, mais alto e
nal baixa (volvo com gangrena). mais deslocado o ceco.
€ Ultrassonografia: busca a visualização e localização
- Sinal da dupla bolha com pouco gás intesti-
da veia mesentérica superior, que normalmente se
nal distal (escassas pequenas bolhas distais). Deve situa à direita da artéria e é encontrada à esquerda
ser feito diagnóstico diferencial urgente entre esteno- ou anterior, em casos de má rotação. Em torno de
se duodenal intrínseca e má rotação intestinal. Indica- 30% dos pacientes com má rotação podem apre-
da radiografia contrastada do tubo digestivo superior. sentar posição vascular normal. O ecodoppler pode
mostrar artéria mesentérica superior hiperdinâmica,
- Sinal da dupla bolha sem gás intestinal dis- dilatação distal da veia mesentérica superior e o sinal
tal geralmente é causado por atresia duodenal. A do redemoinho, baseado no aspecto espiralado da
obstrução completa não é sugestiva de má rotação, veia mesentérica superior em torno do eixo da ar-
mas se deve ter precaução. téria mesentérica superior (esse sinal sugere volvo).

40 SJT Residência Médica - 2015


7 Má rotação intestinal

Tratamento - Apendicectomia: no período neonatal, alguns


autores preferem a técnica de desvascularização e in-
versão do apêndice. Após esse período está indicada a
Tratamento pré-operatório apendicectomia clássica com ligadura simples e bolsa
€ Correção do desequilíbrio hidroeletrolítico e invaginante. Algumas complicações oriundas da téc-
ressuscitação urgente, se houver suspeita de nica de inversão em crianças maiores são hemorragia
volvo. Se existirem sinais de choque, estão in- intestinal, cabeça para invaginação e lesões cecais cau-
dicados transfusão sanguínea e vasopressores. sando confusão diagnóstica;
Dopamina é a primeira escolha, por aumentar
o fluxo sanguíneo esplâncnico. Iniciar no pré- - Estabilização do intestino colocando o ceco no
-operatório com dopamina 3 µg/kg/min., con- quadrante superior esquerdo e o duodeno e o restante
tinuando no pós-operatório; do intestino delgado à direita.
€ Nada por via oral + sonda nasogástrica. An-
tibióticos;
€ Adequado acesso venoso; Dúvida sobre viabilidade? O que fazer?
€ Cirurgia sem perda de tempo havendo suspeita - Área segmentar: ressecção + anastomose.
de volvo intestinal.
- Múltiplas áreas de viabilidade questionável ou
quando todo intestino em volvo tem viabilidade ques-
tionável: redução do volvo + lise das bridas + fecha-
Tratamento cirúrgico mento da laparotomia com reexploração cirúrgica em
Laparotomia transversa supraumbilical direita. 24 h + tratamento clínico intensivo; manter antibió-
Reconhecimento da patologia com completa eviscera- ticos, descompressão adequada do trato gastrointes-
ção dos intestinos. Redução do volvo no sentido anti- tinal, hiper-hidratação com 150 a 160 mL/kg, repo-
-horário. Aguardar melhora da cor dos intestinos.
sição de sangue e plasma fresco, ventilação assistida;
Realizar o procedimento de Ladd com os se- Dextran 40, 10 mL/kg/de 6 em 6 h até a reexploração
guintes passos:
cirúrgica e dopamina. O Dextran tem efeito antitrom-
- Lise completa das aderências entre os intestinos, bótico, diminuindo a adesividade das plaquetas. Agen-
permitindo a separação do mesentério, alargando a sua
tes citoprotetores, como as prostaglandinas (PGE),
base. Lise das bandas de Ladd, inclusive liberando todo
o duodeno, com a manobra de Kocher estendida; podem ser usados pelos seus efeitos antitrombóticos
e de vasodilatação esplâncnica.
- Tratamento da obstrução duodenal intrínseca,
quando houver. Sempre testar a permeabilidade do € Má rotação como achado incidental: recomen-
duodeno passando sonda intraluminal com balão (son- da-se o procedimento de Ladd, dependendo da
da de Foley) até o jejuno e retirado com o balão inflado; cirurgia e das condições da criança.

41
28
Capítulo

O U CO
atresia intestinal
BÁSICO eM
8 Atresia intestinal

Definição rados e há falha em “V” do mesentério.


Tipo IIIb (20%) – O segmento distal do intestino
O termo atresia intestinal refere-se à interrup- atrésico é nutrido por um vaso mesenterial anômalo.
ção congênita total da luz intestinal. Tipo IV (6%) – Atresias múltiplas.

Etiologia
A causa das atresias intestinais é desconhecida. I
IIIa

Apesar de haver várias teorias que procuram explicar


sua origem, a mais aceita é a dos acidentes vascula-
I
I
res intestinais intrauterinos, proposta por Louw
e Bamard em 1955. De acordo com essa teoria, a falta
de vascularização de um segmento intestinal seria res-
IV
ponsável pela não formação de uma porção maior ou IIIb

menor de intestino com falha em seu meso. Figura 8.1 Classificação da atresia intestinal. Tipo I: membrana
mucosa; Tipo II: fundos cegos separados por cordão fibroso com inte-
gridade do meso; Tipo IIIa: os fundos cegos estão separados e há falha
no mesentério; Tipo IIIb: o intestino atrésico dispõe-se ao redor de um
pedículo vascular anômalo; Tipo IV: múltiplas atresias.
Fisiopatologia
O quadro obstrutivo pela interrupção da luz in-
testinal determina distensão progressiva das alças in-
testinais com grande sequestro de água e eletrólitos Quadro clínico
para o seu interior.
O poli-idrâmnio é o primeiro sinal de alerta
A distensão do coto intestinal em fundo cego pode
da atresia intestinal, o que permite muitas vezes a
ser de tal ordem que alterações estruturais da parede da
suspeita diagnóstica pré-natal da doença.
alça ocorrem determinando hipomotilidade mesmo após
o restabelecimento do trânsito. Além disso, a distensão Ao nascimento, a presença de resíduo gástrico
progressiva da alça provoca diminuição do retorno ve- elevado (maior que 20 mL) e de aspecto bilioso sugere
noso e posteriormente da perfusão arterial, culminando obstrução do trato digestivo. Vômitos biliosos segui-
com necrose e perfuração da porção proximal ao defeito. dos de distensão abdominal e peristaltismo visível são
achados frequentes.
Situação ainda mais grave ocorre quando as atre-
sias forem múltiplas (Tipo IV) ou dispostas ao redor de
um vaso mesentérico anômalo (Tipo IIIb). Essas duas Atresia jejunoileal: apresentação clínica
condições associam-se ao intestino curto congênito. Achados Atresia jeju- Atresia
nal (%) ileal (%)
Poliidrâmnio 38 15
Vômitos biliosos 84 81
Patologia Distensão abdominal 78 98
Eliminação de mecônio 65 71
As atresias intestinais ocorrem em uma incidência anormal (1º dia de vida)
variável de 1:1.000 a 1:5.000 nascidos vivos. São duas
Icterícia 32 20
vezes mais frequentes do que as atresias duodenais.
Tabela 8.1
Ocorrem mais comumente no íleo terminal e
jejuno proximal. São únicas em 90% dos casos e múl-
tiplas em 10%. Segundo Grosfeld e cols., as atresias
intestinais podem ser classificadas em quatro tipos:
Tipo I (18%) – A obstrução deve-se a um septo mu-
Diagnóstico
coso com integridade da parede da alça e do mesentério. O diagnóstico pode ser feito já no período pré-
Tipo II (25%) – Os cotos proximal e distal estão -natal através da ultrassonografia fetal.
conectados por um cordão fibroso sem luz. O quadro clínico de obstrução intestinal sugere
Tipo IIIa (31%) – Os cotos atrésicos estão sepa- o diagnóstico.

43
Clínica Cirúrgica | Pediatria

O exame radiológico simples de abdome mostrará € Se houver extensão intestinal residual limitada, pode
alças dilatadas, com imagem em “pilhas de moedas” e nível ser realizada enteroplastia antimesentérica redutora,
hidroaéreo. O raio X contrastado raramente é necessário, ao invés de ressecar seguimento intestinal dilatado;
pois no recém-nascido o ar deglutido é o suficiente para € Técnica de enteroplastia redutora do bordo anti
delinear as alças intestinais e identificar sua dilatação. mesentérico descrita para atresias jejunais próxi-
mas ao ligamento de Treitz:
O enema opaco revela um cólon desfuncionaliza-
do pela falta de trânsito (microcólon). Ressecção redutora descrita por Thomas + anas-
tomose término-oblíqua ou plicatura redutora simples
sem ressecção descrita por De Lorimier + anastomose
término-oblíqua. Grosfeld preconiza a ressecção redu-
tora com grampeadores mecânicos colocando sonda
Tratamento moldadora de Pezzer nº 22 a 24F no lado mesentérico.
- A enteroplastia redutora pode ser realizada até
a segunda porção duodenal, após mobilização do có-
Pré-operatório lon direito, divisão do ligamento de Treitz e liberação
da porção retrocólica do duodeno.
O paciente deve ser mantido em incubadora
aquecida e umidificada. Sondagem nasogástrica com Em atresias do tipo III B, realizar jejunoplastia
aspiração periódica. Deve-se corrigir o desequilíbrio redutora com ressecção antimesentérica com gram-
peador mecânico até o ligamento de Treitz, conforme
hidroeletrolítico e metabólico associado. Antibiotico-
preconizado por Grosfeld. A linha grampeada é re-
terapia e vitamina K devem ser empregadas como me- forçada com sutura contínua e anastomose termino-
dida profilática pré-operatória. terminal completa o procedimento. Outros autores
preconizam jejunostomia proximal em chaminé tipo
Bishop-Koop, que anastomosa o coto proximal a ± 1,5
a 2 cm de uma enterostomia distal.
Cirúrgico
€ Acesso: laparotomia transversa supraumbilical
direita e supraumbilical esquerda (em obstru-
ções de jejuno alto);
€ Avaliar todo o intestino: outras atresias ou es-
tenoses, defeitos mesentéricos, presença de má
rotação intestinal;
€ A permeabilidade do jejunoíleo restante é
comprovada pela injeção intraluminal de ar
ou soro fisiológico no coto distal, observando
sua progressão até o ceco;
€ Para distender o intestino distal, antes da anas-
tomose, aplicar clampe do tipo bulldog cerca de
8 cm distais à área da anastomose e injetar soro
fisiológico sob pressão;
€ O intestino proximal muito dilatado não tem pe-
ristalse efetiva e costuma causar obstrução fun-
cional pós-operatória muito prolongada: ressecar
área atrésica e intestino proximal dilatado em
uma extensão de 10 a 15 cm (em ângulo reto) e 4 a
5 cm do distal (em ângulo oblíquo de 45° e incisão
continuada sobre o bordo antimesentérico), isso
tudo se não houver intestino curto. Esses segmen-
tos junto à área atrésica são isquêmicos, muito di-
latados e possuem dismotilidade intrínseca;
€ Realizar anastomose término oblíqua (dor
sal) em plano total único com fio 5-0 ou 6-0 e
magnificação óptica;
€ Gastrostomia tipo Stamm com sonda de Pezzer
nº 14 a 16 pode estar indicada a prematuros e/ou
atresias jejunais altas com jejunoplastia redutora.
Pouco utilizada;
€ Caso hajam membranas associadas, elas devem
ser ressecadas e complementadas com ente-
roplastias pela técnica de Heinecke Mikulicz,
mantendo um diâmetro aproximado de 1,5 cm;

44 SJT Residência Médica - 2015


8 Atresia intestinal

Figura 8.3 Atresia ileal. A: radiografia simples de abdome em pé,


mostrando distenção e níveis hidroaéreos (sinal de múltiplas bolhas).
B: enema opaco demonstrando microcólon sugestivo de obstrução do
intestino delgado. C: atresia do íleo (tipo IIIA).
Figura 8.2 Atresia jejunal alta. A: radiografia simples de abdome.
Observe as três bolhas gasosas, sugestiva de obstrução abaixo do duo-
deno (sinal da tripla bolha). B: laparotomia, atresia jejunal do tipo 1. C:
atresia jejunal tipo 1, onde se observa o sítio de transição do intestino
atrésico para o intestino normal.

Figura 8.4 Radiografias simples em incidência frontal de pacientes


com atresia jejunal proximal revelam o sinal da tripla bolha. A: nota-se
um grande segmento distendido por gás e terminado em fundo cego
(seta). B: em outro caso, a presença de sona nasogástrica impediu dis-
tensão extrema do segmento imediatamente proximal à atresia (seta).

Prognóstico
As complicações do tratamento cirúrgico são
representadas por: síndrome do intestino curto, sín-
drome de má absorção, pneumonia, peritonite e sepse.

45
29
Capítulo

O U CO
duplicidade intestinal
BÁSICO eM
9 Duplicidade intestinal

Definição tino proximal à lesão. A ocorrência de ulceração por


mucosa gástrica secretante é causa frequente de dor e
sangramento gastrointestinal.
A duplicidade do trato digestivo (termo proposto por
Sangramento digestivo, cujo sinal predomi-
Ladd em 1937) é uma afecção congênita pouco frequen-
nante é a enterorragia, sugere a presença de úlcera
te, que requer tratamento cirúrgico no período neo-
secundária à secreção ácida inapropriada pela mucosa
natal, no lactente, e por vezes até mesmo na criança
heterotópica do cisto. O sangramento pode ser maci-
maior. As diferentes formas e localizações anatômicas e
ço, indicando tratamento cirúrgico de emergência.
a existência ou não de comunicação com a luz intestinal
adjacente fazem com que as duplicidades apresentem ma- Tumor abdominal palpável pode ser observado,
nifestações clínicas variadas, tornando o diagnóstico e o principalmente nos casos de duplicidade cística que
tratamento verdadeiros desafios para o cirurgião pediatra. não se comunica com a luz intestinal.
As duplicidades podem ser encontradas da boca Quadro abdominal agudo com sinais e sintomas de
ao ânus, tendo como sede mais comum o íleo termi- obstrução intestinal é a manifestação mais comum. A du-
nal, devendo ser lembradas em quadros abdominais plicidade pode determinar obstrução do trânsito através
com predominância de sintomatologia na fossa ilía- de compressão, invaginação ou facilitar o volvo intestinal.
ca direita, inclusive como diagnóstico diferencial da Nessas circunstâncias, o aparecimento de vômitos, disten-
apendicite aguda e invaginação intestinal. são abdominal e a palpação de tumoração em fossa ilíaca
direita sugerem o diagnóstico. Quadros agudos incaracte-
rísticos implicam diagnóstico diferencial com apendicite
aguda em razão da localização da sintomatologia.

Etiologia
A etiologia das duplicidades intestinais não está
bem esclarecida. As hipóteses levantadas para ex-
Diagnóstico
plicar sua origem são:
Como não há uma manifestação clínica especí-
a) alteração na vacuolização do intestino primiti- fica, o diagnóstico raramente é suspeitado no pré-
vo para o restabelecimento de sua luz; -operatório. Os pacientes são, habitualmente, subme-
b) acidente vascular intrauterino; tidos à cirurgia com diagnóstico de obstrução intestinal,
invaginação, hemorragia digestiva ou apendicite aguda.
c) defeito primitivo da notocorda levando à sua
aderência com o intestino; Ao raio X simples aparecem como massa ho-
mogênea deslocando o ceco. Nos casos de obstrução
d) sequestro epitelial para o mesênquima. Essas intestinal observam-se alças de delgado dilatadas e a
teorias explicam, no conjunto, o aparecimento da afec-
presença de níveis hidroaéreos.
ção em diferentes pontos do aparelho digestivo.

Tratamento
Patologia
Por causa das diferentes localizações e confor-
As duplicidades podem ocorrer em qualquer por- mações anatomopatológicas, o tratamento cirúrgico
ção do trato digestivo, sendo mais comum no íleo da duplicidade intestinal não pode ser padronizado.
terminal. Possuem túnica mucosa, muscular e serosa; Assim, diferentes técnicas podem ser utilizadas, le-
assumem forma esférica ou tubular e podem se comu- vando sempre em consideração que essas lesões são
nicar ou não com a luz do intestino adjacente. benignas. O procedimento cirúrgico deve eliminar o
problema agudo e garantir a prevenção de problemas
O suprimento sanguíneo é o mesmo da alça futuros, sem ser excessivamente radical.
intestinal com a qual mantém relação. Mucosa
gástrica ou intestinal heterotópica pode ser en- As técnicas mais utilizadas são:
contrada em seu interior. Ressecção simples da duplicidade: nem sem-
pre é possível pelo fato de a irrigação sanguínea ser
a mesma do intestino normal e suas paredes esta-
rem em íntima relação.
Ressecção da duplicidade e do intestino adja-
Quadro clínico cente: é a técnica mais empregada. O trânsito intes-
tinal é restabelecido através de anastomose primária.
Não há um quadro clínico específico que permita o Marsupialização: quando a ressecção não pode ser
reconhecimento da patologia. As diferentes apresentações realizada, faz-se a marsupialização do cisto e destruição
anatomopatológicas explicam essa sintomatologia varia- de sua mucosa com solução esclerosante ou curetagem. É
da. As manifestações mais comumente encontradas são: conduta de exceção, reservada para quadros agudos e pa-
Dor abdominal em virtude, possivelmente, da cientes em estado geral ruim. É necessário procedimento
distensão do cisto e de espasmos musculares do intes- definitivo em circunstâncias mais favoráveis.

47
210
Capítulo

O UTICO
doenças do mecônio
BÁSICO eM
10 Doenças do mecônio

Introdução Etiologia
A análise química do mecônio espessado revela um
São incluídas nesse item as doenças resultantes de
ação nociva do mecônio que ou bloqueia o lúmen intesti- aumento de até cinquenta vezes da albumina deglutida
nal ou patologicamente se localiza na cavidade peritoneal. com o líquido amniótico. Nos casos de íleo meconial
em pacientes com mucoviscidose, possivelmente esta
Embora grande parte dos casos de doença me-
conial esteja associada à mucoviscidose, outras con- superconcentração de albumina se deve à redução do
dições podem ocasionar essa doença. Sob o ponto de teor de água do lúmen intestinal em decorrência da não
vista clínico, a doença do mecônio pode ser dividida secreção de cloro pelos canais de cloro das criptas intes-
em quatro categorias: tinais. Não havendo secreção de cloro, não há secreção
1. íleo meconial; de água. Além disso, a água continua sendo absorvida,
2. rolha de mecônio;
acompanhando a absorção de sódio pelas células vilosi-
tárias. No íleo meconial dos não mucoviscidóticos, não
3. peritonite meconial.
se conhece a razão dessa concentração proteica.

Diagnóstico
Íleo meconial
Alguns casos de íleo meconial são diagnosticados
É uma obstrução intestinal intraluminal que no pré-natal através do ultrassom, principalmente nas
ocorre no período neonatal, caracterizada pela pre-
sença anormal de mecônio viscoso e espesso, levan-
formas complicadas, onde há presença de massa ou
do à obstrução do intestino delgado, geralmente calcificação peritoneal e polidrâmnio.
em nível do íleo terminal, descrito pela primeira vez No recém-nascido a termo, a forma de apresen-
por Landsteiner em 1905.
tação mais frequente é distensão abdominal, vômitos
biliosos e falha na eliminação do mecônio, mas o recém-
-nascido é capaz de tolerar várias alimentações antes de
Frequência desenvolver sinais de obstrução intestinal, e assim o
De todos os casos de obstrução intestinal no diagnóstico pode ser retardado por 24 ou 48 horas.
recém-nascido, 9 a 33% são ocasionados por íleo O raio X simples de abdome mostra sinais de dilata-
meconial. Dos pacientes com íleo meconial detectou-
ção de alças, comum a qualquer quadro obstrutivo, mas a
-se mucoviscidose entre 25 e 80% dos casos; dentre os
pacientes com mucoviscidose, 10 a 16% deles relatam presença de imagens em bolha de sabão no quadrante in-
íleo meconial ao nascimento. ferior direito, acrescida da ausência de níveis hidroaéreos
na posição ereta, sugere o diagnóstico de íleo meconial.
O enema opaco auxilia na confirmação diagnóstica,
Classi昀椀cação mostrando a presença de microcólon, e, se houver reflu-
xo ileal, aparecerá imagem de falha no enchimento ileal
Pode ser classificado em duas categorias:
compatível com a presença de concreções de mecônio.
1) simples ou não complicado quando o mecônio
anormal causa uma simples obstrução no íleo distal, Os testes laboratoriais para mucoviscidose no
onde se encontram muitas concreções de mecônio, cor- período neonatal são duvidosos:
responde a 70% dos casos, o segmento distal do íleo é
fino e contém concreções acinzentadas e pétreas; Teste do suor: é o mais acurado. Concentrações
de Na+ maior do que 60 mEq/L fazem o diagnóstico.
2) complicado quando a massa de mecônio es-
pesso funciona como um fulcro, levando ao desenvol- Obtém-se quantidade adequada de suor para a reali-
vimento de volvo, perfuração e peritonite meconial zação do exame aproximadamente com três semanas
cística gigante. Corresponde a 30% dos casos. de vida. O suor deve ser obtido de um único local, não
de múltiplos sítios.
Strip test: demonstra o excesso de albumina no
Doenças associadas mecônio (valor superior a 20 mg/g de mecônio).
Além da fibrose cística, o íleo meconial pode es-
tar associado à doença de Hirschsprung, insuficiência Atividade da tripsina: também válida para lipa-
pancreática não mucoviscidótica, atresia intestinal e se ou amilase. Verifica a ausência de atividade tríptica
pseudo-obstrução intestinal crônica. no conteúdo duodenal e no mecônio.

49
Clínica Cirúrgica | Pediatria

Tratamento
Não cirúrgico
O íleo meconial simples deve ser tratado de
modo conservador, conforme esquema instituído por
Noblett em 1969, com enemas de gastrografina (dia-
trizoato de meglumina) diluídos 3:1 ou 4:1 em água e
administrados lentamente pelo reto. A maioria dos pa-
cientes necessita de quatro ou mais enemas para liberar
a obstrução intestinal. A solução chega no íleo terminal
e se mistura com o mecônio espesso. Geralmente, após
24-48 horas ocorre a passagem de mecônio semilíquido.
Figura 10.1 Radiografia de abdome com imagens de vidro moído ou Há registro de 11% de perfuração relacionada ao
de bolhas de sabão causadas por mecônio e ar deglutido. uso de enema com gastrografina. Alguns autores diluem a
gastrografina em baixas concentrações, pois diminuindo a
osmolaridade o risco de perfuração também se reduz.
Outras preparações de enema incluem a acetil-
cisteína a 4% com ou sem gastrografina e o hypaque
20 a 40%, (diatrizoato de sódio), mas estas também
podem levar a complicações como perfuração. O uso
associado de N-acetilcisteína por sonda nasogástrica
pode facilitar a eliminação do mecônio espesso.
Hidratação antes e durante o enema (100 a 150
mL/kg/dia) e antibioticoterapia e gentamicina.

Cirurgia
€ Via de acesso: laparotomia transversa supraum-
Figura 10.2 Enema opaco mostrando microcólon, pérolas de mecôni- bilical direita;
co e distensão de alças de delgado.
€ Enterotomia junto ao bordo antimesentérico do
íleo dilatado, próximo à transição com o seg-
mento de íleo estreitado;
€ Cateter calibre 12 F colocado em direção ao íleo
proximal dilatado, onde é fixado por bolsa inva-
ginante; irrigações repetidas com soro fisiológico
ou N-acetilcisteína a 4 a 5%. Depois, o cateter é
recolocado distalmente e são repetidas as irriga-
ções no íleo estreitado;
€ Após algum tempo (15 a 30 min. para amolecer),
o mecônio proximal e as pérolas distais são orde-
nhados pela enterotomia. As pérolas mais distais
podem ser ordenhadas em direção ao cólon. Se as
pérolas estiverem muito impactadas, pode passar,
no íleo distal até a válvula ileocecal, cateter Fogar-
ty nº 5, inflar seu balão e retirá-lo inflado trazen-
do junto as pérolas mais espessadas. Esse proce-
dimento costuma ser menos traumático do que a
ordenha do mecônio perolado muito impactado;

Figura 10.3 Enema opaco mostrando significativo microcólon e de-


€ Enterotomia é fechada no sentido transversal em
feitos de enchimento no íleo terminal por pérolas de mecônio. um ou dois planos.

50 SJT Residência Médica - 2015


10 Doenças do mecônio

Ressecção intestinal, remoção do Santulli e Blanc

mecônio e anastomose intestinal


Também se pode optar pela ressecção do seg-
mento intestinal muito distendido, remoção do mecô-
nio alterado e anastomose intestinal terminodorsal. É
importante, antes da anastomose, evacuar completa-
mente o mecônio de ambos os segmentos.

Ressecção intestinal, remoção do


Sonda de enterestomia
mecônio e enterostomia
Caso houver dúvidas quanto à viabilidade in-
testinal, está indicada a ressecção do íleo dilatado e
de viabilidade questionável (se não houver intestino
curto) e enterostomia. Podem ser usadas as enteros-
tomias dos tipos Mikulicz, Bishop-Koop e Santulli. A
tipo chaminé de Bishop-Koop é realizada por meio de
ileostomia da boca distal e anastomose em Y-de-Roux
da boca proximal à parede lateral da alça distal (anas-
Figura 10.4 Opções de tratamento cirúrgico para íleo meconial
tomose terminolateral). A tipo chaminé de Santulli é não complicado. A: ressecção e enterostomia de Mikulicz. B: ressec-
feita por ileostomia da boca proximal e anastomose ção e enterostomia a Bishop-Koop. C: enterostomia a Santulli. D: son-
em Y de Roux da boca distal à parede lateral da alça da de enterostomia.
proximal (anastomose lateroterminal).
Antes da ileostomia, retirar todo o mecônio al-
terado possível. Manter irrigações pós-operatórias
de N-acetilcisteína. Pós-operatório
Íleo meconial complicado € Nada por via oral;
Com atresia intestinal: ressecção intestinal + € Sonda nasogástrica. Podem ser injetados 5 mL de
anastomose primária; N-acetilcisteína a 5% de 6 em 6 h por cinco dias;

Com perfuração intestinal, volvo, peritonite di-


€ Terapia respiratória: umidade máxima, mu-
fusa: ressecção do intestino não viável + enterostomia danças de decúbito de hora em hora e fisio-
terapia pulmonar;
(a preferência, nos casos complicados, é pela enteros-
tomia do tipo Mikulicz). € Iniciar via oral com dieta à base de hidrolisados
de proteínas, pois não requerem enzimas pan-
creáticas para digestão e absorção + suplemen-
R e s s e c ç ã o d e M i k u l ic z
tação de enzimas pancreáticas, quando fórmula
comum ou leite forem iniciados + vitaminas li-
possolúveis (A, D, E e K). Após boa aceitação da
dieta semielementar, trocá-la por fórmula nor-
mal quando o bebê estiver ganhando peso (apro-
ximadamente com seis semanas de vida), sempre
monitorando o aparecimento de intolerância ali-
mentar (distensão abdominal, fezes líquidas ou
semilíquidas, sangue nas fezes, vômitos).

Ressecção Bishop-Koop
Complicações
As complicações mais frequentes são obstrução
intestinal persistente, fístula da anastomose, bridas e
complicações pulmonares.
No tratamento do íleo meconial não se pode es-
quecer das alterações sistêmicas (pulmonares, pancre-
áticas e hepáticas) determinadas pela mucoviscidose.
Elas devem ser tratadas profilaticamente e prolonga-
damente a fim de evitar suas complicações.

51
Clínica Cirúrgica | Pediatria

Prognóstico Peritonite meconial


A mortalidade com o tratamento conservador do
A peritonite meconial é definida como uma peri-
íleo meconial é de cerca de 0-15%. A mortalidade para tonite asséptica e química, causada por presença de me-
pacientes que apresentam perfuração intestinal é alta, cônio na cavidade peritoneal em virtude da perfuração
ao redor de 50% dos casos. intestinal e calcificação ainda na fase intrauterina.

Rolha de mecônio Etiologia e patogênese


A perfuração intestinal ocorre principalmente em
A primeira descrição dessa entidade data de decorrência de obstrução intestinal, que pode ser causada
1956, por Clatworthy e Coles. É definida como por íleo meconial, atresia intestinal, estenose, volvo, faixas
peritoneais congênitas, gastrosquise e megacólon agan-
uma obstrução intestinal, geralmente ao nível de íleo
glionar, embora possa não haver evidências de obstrução
terminal e cólon esquerdo, provocada por mecônio intestinal. O mecônio estéril extravasado através de uma
anormalmente espessado. Classicamente é descrita perfuração intestinal induz a uma peritonite química, por
em recém-nascidos com fibrose cística, mas pode causa da ação das enzimas digestivas nele contidas, levan-
ocorrer em outras situações, como hipomotilidade co- do a adesão fibrosa, aglutinação das alças intestinais e cal-
lônica por hipermagnesemia, ou por alteração da mo- cificação. O local da perfuração muitas vezes não é encon-
tilidade colônica nas miopatias viscerais na síndrome trado por causa das adesões. Se, entretanto, não houver
tamponamento adequado e o mecônio continuar extrava-
pseudo-obstrutiva, na inércia cólica do recém-nascido
sando para a cavidade peritoneal, pode haver formação de
e doença de Hirschsprung. aderência entre as alças do tipo fibrinoso, mais frouxo.

Diagnóstico Diagnóstico
O quadro clínico é de distensão abdominal, com A sintomatologia ocorre logo após o nascimento,
nenhuma ou pequena eliminação de mecônio. com grave e progressiva distensão abdominal, eritema
O enema opaco mostra defeitos de enchimento e edema de parede abdominal. O abdome pode estar
tenso e distendido, com massa palpável. A distensão
do cólon em virtude de uma ou mais rolhas de mecô-
abdominal pode levar a desconforto respiratório e o
nio, ou cólon esquerdo com obstrução abrupta. O exa- sequestro hídrico a hipovolemia.
me pode se tornar terapêutico, pois com a eliminação
No recém-nascido feminino com peritonite me-
do contraste pode haver a eliminação da rolha de me-
conial, pode ser visualizado mecônio na vagina como
cônio, embora por vezes seja necessária a realização de resultado da passagem do mecônio para os tubos fa-
enemas salinos para a desobstrução colônica. lopianos e útero. Nos meninos com peritonite meco-
A realização de biópsia retal para se afastar me- nial, o escroto pode aparecer escuro como resultado de
gacólon agangliônico é mandatória, além da dosagem passagem de mecônio intraperitoneal para dentro da
bolsa escrotal, às vezes já calcificado.
de cloro no suor para se afastar fibrose cística.
O achado do raio X simples de abdome é variável
com o tipo de peritonite, sendo comum o aparecimen-
to de calcificações, que podem ocorrer em até 24 horas
Tratamento após a perfuração. É importante a diferenciação entre
calcificações intraperitoneais de calcificações intralu-
A desobstrução com clister salino ou com gastro- minais que não têm significação clínica.
grafina é indicada, podendo-se adicionar N-acetilciste-
ína, que é um mucolítico e favorece, através de contato
Classificação
prolongado com o mecônio, a sua fluidificação e con-
Generalizada 15% Evento mais Ascite volumosa
sequente eliminação. Cuidados são necessários com o
tardio
volume e pressão na introdução da solução de clister,
Fibroadesiva 60% Evento mais Predominam calcifi-
pois pode haver ruptura de parede intestinal e facilita- precoce cações e aderências,
ção de disseminação bacteriana, levando a septicemia. pouca ascite
O tratamento cirúrgico é bastante raro, reservando-se Cística 25% Perfuração Pseudocisto de
aos casos complicados com perfuração ou com falência mantida mecônio bloqueado
de resposta ao tratamento clínico. Tabela 10.1

52 SJT Residência Médica - 2015


10 Doenças do mecônio

Tratamento Tratamento cirúrgico


• Indicações cirúrgicas:
Os casos sem sinais obstrutivos devem ter Obstrução intestinal
conduta expectante e a indicação cirúrgica é reser- Perfuração intestinal que não fechou no período pré natal
Pseudocisto meconial
vada aos casos com sinais obstrutivos ou com sinais
Celulite localizada ou generalizada da parede abdominal
infecciosos, realizando-se ressecção dos segmentos Sepse com piora clínica, apesar de tratamento clínico adequado
atrésicos e inviáveis. O prognóstico é relativamente • Cirurgia na peritonite fibroadesiva: lise das bridas e aderências,
bom, embora possam ocorrer novas obstruções. não sendo, na maioria das vezes, necessária a ressecção intestinal
• Cirurgia do pseudocisto meconial: evacuação do mecônio,
Obstrução intestinal do íleo terminal causada decorticação do pseudocisto com debridamento das mem-
por mecônio espesso (alto teor de proteínas). Geral- branas inflamatórias, ressecção da perfuração e dos intestinos
não viáveis e enterostomia
mente associada à mucoviscidose, mas raramente
• Crianças com calcificações intraperitoneais assintomáticas
podendo ocorrer em pacientes sem a doença. Quadro não necessitam de cirurgia
clínico semelhante à atresia intestinal baixa. • Crianças com ascite, assintomáticas e com padrão de dis-
tribuição aérea normal no intestino até o reto também não
Risco de complicações perinatais como volvo intes- necessitam de cirurgia
tinal, perfuração isquêmica e formação de pseudocisto. Tabela 10.2

53
211
Capítulo

ROPEDÊUTICO
Enterocolite
BÁSICO eM (ECN)
Necrosante
11 Enterocolite necrosante (ECN)

Introdução Quadro clínico


Doença típica de RN prematuros de baixo peso, A ECN caracteriza-se por uma variedade de si-
atingindo 5% dos RNPT, principalmente aqueles que nais gastrointestinais e sistêmicos.
nascem com peso inferior a 1.500 g, e 2% dos recém- Os achados iniciais são inespecíficos, sendo fre-
-nascido em geral. quentes os vômitos, aumento do resíduo gástrico, dis-
Acredita-se que seja uma doença de etiologia tensão abdominal, alteração do hábito intestinal e ente-
multifatorial, resultando da interação de diversos fa- rorragia micro ou macroscópica. Além disso, podem-se
tores como a prematuridade, a lesão hipóxico-isquê- observar sinais sistêmicos, como instabilidade térmi-
mica e de reperfusão, a presença de substrato na luz ca, letargia e episódios de apneia. Vale lembrar que
intestinal, a colonização bacteriana intestinal e a ação esses sinais são comuns a uma série de outras inter-
de mediadores inflamatórios. corrências do período neonatal, tais como intolerân-
É mais frequente nas primeiras semanas de vida, sen-
cia alimentar, distúrbios metabólicos, coagulopatias e
do incomum antes do quinto dia e após o primeiro mês. sepse. A doença pode estacionar nessa fase, cursar de
forma benigna ou avançar para estágios mais graves.
Com o progredir da afecção, chama atenção a piora
da distensão abdominal, que pode chegar ao estado de
íleo adinâmico total, mudanças nas características dos
Patologia vômitos e do resíduo gástrico que evoluem para um as-
pecto bilioso e daí para o fecaloide, enterorragia franca
Necrose de coagulação, iniciada pela mucosa e pro- ou melena e sinais de peritonite. Além disso, aparecem
gredindo para parede total com perfuração intestinal em os sinais de gangrena das alças intestinais, que habitual-
segmento único ou múltiplos, líquido peritoneal hemorrá- mente se exteriorizam com quadro de celulite da parede
gico ou achocolatado. Acomete com mais frequência o íleo abdominal localizado na fossa ilíaca direita e na região
terminal e cólon. Presença de bolhas de gás dissecando a periumbilical. Juntamente com esses sinais, observa-se
submucosa intestinal (pneumatose) é patognomônica.
a deterioração do estado geral, com comprometimento
do quadro hemodinâmico, insuficiência respiratória,
Fatores que predispõem o recém-nascido insuficiência renal e hepática, acidose metabólica, coa-
prematuro a desenvolver ECN gulopatia de consumo até o estabelecimento do choque
Hipocloridria gástrica séptico e insuficiência de múltiplos órgãos.
Insuficiência pancreática
Sinais e sintomas gastrointestinais e sistêmicos
Baixa produção de sais biliares
associados com ECN
Diminuição da motilidade intestinal Sistêmicos Gastrointestinais
Deficiência de glutamina Letargia Vômitos
Imaturidade na defesa imunológica gastrointestinal Instabilidade térmica Resíduo gástrico
Deficiência na produção de muco Hipo ou hiperglicemia Alteração do hábito intestinal

Menor quantidade de peptídeos antibióticos (defensinas) Apneia/insuficiência respi- Distensão abdominal


ratória
Menor atividade enzimática da mucosa intestinal
Hipotensão/choque Enterorragia micro/
Imaturidade no controle hemodinâmico local macroscópica
Tabela 11.1 Acidose mista Diminuição dos RHA
Distúrbios eletrolíticos Peritonite
L E S Ã O D A
M U C O S A IN T E S T IN A L CIVD Massa abdominal
Insuficiência de múltiplos Celulite de parede abdominal
Comprometimento Má absorção
vascular órgãos
Tabela 11.2
D IS T E N S Ã O Mediantes inflamatórios
A B D O M IN A L PAF, TNF, LTC4 E S T A S E
A época em que ocorrem essas manifestações
Sobrecrescimento depende da idade gestacional do paciente. No prema-
bacteriano
turo, habitualmente os sintomas aparecem a partir da
Endotoxina
Ácidos orgânicos de cadeia curta
segunda semana de vida, quando estão na fase de con-
Translocação bacteriana
Produção de gás
valescença, recuperando-se da doença de base. Quando
o quadro se instala, a maioria dessas crianças já está re-
Figura 11.1 Eventos secundários após a instalação da lesão intestinal. cebendo alguma oferta nutricional por via enteral. Já

55
Clínica Cirúrgica | Pediatria

no recém-nascido a termo as manifestações costumam


ocorrer nos primeiros dias de vida. Outro fato interes-
Quadro radiológico
sante na ECN são as formas de evolução clínica. Podem- O estudo radiológico do abdome se faz necessá-
-se observar duas formas: a catastrófica e a insidiosa. rio não só para o diagnóstico inicial da ECN, mas tam-
A insidiosa é a mais frequente, sendo comum nos bém para o acompanhamento evolutivo da afecção e
recém-nascidos pré-termo, enquanto a catastrófica é avaliação dos resultados do tratamento. As radiogra-
mais observada no neonato a termo. Em geral, a evo- fias abdominais devem ser realizadas com intervalos de
6 a 8 horas nas primeiras 72 horas após o início dos si-
lução do quadro ocorre até 72 horas após o início dos
nais e sintomas, e a seguir a cada 12 a 24 horas, de acor-
sinais e sintomas. Apesar de algumas características
do com a evolução do paciente.
clínicas distintas entre as duas formas, na prática, a ve-
locidade com que ocorre a piora clínica é imprevisível. Os achados radiológicos iniciais são inespecíficos,
sendo comum a presença de distensão de alças intesti-
nais (localizada ou generalizada), edema de parede, lí-
Tipos de evolução clínica observados na ECN quido peritoneal e alças persistentemente localizadas na
Catastrófica Insidiosa mesma posição em radiografias sucessivas, geralmente
no quadrante inferior direito. O diagnóstico de ECN im-
RNPT ou termo RNPT
plica o achado da pneumatose intestinal, que é a manifes-
Deterioração clínica rápida Deterioração clínica subagu- tação radiológica da presença de gás na parede das alças.
da (1-2 dias) A pneumatose pode ser de aspecto cístico ou linear, re-
Insuficiência respiratória Intolerância alimentar presentando, respectivamente, a imagem radiológica do
Choque e acidose Mudança no hábito intestinal acúmulo de gás na submucosa e na subserosa.
Distensão abdominal Distensão abdominal
acentuada intermitente
Hemocultura positiva Sangue oculto nas fezes po-
sitivo
Tabela 11.3

Abordagem laboratorial
Observa-se deterioração da função cardiovas-
cular, respiratória, renal, hepática e hematológica,
no momento ou poucas horas após o diagnóstico da Figura 11.2 Raio X de abdome de um recém-nascido com ECN no
doença, sendo que o número de sistemas envolvidos estádio I. A seta mostra uma alça distendida. Como regra prática,
considera-se uma alça distendida quando o seu tamanho supera o da
parece estar correlacionado com a gravidade e o prog-
primeira vértebra lombar.
nóstico da doença. Esses fatos fazem com que o qua-
dro laboratorial seja variável, mostrando quase sem- O prognóstico da afecção pode ser determina-
pre dados laboratoriais que sugerem insuficiência de do pela extensão da lesão do trato gastrointestinal. O
múltiplos órgãos. comprometimento isolado do cólon é acompanhado
Além disso, chama atenção na ECN o aparecimen- de melhor prognóstico quando comparado com o do
to de sinais laboratoriais indicando presença de proces- intestino delgado. Nos casos mais graves da doença,
so infeccioso. Dessa forma, o número total de leucócitos o gás presente na parede das alças pode penetrar nos
poderá estar aumentado ou diminuído, sendo mais fre- vasos sanguíneos e estender-se em direção ao sistema
quente o encontro de leucopenias. Outro dado que ha- venoso portal, caracterizando o pneumoportograma.
bitualmente se apresenta alterado por ocasião do diag- Deve-se lembrar que cerca de 30% dos pacientes
nóstico é o prolongamento do tempo de tromboplastina com ECN cursam com perfuração intestinal, constituin-
parcial ativada e do tempo de protrombina, bem como do-se no pneumoperitônio. Seu reconhecimento preco-
a plaquetopenia. A hemocultura é positiva em cerca de ce é fundamental, já que a sua presença se constitui na
1/3 dos pacientes. Pode-se ainda isolar o agente infec- indicação absoluta para laparotomia exploradora.
cioso nas fezes, urina ou liquor, sendo os germes Gram- Para a detecção precoce do pneumoperitônio, se
-negativos os agentes mais frequentemente encon- faz necessário que a radiografia de abdome seja realizada
trados. No entanto, nos últimos anos, o Staphylococus com o neonato em decúbito lateral esquerdo e com raios
coagulase-negativo tem sido isolado nas hemoculturas horizontais. Dessa forma, o ar livre na cavidade peritone-
com frequência progressivamente elevada. al irá se situar entre a parede abdominal e o fígado.

56 SJT Residência Médica - 2015


11 Enterocolite necrosante (ECN)

Além disso, são descritos outros sinais radiológi- Hirschsprung. Além disso, a pneumatose intestinal pode
cos que indicam a presença de pneumoperitônio, como estar ausente em cerca de 15% dos casos de ECN confir-
o sinal da “dupla-parede” e o sinal da “bola de rúg- mada por achados cirúrgicos e de necropsia.
bi”. Normalmente, na radiografia simples de abdome,
Apesar dessas ressalvas, até o momento, o diagnós-
somente a face da mucosa intestinal é visível, por causa
tico clínico da ECN se faz pela associação de sinais e sin-
do contraste entre o ar presente na luz intestinal e a
tomas sistêmicos e gastrointestinais com o achado radio-
superfície mucosa. Em situações de presença de ar livre
na cavidade peritoneal, observa-se também o contraste lógico de pneumatose intestinal ou pneumoportograma.
na superfície serosa da alça, tornando-se ambas as su-
perfícies visíveis ao raio X (sinal da “dupla-parede”). O
sinal da “bola de rúgbi” é a imagem radiológica produzi-
da pelo confinamento de coleção de ar na cavidade ab- Estadiamento
dominal superior, delineando o ligamento falciforme.
A ultrassonografia abdominal vem se firmando
clinicorradiológico
como método útil para o diagnóstico da ECN. Vários A fim de avaliar e conduzir objetivamente o neo-
estudos mostram que o ultrassom parece ser mais
nato com quadro de ECN, em 1978, Bell e cols. propuse-
sensível do que a radiografia na detecção de pneumo-
ram um estadiamento clinicorradiológico, classificando
portograma, pneumatose intestinal e espessamento
a doença em estádio I ou suspeita, II ou definida e III ou
da parede das alças. Além disso, o ultrassom é útil na
complicada. Essa classificação foi modificada posterior-
avaliação quantitativa e qualitativa (com ou sem resí-
mente por Walsh & Kliegman em 1986, que incluíram
duos) do líquido presente na cavidade abdominal. A
sinais sistêmicos e intestinais e sugeriram o tratamento
avaliação ultrassonográfica está indicada nos casos em
de acordo com o estadiamento da doença.
que há suspeita clínica de ECN, mas as radiografias ab-
dominais mostram imagens inespecíficas. Os pacientes com sinais e sintomas inespecíficos,
porém sugestivos de ECN, são classificados como estádio
I (ECN provável). A maioria dessas crianças não evolui
com ECN, mas sim com sépsis, distúrbios metabólicos e
do equilíbrio acidobásico ou intolerância alimentar tran-
Critérios diagnósticos sitória, condições essas muito frequentes nos prematu-
ros. No estádio II ou ECN definida, surgem os sinais e
A ECN caracteriza-se pela presença da tríade
sintomas mais específicos, como resistência à palpação
distensão abdominal, enterorragia micro ou ma-
abdominal, peritonite, eritema ou celulite de parede do
croscópica e pneumatose intestinal.
abdome, ascite, plastrão palpável, e no exame radiológico
No entanto, deve-se lembrar que os dois primei- observam-se pneumatose intestinal e/ou pneumoporto-
ros sinais são inespecíficos, podendo estar presentes em grama. Quanto às manifestações do estádio II, associam-
uma variedade de outras doenças, como sépsis e diar- -se alterações importantes do estado hemodinâmico, do
reias infecciosas. O diagnóstico da ECN implica o achado sistema de coagulação e sinais de insuficiência de múl-
radiológico da pneumatose intestinal, porém esta não é tiplos órgãos, juntamente com o achado radiológico de
patognomônica desta afecção, podendo ser também en- perfuração intestinal, a ECN é classificada como avança-
contrada, por exemplo, na enterocolite da moléstia de da ou complicada ou, ainda, de estádio III.

Estadiamento clinicorradiológico da ECN, modificado de Walsh & Kliegman, 1986


Estádio Sistêmicos Gastrointestinais Radiológicos
IA ECN provável Instabilidade térmica  resíduo gástrico Normal
Hipoatividade Distensão abdominal Distensão de alças
Apneia Vômitos Íleo paralítico
Bradicardia Sangue oculto nas fezes
IB ECN provável Os mesmos de IA Os mesmos de IA + Os mesmos de IA
Enterorragia acroscópica
IIA ECN definida Os mesmos de IA Os mesmos de IB + Os mesmos de IA + Pneuma-
quadro leve RHA ausente tose intestinal localizada
Dor à palpação abdominal
IIB ECN definida Os mesmos de IA + Os mesmos de IIA + Os mesmos de IA +
quadro moderado Acidose metabólica Sinais de peritonite evidentes Pneumatose em 2 a 3 qua-
Plaquetopenia Celulite na parede abdominal drantes abdominais
Leucopenia Massa abdominal palpável Pneumoportograma
(plastrão abdominal) Sinais de ascite

57
Clínica Cirúrgica | Pediatria

Estadiamento clinicorradiológico da ECN, modificado de Walsh & Kliegman, 1986 (cont.)


IIIA ECN avançada sem Os mesmos de IIB + Os mesmos de IIB + Os mesmos de IIB +
perfuração intestinal Hipotensão arterial ou sinais de choque Piora da distensão abdominal  ascite (abdome branco)
Acidose mista
Sinais de CIVD
Insuficiência de múltiplos órgãos
IIIB ECN avançada com Os mesmos de IIIA Os mesmos de IIIA Os mesmos de IIIA +
perfuração intestinal Pneumoperitônio
Tabela 11.4

a progressão da doença para as fases mais avançadas


ocorre nesse período e a velocidade com que se instala
a deterioração clínica é imprevisível.
Como o órgão-alvo é o trato gastrointestinal, os ob-
jetivos do tratamento visam evitar a progressão da lesão,
tentando preservar e recuperar a função intestinal.
Manutenção do repouso intestinal: como a presen-
ça de substrato na luz intestinal e a distensão das alças
agravam a lesão, recomenda-se que esses pacientes se-
jam mantidos em jejum oral e com sonda gástrica. De-
ve-se lembrar de utilizar, sempre, uma sonda calibrosa
para a descompressão gástrica. Caso haja persistência da
distensão abdominal após a passagem da sonda, instalar
a aspiração contínua ou intermitente, utilizando-se de
baixas pressões de sucção. Iniciar a nutrição parenteral
tão logo o paciente esteja com as condições metabólicas,
hemodinâmicas e do equilíbrio acidobásico estáveis.
Diminuir a agressão do trato gastrointestinal: apesar
das dúvidas da relação causal entre um agente infeccioso
e a ECN, sabe-se que no curso da doença quase sempre há
o envolvimento da infecção. Daí a importância do con-
trole do processo infeccioso através da triagem infecciosa
e instituição da antibioticoterapia sistêmica.
Logo após a identificação do caso de ECN, iniciar
a triagem infecciosa através do estudo hematológico
(hematológico completo, proteína C reativa) e bacte-
riológico, com coletas de sangue, fezes, urina e, se ne-
cessário, liquor para a realização de culturas. De uma
Figura 11.3 Radiografias de abdome de diferentes pacientes, em decú- forma geral, os germes Gram-negativos entéricos são
bito dorsal, demonstrando pneumatose intestinal, caracterizada por ima- os agentes mais frequentemente associados com a do-
gens lineares radiolucentes, visíveis na parede das alças intestinais (setas).
ença. Entretanto, as cepas de Staphylococcus coagulase-
-negativo têm sido referidas com frequência cada vez
mais crescente como o agente infeccioso associado à
ECN. Deve-se, pois, instituir antibioticoterapia sistêmica
tão logo haja a suspeita diagnóstica. A escolha inicial dos
Tratamento antibióticos deve ser determinada pelas características
epidemiológicas da unidade, levando-se em considera-
A abordagem terapêutica da ECN é eminente- ção os agentes mais frequentemente isolados, até que as
mente clínica, mas é fundamental a atuação conjunta culturas apontem um micro-organismo patogênico. De
com a equipe de cirurgia pediátrica, no sentido de de- forma geral, inicia-se com a associação de uma penicili-
tectar e corrigir precocemente as complicações cirúr- na (ampicilina ou penicilina cristalina), um aminoglico-
gicas que possam ocorrer no curso da doença. Além sídeo (gentamicina ou amicacina) e metronidazol. Como
disso, e esses pacientes devem ser acompanhados segunda opção para os germes Gram-positivos utiliza-
em unidades de terapia intensiva, com monitoriza- -se oxacilina ou vancomicina e para os Gram-negativos,
ção rigorosa dos parâmetros vitais por, pelo menos, cefalosporina de 3ª geração (cefotaxima) ou o imipe-
72 horas após o início dos sinais e sintomas, já que nem. Assegurar a cobertura dos anaeróbios nos pacien-

58 SJT Residência Médica - 2015


11 Enterocolite necrosante (ECN)

tes que atingem o estádio III através do metronidazol A duração e a agressividade das medidas terapêuti-
ou da clindamicina. Apesar dos poucos estudos contro- cas devem ser modificadas de acordo com a gravidade da
lados, há uma tendência de escolha pela primeira, já que ECN, determinada pelo estadiamento clinicorradiológico.
o uso da clindamicina parece associar-se a maior risco De forma geral, estabelecem-se as seguintes
de desenvolvimento da estenose pós-ECN. Existe um
diretrizes:
consenso de não se utilizar a antibioticoterapia por via
oral, pois essa estratégia não se mostrou efetiva tanto a) pausa intestinal;
para prevenir como para evitar a progressão da doença b) descompressão gástrica com sonda n° 10 ou 12;
para fases mais avançadas. Além disso, o uso de antibi-
c) avaliação das condições metabólicas, acidobási-
óticos por essa via aumenta os riscos de crescimento de
cas e eletrolíticas: glicemia, pH, BE, HCO3-, Na+, K+ e Cl-;
cepas super-resistentes e pode aumentar os níveis séri-
cos do antibiótico quando há associação com a via sis- d) estudo hematológico: hematológico completo,
têmica. Em relação às imunoterapias (imunoglobulinas, com contagem da série branca e plaquetária;
transfusão de granulócitos e exsanguineotransfusão), e) estudo bacteriológico: coleta de sangue, fezes,
infelizmente todas as tentativas com o seu uso para o urina e, se necessário, liquor, para cultura;
controle do processo infeccioso no período neonatal
foram infrutíferas. Recentes estudos mostram aumen- f ) antibioticoterapia sistêmica: ampicilina +
to da contagem de neutrófilos com a administração de amicacina;
estimuladores de colônias de granulócitos; no entanto, g) controles radiológicos periódicos;
até o momento, não existem evidências seguras de sua h) nutrição parenteral, se as condições metabóli-
eficácia no controle do processo infeccioso. Nos casos cas e hemodinâmicas estiverem estáveis.
de choque séptico, pode-se utilizar de maneira empírica
o plasma fresco congelado. Para as crianças no estádio I (IA e IB), em geral, as
medidas que mantêm o repouso intestinal são suficien-
O trato gastrointestinal é o órgão-alvo na
tes. Após 72 horas, caso não haja progressão do quadro
ECN, porém outros aparelhos são afetados du-
e as culturas se mostrem negativas, a antibioticoterapia
rante a evolução da doença, provavelmente pela
sistêmica é suspensa e a alimentação enteral é instituída
ação de mediadores inflamatórios produzidos
gradativamente, de preferência com o leite humano da
durante o processo de instalação da lesão intes-
própria mãe. Na impossibilidade desse, as fórmulas lác-
tinal. Observa-se, em ordem de frequência, a deterio-
teas devem ser administradas cuidadosamente, sempre
ração da função cardiovascular, respiratória, renal e
hepática. A disfunção desses aparelhos, em particular monitorizando o quadro abdominal. A qualquer sinal de
o cardiovascular e o respiratório, diminui a perfusão e intolerância à fórmula, substituir por hidrolisados.
a oxigenação intestinal, agravando a lesão instalada. No estádio RA, as medidas de repouso intestinal
Portanto, é fundamental a monitorização intensiva e a antibioticoterapia devem ser mais prolongadas, no
da função desses órgãos, como a oxigenação, o estado mínimo por sete dias, mantendo a oferta nutricional
hemodinâmico, o débito urinário, o hematológico, os através da alimentação parenteral. Caso o paciente
distúrbios de coagulação e do equilíbrio acidobásico e apresente sinais de peritonite, recomenda-se o uso de
eletrolítico. A qualquer sinal de disfunção, iniciar com analgésicos (fentanil ou morfina).
as medidas adequadas para o seu controle.
Identificação precoce da perfuração intestinal: a Agressividade das medidas terapêuticas na ECN, se-
perfuração intestinal é a principal complicação cirúr- gundo o estadiamento clinicorradiológico
gica observada na fase aguda da ECN. Sua ocorrência Estádio Pausa intestinal + Medidas adicionais
associa-se a altas taxas de morbimortalidade, sendo o antibioticoterapia
seu reconhecimento precoce fundamental nos resul- I 3 a 5 dias
tados cirúrgicos. O método propedêutico de escolha,
IIA 7 a 10 dias
ainda, é o estudo radiológico do abdome. O controle
radiológico periódico tem como objetivo surpreender IIB 14 dias Aumentar oferta hídrica
precocemente a perfuração, bem como a evolução do Considerar drogas vasoativas
(dopamina e/ou dobutami-
estado funcional das alças intestinais. Recomenda-se na) e ventilação mecânica
que as avaliações radiológicas, até a confirmação diag-
Estádio Pausa intestinal + Medidas adicionais
nóstica da ECN, sejam realizadas em duas incidências:
antibioticoterapia
anteroposterior na posição supina e com o paciente em
IIIA > 14 dias IIB +
decúbito lateral esquerdo com raios horizontais. Após
Considerar paracentese
a confirmação do diagnóstico, as avaliações podem ser
realizadas somente com a última posição. Realizar ava- IIIB > 14 dias Laparotomia exploradora
Drenagem peritoneal
liação ultrassonográfica nos casos de suspeita da pre-
sença de ascite ou de coleções peritoneais. Tabela 11.5

59
Clínica Cirúrgica | Pediatria

Esses pacientes normalmente apresentam me- Tratamento cirúrgico


lhora dos sinais e sintomas gastrointestinais e sistê-
micos após 48 a 72 horas de tratamento. Nesse perí- O objetivo do tratamento cirúrgico na ECN é o de
atuar no momento preciso, isto é, aquele no qual, dada
odo, realizar a cada oito horas avaliações radiológicas
a evolução da afecção, já existe um segmento intestinal
através de raios horizontais com o paciente em decú-
comprometido de forma irreversível ou perfurado. Evi-
bito lateral esquerdo, para o reconhecimento precoce
dentemente, na prática, trata-se de uma decisão mui-
da perfuração intestinal. Após uma semana, introdu- tas vezes difícil, pois tanto indicações cirúrgicas muito
zir cuidadosamente a alimentação enteral, através de precoces ou mais tardias podem ser ineficazes, com-
leite humano ou hidrolisados. prometendo o prognóstico. Infere-se daí a importância
Os pacientes que atingem o estádio IIB apre- primordial de serem esses pacientes preferencialmente
sentam algum sinal de comprometimento sistêmico acompanhados por um mesmo cirurgião pediátrico, ha-
e sinais de insuficiência microvascular com desvio bituado às medidas diagnósticas, ao diagnóstico dife-
de líquidos para o terceiro espaço. Deve-se, portan- rencial e ao tratamento dos portadores dessa afecção.
to, ficar atento na monitorização da disfunção de Uma série de sinais clínicos e radiológicos
múltiplos órgãos, em particular o cardiovascular e está, em maior ou menor grau, correlacionada à
o respiratório. A qualquer sinal de insuficiência car- ocorrência de um segmento intestinal inviável ou
diovascular, iniciar com dopamina e, se necessário, as- perfurado. Os sinais mais comumente citados são:
sociar dobutamina. Ajustar a oferta hídrica de acordo piora progressiva do estado geral, apesar da instituição
com balanço hídrico realizado a cada seis horas. Em das medidas terapêuticas; surgimento de eritema na
geral, há necessidade de aumento da oferta de líqui- parede abdominal; palpação de massa abdominal fixa;
dos em até 100% das necessidades basais, por causa piora da distensão abdominal acompanhada de au-
da perda de fluidos para o terceiro espaço. A indicação mento da resistência à palpação e aumento do débito
da assistência ventilatória não deve seguir os padrões pela sonda gástrica de líquido com aspecto fecaloide;
para as doenças pulmonares, instalar precocemente a neutropenia e plaquetopenia progressiva e persistente;
acidose metabólica persistente; pneumatose intestinal
ventilação mecânica, evitando a ocorrência de apneias
e pneumoportograma; aumento do líquido ascítico; lí-
recorrentes, hipoxemia ou hipercapnia graves. Nessa
quido ascítico de aspecto achocolatado e detecção de
fase, está contraindicado o uso de CPAP nasal, por cau-
germes na coloração pelo Gram; persistência de alças
sa da distensão abdominal. As avaliações radiológicas intestinais fixas e paréticas em radiografias sucessivas
seguem o mesmo esquema do estádio IIA. Manter as e pneumoperitônio. Nenhum desses achados, à exce-
medidas de repouso intestinal, antibioticoterapia sis- ção do pneumoperitônio, é isoladamente indicador
têmica e nutrição parenteral por pelo menos catorze da intervenção cirúrgica. São sinais inespecíficos,
dias. Após duas semanas, introduzir cuidadosamente pois podem relacionar-se tanto à ocorrência de necro-
a alimentação enteral, através de leite humano ou fór- se de alça intestinal quanto à evolução desfavorável do
mulas de hidrolisados. quadro septicêmico sem um real comprometimento ir-
No estádio III, o paciente está gravemen- reversível de um segmento intestinal.
te enfermo, com sinais evidentes de disfunção de Na prática clínica, todos os pacientes que atin-
múltiplos órgãos, acompanhados de manifestações gem o estádio III são candidatos potenciais ao tra-
clínicas de choque séptico. Além das medidas adota- tamento cirúrgico. No entanto, muitos apresentam-se
das no estádio anterior, iniciar o esquema com plas- em estágio intermediário, e a decisão da necessidade e
ma fresco congelado (10 mL/kg/dose, duas vezes ao do momento adequado da intervenção é, na maioria
das vezes, individualizada, sendo baseada na análise
dia, durante três dias). Normalmente, nessa fase, os
evolutiva dos achados clínicos, laboratoriais e radioló-
pacientes necessitam de altas doses de dopamina e
gicos. Além disso, deve-se levar em conta que esses pa-
dobutamina e, às vezes, até de adrenalina em infu-
cientes, muitas vezes, encontram-se em estado crítico,
são contínua para o controle do choque. Procurar dificultando a decisão, que deve, preferencialmente, ser
manter o hematócrito acima de 40%, e, na presença tomada em conjunto pelo cirurgião e o neonatologista.
de plaquetopenias abaixo de 50.000 ou entre 50.000
O procedimento cirúrgico de preferência é a re-
e 100.000 acompanhadas de sinais de sangramen-
alização da laparotomia exploradora com ressecção
to ativo, indicar a transfusão de plaquetas (1 U/kg/ das alças não viáveis e exteriorização da parte viável
dose). Manter a monitorização radiológica cuidadosa através de estomias, seguida de drenagem da cavida-
para detectar a perfuração intestinal, e na presença de peritoneal. Raramente a lesão poderá estar bem res-
de sinais de ascite deve-se considerar a punção abdo- trita e localizada, podendo então se realizar a ressecção
minal para o estudo do líquido. Caso haja estabiliza- seguida de anastomose primária. Em cerca de 10% dos
ção do quadro, manter a pausa intestinal e a antibio- casos, o cirurgião pode se deparar com todo o intestino
ticoterapia pelo menos até catorze dias. de aspecto necrótico, a chamada ECN totalis. Nesses ca-

60 SJT Residência Médica - 2015


11 Enterocolite necrosante (ECN)

sos, é conveniente não ressecar; fecha-se a laparotomia temente são múltiplas, daí a necessidade de se realizar
em um único plano, reoperando-se após 48 horas. Essa o estudo radiológico contrastado do intestino delgado e
estratégia tem como objetivo precisar melhor a delimi- cólons antes de se reconstruir o trânsito intestinal.
tação da área a ser ressecada.
Convém lembrar que nesse grupo etário as
enterostomias determinam grandes perdas de
fluidos e eletrólitos, sendo difícil a manipulação
hidroeletrolítica no pós-operatório. Para evitar
Prognóstico
esse tipo de inconveniente, indica-se a reanasto- A mortalidade situa-se entre 20 e 40%, dependen-
mose o mais precocemente possível. do do grau da prematuridade, da gravidade da infecção
Nos recém-nascidos com menos de 1.000 g ou e da insuficiência de múltiplos órgãos. As complicações
naqueles que se encontram em má condição clínica que podem ocorrer na fase aguda são as relacionadas à
independentemente do peso, o procedimento mais septicemia, como choque, necrose tubular aguda, CIVD,
recomendado é a drenagem peritoneal simples com neutropenia, trombocitopenia, meningite, bem como
a peritonite com ou sem perfuração intestinal. Entre as
anestesia local, e que pode ser realizada na própria
complicações tardias, a mais importante é a síndrome do
unidade neonatal à beira do leito. Oportunamente, o
intestino curto (8-10%) nos pacientes submetidos a gran-
recém-nascido será submetido à laparotomia explora- des ressecções intestinais. Outras complicações tardias
dora para ressecção das alças necrosadas e realização são: síndrome de má absorção, atresias ou estenoses in-
das estomias e, se possível, da anastomose. testinais, fístulas enteroentéricas ou enterocólicas, pseu-
O repouso intestinal deverá ser mantido até docisto intraperitoneal e colestase. A complicação tardia
três a cinco dias após a normalização das funções mais frequente é a estenose, à qual já nos referimos. Sua
gastrointestinais, época em que, nos casos de crian- suspeita clínica deve ser feita em casos de recorrência de
ças portadoras de estomias, está indicado o seu fe- sangramento intestinal, distensão abdominal ou através
chamento. No entanto, antes de realizá-lo, deve-se do quadro bem caracterizado de semioclusão intestinal
lembrar que a incidência de estenoses pós-ECN se após reconstrução do trânsito digestivo.
situa em torno de 15 a 30% dos casos. Tais estenoses O prognóstico a longo prazo depende da ocor-
ocorrem preferencialmente no cólon, sendo o ângulo rência ou não da síndrome do intestino curto, obser-
esplênico o local mais frequentemente acometido. vando-se bom desenvolvimento ponderoestatural nos
Podem também ocorrer no intestino delgado e frequen- casos que não desenvolvem essa síndrome.

61
212
Capítulo

Hérnia
O UTICO
Diafragmática
BÁSICO eM
Congênita
COLOGIA
12 Hérnia diafragmática congênita

Definição Fisiopatologia
Defeito do diafragma permitindo a passagem de A diminuição da área de troca alveolar, diminui-
alças intestinais para a cavidade torácica, sempre asso- ção da complacência pulmonar, deficiência da produ-
ciada a hipoplasia pulmonar e hipertensão pulmonar ção de surfactante são características da hipoplasia
persistente de gravidade variável. pulmonar e contribuem decisivamente para o quadro
de insuficiência respiratória grave, com hipoxemia e
hipercapnia. Estes dois últimos, por sua vez, são im-
portantes fatores vasoconstritores do território vas-
cular pulmonar, contribuindo juntamente com outras
Incidência alterações anatômicas estruturais para a hipertensão
pulmonar persistente. A partir daí temos um círculo
Calculada entre 1:2.000 e 1:12.000, sendo a discre-
vicioso em que a insuficiência respiratória, levando a
pância atribuída à frequência de óbitos precoces não diag-
hipoxemia e hipercapnia, perpetua a hipertensão pul-
nosticados como HDC (hérnia diafragmática congênita).
monar. Esta acarreta manutenção do padrão circula-
Distribuição equitativa entre meninos e meninas. tório fetal, com significativo shunt direito-esquerdo
O defeito mais comum é a HDC posterolateral e desvio do fluxo sanguíneo do território pulmonar,
de Bochdaleck, sendo 85% esquerdo, 10-15% direito agravando ainda mais a insuficiência respiratória.
e cerca de 1% bilateral. Fatores adjuvantes, como acidose mista, hipo-
Quando o defeito é anterior-xiforetroester- termia, estímulo adrenérgico relacionado à manipula-
nal a herniação se faz pelo forame de Larry e é de- ção e dor agravam a hipertensão pulmonar e o shunt.
nominada hérnia de Morgami. São nestes fatores manipuláveis que devemos atuar
quebrando decisivamente o círculo de insuficiência
respiratória – hipertensão pulmonar, a fim de se ob-
ter estabilização clínica do paciente antes de qualquer
tentativa de reparo cirúrgico do diafragma.
Embriologia
O diafragma é formado pela fusão de quatro com-
ponentes (septo transverso, mesentério dorsal do esô-
fago, músculos da parede torácica e membrana pleu- Sinais e sintomas
roperitoneal), ocorrendo posteriormente migração de
mioblastos e da inervação pelo nervo frênico (4a e a
8a semanas de vida intrauterina). A permanência do
Insu昀椀ciência respiratória
defeito diafragmático aberto após a 10ª semana Em 90% dos casos temos um início precoce, sen-
permite herniação do conteúdo abdominal para do tanto mais grave quanto mais precoce a manifes-
a cavidade torácica, comprimindo o broto pul- tação de desconforto respiratório. Possível período de
monar e desencadeando hipoplasia do pulmão “lua-de-mel” inicial, com piora relacionada à distensão
ipsilateral. A hipoplasia pulmonar e as alterações intestinal por aerofagia, aumento do conteúdo hernia-
vasculares responsáveis pela hipertensão pulmo- do e agravamento da hipoxemia e hipercapnia, pioran-
nar persistente são diretamente responsáveis pela do a hipertensão pulmonar.
mortalidade elevada desta malformação.
Cerca de 50% dos pacientes recém-nascidos
com HDC apresentam associação com outras mal- Sinais de instabilidade
formações, especialmente defeitos do tubo neural, hemodinâmica
sistema genitourinário, alterações de membros e cra-
Decorrente de insuficiência cardíaca por falência
niofacial, defeitos cardíacos (defeitos do septo ventri-
de bomba direita secundária a regime de hipertensão
cular, anel vascular e coarctação de aorta) e atresia de
pulmonar grave ou prejuízo do retorno venoso secun-
esôfago, onfalocele e anomalia de rotação intestinal,
dário a desvio de mediastino.
assim como as trissomias do 13, 18 e 21, a síndrome
45XO é registrada como parte das síndromes de Gol-
denhar, Beckwith-Wiedemann, Pierre Robin, Goltz- A hipoplasia pulmonar e a hipertensão pulmonar serão os
determinantes na sobrevida do recém-nascido.
-Gorlin e rubéola congênita.

63
Clínica Cirúrgica | Pediatria

Diagnóstico 5. Drogas vasoativas a fim de manter pressão sis-


têmica adequada e diminuir shunt.
USG pré-natal e raio X ao nascimento. 6. Uso de óxido nítrico como vasodilatador sele-
Quarenta a sessenta por cento dos casos são tivo com ação sistêmica mínima. Na falta de disponibi-
diagnosticados no período pré-natal. Os principais lidade desta, podemos usar drogas, como a tolazolina,
sinais evidenciados na ultrassonografia (US) da HDC que age na circulação pulmonar abrindo a musculatu-
esquerda são a presença de alças intestinais e bolha gás- ra e melhorando a oxigenação. O sildenafil (Viagra®)
trica dentro do tórax, desvio do mediastino e do cora- é um inibidor da PDE-5, sendo também um potente
ção para a direita, ausência de bolha gástrica no abdome vasodilatador pulmonar seletivo ao promover nível
e presença de peristaltismo no tórax. Na HDC direita, aumentado e sustentado da GMPc. Além de causar
o diagnóstico é mais difícil porque o fígado possui eco- diminuição da resistência vascular pulmonar, aumen-
genicidade semelhante à do pulmão e pode ser o úni- ta o rendimento cardíaco. O mecanismo que causa o
co órgão herniado no tórax. A identificação do fígado aumento do rendimento cardíaco é incerto. Talvez
depende da informação indireta da presença das veias seja secundário à redução na pós-carga do ventrícu-
porta e hepática acima ou abaixo do diafragma e do des- lo direito ou a um efeito miocárdico pelo aumento da
locamento ou curso anormal da veia umbilical ou ducto GMPc. Ele melhora a ação do óxido nítrico, podendo,
venoso, quando observadas na US com Doppler. também, ser usado na sua retirada. Pode ser usado na
forma oral e IV. A dose oral sugerida é de 1 a 2 mg/kg
a cada 6 ou 8 horas. Pode causar hipotensão sistêmica.
7. Manter temperatura neutra, normocalcemia,
Tratamento normoglicemia e hematócrito elevado.
8. Correção cirúrgica do defeito diafragmático ape-
nas após estabilização clínica e reversão do quadro de hi-
Tratamento pré-natal pertensão pulmonar. Parâmetros desejáveis:
Ao bloquear temporariamente a saída de líquido € Diferença da PaO2 pré-ductal e pós-ductal menor
pulmonar, a oclusão traqueal (OT) fetal resulta em au- do que 10 mmHg entre dosagens simultâneas, sem
mento do líquido pulmonar com aumento da pressão nenhuma flutuação na oxigenação pré e pós-ductal
dentro da via aérea e consequente crescimento pulmo- notada aos estímulos externos (aspiração endotra-
nar, maturação da vasculatura e redução gradual das queal, estímulos dolorosos e outros).
vísceras abdominais. € Estabilidade hemodinâmica (pressão arterial
A técnica denominada FETENDO (fetal tracheal e frequência cardíaca estáveis, perfusão peri-
endoscopy occlusion) é uma forma de OT videofetos- férica adequada).
cópica realizada com colocação de balão intratraqueal € PaCO2 < 60 mmHg, saturação pré-ductal ≥ 85%
ou plug. O balão ou plug é inserido percutaneamente com FiO2 < 50%.
entre a 26a e a 28a semanas de gestação, e a desobstru-
€ Exame ecocardiográfico com melhora da hi-
ção, realizada na 34ª semana gestacional por traque-
pertensão pulmonar: RT < 2,5-3 m/seg; relação
oscopia fetal, utilizando punção do balão guiada por
PAP/SAP < 2/3.
eco ou pelo esvaziamento de um balão expansível. As
indicações são hérnia diafragmática isolada, cariótipo € Ausência de shunt ou shunt bidirecional esquer-
normal, diagnóstico antes da 25ª semana de gestação, da-direita dominante.
fígado herniado e índice LHR (lung-to-head ratio) < 1,0. Acesso via laparotomia subcostal E, e reparo pri-
mário com fio inabsorvível.
O segmento intestinal proximal dilatado é resse-
Tratamento pós-natal cado em um ângulo de 90º. O intestino distal, de pe-
queno calibre, é ressecado obliquamente em ângulo de
1. Diagnóstico pré-natal, preparação de equipe 45º. Uma incisão ao longo do bordo antimesentérico
multidisciplinar, programação do parto, transporte deve ser efetuada para uma anastomose término-dor-
e vaga na UTI. so-oblíqua. O mesentério do intestino proximal deve
2. Parto eletivo, IOT ao nascimento e administra- ser incisado longitudinalmente, para evitar acotovela-
ção de surfactante. mento junto à anastomose. Adaptado de Nixon.
3. Suporte ventilatório – evitar pico de pressão Redução do calibre do jejuno proximal por duo-
inspiratória pelo risco de pneumotórax. denojejunoplastia redutora. Uma sonda é colocada no
4. Sedação contínua evita agravamento da vaso- lado mesentérico do lúmen, com ressecção antimesen-
constrição pulmonar por estresse adrenérgico. térica com grampeador e anastomose terminoterminal.

64 SJT Residência Médica - 2015


12 Hérnia diafragmática congênita

Informações essenciais
É contraindicado ventilar o recém-nascido com máscara e ba-
lão. Se necessário, realizar entubação traqueal.
O recém-nascido deve estar clinicamente estável em seu qua-
dro respiratório e hemodinâmico para ser submetido à cirurgia.
Controlar rigorosamente hipoxemia, hipercarbia, acidose e
hipotermia

Figura 12.2 Hemitórax direito com imagens sugestivas de alças intestinais,


desvio do mediastino. Observar a imagem aérea do estômago no abdome.

Fatores prognósticos
Sobrevida global < 50%.
Início dos sintomas < 6 horas, RNPT baixo
peso, presença de malformação cardíaca são fato-
res de pior prognóstico.
Nota: temas como Atresia de Vias Biliares, Atre-
Figura 12.1 Hemitórax esquerdo mostrando imagens císticas aéreas sia de Esôfago e Uropediatria você encontrará nos mó-
compatíveis com padrão radiológico de alças intestinais, desvio do me- dulos de Cirurgia de Vias Biliares, Cirurgia do Esôfago
diastino e pouco ar no abdome (hemiabdome esquerdo) e Cirurgia Urológica.

65
213
Capítulo

PROPEDÊUTICO
Megacólon de
ÁSICO eM
Hirschsprung
13 Megacólon de Hirschsprung

Conceito Diagnóstico
O megacólon aganglionar, também conhecido O megacólon aganglionar ocorre em 1/5.000
como megacólon congênito ou doença de Hirschsprung, nascidos vivos, havendo predileção para o sexo mas-
é uma doença congênita que se caracteriza por suboclu- culino na proporção de 3,9/1 nos casos esporádicos.
são intestinal crônica primária, que ocorre por ausência O megacólon aganglionar na forma clássica,
congênita dos gânglios parassimpáticos mioentéri- ocorre em 80% dos casos, na região retossigmoide,
cos de Auerbach e submucosos de Meissner. e o transverso e o cólon direito são acometidos em
10 a 20% das vezes. O megacólon aganglionar total
ocorre em apenas 3% dos casos, sendo desconhecida
a verdadeira incidência das formas curta e ultracurta
Etiologia em razão dos critérios diagnósticos não uniformes
empregados pela literatura.
O megacólon aganglionar ocorre por interrupção O quadro clínico é variável com o comprimento
da migração craniocaudal dos neuroblastos da crista do segmento aganglionar.
neural até a parede intestinal, por volta da 12ª sema- A forma clássica tem manifestação no período
na de vida intrauterina, ocasionando incoordenação neonatal, com demora para eliminação de mecônio,
peristáltica e obstrução ao trânsito intestinal. distensão abdominal e raramente vômitos. A elimi-
Estudos recentes demonstram a existência de três nação de fezes ocorre nas primeiras 24 horas após o
genes responsáveis pela doença; 10% dos casos têm ca- parto em 94% dos recém-nascidos normais e a termo.
racterísticas hereditárias e o restante se apresenta na A ausência de eliminação de mecônio além desse tem-
forma de mutação livre. Estudos genéticos têm demons- po é altamente sugestiva de processo suboclusivo ou
trado casos familiares, com gene autossômico dominan- oclusivo nessas crianças. Entretanto, esse tempo para
te, de penetração incompleta para a forma total, e gene eliminação do primeiro mecônio em recém-nascidos
recessivo de baixa penetrância na forma clássica. pré-termo deve ser estendido para até 72 horas sem
significação patológica. Os recém-nascidos em geral
são bastante irritados, com baixa aceitação alimentar
e desnutridos. A manipulação anal pode levar à elimi-
nação de mecônio pelo recém-nascido, melhorando a
Classificação distensão abdominal, que, entretanto, logo se reinsta-
la. O padrão de evacuações e distensão abdominal não
De acordo com o comprimento e a localização do
responde ao tratamento clínico com dieta ou laxantes,
segmento aganglionar, a doença pode ser classificada
exceção feita aos clisteres.
em quatro formas diferentes:
A forma total tem quadro clínico irregular e, pa-
1. Longa ou clássica: o segmento aganglionar se
radoxalmente, em geral, mais branda do que a forma
estende do reto até o sigmoide.
clássica, embora já presente no período neonatal. A
2. Total: o segmento aganglionar se estende sintomatologia mais leve poderia ser explicada por-
por todo o cólon, podendo também o íleo terminal que não há incoordenação peristáltica, uma vez que
ser aganglionar. todo o cólon é aganglionar. Assim como na forma
3. Curta: a aganglionose está restrita à porção clássica, as crianças acometidas apresentam grave
distal do reto. comprometimento ponderal.
4. Ultracurta: a aganglionose restringe-se ao es- As formas curta e ultracurta têm sintomatolo-
fíncter interno do ânus. gia leve, constituindo-se de constipação intestinal,
com pouca ou nenhuma repercussão pondoestatural,
fazendo com que o diagnóstico muitas vezes ocorra
Classificação mais tardiamente.
Forma clássica 80% dos Zona de transição A enterocolite (megacólon tóxico) é uma com-
casos no retossigmoide
plicação grave do megacólon aganglionar, que pode
Forma longa 5% Transição no cólon descendente ocorrer no recém-nascido ou mesmo no lactente jo-
Forma curta 5% Transição no reto distal vem, e se caracteriza por diarreia profusa, fétida,
Forma rara Apenas esfíncter interno com sangue e muco, intensa distensão abdominal e
ultracurta comprometimento do estado geral.
Aganglionose 10% Zona aganglionar atinge íleo A perfuração do cólon ou o apendicite pode ocorrer,
cólica total terminal complicando a doença, concomitantemente à enterocoli-
Tabela 13.1 te ou não, e é bastante sugestiva de megacólon aganglio-

67
Clínica Cirúrgica | Pediatria

nar. A literatura refere que toda criança abaixo de 2 mucosa e submucosa, sendo somente possível a pesqui-
anos com perfuração de cólon ou apendicite, mesmo sa de plexos de Meissner. A presença de acetilcolina em
com ausência de constipação intestinal, deve ser in- virtude de hipertrofia de fibras colinérgicas pré-simpá-
vestigada para megacólon aganglionar. ticas que ocorre na doença é demonstrada através da
O toque retal é de grande importância, pois ca- coloração histoquímica com acetilcolinesterase, e foi
racteriza reto vazio. A presença de fezes em ampola
descrita pela primeira vez por Meier-Ruge. Na criança
acima de 1 ano, o padrão histológico clássico consiste
retal só ocorre na constipação do tipo funcional ou na
em fibrilas nervosas acetilcolinesterase positivas em
forma ultracurta.
submucosa e muscular da mucosa e clara infiltração de
O raio X simples de abdome é inespecífico, po- fibras nervosas foras acetilcolinesterase positiva em
dendo mostrar apenas fezes impactadas. lâmina própria. A manometria anorretal está indicada
O clister opaco (ou enema opaco) é o exame de es- principalmente naqueles casos de formas curta e ul-
colha, porque permite o diagnóstico pela demonstra- tracurta, para diagnóstico diferencial com constipação
ção de segmento estreitado distal, correspondendo ao funcional, pois no megacólon aganglionar não ocorre
segmento aganglionar, contrastando com o segmento resposta manométrica de relaxamento do esfíncter in-
dilatado proximal, que corresponde ao segmento gan- terno ao aumento de pressão retal.
glionar normal, além de permitir avaliação da exten-
são do cólon acometido. Entretanto, cuidados técnicos Diagnóstico
são essenciais para a realização do clister opaco:
1. Raio X simples Distensão de alças de cólon sigmoide
€ O exame deve ser realizado sem preparo prévio, 2. Enema opaco Identificação de cone de transição entre
pois o preparo atenua a diferença de calibre entre área distal espástica e dilatação proximal
o segmento acometido e o normal, uma vez que a
3. Manometria Balão insuflado no reto - distensão da pare-
dilatação do segmento normal, ganglionar, é se- de retal - relaxamento do esfíncter interno
cundária ao acúmulo de fezes. Presença de reflexo mioentérico permite
€ A quantidade de contraste deve ser pequena, excluir Hirschsprung
pois grandes quantidades de contraste impe- 4. Biópsia HE Pesquisar ausência de gânglios na pa-
dem a individualização dos segmentos. rede total obtida a 2, 4 e 6 cm da linha
pectínea análise do fragmento adequa
€ O perfil é a posição ideal para se realizar a ra- do por patologista experiente ausência
diografia, pois permite melhor visualização de células ganglionares e hipertrofia de
do retossigmoide. troncos nervosos
€ Na presença de estudo radiológico inconclusivo 5. Biópsia AchE Aumento da atividade acetilcolinesterase
no recém-nascido, repetir o exame após uma ou Técnica imuno-histoquímica
duas semanas, pois as imagens típicas nem sem- Tabela 13.2
pre estão presentes ao nascimento.
Diagnósticos diferenciais
O enema opaco nas formas clássicas demonstra a
diferença de calibre entre a zona acometida (estreitada) Displasia neuro- Síndrome do cólon Íleo meconial
e o segmento colônico ganglionar a montante (dilatado). nal intestinal esquerdo

Nas formas de aganglionose total o enema opaco Hipotireoidismo Obstipação crônica asso- Megarreto
ciada a erro alimentar funcional
mostra cólon de calibre uniforme constante e apaga-
Tabela 13.3
mento das haustrações, não se observando diferenças
de calibre entre os segmentos colônicos e a zona de
transição, uma vez que todo o cólon está acometido.
Nas formas curtas, o enema opaco é incaracterístico.
A biópsia da parede retal cirúrgica ou a biópsia
por sucção com coloração pela hematoxilina/eosi-
na (HE) e por histoquímica pela acetilcolinesterase
(AchE) complementam o estudo, e são confiáveis e
seguras (é fundamental realizá-la). A biópsia cirúr-
gica da parede retal tem a desvantagem de exigir inter-
nação e anestesia geral, por se tratar de procedimento
cirúrgico, mas permite a obtenção de fragmento repre-
sentativo, contendo submucosa e muscular, possibili-
tando, com segurança, pesquisar os plexos mioentéri-
cos de Auerbach e os submucosos de Meissner. A biópsia
por sucção é mais simples, não requerendo internação e
nem mesmo sedação, mas requer patologista experien- Figura 13.1 Enema opaco: área agangliônica (estreitada), com dilata-
te, pois o fragmento obtido dessa forma só representa ção a montante.

68 SJT Residência Médica - 2015


13 Megacólon de Hirschsprung

A limpeza mecânica do cólon é o primeiro pro-


cedimento, independentemente da opção terapêutica
subsequente. O objetivo é aliviar rapidamente a obs-
trução instestinal e evitar a enterocolite. A colostomia
ou a ileostomia é realizada após melhora do estado ge-
ral e alívio da obstrução e/ou da enterocolite.
A cirurgia definitiva requer preparo pré-operatório
adequado (limpeza do cólon e prescrição de aminoglico-
sídeo e metronidazol que serão mantidos no pós-opera-
tório por mais 36 a 48 horas). Caso o recém-nascido seja
prematuro ou tiver enterocolite, o tratamento definitivo
Figura 13.2 Enema opaco: notar a dilatação a montante da área
deverá ser feito entre 3 e 12 meses.
estenosada. 1. Colostomia terminal a Hartmann: colostomia
Normal Hirschsprung's deve ser feita imediatamente acima da zona de transição
canal anal observada no enema opaco e durante a laparotomia, per-
mitindo descompressão intestinal adequada e preparo
para o abaixamento de cólon em um segundo tempo.
2. Abaixamento de cólon: escolha da técnica de-
pende da escola cirúrgica.
a) Duhamell Haddad retrorretal com coto;
Distensão retal
b) Swenson: anastomose coloanal;
Figura 13.3 Manometria anorretal: observe a onda de contração anormal
com ausência de relaxamento no paciente com doença de Hirschsprung. c) Soave: abordagem endoanal combinada.
3. Cirurgia de De La Torre-Mondragon: abaixa-
mento endoanal via perineal exclusiva sem colostomia
prévia. Este é o procedimento atualmente mais utilizado.
Condições associadas Em geral, a despeito da técnica empregada, os
resultados com o tratamento cirúrgico da doença de
O megacólon aganglionar pode ocorrer isolada- Hirschsprung são satisfatórios. A grande maioria dos
mente ou associado a diversas síndromes genéticas, pacientes (80-90%) apresenta hábito intestinal normal
principalmente àquelas com falência de migração das
e a quase totalidade não tem impotência ou incontinên-
células da crista neural, como a adenomatose endó-
cia urinária em seguimento superior a 15 anos.
crina múltipla tipo 3, disautonomia familiar, além de
frequente associação com síndrome de Down, macro Nos últimos anos, a videocirurgia tem sido utilizada
e microcefalia, surdez, ictiose, palato fendido, braqui- com sucesso no tratamento do megacólon congênito. A
dactilia e outras. Outras condições associadas incluem doença de Hirschsprung com segmento curto (menor que
a síndrome de Waardenburg, a síndrome de von Re- 5 cm), apesar de infrequente (2-5%), pode ser tratada ape-
cklinghausen, a síndrome de Smith-Lenli-Opitz, a sín- nas com miomectomia posterior, tanto através da parede
drome de Goldberg-Shprintzen e atresia de cotori. retal na linha pectínea como através de acesso transacral,
com bons resultados. Ambas as técnicas preconizam a
ressecção de uma fita muscular longitudinal de 1 cm x 4,5
cm na parede muscular posterior, na zona aganglionar, in-
Tratamento cluindo o esfíncter interno do ânus. A doença de Hirschs-
prung de segmento longo também é infrequente, porém
Este é realizado em três etapas: nesta os resultados cirúrgicos são decepcionantes.
€ limpeza mecânica do cólon;
Estes procedimentos cirúrgicos serão descritos
€ colostomia descompressiva; em detalhes no capítulo das doenças do intestino
€ cirurgia definitiva. grosso, módulo de cirurgia do aparelho digestivo.

69
214
Capítulo

PEDÊUTICO
anomalia
BÁSICO eM (AAR)
anorretal
14 Anomalia Anorretal (AAR)

Introdução A fístula retoperineal é considerada AAR baixa,


permitindo anorretoplastia sem necessidade de colos-
O diagnóstico inicial de ânus imperfurado é es- tomia prévia nem investigação aprofundada. Os de-
tabelecido facilmente ao exame físico, na sala de par- mais tipos são considerados AAR alta e o tratamento
to ou no berçário, mas a conduta cirúrgica inicial não implica realização inicial de colostomia.
deve ser tomada imediatamente. O exame físico e a inspeção do períneo são valio-
O ânus imperfurado e as anomalias da cloaca síssimos na avaliação desses pacientes. A presença de
são as principais anomalias do intestino inferior e fístula na fúrcula vaginal posterior no sexo feminino
ocorrem uma vez a cada 5.000 nascimentos. As ano- ou de anomalia em alça de balde no homem geralmen-
malias anorretais são mais prevalentes em meninas, sen- te indica a existência de anomalia baixa. Presença de
do também importantes as associações com síndrome
ar na bexiga à radiografia simples indica fístula com a
de Down. Na quarta semana de gestação, o embrião de-
senvolve a cloaca interna é dividida em duas partes pela bexiga. Presença de mecônio na urina é diagnóstica de
descida caudal do septo urogenital, conhecido como pre- fístula com o trato urinário e estabelece o diagnóstico
ga de Rathke. Esse septo é formado ao redor da sétima de anomalia alta. Presença de mecônio ou descamação
semana gestacional. Concomitantemente, a membrana em pérola na rafe mediana no sexo masculino indica
cloacal migra em direção dorsal. Quando a membrana anomalia baixa. No sexo feminino, fístula na fúrcula
cloacal e membrana urogenital se encontram, a membra- vaginal posterior indica anomalia baixa, enquanto fís-
na cloacal atrofia-se, estabelecendo a patência do ânus. A tula na vagina acima do hímen indica anomalia alta.
porção anterior da cloaca interna dá origem à uretra no
homem e à uretra e à vagina na mulher. A cloaca externa,
formada pela porção anterior, dobra-se na linha média
no homem para formar a uretra distal na 11º semana.
O ânus é a porção ectodérmica do canal anal e é exter-
no em relação à membrana cloacal. O reto, os músculos
elevadores do ânus e o esfíncter unem-se para formar o
complexo muscular estriado.
A inervação autonômica para os músculos eleva-
dores do ânus origina-se dos ramos nervosos sacrais e
do nervo pudendo. Os nervos atravessam a face lateral
do reto obliquamente. Os nervos somáticos encon-
tram-se abaixo da fáscia e originam-se dos segmentos
sacrais 3, 4 e 5. Os músculos voluntários anais são in-
vervados pelos nervos pudendos e perineais, os quais
atravessam a parede média da fossa isquiorretal.
É necessário aguardar um período de até 18 a
36 horas a fim de observarmos a saída de mecônio
através da comunicação do reto com o trato uriná-
rio (nos meninos) ou genital (nas meninas), e com
isso definir a necessidade de realização de colosto-
mia como primeiro tempo cirúrgico. Posteriormen-
te, procederemos à investigação de anomalias asso-
ciadas e à determinação exata do nível da fístula para
programação de correção definitiva.

Classi昀椀cação
Classificação das AAR
Meninos Meninas
Fístula perineal Fístula retroperineal
Fístula retouretral bulbar Fístula retovestibular
(mais comum) (mais comum)
Fístula retoprostática Fístula retovaginal
Fístula retovesical Cloaca Figura 14.1 A: recém-nascido do sexo feminino com ânus imperfu-
rado baixo. O mecônio está sendo eliminado pela vagina, através de
AAR sem fístula AAR sem fístula uma fístula retovaginal. B: recém-nascido do sexo masculino com ânus
Tabela 14.1 imperfurado alto. O mecônio está sendo eliminado pela urina.

71
Clínica Cirúrgica | Pediatria

Fístula perineal: definida como AAR baixa, b- Esperar até 36 horas para observar eliminação
apresenta esfíncter externo bem desenvolvido e po- de mecônio e caracterizar fístula com trato genital, uri-
sicionado, permitindo correção primária com baixo nário ou diretamente no períneo, determinando con-
risco de lesão. Observação de mecônio no períneo duta neonatal (colostomia X anorretoplastia primária).
ou em trajeto na rafe mediana do escroto. Muscu-
latura e sulco interglúteo bem desenvolvidos, prog- c- Se não ocorrer eliminação de mecônio realizar
nóstico de continência fecal bom. invertograma (raio X simples realizado com a região
Fístula uretral bulbar: diagnóstico a partir do glútea elevada em relação ao abdome e marcador me-
colograma distal realizado algumas semanas após a tálico na impressão anal). Quando a distância entre o
confecção de colostomia em duas bocas. Eliminação final do reto (visualizado como uma bolha gasosa) e o
de mecônio na urina. Presença de parede comum ex- marcador anal for maior que 1 cm, indicar colostomia.
tensa entre reto e uretra bulbar dificulta separação. Caso contrário, é possível correção definitiva neonatal.
Bom prognóstico de continência fecal.
Fístula uretral prostática: caracterização de
fístula urinária no RN e diagnóstico definitivo através
do colograma. Apresenta parede comum mais curta, 2- Investigação de anomalias
porém a dificuldade de dissecção é maior em razão do
acesso profundo na cavidade pélvica. Pior prognóstico associadas
de continência em virtude de associação com malfor- Em função da presença comum de malformações
mação da coluna sacral e da inervação do períneo. Even- associadas, algumas cujo tratamento pode ser priori-
tualmente necessária abordagem abdominoperineal. tário em relação à anomalia anorretal, é importante a
Fístula retovesical: comunicação com o colo vesi- investigação completa, permitindo diagnóstico e tra-
cal, geralmente associada a malformações perineais da tamento precoces de outros problemas complexos.
musculatura e inervação, definindo prognóstico de con-
tinência fecal precário. Abordagem cirúrgica abdomino- V- malformações vertebrais: realizar raio X de
perineal, eventualmente com auxílio de laparoscopia. coluna lombossacra e USG de canal medular.
Fístula vestibular: geralmente abertura ampla A- investigação do nível de comunicação da AAR com
no vestíbulo vaginal (externo ao hímen), com parede o trato urinário ou genital através do colograma distal.
comum longa entre vagina e reto. Bom prognóstico de
continência, com musculatura glútea bem desenvolvi- C- anomalias cardíacas: exame físico e eco-
da e sacro normal. Necessária colostomia no período cardiograma.
neonatal para correção sem contaminação fecal. TE- pesquisar anomalias traqueoesofágicas,
AAR sem fístula: corresponde a cerca de 5% dos como atresia de esôfago e traqueomalacia associadas.
casos em ambos os sexos, tendo bom prognóstico de
R- malformações renais: inicialmente investiga-
continência. Em geral o fundo cego do reto dista 1 a 2
cm do períneo, sendo definida conduta neonatal a partir das através de USG de vias urinárias.
do invertograma (distância de até 1 cm permite correção
primária, enquanto maior distância indica colostomia e
anorretoplastia sagital posterior (ARPSP) a seguir.
Cloaca: canal distal comum entre os tratos di-
Tratamento de昀椀nitivo
gestivo, genital e urinário de extensão variável, onde AAR baixa Proctoplastia perineal sem colostomia
desembocam uretra, vagina e reto. Malformação no período neonatal.
complexa associada à agenesia sacral, malformação AAR uretral e Anorretoplastia sagital posterior (ARPSP
TGU, hidrocolpos por retenção de urina, útero bífido vestibular cirurgia de Penã) entre 1 e 6 meses.
assimétrico. Necessidade de separação e mobilização AAR vesical e Cirurgia abdominoperineal entre 6 me-
do reto e da vagina, preservando esfíncter urinário e cloaca ses e 1 ano.
fecal. (Aguardar primeiro ano para tratamento cirúr- Tabela 14.2
gico definitivo na criança maior).

Tratamento Complicações
Incontinência fecal nas AAR altas e constipação
1- Conduta no RN nas AAR baixas.
a- Diagnóstico feito pela inspeção ao nascimen- Bexiga neurogênica decorrente de malformação
to. Manter jejum e SOG aberta. congênita ou lesão cirúrgica.

72 SJT Residência Médica - 2015


215
Capítulo

O U CO
Hérnias Inguinais
BÁSICO eM
Clínica Cirúrgica | Pediatria

Introdução
O conduto peritoneovaginal é uma projeção do
peritônio que acompanha a descida do testículo (♂) ou
do ligamento redondo (♀) e normalmente está oblite-
rado ao nascimento. A persistência deste conduto no
A B C D E
RN e na criança causa manifestações clínicas variadas,
algumas vezes concomitantes, cuja diferenciação tem Figura 15.1 Afecções originárias da persistência do conduto pe-
ritônio vaginal. A: reabsorção completa; B: persistência do segmento
interesse para indicação cirúrgica. Baseando-se na his- inguinal (hérnia ingunal); C: persistência inguinoescrotal (hérnia in-
tória clínica e no exame físico, é definido o diagnóstico guinoescrotal); D: cisto de cordão e E: persistência do conduto, mas
sem conteúdo herniário formando a hidrocele comunicante.
e a conduta em cada caso, levando em conta o risco de
complicações e a possibilidade de resolução espontânea.

Apresentações clínicas
Apresentação História/exame físico Conteúdo
Epidemiologia
Hérnia Abaulamento na região Projeção de alças € São mais frequentes em meninos (♂ 3:1♀);
inguinal inguinal aos esforços intestinais, apên € Acometem cerca de 1% dos RNs e lactentes nor-
e espessamento do cor- dice cecal, bexiga, mais, mas chegam a 30% de incidência em RNs
dão espermático trompa, ovário prematuros;
Hérnia Projeção de conteú- O mesmo da hér- € Podem ser assintomáticas em até 20% dos casos
inguinoes- do abdominal até o nia inguinal
com persistência comprovada do conduto peri-
crotal escroto
toneovaginal.
Hidrocele Aumento do volume es- Apenas líquido
crotal, variável ou não, peritoneal Quanto ao acometimento:
sem alteração inguinal € Em meninos: direito, 60%; esquerdo, 25 a 30%;
Cisto de Coleção líquida encis- Apenas líquido bilateral, 10 a 15% (o testículo esquerdo desce pri-
cordão (♂) tada no trajeto ingui- peritoneal meiro que o direito);
Cisto de nal, não redutível € Em meninas: direito, 60%; esquerdo, 30%; bi-
Nuck (♀) lateral, 10%.
Tabela 15.1
€ Essa taxa de bilateralidade corresponde ao diag-
nóstico pré-operatório. História familiar: 11%.
A hérnia inguinal na criança é considerada uma Bilateralidade nos prematuros: ± 40%.
alteração congênita e classificada como sendo indireta
(oblíqua externa), porque o anel herniário, por onde o
conteúdo abdominal se projeta, localiza-se lateral-
mente aos vasos epigástricos. As hérnias inguinais Fisiopatologia
do adulto são geralmente adquiridas e relacionadas a
uma fraqueza da parede abdominal, classificando-as A base fisiopatológica da hérnia inguinal na
como hérnias diretas (oblíquas internas). criança é a persistência do conduto peritoneovagi-
nal, a qual é definida, classicamente, como a persis-
tência do conduto com comprimento mínimo, sem
tração, de 2 cm e luz óbvia comprovada pela intro-
dução de estilete ou ar injetado.
Hérnia inguinal só aparecerá quando entrar uma
víscera ou parte de uma víscera dentro dessa persistên-
cia do conduto. Hidrocele e hérnia de cordão são ca-
racterizadas pela presença de somente líquido den-
tro do processo vaginal. O processo vaginal patente é
uma hérnia em potencial. A diferença entre hérnia in-
guinal, cisto de cordão e hidrocele está fundamenta-
da no calibre do processo vaginal e conteúdo do saco,
sendo no caso de hérnia o saco mais largo e contendo
víscera intra-abdominal, ao passo que nos casos de
hidrocele e cisto de cordão, o saco é estreito e só con-
tém fluido peritoneal.

74 SJT Residência Médica - 2015


15 Hérnias inguinais

Existem certos fatores predisponentes que, agin- € Pesquisa do sinal da seda de Gross (sinal in-
do sobre o processo vaginal, podem favorecer o apare- direto da presença de um saco herniário). Com
cimento de hérnia inguinal. Esses fatores são: o dedo indicador deve-se palpar o cordão esper-
mático em sua passagem sobre a crista do pú-
€ Tonicidade diminuída da musculatura da região
bis, fazendo-se movimentos laterais. Observar
inguinal (prematuros, desnutridos, doenças
o espessamento do cordão e a sensação de seda
musculares e do tecido conetivo);
determinada pelo deslizamento das paredes do
€ Aumento da pressão abdominal (ascite, mas- saco uma sobre a outra;
sas abdominais); € A não visualização ou palpação de uma hérnia
€ Diâmetro aumentado da porção proximal do inguinal nos obriga a uma nova reavaliação em
processo vaginal. consulta posterior. A mãe deve ser orientada a
As hérnias diretas, surgidas após a correção de observar se o testículo está dentro da bolsa es-
crotal, quando notar a presença de abaulamento.
uma hérnia indireta, têm como causa:
Se a presença de hérnia inguinal for testemunha-
€ Não reconhecimento do defeito de parede posterior
da por pediatra e houver história compatível, pode ser
durante o reparo cirúrgico de uma hérnia indireta;
indicada a correção cirúrgica, mesmo sem confirma-
€ Lesão do assoalho posterior durante a correção ção diagnóstica pelo cirurgião. Assunto controverso.
cirúrgica prévia. Aproximadamente 12% das hérnias observadas pelos
pais ou encaminhadas pelos pediatras não estão pre-
sentes na exploração cirúrgica inguinal.

Localização
Cerca de 60% localizam-se à direita, 25-30% à es- Condições associadas
querda e 10% são bilaterais. As hérnias bilaterais são
mais comuns em prematuros. Quando encarceradas € Fibrose cística do pâncreas;
são mais frequentes em lactentes. € Derivação ventriculoperitoneal;
€ Defeitos pélvicos congênitos (extrofia de bexiga e
de cloaca);
€ Síndrome de Hurler-Hunter (defeito no meta-
Diagnóstico bolismo dos mucopolissacarídeos);
€ História de aumento de volume na região inguinal € Síndrome de Ehlers-Danlos (doenças do teci-
ou inguinoescrotal que aparece, principalmente, do conetivo);
com os esforços; € Diálise peritoneal;
€ Hérnias costumam ser assintomáticas, até € Luxação congênita do quadril;
que encarcerem. € Criptorquidia.
Inspeção da região inguinal: observa-se abaula- € Anomalias congênitas da parede abdominal (ex-
mento da região inguinal ou não. No caso de não haver trofia de bexiga, extrofia de cloaca, onfalocele,
abaulamento da região inguinal, nas crianças que coo- gastrosquise).
peram, solicita-se que façam esforços (manobra de Val-
Em doenças metabólicas e mesenquimais, além da
salva) como soprar na mão sem deixar o ar escapar ou ligadura alta do saco hernário devemos acrescentar o fe-
tossir na posição de pé. Nos lactentes, quando a hérnia chamento do anel inguinal interno. Se a fáscia transver-
inguinal não se torna visível à inspeção, pode-se colocá- salis estiver enfraquecida, colocar prótese de Marlex®.
-los de pé (apoiados pela mãe) para facilitar o apareci-
mento da hérnia. Palpação da região inguinal e inguino-
escrotal: massa na região inguinal de consistência mole,
redutível com borborigmo e polo superior não palpável
por sua continuidade com a cavidade abdominal. Diagnóstico diferencial
A palpação de uma massa arredondada, firme, mó- € Hidrocele (a transluminação distingue entre lí
vel, algo dolorosa, irredutível na região inguinal de uma quido e alça intestinal);
menina é, mais provavelmente, causada por um ovário € Cisto de cordão;
deslizado. Quinze a vinte por cento das meninas com hér-
nia têm ovário ou trompa deslizada. O diagnóstico dife- € Adenomegalia.
rencial é com hidrocele do canal de Nuck, linfonodo au- Importante diferenciar hérnia inguinal encarce-
mentado, ou intestino encarcerado. rada, pois este diagnóstico define urgência cirúrgica.

75
Clínica Cirúrgica | Pediatria

Tratamento Nos casos de hérnia encarcerada, deve-se sem-


pre tentar a redução incruenta para realização eleti-
va de cirurgia. Essa manobra pode ser difícil em recém-
Uma vez diagnosticada, a hérnia inguinal
deve ser corrigida cirurgicamente assim que as
-nascidos, mas quase sempre é possível. Deve-se realizar
uma compressão contínua do conteúdo herniado em
condições clínicas da criança permitirem e in-
direção ao anel inguinal, para cima, com uma das mãos,
dependentemente do peso desta. Prematuros,
recém-nascidos e lactentes com diagnóstico de enquanto a outra fixa o anel inguinal. Sedativos podem
hérnia inguinal têm uma incidência maior de en- ser administrados. Quando não se consegue a redução
carceramento e morbidade maior em decorrência incruenta, indica-se cirurgia de urgência. O procedi-
do encarceramento. A incidência de estrangula- mento segue as mesmas bases da cirurgia eletiva, porém
mento também é maior. apresenta índices maiores de infecção de ferida e lesão
de estruturas do cordão. Em crianças pequenas do sexo
O tratamento clássico consiste na herniorrafia masculino, o encarceramento herniário pode provo-
por via inguinal. A incisão é feita na prega inguinal, car isquemia e necrose testicular por compressão dos
os planos cirúrgicos são identificados e o anel ingui- vasos. Portanto, o testículo deve ser sempre observa-
nal externo é aberto. O funículo espermático é iden- do diretamente nos caso de cirurgia de urgência.
tificado e isolado, a fáscia cremastérica é aberta e o
Nas meninas com ovário encarcerado, este po-
saco herniário dissecado dos vasos e do deferente.
derá sofrer torção e necrose. É complicação rara, mas
O saco herniário é ligado com sutura transfixante
existe, e a perda do ovário pode ser irreversível. Hér-
na sua base junto à gordura pré-peritoneal. Habitu- nia inguinal com ovário encarcerado e sinais de hipe-
almente, não há necessidade de reforços musculares remia, edema e sensibilidade tem indicação cirúrgica
ou uso de telas. A incisão é fechada por camadas e de urgência ou eco-Doppler para definir presença de
a sutura da pele é feita com pontos subcuticulares irrigação parenquimatosa preservada.
de fio absorvível. Realiza-se um curativo simples
com micropore em contato com a pele ou com co- O ovário encarcerado deve ser sempre reintrodu-
las apropriadas para sutura de pele. Recomenda-se zido no abdome, mesmo se estiver com coloração es-
a exploração do lado contralateral, mesmo sem cura. Geralmente a necrose não é completa e parte do
evidência clínica de hérnia em meninos abaixo de ovário poderá se recuperar.
3 anos e meninas abaixo de 4 anos. Tal conduta Os prematuros compõem um grupo especial de
se justifica pela maior incidência de bilateralida- crianças para correção das hérnias, pois neles o ris-
de nessas situações (a hérnia inguinal esquerda co de complicações pré e pós-operatórias é maior, a
é também uma indicação de exploração contrala- cirurgia é mais delicada, o risco de apresentarem ap-
teral). Entretanto, essa conduta não é seguida por neia tardia pós-anestesia é maior.
todos os centros. Uns praticam sistematicamente a € Quando operá-los?
exploração contralateral e outros apenas em crian-
ças abaixo de 1 ano. Alguns centros propõem essa Quando obtiver peso suficiente para a alta hospi-
exploração em todas as crianças, com auxílio de talar (geralmente entre 1.800 e 2.000 g), está indicada
videolaparoscopia pelo orifício da hérnia do lado a correção cirúrgica da hérnia, permanecendo 24h em
acometido. Após o isolamento do saco, uma óptica monitoração contínua.
de 3 mm e 70° é introduzida através do saco herniá-
rio e pelo orifício inguinal para observação direta do
orifício contralateral. Caso o orifício seja superior a
1,5 cm, indica-se a correção do defeito. Complicações
O reforço da parede posterior do canal inguinal
geralmente não é necessário. Na maioria dos casos, € Recidiva da hérnia: 0,5 a 1%;
esse procedimento é ambulatorial, com o mínimo € Infecção de ferida operatória: 1%;
possível de morbidade. € Lesão de deferente;
Na menina, o anel inguinal interno pode ser € Edema e hematoma de região inguinal;
fechado e o coto do saco hernário, com o correspon-
€ Criptorquidia iatrogênica;
dente ligamento redondo, fixado na face posterior do
músculo oblíquo interno e transverso (manobra de € Hipotrofia testicular em hérnia encarcerada:
Barker). Tem o objetivo de evitar a rotação uterina 10 a 15%;
pela perda de fixação bilateral do ligamento redondo. € Ressecção de alça intestinal em hérnia encarce
Essa manobra é válida para herniorrafia bilateral. rada com insucesso na redução manual: 10%.

76 SJT Residência Médica - 2015


216
Capítulo

OPEDÊUTICO
Hidrocele e
BÁSICO
Cisto de Cordão
eM
Clínica Cirúrgica | Pediatria

Introdução
Hidrocele é o acúmulo de líquido peritoneal den-
tro da túnica vaginal do testículo. Pode ser residual
(não comunicante) ou comunicante.
Cisto de cordão é o acúmulo de líquido peritone-
al dentro de porção do conduto peritoneovaginal que
persistiu sem relação com a túnica vaginal do testículo.
Também pode ser residual ou comunicante. Nas hidro-
celes e cistos de cordão não comunicantes, o proces-
so vaginal obliterou-se e certa quantidade de líquido
peritoneal ficou aprisionada na túnica vaginal ou em
qualquer outra porção do conduto peritoneovaginal.
Figura 16.2
Esse tipo de hidrocele é comum nos primeiros meses de
vida. Nas hidroceles e cistos de cordão comunicantes,
o processo vaginal encontra-se aberto, podendo fluir
livremente líquido peritoneal da cavidade abdominal
para a túnica vaginal ou para qualquer outra porção
do conduto que persistiu e vice-versa.

Quadro clínico e Diagnóstico


No exame físico, o diagnóstico diferencial entre hi-
drocele e cisto de cordão vai depender de sua localização
anatômica. A palpação demonstra algumas características:
A consistência do aumento de volume costuma va-
riar do mole ao duro (sob tensão) dependendo da quan-
tidade de líquido presente no momento do exame. Nas
comunicantes, a consistência poderá variar durante o Figura 16.3 Hidrocele.

dia na dependência da quantidade maior ou menor de


líquido que transita pela comunicação e que está in-
timamente relacionada à posição que a criança adota
na maior parte do dia;
Habitualmente são irredutíveis à expressão. São
transilumináveis.

Figura 16.1 Figura 16.4 Transluminação positiva.

78 SJT Residência Médica - 2015


16 Hidrocele e cisto de cordão

Tratamento € O saco da hidrocele é tratado apenas pela aspira-


ção do líquido presente ou por excisão de pequena
porção da túnica vaginal, após aspiração prévia
do líquido. Qualquer quantidade de fluido que
Indicações cirúrgicas refaça tenderá a escapar para os tecidos regionais
Geralmente não existe indicação cirúrgica adjacentes e daí será melhor e mais rapidamente
para essas doenças até os 18 meses de vida (alguns absorvida. No cisto de cordão é também realizada
autores consideram 24 meses o período limite). ligadura alta por transfixação do conduto, acom-
Nesse período, costuma ocorrer obliteração e reabsor- panhada pela remoção do saco do cisto.
ção dos condutos e seus fluidos. As que persistem, au-
€ Nos casos em que o conduto não pode ser demons-
mentando, ou com seu volume estacionário após esse
trado durante a cirurgia, está indicada cuidadosa
período, têm indicação cirúrgica.
dissecção do cordão espermático, secção e ligadura
Exceções a essa regra: por transfixação de qualquer cordão fibroso suges-
€ Hidrocele ou cisto de cordão que se reduz à ex- tivo de conduto peritônio-vaginal obliterado.
pressão no exame clínico. O conduto apresenta € Algumas manobras táticas podem ser realizadas
diâmetro alargado e normalmente é o tipo de
na tentativa de identificar um trajeto minúscu-
lesão dependente da persistência do conduto
lo e evitar dissecção extensa do cordão.
peritôniovaginal que costuma preceder ao apa-
recimento de uma hérnia inguinal; 1. manobra: aplicação manual de pressão no ab-
€ Quando já existe hérnia inguinal associada; dome e no saco da hidrocele ou cisto de cordão para
forçar a entrada de algumas gotas de fluido no trajeto
€ Nos casos de hidroceles gigantes e tensas que
trazem incomodo à criança e ansiedade aos pais; e sua melhor identificação.
€ Nos casos de hidrocele abdominoescrotal. 2. manobra: injeção de 1 a 2 mL de azul de metile-
no, com agulha hipodérmica, na porção superior do saco
da hidrocele ou cisto. Em seguida é amarrada a sutura
em bolsa em torno do local da punção, ou esse orifício é
Técnica cirúrgica clampeado com pinça hemostática, realizando-se massa-
gem delicada do saco por expressão. Antes da injeção de
€ Mesma via de acesso e secção com ligadura alta azul de metileno, costuma-se aspirar ao excesso de líqui-
por transfixação do conduto, como habitual- do da hidrocele para tornar mais fácil a manobra e evitar
mente realizado na hérnia inguinal. o derramamento do corante nos tecidos circunvizinhos.

79
217
Capítulo

P O U CO
Hérnia Umbilical
BÁSICO eM
17 Hérnia umbilical

Conceito Quadro clínico


Defeito de fechamento das estruturas fibromus- € Assintomático;
culares da aponeurose do anel umbilical, permitindo
a protrusão de órgãos intra-abdominais (geralmente € Protrusão redutível, às vezes, produzindo
alças intestinais) recobertos pelo peritônio, tecido ce- borborigmo. Ocasionalmente, o defeito fas-
lular subcutâneo e pele da cicatriz umbilical. cial é amplo, com pele redundante, adquirin-
do a forma de probóscide;
€ Aumenta aos esforços;
Epidemiologia € Raramente apresenta complicações, como en-
carceramento, estrangulamento, perfuração
€ Frequência: 18,5% em brancos e 40% em ne-
com evisceração e dor abdominal;
gros com idade < 6 meses;
€ Mais comum nos prematuros: 75 a 85% nos € O tamanho do saco e a quantidade de protrusão
bebês entre 1.000 e 1.500 g; não são proporcionais ao diâmetro do orifício. É
€ A maioria fecha espontaneamente até os frequente notar considerável protrusão através
oito anos de idade (frequência < 5% após de um orifício pequeno e muito pouca através
essa idade); de um orifício largo.
€ Não há predisposição sexual. € Hérnia umbilical se diferencia da hérnia do
cordão umbilical, onde há defeito no peritô-
nio e o intestino está herniado pelo cordão
Fisiopatogenia umbilical, podendo ser chamada de pequena
onfalocele. Hérnias de cordão umbilical diferen-
A cicatriz umbilical costuma sofrer contração ciam-se da onfalocele, pois o intestino é facilmen-
progressiva fisiológica, com completo fechamento do te reduzido, o fechamento cirúrgico é simples e o
anel umbilical. prognóstico é excelente.
Uma falha na proliferação do tecido denso coneti-
vo que preenche o anel umbilical resulta em zona enfra-
quecida patente que, associada à protrusão de vísceras
intra-abdominais, formará uma hérnia umbilical.
A ausência de protrusão sacular, a despeito de
defeito fascial, não indica presença de hérnia.

Fatores predisponentes
€ Negros (cordão é mais espesso, infecção umbi-
lical é mais comum e fator genético herdado);
€ Desnutridos, prematuros (distensão abdominal,
hipotonia muscular);
€ Hipotireoidismo (hipotonia generalizada);
€ Síndrome Beckwith-Wiedemann (autossô-
mica dominante: tumor de Wilms, hepatoblas-
toma, rabdomiossarcoma);
€ Gêmeos;
€ Trissomias 13, 18 e 21 (síndrome de Down);
€ Bebês grandes com cordões largos;
€ Infecção neonatal do umbigo;
€ Mielomeningocele (hipotonicidade da parede
abdominal);
€ Aumento da pressão intra-abdominal (ascite,
tumores e outras);
€ Mucopolissacaridoses;
€ Predisposição familiar. Figura 17.1 Hérnia umbilical.

81
Clínica Cirúrgica | Pediatria

Tratamento A cirurgia consiste em incisão semilunar na bor-


da inferior da cicatriz umbilical. Esta é separada do
Nos casos de hérnias com anel pequeno, pode ha- saco herniário. O defeito da parede é suturado após
ver a regressão espontânea do defeito no primeiro redução do conteúdo, a cicatriz umbilical é fixada com
ano de vida. A regressão torna-se menos provável após pontos na aponeurose e pele e fechada com pontos
esse período. A cirurgia está indicada em caso em que subcuticulares. Realiza-se um curativo compressivo
o anel seja maior que 2 cm após o primeiro ano de com gaze que pode ser retirado após um período de
vida, a parede do anel seja espessa, com presença de fi- dois a quatro dias, expondo a incisão.
brose em sua borda ou pela existência de grandes sacos Os episódios de encarceramento são raros em
hermários com conteúdo de alças intestinais. portadores de hérnia umbilical.

82 SJT Residência Médica - 2015


218
Capítulo

AfecçõesPROPEDÊUTICO
Cirúrgicas da
BÁSICOCervical
Região eM
Clínica Cirúrgica | Pediatria

Cisto tireoglosso
É um resquício embriológico do ducto tireoglosso,
o qual se estende da base da língua até a glândula tireoi-
de, passando pelo osso hioide, em uma fase do desenvol-
vimento da glândula.
Durante sua migração embriológica, a tireoide
permanece unida à língua por um canal, o trato tireo-
glosso. Pela 7º semana, a glândula tireoide alcança sua
posição definitiva. O trato tireoglosso deve obliterar- Figura 18.1 Exérese de cisto tireoglosso. Incisão cervical.

-se e involuir pela 7ª à 9ª semana gestacional. Se res-


tos celulares do trato tireoglosso persistirem, passarão
a secretar muco, dando lugar a formação de um cisto
de linha média, geralmente sub-hioideo, com ducto
proximal totalmente ou parcialmente persistente. A
fistulização cutânea do canal tireoglosso não tem ori-
gem embriológica, porque jamais, no desenvolvimento
embriológico, o trato tireoglosso entra em contato com
o ectoderma. A causa de fistulização advém de compli-
cações infecciosas do cisto.
Em relação à investigação diagnóstica: Figura 18.2 Exérese de cisto tireoglosso. Aspecto esquemático
do cisto (dissecado), da parte anterior do osso hioide (seccionada) e do
– História e exame físico. restante do ducto tireoglosso (reparado com pinça de Allis e dissecado
até a base da língua).
– Ultrassonografia da região cervical tem sido so-
licitada de rotina no pré-operatório para documentar a
presença de uma tireoide normal e excluir a possibilida-
de de uma tireoide ectópica, mimetizando um cisto do
ducto tireoglosso.
– Cintilografia de tireoide com tecnécio99m é in-
dicada quando, na ultrassonografia, não aparecer ti-
reoide normal ou o cisto tireoglosso tiver um aspecto
sólido e em casos com sintomas e sinais que sugerem
hipotireoidismo (constipação intestinal crônica, re-
tardo de crescimento e desenvolvimento, sonolência
excessiva, ganho de peso apesar de pouca ingesta, hi-
Figura 18.3 Exérese de cisto tireoglosso. Aspecto final, mostrando a
poatividade, pele seca, fria e amarelada etc.). sutura intradérmica.
Localiza-se na linha média, junto a região hio-
ide (85% são peri-hioides) e é móvel com a degluti-
ção. Em 5% dos casos, a localização se faz na tireoide.
Além da deformidade estética, apresenta risco Cisto branquial
de infecção e possibilidade de neoplasia. A maligni-
É um resquício dos arcos e fendas branquiais
zação ocorre em menos de 1% dos casos e em adultos.
presentes no desenvolvimento embrionário, podendo
O carcinoma papilar corresponde a 85% dos carcino-
apresentar-se como sínus branquial (pertuito exter-
mas que crescem do ducto tireoglosso. A conduta é no), cisto branquial (nódulo cervical) ou fístula bran-
sempre de ressecção de todo o trajeto, incluindo corpo quial (pertuito completo entre ecto e endoderme).
do hioide (cirurgia de Sistrunk). A taxa de recor- Localiza-se na borda anterior do mm. esterno-
rência é de aproximadamente 5%. cleidomastoide, (ECM) móvel e com superfície regular.

84 SJT Residência Médica - 2015


18 Afecções cirúrgicas da região cervical

Primeiro Arco uso: aspirar o cisto e injetar a emulsão, preferencial-


mente oleosa, de bleomicina. Principal complicação:
Trajeto da região submandibular até o conduto fibrose pulmonar quando a dose total ultrapassa 400
auditivo externo. U ou dose simples > 30 mg/m2. Também se difunde
através da parede do cisto nos tecidos circunjacentes,
causando fibrose e aderências teciduais. É mais efetiva
Segundo Arco quando é injetada sob orientação ultrassonográfica.
As doses são muito variadas na literatura (de 0,5 mg/
Trajeto da borda do m. ECM até a fossa amigdaliana. kg a 3 mg/kg) e, aparentemente, mostram resultados
similares. Indicamos maiores concentrações (3 mg/
kg) para os higromas mais volumosos. A orientação da
Terceiro Arco ultrassonografia é sempre aconselhável.
Trajeto mais caudal em direção ao seio piri- O OK-432 (Picibanil®) é uma preparação incu-
forme ou esôfago. bada e liofilizada de Streptococcus pyogenes, grupo A de
baixa virulência, tratado com penicilina G-potássica e
A conduta é sempre ressecção de todo trajeto, que perdeu sua habilidade de produzir estreptolisina
pois há o risco de infecção e permanente drenagem de S. Ao causar dano no epitélio do cisto, provoca aderên-
secreção mucosa. cia de suas paredes, prevenindo o reacúmulo de linfa.
Apesar de causar esclerose intracística, não ultrapassa
a membrana basal do endotélio, mantendo as estrutu-
ras adjacentes praticamente intactas, sem fibrose local.
Linfangiomas Outra ação, em pesquisa mais recente, sugere o apare-
cimento de permeabilidade tecidual aumentada pela
São malformações linfáticas (higroma cístico) cons- ação intracística de citocinas, agindo como facilitadoras
tituídas por macro ou microvesículas, formando grandes do fluxo linfático e consequente redução do volume da
cistos deformantes. lesão. Fatores que contribuem para sua falha são: pre-
sença de significante componente microcístico, com-
Podem localizar-se em qualquer posição, mas,
prometimento craniofacial maciço e ressecção cirúrgica
sobretudo, nas regiões cervical posterior (75%),
prévia. Antes do início do tratamento deve ser excluída
submandibular, parotídea e axilar (20%).
a alergia à penicilina. A técnica indicada é a seguinte:
Em aproximadamente 80 a 90% dos casos diluir 0,1 mg até 0,3 mg de OK-432 em 10 mL de soro
são detectados até o fim do segundo ano de vida. fisiológico. Aspirar a conteúdo da lesão e se o volume
Até 65% estão presentes no nascimento. Não há pre- for < 20 mL, ele será recolocado com igual quantidade
disposição sexual. de OK-432. Quantidade máxima é de 20 mL. Com as-
Do ponto de vista clínico, podem acarretar defor- piração difícil, o OK-432 é injetado, em poucos locais
midade estética e obstrução de via respiratória. Even- da lesão, até ela se tornar tensa (não exceder 20 mL).
tualmente, apresentam crescimento rápido relaciona- As injeções podem ser repetidas a cada seis semanas.
do a infecções de vias aéreas superiores e sangramento Mínima incidência de complicações: sinais flogísticos
interno nos cistos. locais temporários e febre tratável com antitérmicos.
Nos Estados Unidos, etanol 90 a 95% tem sido o agen-
A conduta é ressecção completa ou escalonada,
te mais frequentemente utilizado devido a sua eficácia
sempre preservando estruturas nobres.
e disponibilidade. Os cistos linfáticos devem ser aspira-
Nos tumores irressecáveis ou residuais (aqueles dos sob orientação ultrassonográfica e etanol injetado
com cirurgia incompleta) pode-se tentar a terapia in- neles, com dose aproximada de 1 a 2 mL/kg.
tralesional com substâncias esclerosantes (bleomi-
cina e OK-432). Lesões císticas são mais prováveis de
regredir do que as cavernosas (presença de cistos peque-
nos e grande quantidade de tecido fibroso e conetivo).
Essas diferenças devem-se ao tamanho e intercomuni- Adenomegalias
cações dos cistos da lesão. Os cistos intercomunicantes O aumento de volume dos gânglios constitui o
e com poucos lóculos são mais prováveis de resolução problema mais comum da região cervical de crianças na
do que aqueles não comunicantes ou multiloculados. faixa etária entre 2 e 10 anos de idade.
Ação dessas substâncias: obliteração das cavidades, pre-
Considera-se linfonodomegalia expressiva o
venindo acúmulo adicional de fluido.
aumento de um nódulo linfático maior que 10 mm,
A bleomicina induz inflamação, esclerose e con- em mais de um local anatômico, dos linfonodos epi-
tração cicatricial. Age melhor quando usada em for- trocleares com mais de 5 mm e do linfonodo ingui-
ma de emulsão com microesferas em óleo. Técnica de nal maior que 15 mm.

85
Clínica Cirúrgica | Pediatria

Nas crianças e adolescentes de até 12 anos de ida- biópsia aspirativa da massa com agulha fina (PAAF, o
de, os linfonodos axilares, cervicais e inguinais de até 1 padrão-ouro), para análise citológica do material obti-
cm de diâmetro podem ser considerados normais; já nos do, com 90% de possibilidade de se firmar o diagnós-
neonatos, qualquer linfonodo palpável é anormal. tico. Em casos de dúvida, indica-se cirurgia para bióp-
sia, com exame do tumor sob congelação, para que se
As adenomegalias na região cervical podem ocor-
possa tomar conduta no mesmo ato.
rer de forma isolada ou em associação com aumento
de volume de gânglios linfáticos em outras regiões do
organismo. Podem ser decorrentes de infecções virais
(as causas mais comuns), bacterianas (a segunda cau- Fatores preditivos de malignidade
sa mais comum) ou fúngicas, infestações parasitárias, € Nódulo único, consistência dura, frio (cintilo-
doenças de depósito, colagenoses e, finalmente, neo- grafia), sólido (ultrassonografia);
plasias primárias ou metastáticas. € Invasão de estruturas vizinhas;
Nos casos em que o diagnóstico não pôde ser es- € Fixação aos tecidos adjacentes;.
tabelecido após período de observação clínica ou por
€ Gânglios regionais cervicais aumentados de
exames subsidiários recomenda-se o exame direto do
volume;
material colhido do próprio gânglio. A retirada de pe-
quena amostra de tecido ganglionar através de punção € Crescimento rápido;
por agulha sob anestesia local, realizada em ambula- € Estigmas que sugerem carcinoma medular: múl-
tório, embora muito utilizada em adultos, não deve tiplos neuromas de mucosas e conformação cor-
ser indicada em crianças por dois motivos básicos: pri- poral marfanoide;
meiro, pela dificuldade em se realizar procedimentos € Disfunção transitória do nervo recorrente;
invasivos em crianças sob anestesia local e, segundo, € Sensibilidade localizada transitória (geralmen-
pela dificuldade do patologista em definir o diagnósti- te devido a episódio de sangramento dentro de
co com material exíguo, o que, na prática, leva a erros. um tumor sólido com necrose).
A biópsia com excisão total do gânglio ou de gru- € Os exames de imagem são pouco úteis para
pos ganglionares, sob anestesia geral, é o meio mais se- decisão da conduta terapêutica, pois apenas
guro para a definição diagnostica das adenomegalias. confirmam a presença da massa. Outro exame
€ Indicações de biópsia: presença de um ou muito utilizado em adultos, o mapeamento ra-
mais gânglios aumentados (≥ 3 cm) ou aumen- dioisotópico da tireoide é de pouca utilidade em
crianças, já que é rara a ocorrência de nódulo
tado de volume na mesma área anatômica, con-
“quente” hipercaptante. A radiografia de tórax
sistência firme, fixos à pele ou fáscia profunda,
deve ser feita, pois em 20% dos casos pode ha-
após seis semanas de evolução, sem sinais in-
ver metástases pulmonares.
flamatórios evidentes, sem história de infecção
conhecida e quadro clínico sem diagnóstico. Confirmado o diagnóstico de neoplasia maligna
da glândula tireoide, deve-se realizar tireoidectomia
€ Indicações de biópsia precoce: alta proba-
bilidade de doença grave – adenopatia supra- total, com esvaziamento dos gânglios cervicais, se
clavicular ou região cervical inferior (exceções: estes estiverem acometidos por metástase, fato que
contato com gato ou radiografia de tórax e me- ocorre em cerca de 20% dos casos. A complementação
diatismo normais); febre persistente; emagreci- da cirurgia é feita com administração de iodo radioa-
mento; gânglios com fixação à pele e/ou tecidos tivo, para destruir neoplasia residual (para os carcino-
profundos, indolores e aglomerados. mas diferenciados: papilífero e folicular).
O prognóstico depende do tipo histológico da
neoplasia. Em 90% das crianças, trata-se do car-
cinoma papilífero, cujo prognóstico é muito bom.
Afecções da tireoide Em casos de ressecção completa, considera-se que a
criança está curada. Mesmo que haja tumor residual,
O nódulo de tireoide é a afecção de maior inte- o tratamento complementar com iodo radioativo per-
resse nesta população. Cerca de 70% dos nódulos na mite boa evolução e cura. O carcinoma do tipo medu-
glândula tireoide em crianças são neoplasias ma- lar (proto-oncogene RET) é muito raro em crianças, de
lignas (e a mais prevalente é o carcinoma papilífero, pior prognóstico, e associado à síndrome de neopla-
assim como nos adultos). De modo geral, a primeira sias endócrinas múltiplas (NEM 2A e 2B).
manifestação clínica é a presença de massa tumoral no
NEM 2A (síndrome de Sipple): carcinoma
pescoço, indolor, o que motiva a consulta ao pediatra.
medular da tireoide, feocromocitoma e hiperparati-
Após a comprovação da massa ao exame físico, deve-
reoidismo primário.
-se realizar cuidadosa palpação de todo pescoço para
se verificar o acometimento de gânglios cervicais por NEM 2B (neuromas mucosos): carcinoma me-
neoplasia metastática. Em seguida, pode-se realizar dular, feocromocitoma e neuromas mucosos.

86 SJT Residência Médica - 2015


219
Capítulo

O CO
Apendicite Aguda
BÁSICO eM
Clínica Cirúrgica | Pediatria

Introdução Localização
Dor intensa e progressiva, inicialmente periumbili- € Retrocecal (intra ou retroperitoneal): 55 a 60%;
cal, evoluindo em horas ou dias para localização em FID, € Descendente ou subcecal: 2%;
com irritação peritoneal localizada ou difusa e acompa-
nhada de outros sintomas de abdome agudo inflamató- € Pélvica: 35 a 40%;
rio. É a causa mais frequente de AA inflamatório na € Mesocecal pós-ileal ou posterior: 1%;
infância, com pico de incidência entre 4 e 15 anos. Em € Pré-ileal ou anterior: 1%;
crianças menores, o diagnóstico pode ser mais difícil e a
evolução, mais agressiva. Em recém-nascidos, apendicite € Laterocecal: 2%;
aguda está associada com megacólon congênito. € Outros: quadrante inferior esquerdo, dentro de
Pico máximo de incidência aos 12 anos de idade, saco herniário, quadrante superior direito: 1%.
sendo rara nos primeiros dois anos de vida, incomum
antes dos cinco e raríssima em recém-nascido.

Quadro clínico
Etiopatogenia A dor abdominal é o principal e primeiro sintoma a
se manifestar.
A obstrução do lúmen apendicular é o fator
desencadeante da apendicite aguda (AA). Em 2/3 A dor visceral é conduzida pelos nervos aferentes
dos casos é causada por hiperplasia dos linfonodos do sistema nervoso autônomo e tende a ser vaga, difí-
submucosos do apêndice. Outras causas, em ordem cil de ser descrita e de localização central no abdome.
decrescente de importância: coprólito (10%), corpo A dor do peritônio parietal é conduzida pelos nervos
estranho, vermes e outros. aferentes somáticos (sistema nervoso central) e costu-
ma ser precisamente descrita, localizando-se confor-
A obstrução do lúmen apendicular retém muco no me o órgão de origem da dor.
lúmen distal à obstrução. O acúmulo progressivo de muco
leva à distensão e ao aumento da pressão intraluminar. A dor inicial da apendicite aguda é visceral e
As bactérias presentes convertem o muco em pus, pois deve-se à distensão do apêndice obstruído, sendo
em uma cavidade fechada elas aumentam sua virulência e de localização mais imprecisa e vaga, nas regiões
multiplicação e rapidamente penetram na parede apendi- epigástrica e periumbilical.
cular já em sofrimento vascular. Surge edema da parede do Quando começa a haver periviscerite (irritação
apêndice (obstrução linfática e venosa). A pressão intralu- causada por exsudato inflamatório sobre o peritônio
minar ultrapassa a pressão capilar e surge hipoxia tecidual. parietal), a dor passa a ser conduzida pelos nervos afe-
As bactérias começam a penetrar na parede edematosa, in- rentes do sistema nervoso central (SNC) e localiza-se
flamada e hipóxica, atravessando-a (diapedese de organis- na fossa ilíaca direita (FID). Essa dor passa a ser mais
mos). Aparece inflamação dos tecidos adjacentes. O omen- localizada, progressiva, contínua e intensa e a dor pe-
to e as alças de delgado mais próximas dirigem-se para a riumbilical é suprimida. Essa migração é encontrada
área inflamada. Com a progressão do processo, aparece em 50 a 60% dos casos.
necrose da parede apendicular, seguida por perfuração e A dor da apendicite aguda pode ser aliviada
peritonite generalizada. Se houver bloqueio (processo fica
imediatamente após a perfuração (alívio da pressão
contido pelo omento e pelas alças intestinais adjacentes),
intraluminar), permanecendo menos intensa, até
aparece massa periapendicular localizada (plastrão).
que a peritonite generalizada se estabeleça e a dor
O curso natural da apendicite aguda é a progressão volte mais intensa e difusa.
para perfuração. Com menos de 24 h de evolução apre-
Dores atípicas podem ser causadas por localiza-
senta taxa de perfuração aproximada de 7%; entre 24 e
ções anômalas dos apêndices (retrocecal, dor lombar;
48 horas a taxa é de 38% e, acima de 48 horas, a perfu-
pélvico, dor suprapúbica; quadrante superior direito,
ração atinge mais de 65% dos casos.
dor no hipocôndrio direito).
A dor em apendicite retrocecal pode permanecer
Fases da apendicite aguda periumbilical ou vaga e imprecisa, não migrando para
1 Edematosa Inflamação a FID, pois não ocorre irritação do peritônio parietal
2 Fibrinopurulenta Infecção bacteriana (no caso de apêndice retrocecal extraperitoneal).
3- Necrótica/perfurativa Possibilidade de bloqueio por epí- Vômitos. O início, virtualmente, ocorre sempre
plon x peritonite difusa após começar a dor. Primeiro são de origem reflexa,
4- Apendicite hiperplástica Bloqueio intenso e fibrose sem com conteúdo gástrico. Nos casos com peritonite, tor-
inflamação nam-se biliosos pela estase intestinal do íleo paralíti-
Tabela 19.1 co ou por obstrução intestinal causada por aderências

88 SJT Residência Médica - 2015


19 Apendicite aguda

oriundas do apêndice inflamado. Anorexia (45 a 75%) e A palpação profunda deve iniciar em um ponto
náuseas (35 a 90%). Sempre aparecem após a dor abdo- diagonalmente oposto ao local da dor espontânea e lo-
minal. Ocorrência em ± 80% dos casos. calizar o ponto de dor mais intensa (clássico ponto de
Em relação aos hábitos intestinais, podem-se dor de McBurney).
apresentar com fezes normais, constipação intestinal € Sinal de Blumberg: dor à descompressão
(5 a 25%) ou fezes diarreicas (5 a 15%). A diarreia sur- brusca da fossa ilíaca direita. Está presente em
ge quando o apêndice inflamado irrita o cólon (princi- 35 a 65% dos casos;
palmente cólon sigmoide), como em apendicite pélvi- € Sinal de Rovsing: a pressão contínua sobre o
ca, peritonite difusa e abscesso pericólico. cólon descendente e transverso faz com que os
Um apêndice inflamado situado junto à bexiga gases intestinais distendam o cólon direito e o
ceco, causando dor referida na fossa ilíaca direi-
pode causar urgência urinária, polaciúria e hema-
ta. É observado em < 5% dos casos;
túria microscópica.
€ Sinal do psoas (em apendicite retrocecal):
Quanto menor a criança, mais difícil o diag- nesse local, os nervos somáticos são ausentes
nóstico. Quase 100% dos lactentes com menos de 1 ou escassos e a dor permanece vaga e difícil de
ano de idade submetidos à cirurgia têm perfuração. localizar. Os sinais são obscuros, podendo apre-
Felizmente, a apendicite é rara neste grupo etário, pois sentar contratura da musculatura posterior ou
a abertura apendicular no ceco é bem maior do que a ex- lateral. A dor costuma manifestar-se junto à
tremidade, sendo incomum a obstrução. A perfuração espinha ilíaca anterossuperior. O psoas pode
está presente em 70-80% das crianças com menos entrar em espasmo, produzindo dor e flexão da
de 2 anos de idade e em 50% das crianças com até coxa para manter o músculo não contraído (po-
5 anos de idade. Nas crianças pequenas, particular- sição antálgica). Esses acontecimentos são mais
mente, é necessário um elevado índice de suspeita e o intensos quando o apêndice, além de retrocecal,
diagnóstico rápido é crucial. Tomando como referência for extraperitoneal (posterior ao peritônio sem
o momento exato do início dos sintomas (usualmente nenhuma serosa peritoneal recobrindo-o).
anorexia relacionada a uma das refeições), verifica-se Técnica de exame: com o paciente em decúbito
que 10% dos pacientes apresentam perfuração nas pri- lateral esquerdo, pede-se para ele realizar uma hipe-
meiras 24 horas e 50% em 48 horas. rextensão da coxa direita, que será dolorosa, ou o exa-
Exames laboratoriais e de imagem apenas nos ca- minador estende a coxa direita do paciente enquanto
sos atípicos, para diagnosticar outras patologias. Entre os aplica uma contrarresistência no quadril direito.
diagnósticos diferenciais, destacamos abaixo (tabela 19.2). € Sinal do obturador (apendicite pélvica):
Exame físico completo e cuidadoso é essencial dor abdominal vaga junto ao hipogástrio por
para o diagnóstico precoce e exato. inervação somática escassa. Pode localizar-se
junto à bexiga ou ao sigmoide, causando sinto-
Às vezes, são necessários observação ativa contí- mas urinários (polaciúria, disúria) ou sintomas
nua e re-exames clínicos em 4 a 6 h. cólicos (diarreia). Costumam provocar espasmo
Observar atentamente o deambular da criança, do músculo obturador e dor à flexão e rotação
como sobe os degraus da mesa de exame, escoliose, interna da articulação coxofemoral. Pesquisa-se
ausculta do tórax, exame da orofaringe e dos ouvidos pela rotação interna da coxa direita flexionada
e ferimentos existentes nos membros inferiores, prin- com o paciente em decúbito dorsal. Palpação
cipalmente o direito; de plastrão apendicular: palpação de massa in-
Observar o tipo de respiração. Havendo peritoni- flamatória dolorosa, fixa, com periapendicite
te, o tipo respiratório costal é o predominante; plástica, localizada na fossa ilíaca direita e cons-
€ Observar o estado de hidratação e se há fás-
tituída por alças intestinais conglomeradas,
cies de dor; apêndice inflamado, epíplon, fibrina e pus;
€ A posição passiva do membro inferior direito fle- € Exame retal: dor ao toque retal em apenas
xionado pode significar irritação do músculo psoas; 50% das crianças com apendicite aguda, mas
€ Observar distensão abdominal em casos de apen-
também em 50% das crianças sem ela.
dicite com peritonite difusa; O seu valor diagnóstico tem sido questionado. É
€ Auscultar o abdome antes da palpação abdomi- um achado inespecífico. Tem importância quando se
nal. Ruídos hidroaéreos costumam ser normais palpa massa inflamatória dolorosa ou apêndice pél-
ou levemente diminuídos em apendicite aguda vico edemaciado e doloroso. Em apendicites clássicas
inicial e diminuídos ou ausentes em peritonite; oferece pouca ajuda. Para melhorar sua eficácia, deve
€ Febre. Temperatura > 38°C em somente 4% das ser adotada a posição de Sims (lateral) ou genupeito-
crianças com duração dos sintomas < 24 h; tem- ral. A posição de litotomia (a mais utilizada) mantém o
peratura > 38°C em 64% das crianças com dura- apêndice muito alto e inacessível ao toque retal;
ção dos sintomas entre 24 e 48 h; temperatura
> 39°C em 63% das crianças com duração dos € Sinal de Lenander: diferença axilorretal de tem-
sintomas > 48 h. peratura tem algum valor diagnóstico acima de 1°C.

89
Clínica Cirúrgica | Pediatria

Diagnóstico complementar massa no quadrante inferior direito (QID), bor-


ramento das linhas de gordura (psoas e parede
€ Hemograma: costuma ser influenciado por mui- abdominal), padrão obstrutivo intestinal.
tos fatores e não constitui um guia fidedigno para € Ultrassonografia abdominal com compres-
se chegar a um diagnóstico preciso. Porém, é um são gradual conforme descrito por Puylaert e/ou
dado a mais a ser julgado e apreciado no diagnós- técnica não compressiva descrita por Baldisserot-
tico diferencial. Costuma mostrar leucocitose to em que se investiga o apêndice em relação às
(≥ 11.000 leucócitos/mm3), desvio à esquerda (≥ suas possíveis localizações (retrocecal, através do
10% de bastonados) e eosinopenia. Aproxima- flanco; pelve, através da região suprapúbica e qua-
damente 10% das crianças com apendicite aguda drante inferior direito). A técnica com compressão
apresentam leucograma normal. Leucocitose é gradual procura deslocar o conteúdo da fossa ilía-
observada em 80% dos casos; Leucocitose > 12 a ca direita (gás e fluido intestinal) e reduzir a dis-
15.000/mm3 sugere complicações. tância entre o transdutor e o apêndice.
€ Exame comum de urina: ajuda no diagnóstico O apêndice normal pode ser visível pela técnica de
diferencial entre pielonefrite. Não é raro encon- compressão gradual em 10 a 50% das crianças. Ele costu-
trarem-se hemácias ou leucócitos em apendici- ma medir 6 mm ou menos no seu maior diâmetro, é com-
tes agudas com apêndice inflamado próximo ao
preensível e não mostra fluxo colorido no ecodoppler.
ureter ou bexiga. Hematúria associada à protei-
núria sugere glomerulonefrite, púrpura de He- Achados ultrassonográficos de AA: estrutura
noch-Schönlein, síndrome hemoliticourêmica. tubular de fundo cego situada no quadrante inferior di-
reito, não compressível, aperistáltica no plano longitu-
dinal, > 6 mm de diâmetro, com lúmen anecoico circun-
dado por mucosa ecogênica e zona de ecos diminuídos
Escore preditivo de Alvarado adjacentes ao ceco, ou identificação de fluido sugestivo
O escore de Alvarado modificado para crianças de perfuração apendicular e/ou plastrão. Coprólitos
para diagnóstico de apendicite aguda baseia-se em são vistos em até 30% dentro do apêndice ou nos
sintomas, sinais e exames de laboratório; a pontuação tecidos moles perientéricos adjacentes. Doppler co-
entre 5 e 6 é compatível com AA; entre 7 e 8 relaciona- lorido mostra maior fluxo periférico circunferencial na
-se com provável AA e entre 9 e 10 é considerada um parede do apêndice, refletindo hiperperfusão inflama-
indicador muito provável de AA. tória. Em apêndice perfurado, há aumento da ecoge-
nicidade da gordura ao redor, ausência de mucosa eco-
gênica e presença de coleção fluida loculada. A gordura
Escore diagnóstico de Alvarado inflamada aparece como massa ecogênica, separando o
modificado para crianças intestino inflamado do intestino e outros órgãos adja-
Variáveis Escore centes. Após a perfuração, o diagnóstico fica mais difícil
Sintomas porque o lúmen colapsa. Com gangrena da parede apen-
Migração da dor 1 dicular, o ecodoppler mostra pouca ou nenhuma perfu-
são. Quando há perfuração, hiperemia será demonstra-
Anorexia 1
da nos tecidos moles periapendiculares e/ou dentro de
Náusea e vômitos 1 um abscesso bem definido.
Sinais
Em geral, a ultrassonografia mostra sensi-
Dor no quadrante inferior direito 2 bilidade de 85 a 90%, especificidade de ± 95% e
Dor à descompressão súbita ou dor à percussão/ 2 acurácia de ± 87%.
tosse/saltitar
- Causas de falsos-negativos: obesidade, distensão
Febre (> 37,5°C) 1 gasosa acentuada, impossibilidade de compressão efi-
Laboratoriais caz (dor provocada), posição retrocecal ou atípica, inex-
Leucocitose (> 10.500 leucócitos/mm3) 1 periência do examinador (o exame é operador-depen-
Desvio para a esquerda (> 10%) 1 dente), apendicite aguda de ponta e perfuração recente.
Tabela 19.2 - Causas de falsos-positivos: íleo terminal ou ou-
tra alça pode, erroneamente, ser interpretado como
€ Radiografia de abdome: demonstra diversos apêndice inflamado, inflamação periapendicular pro-
achados sugestivos, porém o único sinal patog- vocada pela doença de Crohn, diverticulite de Meckel.
nomônico é a presença de coprólito (10%).
€ Tomografia computadorizada (TC): apresen-
€ Sinais sugestivos: padrão gasoso anormal em ta maior sensibilidade (± 96%) e especificidade (±
FID, distensão de alças, irritação de alças de 94%) quando usada com contraste intravenoso
delgado, escoliose para a direita, líquido livre, e/ou retal. Desvantagens: custo alto, exposição à

90 SJT Residência Médica - 2015


19 Apendicite aguda

radiação ionizante, risco em potencial de reação continuada por tempo variável, dependendo dos acha-
anafilactoide com contraste intravenoso e seu dos cirúrgicos. Nos casos mais simples poderá ser usa-
caráter invasivo. Consideramos seu uso rotinei- da a cefoxitina por 24 a 48 horas. Nos casos compli-
ro um exagero. Em casos duvidosos, as opções cados existem vários esquemas possíveis, tais como a
diagnósticas são repetir a ultrassonografia, fazer associação de amicacina ou gentamicina e metronida-
tomografia limitada (focada no abdome inferior zol ou ainda ampicilina, gentamicina e clindamicina.
e na pelve) com contraste retal ou videolaparos-
copia diagnóstica e terapêutica. A complicação mais frequente no pós-operatório
da apendicectomia é a supuração da incisão. Outras com-
plicações menos frequentes e mais graves que podem
Diagnósticos diferenciais
ocorrer no pós-operatório imediato são a obstrução por
Peritonite primária Adenite mesenté Diverticulite aderências (bridas) e os abscessos intraperitoneais.
rica de Meckel
Obstipação GECA Enterite neu
A apendicectomia laparoscópica está ganhan-
tropênico do popularidade como método alternativo à apendicec-
Torção de cisto Moléstia inflamató
tomia convencional. Estudos de metanálise ainda não
ovário ria pélvica definiram qual dos métodos é melhor em apendicite
Crise falcização Púrpura Henoch aguda, se o aberto clássico ou a laparoscopia. Tem sido
-Schönlein indicada preferencialmente a crianças obesas
Broncopneumonia com AA inicial e a casos de diagnóstico duvidoso.
de base Vantagens da apendicectomia laparoscópi-
Tabela 19.3 ca sobre a técnica aberta: menor trauma cirúrgico;
melhor visualização de toda a cavidade abdominal; in-
cisão operatória mais estética; menor taxa de infecção
da ferida operatória (nos casos não-complicados), re-
dução das aderências pós-operatórias; menor dor pós-
Tratamento -operatória; menor período de hospitalização.
O tratamento é a apendicectomia através de pe- Dificuldades e desvantagens da apendicecto-
quena incisão transversa (tipo Davis) no ponto de Mc- mia laparoscópica: o apêndice cecal é uma víscera po-
Burney. Após a apendicectomia é de grande importân- sição anômala, muitas vezes retrocecal, dificultando ou
cia a limpeza mecânica da cavidade abdominal e nos impedindo seu acesso; ceco inflamado fixo, dificultando
casos de peritonite generalizada a lavagem exaustiva sua mobilização; dor gerada pelo pneumoperitônio (dor
da cavidade com soro fisiológico. A antibioticoterapia no ombro); maior índice de abscesso intra-abdominal;
deve ser iniciada 30 a 40 minutos antes da cirurgia e custos mais elevados que a técnica clássica.

91
220
Capítulo

O U CO
Doenças do Lactente
BÁSICO eM
20 Doenças do lactente

Doença do refluxo 2- Endoscopia digestiva alta - EDA: permite diag-


nóstico e gradação da esofagite e suas complicações.
gastroesofágico – DRGE Também útil para controle de tratamento.
3- pHmetria: quantificação dos períodos de reflu-
Embora a presença de refluxo gastroesofágico xo (duração e intensidade), associando com episódios
seja bastante comum em crianças (metade dos bebês
com 3 meses de idade apresenta RGE), a doença do de dor e apneia (padrão-ouro para o diagnóstico).
RGE é definida como um desequilíbrio entre os fatores
agressores e protetores da mucosa esofágica, tendo o
pHmetria: sistema de escores*
refluxo do conteúdo gástrico como fator fundamental,
mas vários outros fatores coadjuvantes para a mani- % do tempo total com pH < 4 Positivo Lactentes: > 12%
Acima: > 6%
festação clínica observada. O refluxo fisiológico se re-
solve espontaneamente após 6-12 meses. Número total de episódios Alterado 25 episódios em crianças
de refluxo (quando o pH cai 45 episódios em ado-
abaixo de 4) lescentes/adultos
Número de episódios de re- Alterado 9,7 episódios em
Grupos de risco fluxo com duração < 5 min lactentes
€ Pós-operatório de atresia do esôfago, em virtude 6,8 episódios em
crianças
de tração esofágica e alterações de motilidade;
4 episódios em adultos
€ Onfalocele/gastrosquise, associada à com-
pressão abdominal;
€ Neuropatia crônica, associada a distúrbio de de- 4- Cintilografia Tc99: permite exposição à menor
glutição e hipertonia muscular; carga de radiação do que o EED, demonstra bronco-
€ Lesão cáustica do esôfago. aspiração através da localização de radiofármaco nos
campos pulmonares, favorecendo correlação com sin-
tomas respiratórios (exame útil na população pediá-
trica, onde tem sua maior indicação).
Fisiopatologia 5- Manometria: através da quantificação do tô-
1- Relaxamento anormal ou imaturidade do es- nus do EEI normal ou após fundoplicatura, é útil na
fíncter esofagiano inferior (EEI) leva a um aumento do avaliação pré e pós-operatória.
número e da duração dos episódios de refluxo ácido.
2- Relaxamento EEI pode ser induzido ou agravado 6- Impedanciometria elétrica intraluminal. Nova
por drogas e alimentos como chá, café, chocolate, gordu- técnica que detecta a presença de episódios de refluxo áci-
ra, fumo, estrógenos. do e não-ácido. Detecta o movimento de líquido em bolo
3- Alterações anatômicas como hérnia hiatal, defor- dentro do esôfago, utilizando a propriedade de conduti-
mação do ângulo de Hiss e segmento esofágico abdominal vidade aumentada do líquido para detectar a presença de
curto prejudicam os mecanismos fisiológicos antirrefluxo. conteúdo refluído na luz do esôfago. A detecção do RGE
é definida por mudanças na resistência à corrente elétrica
4- Capacidade diminuída de clareamento de se-
creções através do peristaltismo do esôfago. entre dois eletrodos, quando um bolo de líquido ou gás
move-se entre eles. A impedância ou resistência ao fluxo
5- Hiperacidez gástrica levando a refluxo mais lesivo. de corrente distribuída entre dois eletrodos depende da
condutividade elétrica do ambiente que cerca os eletrodos
(principalmente pelo conteúdo da luz esofágica). Quan-
do um bolo de líquido de alta condutividade elétrica se
Quadro clínico posiciona entre dois eletrodos, a impedância diminui. Em
€ Vômitos e regurgitação; contraste, com um bolo de baixa condutividade elétrica
€ Desnutrição; como o gás, a impedância aumenta.
€ Sintomas respiratórios (pneumonias de repetição e A técnica baseia-se na colocação de um cateter flexível
broncoespasmo) relacionados à broncoaspiração; com sete eletrodos de impedância colocados em vários níveis
€ Irritabilidade; do esôfago. Geralmente é combinada com o pHmetria.
€ Recusa alimentar por dor. Indicações: RGE oculto, RGE no período pós-randial,
pacientes em tratamento com IBP e sintomas persistentes.
Detecta qualquer tipo de refluxo, ácido, fracamente ácido e
alcalino. Essa técnica mostrou que 75% dos refluxos ocor-
Diagnóstico rem durante ou dentro de duas horas após a alimentação e
1- Estudo contrastado de esôfago, estômago e duo- isso não tem sido detectado na pHmetria, pois o pH pós-
deno - EED: permite diagnóstico e gradação do refluxo, -prandial é, geralmente, maior do que 4. A tecnologia está
diagnóstico de hérnia hiatal e outras alterações anatômi- em desenvolvimento, os registros são complexos e ainda
cas e observação de retardo do esvaziamento gástrico. com muitos artefatos.

93
Clínica Cirúrgica | Pediatria

Tratamento Invaginação intestinal


1- Evolução natural: 60% dos casos têm reso-
A intussuscepção intestinal ocorre quando um
lução espontânea durante o primeiro ano de vida,
segmento intestinal proximal penetra através da luz
associada à alteração da consistência de dieta (pro-
intestinal distal e é tracionado progressivamente em
gressivamente mais sólida), posição ortostática pre- função do peristaltismo. Isso leva a compressão do
ferencial e alongamento absoluto e relativo da por- meso, congestão venosa, que pode evoluir para isque-
ção abdominal do esôfago. mia do segmento invaginado, e obstrução intestinal.
2- Tratamento clínico: medidas posturais (de- Corresponde à causa mais comum de obstrução intes-
cúbito ventral elevado, cadeirinha), dietéticas (dieta tinal em crianças menores de 2 anos.
engrossada e fracionada) e medicamentosas (drogas
pró-cinéticas, anti-ácidos, bloqueadores H2 e IBPs).
Incidência
Indicações cirúrgicas Variável, provavelmente influenciada por fatores
ambientais sazonais.
1- Crises de apneia no RN e lactente. Pico de incidência entre 4 e 9 meses, sendo 85%
2- Hérnia hiatal grande. ≤ 2 anos, sendo mais comum em meninos (3:1).
3- Estenose péptica do esôfago. Em paciente > 2 anos, suspeitar sempre de
uma causa secundária.
4- Metaplasia do epitélio (esôfago de Barret).
5- Necessidade de gastrostomia alimentar em
neuropatas.
6- Sintomas respiratórios graves correlacionados
Etiologia
(asma perene, BCP de repetição). Geralmente idiopática (mais de 90%), talvez
associada a viroses e hiperplasia de placas de Peyer da
7- Falha do tratamento clínico (sintomas e esofa- mucosa intestinal.
gite mantidos em vigência de terapêutica adequada).
Em 80% dos casos, o segmento invaginado é ile-
ocecocólico, mas também pode ser ileoileal, cecocólico,
colocólico. Estes últimos mais frequentemente associa-
Técnica dos com fatores predisponentes.
Fundogastroplicatura: confecção de um me-
canismo valvular antirrefluxo sem prejudicar o esva-
ziamento esofágico. O aumento da pressão gástrica
C ó lo n
é transmitido para a válvula, a qual, comprimindo o
segmento abdominal do esôfago, evita o refluxo. As
técnicas mais utilizadas são:
Nissen: válvula envolvendo esôfago em 360º íle o
(padrão-ouro).
Lind: válvula de 270º.
Thal: plicatura do estômago sobre a parede ante-
A p ê n d ic e
rior do esôfago, acentuando o ângulo de Hiss. C ó lo n

Qualquer das técnicas pode ser realizada


por via laparoscópica. íle o

Figura 20.1 Formas comuns de intussuscepção. À esquerda, tipo


Complicações ileocólico no qual a válvula ileocecal é o fator predisponente. À direita,
tipo ileoileocólico, no qual o íleo progride para dentro do íleo e cólon e,
Estão relacionadas a erros técnicos ou a proble- então, outra intussuscepção na válvula ileocecal.
mas anatômicos predisponentes:
€ recidiva RGE < 5%; Em crianças com mais de 2 anos de idade é geral-
mente secundária (divertículo de Meckel, pólipos, cistos
€ hérnia paraesofágica;
enterógenos, linfoma, púrpura Henoch-Schöenlein,
€ disfagia pós-operatória; hemangiomas, leiomiomas, pós-operatório de tumores
€ deslocamento da válvula. abdominais como Wilms e neuroblastoma).

94 SJT Residência Médica - 2015


20 Doenças do lactente

Quadro clínico
A intussuscepção ocorre mais frequente-
mente em crianças previamente saudáveis, bem
nutridas. Classicamente, a intussuscepção é prece-
dida por início súbito de dor abdominal. Esta dor
súbita, em cólica, faz a criança chorar, contorcer-se e
fletir as pernas e é frequentemente acompanhada de
sudorese. A dor continua por um curto período e a
criança parece bem nos intervalos, antes de reiniciar.
Vômitos e febre ocorrem posteriormente. Fezes com
sangue, “em geleia de groselha” são classicamente
descritas, mas não universalmente vistas. De fato, a
tríade de dor abdominal, vômitos e sangramento
retal está presente somente em 15% dos casos.
Os sinais variam consideravelmente, dependendo da
duração e gravidade da doença. Ocorre um grau va-
riável de desidratação e distensão abdominal. Uma
massa abdominal, em forma de salsicha, é palpável
no quadrante superior direito ou no abdome médio
superior, em cerca de metade dos pacientes. O sinal
de Dance – ausência de vísceras no abdômen inferior Figura 20.2 Radiografia simples do abdome de outro paciente tam-
direito – está presente em alguns pacientes. No exa- bém com intussuscepção revela distensão difusa de alças predominan-
me retal, fezes com sangue macroscópico ou guáiaco- temente delgadas.
-positiva podem ser observadas, ou, ocasionalmente,
a intussuscepção é palpável.
Os achados mais específicos são o sinal do “alvo”
e o sinal do “menisco”. O sinal do “alvo” consiste em
uma massa de partes moles contendo áreas circula-
Exames de imagem res concêntricas de radiotransparência (completas
Permitem o diagnóstico, mas principalmente es- ou não) determinadas pela gordura mesentérica do
tão indicados para tratamento nos casos em que não intussuscepto. Já o sinal do “menisco” consiste em
haja indicação cirúrgica obrigatória.
um crescente de gás (radiotransparente) dentro do
A realização de radiografias simples do abdome lúmen colônico delineando o ápice do intussuscepto,
em crianças com suspeita de intussuscepção permane-
o qual aparece como uma massa de partes moles de
ce controversa e sua aplicação engloba três principais
tópicos: a) excluir obstrução intestinal ou perfuração; limites precisos.
b) confirmar intussuscepção quando a suspeita é alta;
c) tentar diagnosticar outros processos patológicos
quando a suspeita de intussuscepção é baixa.
Dentre os sinais radiológicos, o mais comum é
uma massa de partes moles frequentemente observa-
da no quadrante superior direito, obscurecendo o con-
torno hepático adjacente. A ausência de gás ou fezes
no cólon ascendente é um sinal sugestivo de intus-
suscepção e a exclusão desta forma ileocólica em
radiografia simples abdominal é comumente base-
ada na presença destes conteúdos no ceco. Todavia,
em 45% das crianças com cinco anos ou menos, o có-
lon sigmóide localiza-se no quadrante inferior direito
do abdome e quando preenchido por gás e fezes pode
ser erroneamente interpretado como “ceco normal”.
Outros sinais que podem ser vistos, depen-
dendo da localização da intussuscepção, são: a) re- Figura 20.3 Radiografia localizada do quadrante inferior direi-
duzida quantidade de gás ou ausência de gás intra- to evidencia o sinal do “alvo” (seta), caracterizado por anéis in-
-intestinal; b) ar em apêndice deslocado; c) sinais de completos de radiotransparência na topografia da intussuscepção
obstrução do intestino delgado. (gordura mesentérica).

95
Clínica Cirúrgica | Pediatria

Figura 20.4 Radiografia localizada do quadrante inferior direito reve-


la coluna de ar colônia interrompida pelo conteúdo do intussuscepto,
Figura 20.6 Radiografia simples de abdome: múltiplos níveis hi-
determinado uma configuração semilunar (sinal do “menisco”). Clister droaéreos. Obstrução do ID secundário à intussuscepção ileoileocólica.
opaco (anemia baritado).

A USG mostra imagem típica em casca de ce-


bola ou alvo (Figura 20.5).

Figura 20.7 Redução de intussuscepção colocólica com enema com


contraste. Paciente portador de síndrome de Peutz-Jeghers. Observe o
pólipo na porção direita do cólon transverso (seta).
Figura 20.5 Ultrassonografia obtida em plano axial ao maior eixo da
intussuscepção. Sinal do “alvo”: uma orla hipodensa circunda um cen-
tro predominantemente hiperecogênico.

O enema opaco mostra interrupção da progressão


do contraste retrógrado (imagem em taça).
Os sinais clássicos da intussuscepção obtidos por
esse método são o sinal do “menisco” e o sinal da “mola es-
piralada” ou “em espiral”. O sinal do “menisco” no enema
baritado é análogo ao visto nas radiografias simples e
é produzido pelo ápice arredondado do intussuscepto
Figura 20.8 Intussuscepção ileoileocólica: redução do componente
projetando-se na coluna do meio de contraste baritado, ileocólico (note o ceco e cólon ascendente congestos) e redução parcial
que assume configuração em crescente. do componente ileoileal com necrose do ileoterminal.

96 SJT Residência Médica - 2015


20 Doenças do lactente

Tratamento mitivo, e a comunicação entre eles se faz através de estru-


tura canalicular que é o ducto onfalomesentérico. Entre
1- Redução incruenta por enema com bário ou a 5ª e a 7ª semana a placenta substitui o saco vitelino em
ar, sob controle radioscópico ou ultrassonográfico - sua função de nutrir o feto e o canal em questão se obli-
sucesso em 70-90% dos casos. Contraindicações abso- tera, e na 8ª semana ele desaparece totalmente. Anorma-
lutas da tentativa de redução hidrostática ou pneumá- lidades no processo embrionário podem fazer com que o
tica: choque sem melhora com ressuscitação clínica,
ducto persista totalmente patente, comunicando a par-
evidências de perfuração intestinal, septicemia, idade
do paciente acima de 5 anos sugerindo fortemente a te terminal do íleo ao umbigo – fístula enteroumbilical;
presença de fator desencadeante, invaginação ileoileal pode haver persistência somente da porção junto ao um-
e invaginações recorrentes (mais de três episódios). bigo – seio umbilical, ou, ainda, da porção média –, cisto
vitelino ou do DOM; pode ainda persistir somente um
Fatores que predizem improbabilidade de redu- cordão fibroso unindo o íleo ao umbigo, e, finalmente, a
ção (contraindicações relativas): período neonatal, in- permanência da porção proximal ao intestino constitui o
vaginação tipo crônica e subaguda, idade superior a 2
divertículo de Meckel. Localiza-se na borda antimesenté-
anos, imagem radiológica de dissecção ou de cauda de
lagosta, em que o bário se insinua entre invaginado e rica do íleo, 45 a 60 cm proximal à válvula íleocecal.
invaginante a uma distância ≥ 4 cm (a coluna de bário
perde a força de propulsão retrógrada).
2- Tratamento cirúrgico, indicado nos casos
de falha do tratamento por enema e quando este não
deve ser indicado. Acesso por laparotomia transver-
sa infraumbilical D. Procede-se à ordenha retrógrada
(não tracionar), redução da invaginação e inspeção da
viabilidade das alças. Se houver necrose, impossibili-
Figura 20.9 Representação esquemática de três das formas de persis-
dade de redução ou for identificada patologia de base, tência do conduto onfalomesentérico.
está indicada a ressecção intestinal e anastomose.
A intussuscepção recorre em 3% daquelas que
foram reduzidas por enema e em 1% naquelas que Persistência do conduto onfalomesentérico
foram reduzidas cirurgicamente. Evolução para óbi-
to só nos casos complicados com gangrena intestinal Tipo Manifestação clínica
abordada tardiamente. 1 fístula mucosa ileoumbigo Saída de secreção entérica
pelo umbigo
2 resquício de mucosa distal Pólipo umbilical
3- persistência proximal Divertículo de Meckel
Divertículo de Meckel 4- persistência distal Sínus umbilical

(Johann Friedrich Meckel, 5- persistência de cisto fechado Cisto onfalomesentérico


6- cordão fibroso Trave fibrosa unindo o íleo
1809) à parede abdominal. Risco
de hérnia interna
O divertículo de Meckel (Johann Meckel, Tabela 20.1
1809), é a anormalidade congênita do intestino
delgado mais comum, ocorrendo em cerca de 2% da
população geral. As manifestações clínicas são mais
frequentes na criança. Mais da metade dos sintomas
ocorre em crianças com menos de 2 anos de idade. A Epidemiologia
principal complicação clínica é o sangramento, que Ocorre em cerca de 1,5 a 2% da população, mas,
ocorre em 25 a 50% dos pacientes e é decorrente de calcula-se que somente cerca de 4% dos portadores
uma úlcera péptica secundária ao ácido produzido apresentarão manifestações durante sua vida. As com-
pelo tecido gástrico ectópico localizado no divertí- plicações, que levam à descoberta do divertículo, acon-
culo. Em crianças, o divertículo de Meckel é a princi- tecem em 60% das vezes abaixo dos 2 anos de idade
pal causa de sangramento gastrointestinal. e em 2/3 dessas crianças abaixo de 1 ano, há relatos
no período neonatal e, até mesmo, de diagnóstico pré-
-natal. A presença de sintomas que levam ao diagnós-
tico ocorre em torno de 1/3 dos casos, sendo os ou-
Etiopatogenia e 昀椀siopatologia tros 2/3 achados casuais de laparotomia. Ocorrem as
O divertículo de Meckel é um resquício embrio- complicações três vezes mais no sexo masculino, sendo
lógico do ducto onfalomesentérico (DOM) ou vitelino. a hemorragia mais comum nas crianças e a obstrução
Na 4ª semana de vida intrauterina, tendo o embrião 5 a 9 mais frequente em crianças mais velhas e em adultos.
mm, o saco vitelino começa a se afastar do intestino pri- As anomalias frequentemente associadas são a atre-

97
Clínica Cirúrgica | Pediatria

sia de esôfago, onfalocele, malformações cardíacas e dendo espontaneamente, requerendo com frequência
do sistema nervoso e anomalias anorretais. Alguns transfusões. Feito o diagnóstico de hemorragia intes-
autores descreveram a associação de fístula bronco- tinal baixa, temos de afastar outros sangramentos,
gástrica, sequestro pulmonar, má rotação intestinal e através de endoscopia digestiva alta e colonoscopia;
divertículo de Meckel. os exames radiológicos contrastados são pouco efica-
zes para o diagnóstico. O método de maior eficácia e
usado de longa data é a cintilografia com Tc99-pertec-
netato, que revela presença de células parietais de mu-
cosa gástrica ectópicas, no quadrante inferior direito
do abdome. Esse exame é positivo em cerca de 80% dos
divertículos sangrantes. Falsos-positivos ocorrem em
obstruções do trato urinário e malformações vascula-
res, como hemangiomas, fístulas arteriovenosas etc. A
utilização de medicação prévia ao exame com agentes
bloqueadores de H2 melhora a sensibilidade e diminui,
praticamente a zero, os falsos-negativos. Alguns au-
tores recomendam utilizar cimetidina VO (20 mg/kg
em crianças e 300 mg em adultos) 48 horas antes do
exame, que é realizado com injeção venosa de 37 a 180
mbq de 99mTcO4; a duração do exame é de uma hora,
e os autores aconselham, além da incidência anterior
do detector, imagens oblíquas e laterais, desse modo
conseguindo detectar praticamente 100% dos diver-
tículos sangrantes. A arteriografia é um método mais
invasivo, mas que pode complementar o diagnóstico.

Obstrução intestinal
A segunda complicação mais frequente é a obs-
trução intestinal, que pode ser causada por: (1) vólvulo
do intestino delgado ao redor do cordão fibroso, que
Figura 20.10 Divertículo de Meckel. ocasionalmente faz conexão do divertículo com o um-
bigo; (2) intussuscepção; (3) mais raramente, encar-
ceramento em uma hérnia, condição conhecida como
hérnia de Littré.
Quadro clínico e diagnóstico A obstrução intestinal é a principal complicação
A maioria dos divertículos de Meckel é benigna e é encontrada em adultos. A diverticulite aguda geral-
descoberta incidentalmente durante a necropsia, a lapa- mente apresenta um quadro semelhante ao da apen-
rotomia ou aos exames baritados. A apresentação clínica dicite aguda. Ao contrário da obstrução intestinal e da
mais comum é o sangramento gastrointestinal, que ocorre hemorragia, a diverticulite de Meckel é mais comum em
em 25% a 50% dos pacientes que se apresentam com as pacientes mais velhos. O desenvolvimento de adenocar-
complicações; a hemorragia é o achado sintomático mais cinoma em tecido gástrico ectópico de divertículo de
comum em crianças com idade de dois anos ou menos. Meckel tem sido raramente observado.
O diagnóstico pode ser estabelecido por estudo ra-
diológico contrastado do intestino delgado ou empregan-
Hemorragia do o estudo de captação de radioisótopos (tecnécio). O
tecnécio é captado pela mucosa gástrica contida no diver-
É a mais frequente em crianças, ocorre abaixo
tículo e, assim, é capaz de identificar os divertículos de Me-
dos 2 anos, é consequente à ulceração da mucosa ileal.
ckel que contêm mucosa gástrica ectópica. Portanto, esse
Nessa apresentação parece haver sempre presença de
método tem uma elevada precisão para diagnosticar os
mucosa gástrica. O quadro, em geral, não se acompa-
divertículos de Meckel que complicam com sangramento.
nha de dor e a intensidade do sangramento vai desde
pequenas perdas insidiosas até hemorragias maciças O diagnóstico geralmente é feito por laparotomia
com enterorragia franca causando hipovolemia; na de- exploradora realizada por suspeita de apendicite, e, nesse
pendência da velocidade do trânsito intestinal, pode caso, se o apêndice é normal, o íleo deve ser sempre exa-
ocorrer melena. Essas hemorragias são episódicas, ce- minado durante a operação.

98 SJT Residência Médica - 2015


20 Doenças do lactente

Diverticulite A ressecção segmentar é indicada:


1- nos casos de sangramento associado à úlce-
Esta apresentação é a menos frequente. Ela se
ra ileal adjacente, pois a simples diverticulectomia
sobrepõe a um quadro de apendicite aguda, e, mais pode não remover a úlcera, podendo resultar em re-
uma vez, esse é o diagnóstico pré-operatório, sendo corrência do sangramento;
o divertículo achado cirúrgico. É mais comum em
crianças maiores. A presença de perfuração agrava 2- divertículos com base larga pelo risco de este-
muito o prognóstico, pois ocorre em peritônio livre, nose ileal, se for realizada diverticulectomia. Em outras
diferentemente da apendicite, sendo a morbidade e situações, a ressecção simples do divertículo é eficaz.
a mortalidade altas. Os sintomas são os mesmos da O aumento na frequência do diagnóstico do di-
apendicite aguda e o exame radiológico é o de um ab- vertículo de Meckel com a utilização da laparoscopia
dome agudo inflamatório. e os recentes relatos demonstrando efetividade no
tratamento por via laparoscópica podem gerar novos
conceitos no tratamento de pacientes com divertículo
Diagnóstico de Meckel assintomático.

Estenose hipertró昀椀ca
de piloro
Conceito
Hipertrofia da musculatura pilórica (principal-
mente da camada circular), provocando obstrução
progressiva ao esvaziamento gástrico. O canal pilórico
torna-se estreitado, alongado e espessado.
Trata-se de malformação rara, resultante de de-
feito congênito da mucosa, que determina suboclusão
pré-pilórica, simulando estenose hipertrófica de pilo-
ro. Ela pode estar associada a outras obstruções pilo-
roduodenais e não ser percebida no ato cirúrgico. O
Figura 20.11 A: US modo B: estrutura cística (C) no quadrante infe- diagnóstico é essencialmente endoscópico, e sua cor-
rior direito. B: US com Doppler colorido não detectou vasos na parede reção é endoscópica ou aberta.
da estrutura cística. A estrutura vascular (seta) é a artéria mesentérica
adjacente. C: Captação do radiofármaco pelo DM em cintilografia. D:
Peça cirúrgica mostrando DM na borda antimesentérica do íleo (seta).

Etiologia
Etiologia desconhecida. Provavelmente de cau-
sa multifatorial. Teorias incluem: hiperacidez gástrica
Tratamento induzindo espasmo pilórico e hipertrofia pilorospas-
O tratamento para o divertículo de Meckel, acha- mo com liberação aumentada de gastrina e hiper-
do incidentalmente, é controverso. Os divertículos trofia, imaturidade ou alterações degenerativas das
que aparentam conter mucosa gástrica ectópica células ganglionares mioentéricas, redução de fibras
(presença de enduração no seu interior) devem ser nervosas peptidérgicas causando deficiência da sínte-
ressecados por causa do alto risco de complicações. se de óxido nítrico (neurotransmissor da musculatura
Idade inferior a 40 anos, divertículo maior que 2 cm
lisa), motilidade anormal secundária à diminuição de
células tipo marcapasso e outras.
ou com cordão fibroso também são fatores de risco,
sendo considerados indicações relativas para res-
secção. Em crianças, a ressecção também é geralmente
recomendada para os divertículos assintomáticos pre-
sentes durante laparotomia.
Epidemiologia
€ Prevalência: 2 a 3:1.000 nascidos vivos;
Os divertículos sintomáticos devem ser resse-
cados. Ressecções nessas condições são associadas € É a causa mais comum de vômito de tratamento
à taxa de mortalidade de 5 a 10%. Existem contro- cirúrgico em recém-nascidos e lactentes;
vérsias entre a realização de diverticulectomia ou a € É responsável por 30% dos vômitos não biliosos
ressecção do segmento ileal. persistentes em crianças < 1 ano de idade;

99
Clínica Cirúrgica | Pediatria

€ Mais frequente em meninos: 4M:1F; Causas de falsos-negativos: estômago hiperdis-


€ Mais comum nos primogênitos (aproximada- tendido com leite e ar (piloro esconde-se atrás do an-
mente 30%). Menos de 5% poderão estar pre- tro), inexperiência do radiologista, bebê muito peque-
sentes em prematuros. É rara a apresentação no e apresentação muito precoce (piloro ainda pouco
após a 12ª semana de vida; hipertrofiado). Causa de falso-positivo: pilorospasmo.
€ História familiar em 15% dos casos. É uma doen- - Sinal do barbante: representa o canal antropilóri-
ça com predisposição familiar bem estabelecida; co aperistáltico, longo e estreitado. É o sinal mais clássico.
€ Malformações associadas: 7% (mais comuns: O canal pilórico curva-se para cima e para a esquerda. É
má rotação intestinal, uropatia obstrutiva, representado por um traço único, longo e central, corres-
atresia esofágica); pondendo à luz estreitada do piloro.
€ Síndromes associadas: Smith LemLi Opitz, tris- - Sinal da teta: representa a onda peristáltica
somia 18, Turner e Cornelia de Lange. junto à pequena curvatura e a compressão do antro
pelo piloro hipertrofiado.
- Sinal do bico de seio: representa a onda peris-
Quadro clínico táltica no início do canal pilórico estreitado. É mais
proeminente quando a obstrução é completa.
O quadro clínico é característico, com início dos
vômitos alimentares de grande intensidade na se- - Sinal do cogumelo ou guarda-chuva: repre-
gunda e terceira semana de vida, distensão epigás- senta a indentação convexa do bulbo duodenal pelo pi-
trica com ondas peristálticas visíveis (ondas de Kus- loro hipertrofiado. Depende da passagem de uma boa
quantidade de contraste através do piloro para encher
smaul) e à palpação da oliva pilórica (medindo 1 a
o bulbo duodenal.
2 cm de diâmetro, situado no quadrante superior
direito ou epigástrio, em 85 a 90% dos casos). Com - Sinal do duplo trato ou da estrada de ferro:
a evolução estabelecem-se constipação, desidratação, formado pelo abaulamento da mucosa redundante
alcalose hipoclorêmica, desnutrição e, às vezes, icte- dentro do canal pilórico estreitado que, por compres-
são, resulta na separação da coluna de contraste em
rícia por déficit de conjugação. A clínica é suficiente
dois traços longitudinais e paralelos de bário. Repre-
para o diagnóstico. Casos atípicos podem ser confir- senta um grau menor de hipertrofia.
mados pela ultrassonografia, que identifica a “oliva”.
Raramente há indicação de radiografia contrastada. - Sinal do ombro: representa a pressão do piloro
Icterícia é encontrada em aproximadamente 2 a 5% hipertrofiado sobre a borda côncava da teta. Por causa
da direção cefálica do músculo hipertrofiado, a porção
dos casos e decorre da diminuição da atividade da en-
mais superior do antro fica mais indentada do que a
zima hepática glicuronil-transferase por redução da porção inferior. REED também pode nos mostrar: dis-
ingesta calórica. tensão gástrica, presença de refluxo gastroesofágico,
tempo de esvaziamento gástrico retardado, presença
de membrana antral pré-pilórica.
€ Ultrassonografia abdominal: o piloro é ob-
Investigação laboratorial servado em relação à espessura da sua parede,
Hemograma, plaquetas, prova de coagulação (tem- diâmetro do piloro no corte transversal, compri-
po de protrombina, KTTP), eletrólitos, exame comum de mento do músculo pilórico no corte longitudinal
urina, cálcio, gasometria arterial (são comuns alcalose e formas características. Quando necessário, é o
metabólica hipoclorêmica e hipocalêmica), proteínas exame indicado para investigação diagnóstica.
totais e frações, ureia e creatinina. As seguintes medidas definem hipertrofia de piloro
(cuidado, pois as medidas podem ser idade-dependentes):
€ Espessura do músculo pilórico ≥ 4 mm (serosa à
Investigação por imagem mucosa, inclusive);
€ Radiografia de abdome: distensão gástrica € Diâmetro transverso do piloro ≥ 14 mm (se-
com pouco ar distal ao piloro; rosa à serosa);
€ Radiografia contrastada do esôfago-es- € Comprimento do canal pilórico ≥ 17 mm (da
tômago-duodeno (REED): mostra imagens base do bulbo duodenal ao antro gástrico).
radiológica características. Detalhes anatô-
micos: a camada muscular circular torna-se
espessada, estreitando e alongando o canal
pilórico. A mucosa torna-se redundante e Achados:
pode parecer hipertrófica. Com o alonga- - Espessura do músculo pilórico ≥ 4 mm (serosa à
mento e espessamento do músculo, o pilo-
mucosa, inclusive);
ro desvia-se para cima em direção à vesícu-
la. Sensibilidade e especificidade ficam - Diâmetro transverso do piloro ≥ 14 mm (se-
próximas de 100%. rosa à serosa);

100 SJT Residência Médica - 2015


20 Doenças do lactente

- Comprimento do canal pilórico ≥ 17 mm (da


base do bulbo duodenal ao antro gástrico).
Forma característica da hipertrofia de piloro no cor-
te transversal: sinal do alvo ou do biscoito em forma de
rosca (doughnut). Observa-se um anel externo espesso hi-
poecoico (musculatura pilórica hipertrofiada) e anel inter-
no menor hiperecoico (mucosa).
Outros sinais indiretos: falha de abertura do canal
em 15 min., contrações retrógradas ou hiperperistálti-
cas, ecogenicidade não uniforme do músculo pilórico.
Estudos seriados mostram que o piloro hiper-
trofiado diminui no final da primeira semana pós-
-operatória, retornando ao seu tamanho normal no
final da quarta semana. Figura 20.12 Ondas peristálticas de Kusmaull

Cirurgia
O manuseio inicial focaliza-se na reposição de
fluidos e eletrólitos. Falha em corrigir a alcalose meta-
bólica hipoclorêmica no pré-operatória pode resultar
em apneia durante a cirurgia e parada respiratória.
€ Piloromiotomia clássica de Fredet-Rams-
tedt. Realizada na porção anterossuperior do
piloro, área relativamente avascular, após sua
exteriorização pela incisão abdominal. O piloro .
hipertrofiado termina abruptamente na extre-
midade duodenal e essa transição é demarcada Figura 20.13 Estenose hipertrófica de piloro. Note que a
parte distal do músculo hipertrófico protrui para o interior do
externamente pela veia pilórica. A incisão na
duodeno (seta), demonstrando a facilidade de perfuração do duo-
musculatura pilórica deve parar a aproxi-
deno durante a piloromiotomia.
madamente 4 mm do final do músculo hi-
pertrofiado. Essa estratégia é adotada para
evitar perfuração duodenal. As fibras musculares
são separadas por dissecção romba até comple-
to abaulamento da mucosa intacta pela incisão.
Nenhuma tentativa deve ser feita para separar
as poucas fibras musculares mais distais do pilo-
ro, evitando a perfuração duodenal. Essas fibras
remanescentes se separarão espontaneamente
durante as primeiras mamadas, devido ao peris-
taltismo gástrico e aos esforços de esvaziamento;
€ Sempre pesquisar perfuração duodenal orde-
nhando distalmente a bile do duodeno em dire-
ção ao estômago.
€ Caso haja perfuração duodenal pode-se utilizar
uma dessas técnicas cirúrgicas;
- Fechar completamente a piloromiotomia, gi-
rar o piloro 90 a 180° e refazer a piloromiotomia
nessa nova área.
Suturar a mucosa perfurada, colocando um re-
mendo de epíplon sobre a área suturada.
€ Cuidados pós-operatórios:
No período pós-operatório, 4 a 6 horas após o
Figura 20.14 A: achados ultrassonográficos em estenose hipertrófica
procedimento, pode-se iniciar a alimentação por via de piloro. Vista longitudinal mostrando as paredes musculares em per-
oral com cerca de 5 mL de leite a cada 3 horas. Cerca fil. Estão separadas por duas linhas ecogênicas, que representam mu-
de 15 minutos antes da próxima oferta, é necessário cosa-submucosa e uma parte central hipoecogênica, que representa o
abrir a sonda gástrica para observar o resíduo gástrico, lúmen do canal pílórico. O comprimento do canal pilórico e a espessura
fechando-a a seguir. A nutrição parenteral é reduzida do músculo estão maiores. B: achados ultrassonográficos da estenose
gradualmente conforme a via oral for progredindo. A hipertrófica de piloro. Corte transversal do piloro mostrando aumento
alta hospitalar costuma se dar em 2 dias. da espessura da camada muscular circunferencial.

101
Clínica Cirúrgica | Pediatria

Epidemiologia
Existem poucos estudos epidemiológicos sobre a
hemorragia digestiva na infância, e sua incidência não é
bem estabelecida; parece ser um evento incomum, mas
não raro. Um estudo prospectivo em terapia intensiva
relatou uma incidência de 6,4% de hemorragia digesti-
va alta, mas apenas 0,4% dos episódios foram conside-
rados clinicamente graves. Outros estudos mostraram
uma incidência de até 25% para pacientes criticamente
doentes que não tinham recebido profilaxia. Em relação
a hemorragia digestiva baixa, um estudo com mais de
Figura 20.15 Seriografia esofagogastroduodenal: distensão gástrica
com estenose do canal pilórico. 40 mil pacientes mostrou que o sangramento retal foi
a queixa principal em um departamento de emergência
em 0,3% dos pacientes, sendo que mais de 50% tinham
menos de 1 ano de idade.

Etiologia e 昀椀siopatologia
Hemorragia digestiva alta
As principais causas de hemorragia digestiva alta
estão relacionadas na tabela 20.2 e são classificadas de
acordo com a idade e a frequência.
No período neonatal é comum a ingestão de
Figura 20.16 Piloromiotomia de Fredt Ramstedt. A incisão na mus- sangue materno durante o parto ou posteriormen-
culatura pilórica deve parar a aproximadamente 4 mm do final do mús-
te nas mamadas se a mãe apresentar fissuras ma-
culo hipertrofiado.
márias. Podem ocorrer sangramentos verdadeiros
devido a esofagites, gastrites ou úlceras, que aco-
metem prematuros ou recém-nascidos de termo.
Em algumas ocasiões, os achados são relacionados
Hemorragia digestiva alta ao estresse provocado por internação em terapia
intensiva, mas muitas vezes não se encontra um
De forma didática, as hemorragias digestivas di- fator de risco associado. A coagulopatia devido à
videm-se em altas, acima do ângulo de Treitz, e baixas, deficiência de vitamina K, levando a hemorragia di-
que apresentam sangramentos abaixo deste ponto. gestiva alta, praticamente não existe mais devido à
Embora muitas das causas de hemorragia diges- rotina de administração desta vitamina em todos os
tiva sejam comuns entre adultos e crianças, sua fre- recém-nascidos. Raros casos de falha de tratamen-
quência difere muito conforme a faixa etária e, além to com vitamina K, uso de antibióticos modifican-
disso, algumas doenças são exclusivamente pediátri- do a flora ou má absorção de gorduras por fibrose
cas, justificando uma abordagem diferenciada para cística ainda são fatores de risco para esta doença.
esta população. A hematêmese também pode ocorrer em pacientes
O sangramento pode ocorrer em qualquer lugar com alergia à proteína do leite de vaca. Em neona-
do trato gastrointestinal, e sua identificação pode ser tos criticamente doentes, outras causas de sangra-
bem complicada. Felizmente, os sangramentos do in- mento alto são descritas, como uso de medicações,
testino delgado, que são aqueles cuja localização tor- principalmente anti-inflamatórios não hormonais
na a investigação mais difícil, são os menos frequen- (indometacina), distúrbios de coagulação provoca-
tes, enquanto que as lesões erosivas do estômago e dos por insuficiência hepática por sepse, doenças
esôfago são as mais encontradas. Os sangramentos metabólicas ou lesões isquêmicas. Causas mais ra-
secundários a hipertensão portal não são muito fre- ras de sangramento alto nesta faixa etária incluem
quentes, mas são graves o suficiente para serem con- duplicações intestinais, estenose hipertrófica do pi-
siderados, enquanto que as malformações vasculares loro, faixa de constrição duodenal ou antral e tecido
são raras na infância. pancreático ectópico no estômago.

102 SJT Residência Médica - 2015


20 Doenças do lactente

Esofagites anti-inflamatórios não hormonais e ácido acetilsalicíli-


co. Existem ainda relatos de gastrite causada por trau-
Em lactentes, a esofagite erosiva causada por re- ma constante pela sonda gástrica. Embora a infecção
fluxo gastroesofágico patológico, geralmente associa- por Helicobacter pylori possa causar úlcera gastroduo-
do a doenças neuromusculares (paralisia cerebral) ou denal em crianças, a gastrite nodular difusa é o achado
hérnia de hiato, é a causa mais frequente de hemorra- mais comum nesta faixa etária. Raramente, os nódulos
gia digestiva alta. Outras causas de esofagite em crian- que são agregados linfocitários policlonais da mucosa
ças que podem levar a sangramentos são: lesão trau- tornam-se um linfoma de baixo grau com sua superfície
mática por corpo estranho, lesão química por agentes
ulcerada e irregular. Outros tumores gástricos ulcerati-
cáusticos ou medicamentos e infecções por Candida al-
vos são muito raros em crianças e incluem leiomiossar-
bicans, Aspergillus, herpes simples ou citomegalovírus.
comas, teratomas e hemangiopericitomas.

Gastropatias
Síndrome de Mallory-Weiss
A criança pode apresentar úlcera péptica por vá-
rias causas. Sua incidência na faixa etária pediátrica A síndrome de Mallory-Weiss é definida por la-
ainda é pouco estudada, mas é uma causa importante ceração da mucosa gástrica, logo abaixo da junção gas-
de hemorragia digestiva alta. As úlceras de estresse são troesofagiana, podendo se estender até a mucosa eso-
comuns em pacientes em unidade de terapia intensiva fágica. Ocorre classicamente depois de vários episódios
com lesões do sistema nervoso central, trauma raqui- de vômitos, a princípio com conteúdo gástrico e depois
medular, qualquer tipo de choque, sepse e ventilação com hematêmese.
mecânica por mais de 48 horas. Também ocorrem com
mais frequência em grandes queimados, politraumati-
zados e no pós-operatório. Todas estas são situações em Gastropatia hipertensiva
que ocorre diminuição da perfusão da mucosa gástrica
ou desequilíbrio na produção acidopéptica. Ulcerações A gastropatia da hipertensão portal é responsável
e erosões gástricas também podem ocorrer em crianças por 10 a 50% das hemorragias digestivas altas em pa-
em uso de algumas medicações como corticosteroides, cientes com hipertensão portal.

Principais causas de hemorragia digestiva alta em crianças


0-30 dias 1 mês-2 anos 3-5 anos > 5 anos

Ingestão de sangue materno Úlcera péptica Úlcera péptica Varizes

Gastrite/esofagite Corpo estranho Gastrites • Esofágicas

• Estresse Duplicações tubulares • Medicações • Gástricas

• Sepse Úlcera de estresse Esofagite • Duodenais

• Intolerância ao leite de vaca Esofagite de refluxo Varizes Úlcera péptica

• Trauma pela sonda nasogástrica Gastrites • Esofágicas Úlcera de estresse

• •
Gastropatia da hipertensão
Úlceras gastroduodenais Estresse Gástricas
portal
Coagulopatias • Medicações • Duodenais Coagulopatias


Gastropatia da hipertensão •
Associadas a infecção Ingestão cáustica Púrpura trombocitopênica
portal


Estenose hipertrófica do •
Doença hemorrágica do RN Epistaxes Quimioterapia
piloro
Malformações vasculares Síndrome de Mallory Weiss Síndrome de Mallory Weiss Síndrome de Mallory Weiss

Duplicações Ingestão cáustica Hemobilia

Idiopática Malformações vasculares

Hemobilia

Tabela 20.2

103
Clínica Cirúrgica | Pediatria

Varizes gastroesofágicas
O sangramento decorrente das varizes gastroesofágicas corresponde a 10 a 15% do total das hemorragias diges-
tivas na faixa etária pediátrica, são consequência da hipertensão portal devido a lesões intra-hepáticas ou extra-
-hepáticas, mas raramente pode ocorrer associada a malformações vasculares ou cardiopatias congênitas. Em
geral, os pacientes com hipertensão portal têm cirrose hepática, que deve ser considerada principalmente em
doenças como atresia de vias biliares, fibrose cística, colangite esclerosante, hepatite autoimune, hepatite viral,
deficiência de alfa-1 antitripsina, doenças de depósito de glicogênio e esteatoses. As causas não cirróticas de
hipertensão portal intra-hepáticas são bem menos frequentes e incluem a fibrose hepática congênita, doenças
veno-oclusivas e esquistossomose.
Entre as causas de hipertensão portal extra-hepáticas, a trombose de veia porta é a mais comum e re-
presenta causa importante de hemorragia digestiva alta, sendo identificada em 40% das crianças e adoles-
centes com hemorragia por varizes. Outras causas são trombose de veia esplênica e obstrução de veia hepática
(síndrome de Budd Chiari). A atresia de vias biliares é a principal causa de insuficiência hepática na faixa
etária pediátrica, requer procedimento cirúrgico precoce e mesmo com tratamento adequado as varizes esofá-
gicas se desenvolvem em 50 a 60% dos casos. Os episódios de sangramento podem ocorrer no primeiro ano de
vida e a plaquetopenia causada por hiperesplenismo (ocorre em 10% dos pacientes) pode tornar o quadro ainda
mais grave.

Outras causas
Algumas parasitoses comuns em nosso meio, como a estrongiloidíase e a giardíase, podem levar a he-
morragia digestiva alta. As anomalias vasculares são raras em crianças e podem ser focais, como o heman-
gioma gástrico, a fístula aortoesofágica e a lesão de Dieulafoy (variação congênita de artéria calibrosa que
apresenta trajeto até a submucosa gástrica), ou podem ser difusas, como a telangiectasia hemorrágica here-
ditária, a hemangiomatose neonatal ou a síndrome de Kasabach-Merritt (hemagioma cavernoso gigante
e CIVD). Outras causas mais raras incluem duplicações intestinais no trato gastrointestinal alto, vasculhes
(púrpura de Henoch-Schonlein), gastrite varioliforme, ruptura de pseudocisto pancreático, pólipos gástri-
cos, síndrome de Munchausen e corpos estranhos.

Hemorragia digestiva baixa


As principais causas de hemorragia digestiva baixa estão relacionadas na tabela 20.3 e são classificadas
de acordo com a idade e a frequência. No período neonatal, o diagnóstico mais importante que deve ser ex-
cluído na presença de hemorragia digestiva baixa é a enterocolite necrotizante, que ocorre principalmente
nos recém-nascidos pré-termo hospitalizados. A enterocolite necrotizante é uma doença grave, associada à
necrose intestinal, que apresenta taxas de mortalidade de até 40%. Ao contrário, quando o recém-nascido
se encontra em bom estado geral, o diagnóstico mais provável é de alergia ao leite de vaca ou de deglutição
de sangue materno. Outras possibilidades diagnósticas são má rotação intestinal, doença de Hirschsprung,
coagulopatias e fissuras anorretais.
Em lactentes, as causas mais comuns de hemorragia digestiva baixa são as fissuras anorretais. Outras
causas importantes são a enterocolite inflamatória ou alérgica causada pela intolerância ao leite de vaca, que tem
uma prevalência de até 7,5%.
A intussuscepção ocorre geralmente até os 3 anos de idade, na maioria das vezes é idiopática ou asso-
ciada à hiperplasia linfoide do ileoterminal e ocorre frequentemente na região ileocecal. O paciente apre-
senta dor abdominal importante e pode surgir sangue misturado nas fezes, com aspecto de “geleia de framboesa”.
O divertículo de Meckel, encontrado em 2% da população, é a causa mais comum de hemorragia
digestiva baixa maciça na criança.O sangramento, geralmente indolor, é devido à ulceração da mucosa
gástrica ectópica.
As vasculites como a púrpura de Henoch-Schönlein ou a síndrome hemoliticourêmica também podem cau-
sar sangramentos devido à ulceração da mucosa intestinal decorrente da isquemia.

104 SJT Residência Médica - 2015


20 Doenças do lactente

Principais causas de hemorragia digestiva baixa em crianças


0-30 dias 1 mês - 2 anos 3-5 anos > 5 anos
Ingestão de sangue materno Intolerância ao leite de vaca (co- Enterocolite infecciosa Enterocolite infecciosa
lite alérgica)
Enterocolite necrotizante Intussuscepção Fissuras anorretais Doença inflamatória
intestinal
Intolerância ao leite de vaca Má rotação intestinal Pólipos juvenis Pólipos juvenis
(colite alérgica)
Coagulopatias Divertículo de Meckel Intussuscepção Síndrome hemolítica
urêmica
• Associadas a infecção Síndrome hemolítica urêmica Divertículo de Meckel Hemorroidas
• Doença hemorrágica do RN Púrpura de Henoch-Schönlein Síndrome hemolítica urêmica Fissuras anorretais
Fissuras anorretais Hiperplasia linfonodular Púrpura de Henoch-Schönlein Anomalias vasculares
Má rotação intestinal Duplicações gastrointestinais Doença inflamatória intestinal Hemorragia
gastrointestinal alta
Doença de Hirschsprung Enterocolite infecciosa Anomalias vasculares
Hemorragia gastrointestinal Hemorragia gastrointestinal alta Duplicações gastrointestinais
alta
Fissuras anorretais Anomalias vasculares Hemorragia gastrointestinal
alta
Tabela 20.3

Em crianças pré-escolares (2 a 5 anos), as princi-


pais causas de hemorragia digestiva baixa são as ente-
Quadro clínico
rocolites infecciosas e os pólipos. A enterocolite infec- A hemorragia digestiva pode se apresentar de vá-
ciosa deve ser considerada em qualquer criança que rias formas e são muitos os diagnósticos possíveis. As-
apresente diarreia com sangue. Os principais agentes sim, a história e o exame físico são essenciais para reali-
zação do diagnóstico preciso e da terapêutica adequada.
envolvidos são Salmonella, Shigella, Yersinia enteroco-
litica, Campylobacter jejuni, Escherichia coli, Entaemoe- A hemorragia digestiva alta caracteriza-se pelo
ba histolytica e Clostridium difficile. Ocasionalmente, aparecimento de hematêmese e/ou melena. A hema-
agentes como Herpes simplex, Clamydia trachomatis e têmese se apresenta com vômitos com sangue vivo
Neisseria gonorrheae também podem causar sangra- ou em “borra de café”, que é geralmente relacionada
mentos. Em pacientes imunodeprimidos, Citomega- a sangramentos mais lentos que entraram em conta-
lovirus, Mycobacterium avium, aspergilose e tifilite são to com o suco gástrico. A melena (fezes enegrecidas
causas possíveis. Existem dois tipos principais de pó- e com odor característico) pode aparecer em sangra-
mentos ativos ou pregressos e normalmente ocorre
lipos gastrointestinais na infância: os hemartomas,
em sangramentos superiores a 50-100 mL em 24 horas.
incluindo pólipos juvenis e doença de Peutz-Jeghers,
Também pode ocorrer a hematoquezia, principalmen-
e os adenomas, que incluem a polipose adenomato-
te em lactentes, devido ao trânsito intestinal mais
sa familiar. Os pólipos solitários são mais comuns, acelerado. Na hemorragia digestiva baixa tanto pode
geralmente hemartomas e benignos. Por outro lado, ocorrer o sangramento vivo (misturado nas fezes ou
os pólipos familiares, a síndrome da polipose juve- não) como a melena.
nil e a doença de Peutz-Jehgers, que são mais raros,
Na avaliação inicial, deve-se questionar sobre san-
podem progredir para malignização. As doenças in-
gramentos anteriores, história familiar de desordens
flamatórias intestinais, como a doença de Crohn e
sanguíneas, medicações que podem induzir a ulcerações
a colite ulcerativa, aparecem em crianças maiores e
ou afetar a função plaquetária e/ou a coagulação. A co-
adolescentes, podendo ocorrer diarreia sanguinolen- loração do sangramento (vermelho-vivo ou escuro), se
ta e estado geral comprometido. Outras causas que o sangue está misturado nas fezes, além do tempo e da
devem ser lembradas são as raras lesões vasculares, quantidade estimada de sangramento também são da-
principalmente hemangiomas, ingestão de corpo es- dos importantes. Sintomas associados, principalmente
tranho e síndrome de Munchausen (doença psiquiá- dispepsia, dor abdominal, disfagia, perda de peso, cresci-
trica em que o paciente, de forma compulsiva, delibe- mento inadequado, febre, fadiga, dor para evacuar, diar-
rada e contínua, causa, provoca ou simula sintomas reia, obstipação, icterícia e aparecimento de hematomas
de doenças, sem que haja uma vantagem óbvia para devem ser pesquisados. Não esquecer de questionar so-
tal atitude que não seja a de obter cuidados médicos bre comidas ou medicações que podem mimetizar san-
e de enfermagem). gramentos, como suco de beterraba ou ferro.

105
Clínica Cirúrgica | Pediatria

Principais dados de história e exame físico para o diagnóstico etiológico do paciente com hemorragia digestiva
História Exame físico Diagnóstico provável

Ingesta alimentar recente de Normal Sem hemorragia digestiva


coloração vermelha
Vômitos com sangue Sinais de sangramento nasal Epistaxe

Aumento do volume abdominal, Sinais de hipertensão portal Varizes esofágicas e/ou gástricas,
icterícia, edema gastropatia hipertensiva difusa
Epigastralgia, uso de medicamentos Dor epigástrica à palpação Úlceras ou gastrites

Hematomas, sangramento espontâneo, me- Petéquias, hematomas, sangramento de muco- Coagulopatias, plaquetopenia
dicamentos, antecedente familiar sas, sangramento em local de punção
Dor ao evacuar, sangue vivo não misturado Fissuras anais, obstipação Obstipação, fissuras anais
nas fezes
Sangramento retal maciço vivo, indolor Palidez cutânea, necessidade de transfusão Divertículo de Meckel

Dor abdominal, fezes em “geleia de frambo- Massa abdominal, dor abdominal, palidez, Intussuscepção
esa”, vômitos apatia, irritabilidade
Sangramento intermitente, vivo, indolor Possibilidade de palpação do pólipo ao exame retal Pólipos

Antecedente familiar Úlceras orais Síndrome de Peutz-Jeghers


Pigmentação de lábios, mucosa oral
Diarreia com sangue e muco, dor Dor abdominal, aumento dos ruídos intestinais Enterocolite infecciosa
abdominal, febre
História prolongada, sintomas crônicos de Retardo de crescimento, anemia, distensão Colite ulcerativa;
perda de peso, anorexia, fadiga, diarreia com abdominal, emagrecimento Doença de Crohn
sangue, artralgia, dor abdominal, febre, erite
ma nodoso
Tabela 20.4

Ao exame físico deve-se avaliar o estado hemo- Exames complementares


dinâmico do paciente, checando se apresenta pulsos
finos, enchimento capilar lento, taquicardia, altera- Na suspeita de hemorragia digestiva deve-se pri-
ções da pressão arterial ou do nível de consciência. meiro checar se o sangramento realmente ocorreu, pois
É importante lembrar que geralmente apenas com existem situações que podem mimetizar a doença. No
perdas de mais de 25% da volemia é que o pacien- período neonatal, por exemplo, é muito frequente a de-
te vai apresentar hipotensão. Com um exame físi- glutição de sangue materno. Nestes casos, o teste de Apt-
co mais detalhado podemos obter mais informações -Downey, que diferencia a hemoglobina fetal da mater-
para o diagnóstico etiológico. Assim, o exame da na, pode ser útil. Outras possibilidades são a ingesta de
orofaringe pode revelar úlceras e lesões pigmenta- alimentos de coloração avermelhada ou de substâncias
como ferro e bismuto, que podem falsear o diagnóstico.
das, enquanto que o exame da cavidade nasal pode
Existem também relatos de sangramento que são fictí-
descartar epistaxe. Achados de hepatoesplenome-
cios, caracterizando a síndrome de Munchausen.
galia, icterícia, ascite ou sinais de circulação colate-
ral evidenciam comprometimento hepático e hiper- Confirmada a hemorragia digestiva, é necessá-
tensão portal. Petéquias, hematomas, sangramento rio diferenciar se a hemorragia é alta ou baixa. Grande
de mucosas ou sangramento no local de punção po- quantidade de sangue vivo no aspirado gástrico e/ou re-
dem evidenciar coagulopatias ou plaquetopenia. A lação ureia/creatinina maior que 30 sugerem fortemen-
epigastralgia pode sugerir úlcera ou gastrite hemor- te o diagnóstico de hemorragia digestiva alta. Elimina-
rágica e ruídos abdominais ausentes ou diminuídos ção de sangue vivo pelo reto frequentemente ocorre por
podem significar patologias cirúrgicas. No exame hemorragia digestiva baixa. Deve-se lembrar que um
retal podemos constatar fissuras, obstipação e pó- trânsito intestinal aumentado também pode causar he-
lipos. Uma sonda gástrica pode ajudar a evidenciar matoquezia em quadros de sangramento digestivo alto.
o sangramento, mas deve-se lembrar que o trauma A identificação precisa do local do sangramento
em varizes esofágicas pode piorar o sangramento. e sua etiologia são a última etapa do diagnóstico. Al-
Assim, é necessário avaliar em cada caso o benefício guns exames ajudam a identificar a doença de base e
do procedimento. assim inferir a gravidade da hemorragia.

106 SJT Residência Médica - 2015


20 Doenças do lactente

Exames laboratoriais dos endoscópicos) também não foram avaliados, mas


os estigmas da hemorragia que foram descritos por
Deve ser realizada avaliação laboratorial se- Forrest também são utilizados para a população in-
riada. São poucos os exames necessários na avalia- fantil e apresentam correlação com a taxa de recidiva.
ção inicial, incluindo:
€ Tipagem sanguínea e prova cruzada: para a ne- Classificação de Forrest e correlação com a
cessidade de transfusões sanguíneas; incidência de sangramento
€ Hemograma: para quantificação do hematócrito, Classificação Incidência Recidiva
hemoglobina e plaquetas; I Hemorragia ativa
€ Atividade da protrombina e tempo de trombo- Ia. Sangramento vivo de alto dé- 8 a 15% > 90%
plastina parcial ativado: para avaliação da função bito (“em jato”)
de coagulação; Ib. Sangramento lento 10 a 20% 20 a 30%
€ Aminotransferases (AST, ALT), bilirrubinas to- (“gotejamento”)
tais e frações, glicemia, proteína total e frações, II Hemorragia recente
amônia: para avaliação da função hepática e pre- IIa. Vaso visível não sangrante 26 a 55% 30 a 51%
sença de encefalopatia;
IIb. Coágulo aderido na base da 10 a 18% 25 a 41%
€ Ureia e creatinina: para avaliação da função renal. lesão
IIc. Pontos pigmentados planos 12% 0 a 5%
III. Sem evidência de sangra- 36% 0 a 2%
Exames radiológicos e medicina nuclear mento (base limpa)

Na hemorragia digestiva, os exames radiológicos Tabela 20.5


só estão indicados na suspeita de ingestão de corpo es-
tranho, perfuração gastrointestinal, obstrução ou para A colonoscopia é a modalidade diagnóstica de
visualização de espessamento de alças intestinais suge- escolha para hemorragia digestiva baixa, sendo o
rindo isquemia. A ultrassonografia para diagnóstico da principal procedimento diagnóstico nos casos de en-
hemorragia digestiva alta pode ser utilizada na suspeita terorragia. Além de ser uma possibilidade terapêutica
de doença hepática, hipertensão portal ou grandes mal- em alguns casos, sua sensibilidade e especificidade são
formações vasculares. Na hemorragia digestiva baixa, é maiores do que as dos exames radiológicos contras-
útil nos casos de intussuscepção intestinal. A tomografia tados. Muitas vezes apenas a retossigmoideoscopia é
computadorizada e a ressonância magnética ficam reser- suficiente para o diagnóstico adequado, como na colite
vadas para suspeitas de massas abdominais ou anoma- alérgica ou infecciosa. Em outras ocasiões a colonos-
lias vasculares complexas. copia completa deve ser realizada, como na presença
A cintilografia está indicada para pesquisa de de sangramento indeterminado, pólipos, úlceras ou
duplicação intestinal, divertículo de Meckel ou sangra- doença inflamatória intestinal. Geralmente o preparo
mentos ocultos, utilizando hemácias marcadas com tec- da colonoscopia é feito com polietilenoglicol, que pode
nécio 99m. Já a angiografia pode ser utilizada em ca- ser dado por via oral ou por infusão nasogástrica.
sos eletivos de hemorragia maciça em que a realização
da endoscopia é impossível ou em casos de suspeita de
anomalias vasculares ou hemobilia.
Tratamento da hemorragia
Endoscopia digestiva digestiva
A endoscopia digestiva é o método diagnóstico
de escolha nas crianças com hemorragia digestiva alta,
pois é um procedimento relativamente seguro, com
Medidas gerais
alta especificidade e alta sensibilidade. Além disso, A abordagem terapêutica do paciente com hemor-
em algumas doenças também pode ser utilizada como ragia digestiva deve começar com a estabilização clínica
fator prognóstico e terapêutico. As indicações para do paciente. Primeiro deve-se garantir a monitorização,
endoscopia precoce em crianças não são bem estabele- a permeabilidade das vias aéreas e a oferta de oxigênio.
cidas, pois não existem estudos pediátricos comparan- Em seguida, deve-se conseguir uma estabilidade hemo-
do a sobrevida no procedimento endoscópico precoce dinâmica, quantificando as perdas sanguíneas, obtendo
com o tratamento conservador. Geralmente a endos- acesso venoso de grosso calibre e reposição volêmica
copia é realizada em pacientes que apresentam gran- adequada. A reposição volêmica deve ser feita com soro
des sangramentos ou sangramentos pequenos, porém fisiológico ou ringer-lactato. Em casos de grandes san-
recorrentes e inexplicáveis. O prognóstico e os riscos gramentos, muitas vezes levando ao choque hemorrá-
de ressangramento em crianças (com base nos acha- gico, que necessitem de transfusão de concentrado de

107
Clínica Cirúrgica | Pediatria

hemácias em um volume maior do que 50% da volemia de sangramento deve ser instituída, na maioria dos pa-
do paciente, devem ser considerados plasma fresco e cientes, a prevenção secundária de sangramento, com be-
concentrado de plaquetas. Além disso, a transfusão de tabloqueadores como o propranolol, que diminui o fluxo
plaquetas também é recomendada se a criança apresen- venoso portal. Este medicamento não deve ser utilizado
tar plaquetopenia abaixo de 50.000/mm3, e o plasma na vigência de sangramentos e é contraindicado em bradi-
fresco, em casos de coagulopatia. Medidas terapêuticas cardias, bloqueios cardíacos ou broncoespasmos.
específicas para cada patologia devem ser consideradas.
Pode ser realizado esvaziamento gástrico, facilitando a
endoscopia e evitando aspiração em caso de vômitos.
Pelo risco de hipotermia não deve ser realizada lavagem Tratamento endoscópico
gástrica com água gelada.
A endoscopia é fundamental no tratamento dos
pacientes com hemorragia varicosa, pois permite a
confirmação do local de sangramento concomitante ao
Terapêutica especí昀椀ca: hemorragia tratamento, sendo esta a terapia de escolha na maioria
dos casos. O procedimento deve ser realizado o mais
digestiva alta varicosa precocemente possível, idealmente até 12 horas após o
início do quadro. A escleroterapia de varizes esofágicas é
Drogas vasoativas um procedimento bem estabelecido e eficaz em crianças;
estudos demonstram sucesso em mais de 90% dos pa-
A vasopressina, a somatostatina, o octreotide e cientes. A substância mais utilizada para a esclerose é a
a terlipressina (atualmente, a mais utilizada) são efe- etanolamina com injeções intra e paravasais. As varizes
tivos no controle da hemorragia varicosa e podem ser gástricas geralmente são mais calibrosas e apresentam
administrados logo após a admissão do paciente, ainda sangramentos mais intensos. Os melhores resultados
na sala de emergência. Sabe-se que o tratamento com- na escleroterapia gástrica ocorrem com a utilização de
binado de drogas vasoativas e endoscopia é mais efe- cianocrilato, mas ainda assim apresentam maior taxa de
tivo. A vasopressina, que era muito utilizada no pas- mortalidade e de recidiva de sangramento. Em relação
sado, tem sido substituída pela somatostatina ou pelo às complicações decorrentes da escleroterapia, podemos
seu análogo sintético, o octreotide, pois estes atuam citar o estreitamento esofágico, que é a complicação mais
seletivamente na circulação esplâncnica. Ocorre então comum, ocorrendo em 5 a 20% dos estudos, e a ulceração
uma vasoconstrição esplâncnica, com alta eficácia no superficial, que também é comum. Por outro lado, a ul-
controle do sangramento e menores efeitos colaterais. ceração profunda ou a perfuração são complicações ra-
ras. Já foi relatada lesão espinhal isquêmica. A ligadura
O octreotide apresenta vida média mais longa do que a
elástica de varizes tem sido relatada com eficácia e segu-
somatostatina, podendo ser utilizado de forma inter-
rança nos pacientes pediátricos, mas ainda são poucos os
mitente a cada 8 horas e por via subcutânea. A infusão estudos disponíveis. Comparada com a escleroterapia é
da droga é mantida em média por 48 a 72 horas. Seu necessária maior habilidade do endoscopista para mani-
desmame é iniciado 24 horas após o controle do san- pular o dispositivo de ligadura no esôfago mais estreito
gramento e deve ser progressivo, reduzindo metade da criança. Não foram descritas maiores complicações
da dose a cada 12 horas. As recomendações para doses da ligadura elástica em crianças.
variam muito, sendo descritas doses de somatostatina
de 1 a 20 µg/kg/hora, ou 250 a 500 µg/hora para ado-
lescentes e adultos. Em relação ao octreotide é descri- Tratamento mecânico
ta uma dose inicial de 1 µg/kg, seguida da infusão de 1
µg/kg/hora ou 50 µg/hora para adolescentes e adultos. A indicação do tamponamento com o balão de
Durante o uso de somatostatina ou octreotide devem Sengstaken-Blakemore está cada vez mais restrita,
ser monitorizadas pressão arterial e glicemia, que po- indicada apenas nos casos de hemorragia maciça não
dem aumentar com o uso das medicações, principal- controlada com endoscopia e/ou tratamento farmaco-
lógico. Produz uma hemostasia temporária pela com-
mente em altas doses.
pressão direta das varizes. As principais complicações
são a perfuração esofágica e a insuficiência respirató-
ria por aspiração pulmonar ou migração do balão.
Outras drogas
Também estão indicados os bloqueadores de H2,
como a ranitidina, os inibidores da bomba de próton (pre- Shunt portossistêmico transjugular
ferencialmente), como o omeprazol, lansoprazol e panto- intra-hepático (TIPS)
prazol, ou os agentes citoprotetores, como o sucralfato,
todos com o objetivo de diminuir a incidência de compli- É uma prótese que conecta a veia hepática e a veia
cações, como úlceras e estenoses, principalmente após en- porta, colocada por meio de radiologia intervencionista.
doscopia com realização de escleroterapia. Após episódio Está indicada principalmente nas crianças com hiperten-

108 SJT Residência Médica - 2015


20 Doenças do lactente

são portal de etiologia intra-hepática, quando o procedi- riores. Alguns estudos demonstram que o omeprazol é
mento endoscópico não é eficaz, ou seja, na recorrência mais efetivo no controle do sangramento proveniente
de sangramento após duas intervenções endoscópicas de úlceras hemorrágicas. O risco de sangramento de
na mesma internação. As principais complicações são a úlceras e gastrites aumenta quando existe associação
encefalopatia hepática e a estenose do shunt. Não com- com infecção por Helicobacter pylori; assim, crianças e
promete a realização posterior do transplante hepático. adolescentes com a infecção devem ser tratados erra-
dicando o agente com antibioticoterapia específica. As
drogas vasoativas também são eficazes nas hemorra-
gias digestivas não varicosas e devem ser utilizadas nos
Tratamento cirúrgico casos de hemorragias intensas ou persistentes.
As indicações do tratamento cirúrgico também
são bastante restritas pelo sucesso da terapêutica en-
doscópica e farmacológica. A cirurgia se torna neces- Tratamento endoscópico
sária nos casos de falha das alternativas terapêuticas
já citadas. As opções cirúrgicas são os shunts portos- A endoscopia deve ser realizada o mais precoce-
sistêmicos, transecção e desvascularização esofágica mente possível, a fim de diagnosticar e, se necessário,
e, finalmente, o transplante hepático. O transplante tratar a lesão encontrada. Nos casos de úlcera hemor-
hepático é o tratamento definitivo para as crianças rágica, os estigmas de sangramento vão definir a ne-
com hemorragia varicosa e doença hepática avançada cessidade da hemostasia endoscópica, pois, como já
e deve ser considerado em todos os casos. foi visto, a classificação de Forrest ajuda na previsão
do índice de recidiva das lesões. Assim, a hemostasia
endoscópica está indicada nas lesões que apresentam
sinais endoscópicos com alto índice de recidiva, como
Hemorragia digestiva alta não sangramento ativo ou vaso visível. São várias as téc-
nicas endoscópicas para a realização da hemostasia,
varicosa como as térmicas, mecânicas, tópicas e injeções. A mais
utilizada, por ser eficaz, de baixo custo e de fácil ma-
nuseio, ainda é a técnica da injeção, em que se utiliza
Tratamento farmacológico principalmente a epinefrina. Por outro lado, nenhuma
conclusão pode ser feita sobre a melhor técnica, pois
Como as lesões pépticas predominam, estão indi- não existem estudos suficientes. Os pacientes com san-
cados os agentes citoprotetores, os bloqueadores de H2, gramentos importantes e com tratamento endoscópi-
os antiácidos e principalmente os inibidores da bomba co bem-sucedido devem ficar em jejum por 48 horas e
de próton, que apresentam a vantagem teórica de se- internados por pelo menos 72 horas, devido ao risco de
rem mais potentes na supressão ácida do que os ante- recidiva neste período.

Principais métodos terapêuticos utilizados na hemorragia digestiva varicosa


Farmacológico Endoscópico Mecânico Shunt Cirúrgico
(não cirúrgico)
Somatostatina Escleroterapia Balão de Sengstaken- TIPS Transecção e desvascularização esofágica
Octreotide Ligadura elástica -Blakemore Shunts portossistêmicos
Terlipressina Transplante hepático
Propranolol
Tabela 20.6

Radiologia intervencionista
A arteriografia para fins terapêuticos é potencialmente útil para o controle dos sangramentos de úlceras, sín-
drome de Mallory-Weiss, esofagites, gastrites e anomalias vasculares em que houve falha terapêutica no procedi-
mento endoscópico. A injeção intra-arterial com vasopressina é o método mais aceito. Também são utilizadas a
embolização com geofoam ou microesferas.

Tratamento cirúrgico
O tratamento cirúrgico fica reservado para sangramentos importantes que não puderam ser resolvidos com o trata-
mento medicamentoso, endoscópico ou arteriográfico. É associado a muitas complicações e alta taxa de mortalidade. Nas
crianças, as principais indicações são hemorragias por rompimento arterial, perfurações ou obstruções gastrointestinais.

109
Clínica Cirúrgica | Pediatria

Hemorragia digestiva baixa


Tratamento farmacológico
O tratamento medicamentoso vai depender da etiologia do sangramento. Nos casos de sangramento devido a colite alér-
gica é indicada apenas a mudança da dieta. Antibióticos específicos podem ser utilizados no tratamento de colites infec-
ciosas e imunossupressores e anti-inflamatórios, nas doenças inflamatórias intestinais. Para hemangiomas proliferativos
podem ser úteis os corticosteroides e o interferon-alfa.

Tratamento endoscópico
A terapia endoscópica geralmente é para retirada de pólipos, mas também podem ser feitos escleroterapia,
laser e ligadura de banda elástica para anomalias vasculares no cólon.

Tratamento cirúrgico
A cirurgia é mais frequentemente indicada para pacientes com intussuscepção não redutível, divertículo de Meckel, duplica-
ções intestinais ou malformações vasculares. Nos casos em que ocorre perfuração ou obstrução intestinal a cirurgia também
é indicada.

110 SJT Residência Médica - 2015


221
Capítulo

O U CO
Neuroblastoma
BÁSICO eM
Clínica Cirúrgica | Pediatria

Introdução Biologia celular e molecular


O neuroblastoma (NB) é um tumor constituído Os proto-oncogenes são os genes que ativam a
de células chamadas neuroblastos com origem na crista divisão das células normais e os genes supressores são
neural primordial (gânglios da cadeia laterovertebral aqueles que se opõem à ação dos proto-oncogenes, blo-
simpática, medula suprarrenal e restos embrionários queando o processo de divisão celular. A ação regulada
de Zuckerkandl). entre esses dois grupos de genes mantém o equilíbrio
entre o número de células que nascem e morrem todos
os dias no nosso corpo. Quando se acumulam deter-
Pescoço <5% minadas mutações nos proto-oncogenes ou nos genes
Mediastino 20%
supressores, a célula passa a se multiplicar excessiva-
Paraespinhal 25%
mente, como se tivesse voltado ao estágio embrioná-
rio, mas sem o controle harmonioso que existia nessa
Pelve <5%
fase. Portanto, os oncogenes são genes mutantes que
participam da formação de células malignas.
€ O Mycn é o único oncogene consistentemente
superexpresso nos neuroblastomas.
A amplificação (aumento do número de cópias de
Adrenal 50% certo gene) do oncogene Mycn é normalmente locali-
Figura 21.1 Distribuição dos casos de neuroblastoma. O sítio primá- zada na porção distal do braço curto do cromossomo 2
rio mais comum é adrenal. (2p24). A amplificação é significativa quando apresen-
ta 10 ou mais cópias de Mycn por genoma haploide e
se relaciona aos estádios avançados 3 e 4 (31%), con-
tra apenas 4% dos estádios 1 e 2 e 8% dos estádios 4S,
significando rápida progressão do tumor e prognóstico
Epidemiologia ruim. A amplificação do Mycn ocorre em aproxi-
madamente 25% dos tumores primários e está
altamente associada à deleção do cromossomo 1.
€ É o tumor sólido mais comum nas crianças
Essa amplificação resulta em elevado índice de mensa-
com menos de um ano de idade;
gem (mRNA: ácido ribonucleico mensageiro) e uma alta
€ Prevalência: 8,5 por 1.000.000/ano, menores expressão proteica (importante na proliferação celular e
de 15 anos; no ciclo celular). A amplificação do Mycn é um indi-
€ Predisposição sexual: 2M:1F; cativo de falha de tratamento, independentemen-
te de outros marcadores.
€ Vinte e cinco por cento dos casos são diagnosti-
€ Alterações cromossômicas adquiridas, modifi-
cados no primeiro ano de vida;
cações somáticas;
€ Cinquenta por cento até os 2 anos de idade € Por perda ou deleção de material genético:
(pico de frequência) e 90% até os 8 anos.
- Ip36: 19 a 36%;
- Ilq23: 40 a 45%;
- 14q32: 20 a 25%;
Embriologia - Deleções em outras regiões (3p, 4p, 5p, 9p, 18q).
€ Por ganho de material genético:
Os neuroblastomas são oriundos das simpato-
gonias, células indiferenciadas da crista neural, que - Amplificação do Mycn: 20 a 25%.
originam a medula suprarrenal e todos os gânglios A deleção de material genético no braço curto do
simpáticos. Os neuroblastos são identificados no cromossomo 1 sugere que ele contém um gene supres-
feto com sete semanas e vão formando nódulos neu- sor importante na tumorigênese do neuroblastoma,
pois o oncogene Mycn está situado no cromossomo 2.
roblásticos até a 12ª semana, aumentando de tama-
nho e número até a 17ª semana. As deleções da porção distal do cromossomo 1
ocorrem na região Ip36, sendo encontradas em 19 a
O neuroblastoma in situ está presente em 100% dos 36% dos casos e vistas em pacientes com estádios avan-
fetos na medula suprarrenal entre a 17ª e a 20ª semana. çados, de pior evolução.
O neuroblastoma in situ regride com a diferencia- As perdas da LOH (perda da heterozigose) po-
ção celular, sendo mediado por fatores de crescimento dem ocorrer tanto no braço curto quanto no braço
(FCN) e seu receptor (proto-22-oncogene TrK). longo do cromossomo 11.

112 SJT Residência Médica - 2015


21 Neuroblastoma

Aproximadamente metade dos pacientes tem o € Genes relacionados ao fenótipo de resistência


cromossomo 11 inalterado, a outra metade tem dele- a múltiplas drogas (MDR1-gene de múltipla re-
ções de dois padrões: sistência a drogas e MRP-gene da proteína rela-
cionada à múltipla resistência a drogas) são vis-
€ Padrão com monossomia (deleção de todo cro-
mossomo); tos em estádios avançados. A expressão de altos
níveis de MRP é independente da expressão do
€ Padrão com deleção do braço longo do cromos- Mycn, TrKA e estádios. São genes que propi-
somo 11 (11q), com conservação da heterozigo- ciam resistência às drogas quimioterápicas por
se no braço curto. meio da P-glicoproteína;
No braço longo do cromossomo 11, a região da € Genes relacionados à invasão e metástases
deleção é identificada no loco 23.3 (11q23.3). A dele- NM23, NME1 e CD44. A expressão elevada da
ção 11q23 é encontrada na metade de todos os pacien- glicoproteína CD44, que é uma proteína da su-
tes com neuroblastoma e tem uma correlação inversa perfície celular e que influencia a adesão celular,
com a amplificação do Mycn. é inversamente correlacionada à amplificação
A perda da heterozigose (LOH) no 14q32 ocorre do Mycn e está associada aos neuroblastomas
em 20 a 25% dos casos. mais diferenciados e de melhor prognóstico.

Grupos favoráveis:
Expressão de receptores neurotrópicos € Cariótipos triploides;
As células de Schwann estão presentes nos neu- € Ausência de deleção 1p;
roblastomas mais diferenciados e vários fatores neu- € Ausência de amplificação do Mycn.
rotrópicos estão envolvidos no processo de maturação
neuronal. Três receptores da tirosina associados a tais
fatores foram identificados: TrKA/NGF (nerve growth Grupos desfavoráveis:
factor), TrKB/BDNF (brain derived neurotrophic fac- € Cariótipo diploide;
tor) e TrKC/NT-3 (neurotwphin-3).
€ Presença de deleção em 1p;
Os neuroblastomas com amplificação do Mycn
(mau prognóstico) têm níveis reduzidos ou indetectáveis € Amplificação do Mycn.
de expressão de TrKA. Os neuroblastomas com estádios
limitados e ausência de amplificação de Mycn (bom prog- Anomalias associadas
nóstico) têm altos níveis de TrKA.
€ Doença de Hirschsprung;
As expressões elevadas de TrKB associam-se a neu-
roblastomas de prognóstico desfavorável, com estádios € Síndrome de Klippel-Feil;
avançados do tumor. As expressões elevadas de TrKC € Síndrome Waardenburg;
associam-se a neuroblastomas de prognóstico favorável. € Síndrome de Ondine;
€ Síndrome de Beckwith-Wiedemann;
Expressão e atividade da telomerase € Síndrome fetal-álcool;
€ Síndrome fetal-hidantoína;
Pacientes portadores de neuroblastoma com nenhu-
ma atividade da telomerase (enzima que atua na extremi- € Neurofibromatose.
dade do cromossomo evitando o desgaste do telômero)
apresentam um excelente prognóstico. Os com elevada
atividade da telomerase (a maioria está associada à am-
plificação do Mycn) apresentam prognóstico ruim.
Quadro clínico
€ Aproximadamente 70% dos pacientes apre-
Caspases sentam metástases ao diagnóstico. Os sinto-
mas variam de acordo com a localização primária
As caspases são enzimas proteolíticas responsá-
do tumor e presença ou não de metástases. As
veis pela execução do sinal apoptótico.
metástases mais comuns são encontradas
A caspase 8 é uma protease sérica localizada no na medula óssea, cortical do osso (lesões lí-
loco 2q23, sendo a chave para a sinalização do apoptose ticas em radiografia), linfonodos regionais e dis-
celular (morte celular programada como parte de um tantes e hepáticas (mais comuns no estádio 4S).
processo normal), sendo os genes BCL2 e BCLX, por As metástases em pulmões e cérebro são ra-
meio de suas proteínas intracelulares, necessários à efe- ras. As metástases ósseas costumam ocorrer nas
tivação do sinal apoptótico. metáfises dos ossos longos e crânio;

113
Clínica Cirúrgica | Pediatria

€ Massa abdominal palpável nos tumores primários


adrenais e paraespinhais presente em aproximada-
Exames por imagem
mente 50% dos casos, de consistência dura, poden- € Em radiografia de tórax encontramos a presen-
do ser, na maioria dos casos, de aspecto nodular; ça de massa (com ou sem calcificações) em me-
diastino posterior, deslocando ou não estrutu-
€ Os pacientes costumam referir quadros de dor
ras do aparelho respiratório e/ou digestivo;
abdominal, acompanhados de vômitos. Podem
apresentar também restrições respiratórias, sinais € Em radiografia de abdome vemos o efeito de mas-
de desnutrição, anemia, perda de peso, síndrome sa abdominal, deslocando alças de intestino, com
de Horner, proptose orbital bilateral e equimose presença de microcalcificações em alguns casos;
(devido à presença de metástase óssea orbital), hi- € Radiografia de esqueleto é utilizada para melhor
pertensão arterial (não dependente do aumen- caracterização das metástases ósseas, demonstra-
to de catecolaminas), paraplegia ou síndrome da das previamente em cintilografia de esqueleto;
cauda equina, massa pélvica (ocasionando distúr- € Em ultrassonografia observamos a massa tumoral
bios urinários e constipação), síndrome da diar-
e suas características: a presença só de componen-
reia aquosa (VIP), hepatomegalia por infiltração
tes sólidos ou se há áreas de necrose tumoral, a pre-
tumoral maciça (síndrome de Pepper), nódulos
sença de calcificações, a presença ou não de adeno-
subcutâneos (em lactentes com estádio 4S);
patias, se há ou não infiltração de outras estruturas
€ Síndromes associadas: adjacentes e o tamanho da massa tumoral;
Síndrome de Pepper: envolvimento maciço € Em criança, a tomografia computadorizada não
do fígado por doença metastática com ou sem difi- acrescenta informações além das imagens obtidas
culdade respiratória. pela ultrassonografia, exceto para o tórax e crânio,
Síndrome de Horner: ptose palpebral unilateral, em que oferece melhor imagem de definição;
miose e anidrose associada a tumor torácico primário. € A grande indicação da ressonância nuclear mag-
Os sintomas não regridem com a exérese do tumor. nética está nos tumores com potencialidade ou
Síndrome de Kerner-Morrison: diarreia secre- clínica de compressão da medula espinhal e nos
tória retrataria associada a tumor de biologia favorável tumores cerebrais;
que secreta peptídeos vasointestinais (VIP). Os sinto- A cintilografia com MIBG (metaiodobenzilgua-
mas regridem com a exérese do tumor. nidina) é tanto indicativa de metástases ósseas como
Síndrome de Hutchinson: claudicação e irrita- também é utilizada como terapia no seu tratamento.
bilidade na criança pequena, associada a metástases É utilizada para qualquer localização da neoplasia.
em ossos e medula óssea. Opsomioclonia: abalos mio- Quando o exame com MIBG for negativo ou inviável,
clônicos e movimentos oculares ao acaso, com ou sem deve-se realizar a cintilografia com tecnécio.
ataxia cerebelar. Associada a tumor de prognóstico fa-
vorável, mas os sintomas podem não cessar com a re-
tirada do tumor. Olhos de guaxinim ou olhos de urso
panda (panda eyes): presente quando existe hemorra-
gia periorbital secundária a tumor metastático.

Abordagem diagnóstica
€ No exame físico detecta-se massa abdominal
palpável quando o tumor está localizado no ab-
dome. A presença de nodulações azuladas no
tecido celular subcutâneo (Síndrome do Muffin
de Blueberry) sugere o diagnóstico de neuroblas-
toma IV-S. Podem se perceber sinais da síndro-
me de Horner, quando temos o acometimento
do gânglio estrelar (1º cervicotorácico). Encon-
tramos em raros casos sinais de compressão da
veia cava superior, quando o tumor comprime
esses vasos. Podemos ainda encontrar massas
de mediastino posterior em achados radiográ-
ficos ocasional, outras, pelo tamanho, já com Figura 21.2 Raio X de tórax: massa em região superior do HTE. TC:
compressão de estruturas respiratórias, ocasio- massa de mediastino posterior, sugestivo de neuroblastoma. Observe
nando distúrbios respiratórios. área de calcificação.

114 SJT Residência Médica - 2015


21 Neuroblastoma

€ Dosagens de neuroenolase específica (ENE).


Encontra-se elevada em 96% dos pacientes que
apresentam metástases. A ENE com valores aci-
ma de 100 mg/mL é encontrada nos tumores de
mau prognóstico, com estádios avançados;
€ Dosagem da ferritina sérica. A ferritina com
valores acima de 142 ng/mL é encontrada
nos tumores com estádio 3 ou 4 e associada
a mau prognóstico;
€ Mielograma e biópsia de medula óssea:
Quando no mielograma encontramos as pseu-
dorrosetas de Horner-Wright não há necessidade
Figura 21.3 TC de abdome: massa retroperitoneal com pontos de da realização de biópsia de medula óssea. A biópsia
calcificação, compatível com neuroblastoma.
é realizada com agulha de biópsia óssea na crista ilí-
aca, bilateralmente. É considerada adequada quando
o fragmento tem pelo menos 1 cm de medula óssea,
excluindo a cartilagem.

Histopatologia
Os três tipos histopatológicos clássicos dos tu-
mores neuroblásticos (neuroblastoma, ganglioneuro-
blastoma e ganglioneuroma) refletem um espectro de
maturação, diferenciação e comportamento clínico do
tumor. O neuroblastoma é uma das neoplasias de pe-
quenas células redondas azuis e deve ser distinguido de
outros tumores que apresentam essa semelhança, tais
como linfomas não Hodgkin e sarcomas indiferenciados
do tecido mole, incluindo o rabdomiossarcoma, haven-
do a necessidade da imunoistoquímica para realização
do diagnóstico diferencial em algumas situações. Pela
imunoistoquímica são positivados os seguintes coran-
Figura 21.4 Cintilografia com I123 – MIBG (metaiodobenzilguanidina)
tes de anticorpos monoclonais (CAM): neurofilamento,
mostrando metástases ósseas e o tumor primário na adrenal direita.
sinaptofisina e enolase neurônio-específico (ENE).
A classificação prognóstica baseada nos aspectos
histopatológicos mais utilizados é a classificação de Shi-
Investigação laboratorial mada, revisada por Joshi. Essa classificação baseia-se nas
características do estroma de células de Schwann, na ida-
€ Hemograma completo; de do paciente e no índice de mitose-cariorrexe (IMC):
€ Provas de coagulação; € Estroma rico: são células com aparência de
€ Provas de função hepática; ganglioneuroblastoma, imaturas, uniforme-
€ DHL (desidrogenase lática): valores abaixo de mente distribuídas, bem diferenciadas. Estro-
1.500 UI/mL são encontrados nos pacientes que ma rico não favorável tem aparência nodular;
têm bom prognóstico; € Estroma pobre: são três as variáveis que mos-
€ Ureia e creatinina; tram se o tumor é de característica favorável ou
desfavorável:
€ Eletrólitos;
- Idade da criança ao diagnóstico.
€ Dosagens de HVA (ácido homovanílico) e VMA
(ácido vanilmandélico). HVA com valores su- - Diferenciação dos neuroblastos (nuclear ou
periores a 6 mg/g de creatinina e VMA com citoplasmática).
valores superiores a 10 mg/g de creatinina são - Índice de mitose cariorrexe (IMC), que é a soma
considerados elevados. A relação VMA: HVA > 1 de anormalidades nucleares, número de células tumorais
indica prognóstico mais favorável; necróticas, número de células com mitoses e o número
€ Dosagens de metanefrinas e dopamina; de células malformadas por 5.000 células examinadas.

115
Clínica Cirúrgica | Pediatria

Segundo Joshi, a presença de calcificação e de International Neuroblastoma Staging System (INSS)


baixo índice de mitoses (< 10 mitoses/10 campos de
grande aumento) é de valor preditivo favorável, in- Estádios Caracterização
dependentemente da idade e do estádio. 1 Tumor localizado, confinado à área de origem;
remoção macroscópica completa, com ou sem
doença residual microscópica; linfonodos ipsi e
contralaterais identificados livres de comprome
Estadiamento timento neoplásico
2A Tumor unilateral com remoção macroscópica in-
O estadiamento do neuroblastoma pode ser fei- completa; linfonodos ipsi e contralaterais identi-
to segundo diversos sistemas. São conhecidos os sis- ficados livres de comprometimento neoplásico
temas norte-americanos, como o Children’s Câncer 2B Tumor unilateral com remoção macroscópica
Group (CCG) e o Pediatric Oncology Group (POG), completa ou incompleta; linfonodos ipsilaterais
e o sistema europeu, fundamentado na classificação comprometidos; linfonodos contralaterais iden-
TNM (tumor, nódulo e metástase). Todavia, atual- tificados livres de comprometimento neoplásico
mente, está sendo utilizado o sistema proposto para
3 Tumor infiltrando-se através da linha média, com
uso internacional: International Neuroblastoma
ou sem envolvimento regional de linfonodos; ou
Staging System (INSS). Esse sistema combina ele-
tumor unilateral, com envolvimento contralateral
mentos dos estadiamentos POG e CCG. Foi formulado
de linfonodos; ou, ainda, tumor de linha média,
para dar uniformidade ao estadiamento e para per-
com envolvimento bilateral de linfonodos
mitir que estudos clínicos e biológicos realizados em
qualquer parte do mundo sejam comparáveis. Obser- 4 Disseminação do tumor a linfonodos distantes,
vações sobre o estadiamento INSS: ossos, medula óssea, fígado ou outros órgãos
(exceto como definido em 4S)
€ Nos lactentes, parece não haver diferença significa-
tiva de valor prognóstico entre os estádios 2A e 2B; 4S Tumor primário localizado conforme definido
para estádios 1 ou 2, com disseminação limitada
€ A maioria dos tumores no estádio 3 se origina no a fígado, pele e medula óssea (< 10% das células
abdome, pois tumores que ultrapassam a linha
neoplásicas)
média quer por infiltração ou por envolvimento
Tabela 21.1
nodal, são menos frequentes no tórax. Infiltra-
ção através da linha média (coluna vertebral)
significa mais invasão contígua do que extensão
pedunculada do tumor.
Há evidências de que pacientes no estádio 4, base-
ados no envolvimento da medula óssea (excluindo o 4S) Tratamento
e abaixo de dois anos, evoluem melhor do que aqueles
em estádio 4 com envolvimento da cortical óssea. A cirurgia tem um papel fundamental tanto
para o estabelecimento do diagnóstico (biópsia do
€ O estádio 4S significa um estádio especial (S: tumor para estudos de patologia e análise da bio-
special), habitualmente ocorrendo em crianças logia, nesse caso necessitando de 1 a 5 g de tecido
abaixo de um ano, sendo o estádio onde encon- neoplásico, e estadiamento cirúrgico), quanto para
tramos a maioria das regressões espontâneas, o tratamento (ressecção primária do tumor ou res-
vistas em alguns casos de neuroblastoma. Essas secção de doença residual). A ressecção do tumor
regressões neoplásicas ocorrem mesmo em tu- deve sempre levar em consideração a preservação
mores grandes, podendo haver o aparecimento
de estruturas vitais. A ressecabilidade do tumor
concomitante, especialmente na pele, de nódu-
primário ou metastático é determinada pela loca-
los que surgem em determinada área da pele e
lização, mobilidade, relação com os nervos e gran-
regridem em outra, tendendo ao completo de-
des vasos, habilidade no controle do suprimento
saparecimento das lesões. Nas grandes infiltra-
sanguíneo, presença de metástases a distância e o
ções hepáticas, a regressão é lenta, notando-se o
prognóstico geral do paciente.
desaparecimento das células tumorais ao invés
da transformação em ganglioneuroma (basica- Em pacientes de baixo risco, ou seja, todos os
mente pelo mecanismo de apoptose). A infiltra- pacientes estádios 1 e 2 exceto aqueles estádios 2
ção da medula óssea deve ser menor que 10% de maiores de 1 ano de idade, com amplificação do
células malignas pela aspiração ou pela biópsia N-Myc e histologia desfavorável, a cirurgia é o
óssea, para ser considerada 4S; se for maior deve tratamento exclusivo. Nenhum outro tratamento
ser considerado estádio 4. A captação do MIBG é necessário, independemente, inclusive, da idade
deve ser negativa para o osso. do paciente.

116 SJT Residência Médica - 2015


21 Neuroblastoma

As crianças com estádio 2B e 3 que, após o tra- Nas crianças abaixo de dois anos, quando o
tamento cirúrgico, apresentam massas macroscópicas neuroblastoma cresce rapidamente do mediastino
residuais sem metástases e sem linfonodos acometi- posterior para o anterior, causando compressão se-
dos, independentemente da idade, requerem trata- vera de traqueia e de brônquios principais, a medida
mento quimioterápico complementar e, em alguns de terapêutica oncológica mais importante, como
casos, tratamento radioterápico. Após o tratamento medida salva-vida, é a toracotomia ou esternoto-
quimioterápico, se persistir massa, há indicação de mia de urgência, com a descompressão de traqueia
nova intervenção cirúrgica (second-look surgery) para e brônquios.
ressecção da massa, ou coleta de material para estudo Quando ocorre a invasão do canal medular, pe-
biomolecular e anatomopatológico para complemen- los forames vertebrais nos casos de neuroblastoma em
tação do tratamento clínico. halter geralmente estágio 2, o tratamento inicial deve
ser com quimioterapia.
Deve-se destacar a importância da amostragem
de gânglios linfáticos não aderentes à massa tumoral
no momento da cirurgia. O aspecto macroscópico,
mesmo na avaliação de cirurgiões experientes não é fi- Complicações da cirurgia
dedigno e o comprometimento de linfonodos aderidos € Frequência: 5 a 25%. A complicação é maior
ao tumor não parecem alterar o prognóstico de cura. quanto maior for a agressividade cirúrgica;
Portanto, o correto estadiamento depende da avalia-
€ Complicações: sangramento, necessidade de ne-
ção de linfonodos não aderidos ao tumor.
frectomia, formação de aderências, invaginação
Crianças menores de 1 ano de idade, sem fato- pós-operatória, lesões neurológicas (síndrome
res moleculares desfavoráveis de prognóstico, podem de Horner, impotência sexual, incontinência
receber tratamento bem menos agressivo do que as urinária e/ou fecal, diarreia), insuficiência re-
crianças maiores e apresentar alto índice de cura, nal (por lesão de vasos), ligadura inadvertida de
mesmo quando a primeira tentativa de quimioterapia grandes vasos.
falha, sendo necessário um segundo esquema quimio-
terápico de maior agressividade.
O papel da cirurgia, per se, é limitado, já que Quimioterapia
proporciona a obtenção de amostras para análises
A quimioterapia está indicada, fundamental-
moleculares e anatomopatológicas. A experiência
mente, nas seguintes situações:
mostra que cirurgias citorredutoras (debulking) em
nada melhoram o prognóstico. € Tumor irressecável;

A cirurgia exerce papel importante do ponto de € Quando a cirurgia não foi radical;
vista prático nos casos em que os estudos de imagem € Em estádios avançados (doença disseminada);
não são capazes de mostrar com certeza a existência € Em algumas situações do estádio 4S, como infil-
de tumores residuais. tração medular e metástases hepáticas com he-
Nos tumores de estádio 4S, não tratados, indica-se patomegalia maciça.
excepcionalmente tratamento cirúrgico para remoção do Drogas quimioterápicas habitualmente utilizadas
tumor primário nos casos em que os exames clínicos e nos diversos protocolos: vincristina, ciclofosfamida,
laboratoriais sejam contraditórios, ou nos casos em que a doxorrubicina (adriamicina), cisplatina, etoposide, car-
regressão foi insatisfatória no local primário, já que pode boplatina, ifosfamida, inibidores da topoisomerase I.
haver recidiva local tardia.
Em regimes de consolidação, o tiotepa e a melfa-
No neuroblastoma pélvico, devemos tentar a ex- lana. Atualmente, a quimioterapia é utilizada de acordo
cisão da neoplasia, evitando a lesão dos plexos sacros com os grupos de risco.
(risco de incontinência fecal e urinária), já que nessa
localização os neuroblastomas apresentam baixa mor-
talidade, mas alta morbidade.
Nos tumores torácicos é geralmente satisfató- Radioterapia
ria a toracotomia posterolateral e a ressecção pode A radioterapia com a intensificação dos protocolos
envolver parte da cadeia simpática e nervos intercos- de quimioterapia avançada, associados ou não à ablação
tais, não havendo necessidade da excisão em bloco de medula óssea, tem seu uso cada vez mais restrito. É
da parede torácica. Habitualmente não são realizadas utilizada de uma maneira geral nas seguintes situações:
lobectomias, pois dificilmente o parênquima pulmo- € Controle local de foco residual da doença após
nar está acometido. o uso de quimioterapia como medida paliativa.

117
Clínica Cirúrgica | Pediatria

Retinoides no estádio 4S, com hiperdiploidia (indice de DNA > 1),


Shimada favorável e uma única cópia de Mycn. O tra-
São derivados naturais e sintéticos da vitamina tamento do neuroblastoma de baixo risco consiste na
A. O ácido retinoico induz a diferenciação dos neuro- remoção cirúrgica primária do tumor. Pacientes com
blastos através da desregulação do RNA mensageiro, tumores no estádio 1 e com ressecção macroscópica
diminuindo a expressão do Mycn e levando a uma di- completa têm uma expectativa livre de doença maior
minuição sustentada da proliferação de células tumo-
do que 90%, independentemente da idade. Recidivas
rais. Utilizados principalmente em doença mínima
locais podem ser tratadas com cirurgias secundárias,
residual. Todavia, têm se mostrado fundamentais na
podendo inclusive ser utilizada a quimioterapia se
melhora do prognóstico, quando aplicados em proto-
houver recidiva metastática.
colos de transplante de medula autóloga.
Para os pacientes no estádio 2 INSS, a cirurgia
inicial é o tratamento de escolha, porém pode ser
necessário o uso de quimioterapia nos casos de reci-
Terapia com transplante autólo- diva metastática.
go de células-troncos periféricas
Atualmente empregada nos regimes de quimiotera- Categorias dos Grupos de Risco de Pacientes para
pia de consolidação, com doses intensivas mieloablativas. Neuroblastoma
Grupo de
Estádio Fatores
risco
Baixo 1
Transplante autólogo de medula
2 < 1 ano
óssea > 1 ano, baixo N-myc
> 1 ano, ampliado N-myc; his-
Pode ser considerado nos pacientes com doença
tologia favorável
avançada que responderam bem à quimioterapia inicial
4S Biologia favorável*
e em que houve ressecção primária do tumor. A utiliza-
ção dessa terapêutica associada ao ácido 13-cis-retinó- Intermediário 3 < 1 ano, baixo N-myc
tico permitiu uma sobrevida de três anos de até 40%. O > 1 ano, biologia favorável*
transplante autólogo de medula óssea sem a associação 4 < 1 ano, baixo N-myc
ao ácido retinoico deixa a sobrevida em 27%. 4S Baixo N-myc
Alto 2 > 1 ano, toda biologia desfavo-
rável*
3 < 1 ano, ampliado N-myc
Conceito de tratamento com > 1 ano, qualquer biologia des-
favorável *
base nos grupos de risco 4 < 1 ano, ampliado N-myc
> 1 ano
Atualmente, as equipes que estudam o neuro-
4S Ampliado N-myc
blastoma estratificam os pacientes em grupos de ris-
co, com base na análise de fatores prognósticos bem (*) Biologia favorável denota baixo N-myc histologia favorá-
definidos. Para isso, são utilizados como fatores: vel e hiperdiploidia (crianças).
Tabela 21.2
€ Idade do paciente ao diagnóstico;
€ O estádio pelo INSS; A maioria dos pacientes no estádio 4S INSS, en-
€ Os fatores biológicos do tumor: histologia de Shi- quadra-se na categoria de baixo risco. A probabilidade
mada, a amplificação do Mycn e o índice de DNA. de sobrevida global é de 85 a 92%. Os sintomas relacio-
Identificam-se três grupos de riscos distintos: nados aos tumores no estádio 4S tais como dificuldade
respiratória devido à hepatomegalia e os que apresen-
tam histologia desfavorável ou ploidia (qualquer índice
de DNA), deverão indicar quimioterapia, ou irradiação
Grupo de baixo risco local, ou ambos. Os pacientes com invasão intraespi-
Os pacientes com neuroblastoma considerados nhal e compressão medular são habitualmente conside-
de baixo risco são aqueles que estão no estádio 1 INSS, rados de baixo risco e se beneficiam inicialmente com
pacientes no estádio 2 INSS (exceto os com idade aci- o tratamento quimioterápico ficando a laminectomia
ma de um ano ao diagnóstico e com amplificação do com ou sem radioterapia para casos que não responde-
Mycn e histologia desfavorável) e lactentes com doença ram adequadamente.

118 SJT Residência Médica - 2015


21 Neuroblastoma

Grupo de risco intermediário Grupo de alto risco


Pacientes com neuroblastoma considerados São incluídos nesse grupo os pacientes em está-
de risco intermediário são aqueles pertencentes dio 4, maiores de um ano ao diagnóstico; estádio 3 com
ao estádio 2 INSS com amplificação do Mycn e com amplificação do Mycn; estádio 3, maior de um ano, com
histologia de Shimada desfavorável (não sendo uti- histologia desfavorável; estádio 2 com Mycn amplifica-
lizado o índice de DNA em pacientes acima de um do e histologia desfavorável; e estádio 4S com amplifi-
ano); pacientes em estádio 3, menores de um ano cação do Mycn. A doença de alto risco persiste no grupo
e com Mycn não amplificado; pacientes em estádio para o qual durante os últimos 40 anos pouca melhora
3, maiores de um ano, sem amplificação do Mycn e real foi alcançada quanto ao prognóstico final. Embora
histologia favorável; lactentes em estádio 4 sem am- os regimes de quimioterapia intensiva tenham melho-
rado as cifras de respostas completas e parciais, muito
plificação do Mycn; e pacientes do estádio 4S sem
poucos pacientes sobrevivem, com taxas de sobrevida
amplificação do Mycn e com histologia desfavorável
livres de doença com três anos, de menos de 15%. Na
e qualquer índice de DNA.
tentativa de melhorar o prognóstico desse grupo, em-
O tratamento inicial é a quimioterapia, habitual- prega-se a quimioterapia de dose intensiva, conhecida
mente com ciclofosfamida, doxorrubicina, cisplatina como quimioterapia ablativa de medula com reinfusão
e etoposide (VP16), seguido da cirurgia postergada e de medula autóloga (transplante autólogo de medula
radioterapia para doença residual macroscópica. óssea [AMBT], associado ao ácido cisretinoico).

119
222
Capítulo

O U CO
Rabdomiossarcoma
BÁSICO eM
22 Rabdomiossarcoma

Introdução paratesticular, vulva, vagina, útero, 15%), os de ex-


tremidade, por 19%, tronco, 10%; retroperitônio, 8%;
Neoplasia maligna originária de células mesen- outros sítios 3%. Os RMS ocorrem mais comumente
quimais, as mesmas células que dão origem aos teci- em adolescentes e já apresentam disseminação linfáti-
dos conectivos: ossos, músculos, gordura, cartilagem, ca em 40 a 50% dos casos ao diagnóstico.
tendões e ligamentos.
É o tumor de partes moles mais frequentes
em criança (sarcoma de partes moles-SPM). Repre-
sentam de 7 a 8% das neoplasias da infância. Embora Histopatologia
ocorra em todas as idades, apresenta dois picos de in-
cidência: 2-6 anos (localizações preferenciais na cabeça, Identificação de rabdomioblastos ou células da
pescoço e TGU) e entre 15-19 anos (localização preferen- linhagem miogênica (nas quais se identificam estria-
cial nas extremidades). Tanto para os RMS quanto para ções transversais que mimetizam músculos esquelé-
os tumores de partes moles não RMS, a idade parece ser ticos). Diagnóstico do tipo específico é realizado por
fator prognóstico importante, piorando com o avançar microscopia óptica, técnicas imunoistoquímicas, mi-
da idade. Assim, para RMS localizados, a sobrevida croscopia eletrônica e técnicas de genética molecular.
global para crianças é maior que 75%, enquanto,
para adultos, fica entre 20 e 40%, e neste grupo, 35% É controverso se o subtipo histológico influencia
têm doença metastática ao diagnóstico. significativamente o prognóstico. Entretanto, sabe-se
que o tipo alveolar apresenta pior prognóstico devido
a sua agressividade e capacidade de ocasionar metás-
tases para pulmões, ossos e medula óssea.

Fatores de risco
Embora a maioria dos casos seja esporádica (sem
fatores predisponentes), alguns fatores de risco são Classificação
bem reconhecidos.
€ Embrionário (tecido imita músculos es-
Os SPM estão incluídos na família Li-Frau- queléticos imaturos; 60 a 70% dos casos). É
meni de tumores que estão associados à mutação constituído de quantidade variada de células
no gene p53 (leucemias, tumores de SNC ou adrenal, fusiformes e redondas primitivas que podem
câncer de mama pós-menopausa). estar intimamente ligadas ou livremente dis-
Indivíduos que apresentam mutação do gene persas em uma base mixoide. Locais mais co-
do retinoblastoma apresentam risco aumentado muns: cabeça e pescoço e genitourinários. Há
dois tipos especiais: RMS botrioide e RMS de
de desenvolver SPM, da mesma forma que há aumen-
células fusiformes (spindle cell).
to de risco para pacientes com neurofibromatose-1.
Os sarcomas botrioides ocorrem em estruturas
Pacientes portadores de síndrome de Beckwi-
recobertas por mucosa, como bexiga, vagina, útero,
th-Wiedermann, síndrome de Noonan, esclerose nasofaringe e ductos biliares (5% de todos os rabdo-
tuberosa são também de risco maior para RMS. miossarcomas). Localizam-se na submucosa esten-
A correlação com trauma local, muitas vezes esta- dendo-se ao lúmen das estruturas ocas como massas
belecida pelos pacientes, não foi comprovada, e os SPM polipoides (em forma de cacho de uva). Têm estroma
induzidos por radiação representam aproximadamente frouxo, mixomatoso e camada submucosa de celulari-
2,5% dos casos, mas provavelmente ocorrem em menos dade aumentada. O RMS tipo spindle cell, ocorre mais
de 1% dos pacientes submetidos à radioterapia. frequentemente na região paratesticular. Tem baixa
celularidade, é constituído de células fusiformes e es-
cassas células redondas, mimetizando o aspecto de
um tumor de músculo liso. Tende a ocorrer em crian-
ças menores e sítios mais favoráveis.
Localização anatômica € Alveolar (padrão similar aos alvéolos do pul-
mão fetal). Composto de septos fibrovasculares
Em crianças, os RMS ocorrem em qualquer parte e agregados mal-definidos de células pobre-
do corpo, quer exista ou não musculatura estriada. Os mente diferenciadas de forma oval ou redonda
tumores de cabeça e pescoço são os mais comuns que, frequentemente, mostram perda da coesão
e responsáveis por aproximadamente 35% dos central e formação de espaços alveolares. Mais
casos, dos quais cerca de 16% são parameníngeos frequente nas extremidades, tronco e períneo.
e 9% são orbitários. Os RMS genitourinários res- Parece estar associado a mau prognóstico. Cor-
pondem por 26% dos casos (bexiga e próstata, 10%; responde a 20% dos casos;

121
Clínica Cirúrgica | Pediatria

Neste tipo de RMS observa-se o rearranjo dos As metástases se fazem por disseminação
cromossomos 2 e 13 provocando translocação espe- hematogênica, e os locais mais comuns são pul-
cífica: t(2;13) (q3.5-3.7; q14) na qual o gene FKHR mão, ossos, medula óssea, gânglios e fígado.
(forked head rhabdomyosarcoma) em 70% dos casos
ou sua variante mais rara, em que a fusão dos genes
FKHR e gene PAX7 é gerada pela translocação t(1;13)
(p36; q14) em 10 a 20% dos casos. Os rabdomiossar-
comas com o gene PAX7-FKHR tendem a ocorrer em Diagnóstico
crianças menores, em lesões localizadas e costumam
apresentar melhor sobrevida. A lesão primária deverá ser avaliada por exame
€ Indiferenciado (10 a 20%) também parece apre- de imagem, geralmente TC e eventualmente resso-
sentar mal prognóstico. Mais comum nas extre- nância nuclear magnética (RNM), dependendo do lo-
midades, tronco, cabeça e pescoço; cal anatômico, TC de tórax, biópsia de medula óssea,
€ Pleomórfico (0,5 a 1%) raro na criança. mielograma e cintilografia óssea com tecnécio fazem
O tipo histológico está relacionado ao prognósti- parte do estadiamento dos RMS, uma vez que os locais
co, conforme tabela a seguir. mais frequentes de metástases são os pulmões, a me-
dula óssea e os ossos.
O diagnóstico deve ser firmado por meio de
Classificação histológica internacional de rabdomios-
sarcoma (RMS) relacionada ao prognóstico biópsia tumoral naqueles casos em que a ressecção
primária não é possível. O planejamento das biópsias
Tipo de RMS Prognóstico Sobrevida em 5 anos
(%)
é de extrema importância, principalmente nos tumores
de extremidades, uma vez que a cicatriz da incisão da bi-
RMS botrioide Favorável 90
ópsia realizada para o diagnóstico deverá ser incluída na
RMS spindle cell
peça cirúrgica quando da ressecção completa do tumor.
Embrionário Intermediário 65-75
Pleomórfico
Alveolar Desfavorável 40-55
Indiferenciado
Tabela 22.1

Imunoistoquímica
Identificação de anticorpos musculoesqueléticos
específicos (marcadores de diferenciação miogênica):
desmina, actina musculoespecífico, miogenina, mio-
globina e fator de transcrição Myo D. Ocasionalmen-
te, podem expressar em S-100, vimentina e Leu-
7. A intensidade de expressão correlaciona-se ao grau
de diferenciação rabdomioblástica.

Quadro clínico
A sintomatologia é dependente do local do tumor
primário, mas, via de regra, os RMS apresentam-se como
massa indolor. Os genitourinários podem manifestar-
-se como hematúria, dificuldade miccional ou obstrução
urinária ou como massas escrotais ou vaginais. Os de
localização parameníngea apresentam-se com disfunção
de pares cranianos, além de sinais sugestivos de sinusi-
te, secreção auricular, cefaleia ou dor facial. Os tumores
Figura 22.1 Lactente com um mês de idade investigando hepatome-
de localização orbitária frequentemente apresentam-se galia. A: TC contrastada demonstra impregnação heterogênea do fíga-
através de proptose ou edema periorbitário e, aqueles de do. B: em nível renal, revelou massa heterogênea com pouco realce em
localização na extremidade, apresentam crescimento rá- topografia de suprarrenal direita (neuroblastoma de suprarrenal com
pido levando à incapacidade funcional. metástases hepáticas estágio IV-S).

122 SJT Residência Médica - 2015


22 Rabdomiossarcoma

Estadiamento cientes em estádios de acordo com o sítio primário do


tumor, seu tamanho e sua disseminação regional e sis-
Existe mais de um sistema de classificação dos têmica antes da instituição do tratamento.
RMS. O proposto pelo IRS baseia-se no estado pós- Pacientes com tumores completamente ressecados
-cirúrgico, pré-quimioterapia e divide os pacientes (grupo 1), tumores em localizações favoráveis (estádio
em quatro grupos clínicos de acordo com a ressec- 1) e aqueles sem comprometimento regional (N0) têm a
ção completa ou não do tumor primário antes da maior sobrevida, enquanto RMS alveolares e metastáti-
instituição da quimioterapia e com a presença ou cos ao diagnóstico têm prognóstico sombrio.
não de metástases ao diagnóstico. Todos os estudos Atualmente, o Children’s Oncology Group (COG)
do IRS utilizaram essa classificação. divide os pacientes com RMS em três grupos de risco.
Em 1991, uma modificação do sistema TNM de O tratamento é instituído e o prognóstico avaliado de
estratificação dos tumores foi adotada e dividiu os pa- acordo com essa estratificação.

Grupos clínicos de acordo com o IRS


Grupo I: Doença localizada, completamente ressecada (linfonodos regionais livres – biópsia linfonodal ou linfadenectomia são
necessárias, exceto nos casos de tumores de cabeça e pescoço)
a) Confinado ao músculo ou órgão de origem.
b) Envolvimento de estruturas contíguas.
Nota: incluindo aspecto macroscópico e confirmação microscópica de ressecção completa Quaisquer linfonodos ressecados en
bloc devem ser negativos. Caso contrário, o paciente será considerado como grupo IIb ou IIc
Grupo II: Ressecção macroscópica completa com evidência de disseminação regional
a) Tumor macroscopicamente ressecado com doença microscópica residual (margens cirúrgicas são positivas e a reoperação para
ampliar margens não é possível). Ausência de envolvimento linfonodal. Uma vez iniciada a radio e/ou a quimioterapia, a reex-
ploração para ampliação de margens cirúrgicas não altera o grupo ao qual o paciente pertence.
b) Doença regional com envolvimento linfonodal, tumor completamente ressecado, com margens cirúrgicas livres.
Nota A ressecção completa com confirmação histológica de ausência de doença residual torna esse grupo diferente dos grupos
IIa e IIc. Além disso, em contraste com o grupo IIa, os linfonodos regionais (que foram completamente ressecados) estão envol-
vidos, mas o gânglio mais distal é negativo.
c) Doença regional com linfonodos acometidos, macroscópica e totalmente ressecados, porém com margens cirúrgicas compro-
metidas e/ou com envolvimento do linfonodo mais distal.
Nota a presença de doença microscópica residual torna esse grupo diferente do grupo IIb e o envolvimento linfonodal torna-o
distinto do grupo IIa.
Grupo III: Ressecção incompleta
a) Somente biópsia.
b) Ressecção parcial do tumor primário (> 50%).
Grupo IV: Doença metastática ao diagnóstico (pulmões, fígado, ossos, medula óssea, cérebro, músculos e linfonodos distantes
Nota: excluídos os gânglios linfáticos regionais e infiltração de órgãos adjacentes que estratificam o paciente em grupos de me-
lhor prognóstico.
Tabela 22.2

Estadiamento clínico pré-tratamento (TNM IRS IV), fundamentado em achados clínicos,


laboratoriais e estudos por imagem. Não são considerados achados operatórios e patológicos
Estádio Sítio primário da doença Tumor primário Tamanho Linfonodos Metásta-
ses
1 Órbita, cabeça e pescoço, excluindo pa- T1 ou T2 a ou b N0 ou N1 ou Nx M0
rameninges; genitourinário, excluindo
bexiga, próstata e trato biliar
2 Parameninges, bexiga/próstata, extremi T1 ou T2 a N0 ou Nx M0
dades, outros (tronco retroperitônio)
3 Bexiga/próstata, extremidades, parame T1 ou T2 ab N1 M0
ninges, outros (tronco, retroperitônio) N0 ou N1 ou Nx
4 Todos T1 ou T2 a ou b Qualquer N M1
Tabela 22.3 a: ≤ 5 cm; b: > 5 cm; MO: sem metástases a distância; M1: com metástases a distância; N0: linfonodos regionais não comprometidos
clinicamente; N1: linfonodos clinicamente comprometidos; Nx: linfonodos regionais não avaliados; T1: tumor confinado ao local anatômico de
origem; T2: extensão-fixação, ou ambos, aos tecidos vizinhos.

123
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Prognóstico de acordo com os grupos de risco


Grupo de risco Pacientes (%) Histologia/grupo/estádio SLD - 3 anos (%) Sobrevida global (%)
Baixo 30 Embrionários Grupos I, II 88 94
Grupo III, estádio 1
Intermediário 55 Embrionários Grupo III, estádios 2, 3 76 83
Grupo IV (< 10 anos) 55* 59
Alveolares Grupos I - IV 55* 66
Alto 15 Grupo IV (excluídos embrionários < 10 anos)
Tabela 22.4 SLD: sobrevida livre de doença. (*) 5 anos de SLD.

Tratamento amostras de linfonodos regionais e preservação


da função. Procedimentos de debulking (desbas-
te) ou excisões parciais não oferecem nenhum be-
A ressecção cirúrgica completa está relacionada ao nefício, quando comparados com simples biópsia;
melhor prognóstico, além de, nos casos dos RMS em-
€ Evitar ressecção primária extensa. É melhor in
brionários, dispensar o uso da radioterapia para controle
dicar primariamente biópsia + terapêutica ad
local. No entanto, somente 20% dos pacientes têm tu- juvante com excisão posterior;
mores que são passíveis de ressecção completa ao di-
agnóstico, com margens cirúrgicas negativas (grupo € Em casos específicos, cirurgia inicial mais agres-
I). No restante, a ressecção primária levaria a danos es- siva pode estar indicada. Isso é verdade para os
rabdomiossarcomas de extremidades e tronco.
téticos e funcionais proibitivos. Nesses casos, a ressecção
Rescisão deve ser efetuada, mesmo com margens
após tratamento quimioterápico minimiza a morbidade aparentemente negativas, se ressecção inicial não
da cirurgia e diminui a dose de radiação necessária. for ampla ou se malignidade não for suspeitada
Como mencionado anteriormente, todos os pa- pré-operatoriamente;
cientes com RMS são considerados portadores de € Nos outros casos, a presença de doença residu-
doença micrometastática e, portanto, todos devem al microscópica, pós-ressecção inicial, é curável
receber tratamento sistêmico. A quimioterapia ba- com quimioterapia e/ou radioterapia. Não é si-
seia-se no uso combinado de vincristina, actinomicina e nônimo de rescisão cirúrgica;
ciclofosfamida (VAC). Várias outras drogas foram testa- € Realizar cirurgias radicais nos casos em que o
das e são efetivas no tratamento do RMS, não apresen- tratamento quimioterápico não surtiu resultado;
tando, no entanto, benefício na sobrevida. A sobrevida € Atualmente, há uma tendência em direção a uma
global em cinco anos dos pacientes com o melhor prog-
conduta cirúrgica mais conservadora no estádio 3,
nóstico no grupo de baixo risco é de 95% com o uso de com o uso de quimioterapia, seguida por reexplora-
vincristina e actinomicina. Para aqueles pacientes ainda ção cirúrgica (second-look) e remoção de qualquer
no grupo de baixo risco, porém com prognóstico não tumor residual ou para avaliar resposta terapêutica;
tão bom, é necessária a utilização das três drogas (VAC)
€ Biópsia de linfonodos regionais, particularmente
para que se atinja sobrevida semelhante.
suspeitos (pelo exame físico e exames por ima-
A radioterapia está sempre indicada nos pacien- gem), é desejável.
tes com RMS embrionário com doença residual micro
ou macroscópica após ressecção cirúrgica (grupos II a
IV) e em todos os pacientes com RMS alveolar. A dose
da radioterapia varia de acordo com o sítio primário do Prognóstico
tumor, o grupo clínico e com a resposta à quimioterapia.
A maioria das crianças com doença de risco baixo Pacientes com doença localizada e completamen-
ou intermediário é curada com a abordagem multidis- te ressecada têm melhor prognóstico e pacientes com
ciplinar. Atualmente estão em estudo estratégias para metástases ao diagnóstico têm pior evolução. O fator
minimizar os efeitos tardios do tratamento: infertili- de maior importância relacionado com o prognóstico é
dade, segundos tumores, disfunção neuroendócrina e o local primário. Geralmente pacientes com doença em
região genitourinária ou órbita têm melhor prognósti-
alterações no crescimento.
co quando comparados com doenças em extremidades.
Os tumores de órbita têm excelente prognóstico
(90% assintomáticos em três anos). Nos tumores
Princípios cirúrgicos gerais do trato genitourinário estádio inicial, a sobrevida geral
é de 75%. Já nos de extremidades, o impacto da histo-
€ Tratamento cirúrgico é sitioespecífico; logia sobre o prognóstico é claramente observado. Os
€ Ideal: ressecção completa ampla do tumor primá- pacientes cujos tumores são de histologia alveo-
rio com margens negativas (macro e microscópi- lar têm taxa de recaída duas vezes superior a dos
cas no mínimo com 0,5 cm de margem livre), com pacientes com histologia embrionária.

124 SJT Residência Médica - 2015


223
Capítulo

OPEDÊUTICO
Teratomas
BÁSICO eM
Sacrococcígeos
Clínica Cirúrgica | Pediatria

Introdução tem o potencial de desviar fluxo sanguíneo da pla-


centa e feto para o tumor. Outro mecanismo em
potencial para aumentar as demandas fisiológicas
Tumores originados de células embrionárias plu-
deve-se à presença de hemorragia espontânea in-
ripotentes da área do cóccix e compostos de tecidos
terna ou externa do tumor, resultando em anemia
derivados das três camadas germinativas. São forma- fetal. Essa hemorragia pode estar relacionada a
dos por elementos sólidos, císticos, ou ambos. trauma intraútero ou degeneração necrótica ou cís-
tica do tumor. Esses mecanismos são as prováveis
causas do desencadeamento da insuficiência car-
díaca de alto débito (o tumor age como um grande
Epidemiologia shunt arteriovenoso), placentomegalia e hidropsia
fetal (efusões pleurais e pericárdicas, ascite, cardio-
€ Prevalência: 1:35.000 a 40.000 nascidos vivos; megalia e edema da pele);
€ Tumor mais comum do recém-nascido; € Poliidrâmnio pode estar presente em 70% dos
teratomas fetais;
€ Localização sacra corresponde de 35 a 60% de
todos os teratomas; € Hidropsia pode estar presente em 25% dos
teratomas fetais;
€ Correspondem a 40% dos tumores de células
germinativas; € Oligoidrâmnio pode ocorrer e é achado desfa-
vorável, podendo estar relacionado à obstru-
€ Mais frequentes em meninas: (4F:1M);
ção dos ureteres e/ou de uretra pelo tumor;
€ Ocorrência esporádica, porém tem sido relatado € O prognóstico está relacionado primariamente
um tipo com transmissão autossômica dominante;
à extensão, tamanho e complicações do tumor
€ Aproximadamente, 48% são maturos, 23% ima- e é associado à apresentação sintomática an-
turos e 29% malignos; tes da 30ª semana de gestação. Causas mais
€ Recém-nascido < 1 mês: mais de 90% são benignos; comuns de óbito dos teratomas pré-natais:
complicações da prematuridade (induzida pelo
€ Criança > 1 ano: 80% são malignos.
poliidrâmnio), insuficiência cardíaca congesti-
va, hemorragia intratumoral e hidropsia;
€ Síndrome do espelho (mirror syndrome) pode de-
senvolver-se na mãe por causas desconhecidas.
Diagnóstico e avaliação Aparece hipertensão arterial e pré-eclâmpsia em
resposta à hidropsia fetal.
pré-natal € Por causa do risco de distocia e hemorragia
€ Podem ser diagnosticados por ultrassonografia intratumoral traumática com ou sem rup-
após a 22ª semana de gestação. Mostra se o tu- tura tumoral, cesárea é recomendada para
mor é sólido, cístico, ou misto e padrões ecogê- tumores > 5 cm. Distocia durante o parto vagi-
nicos bizarros secundários a áreas de necrose tu- nal é associada à ruptura e hemorragia. Por cau-
moral, degeneração cística, hemorragia interna e sa do grande poliidrâmnio, pode ocorrer rup-
calcificações. Estuda a extensão pélvica ou abdo- tura prematura das membranas resultando em
minal, obstrução urinária ou intestinal, a integri- prolapso de cordão, descolamento de placenta e
dade da espinha fetal, função das extremidades má apresentação fetal;
inferiores e associação a outras malformações; € O feto pode ser investigado por ultrassonografia e
€ Os efeitos secundários do tumor estão relacionados ressonância nuclear magnética ultrarrápida. Ava-
à massa e fisiologia tumoral. Os efeitos relaciona- liam o tipo de teratoma, o tamanho da placenta e
dos à massa incluem a distocia pelo volume tumoral a presença de hidropsia. A ecocardiografía fetal e
e parto prematuro. A distocia pode ocasionar a rup- ecodoppler medem o rendimento cardíaco.
tura traumática do tumor durante o parto. A massa
tumoral também pode induzir o parto prematuro
pela distensão uterina, muitas vezes causando in- Classi昀椀cação dos teratomas
suficiência respiratória por imaturidade pulmonar.
As consequências fisiológicas do teratoma fetal são sacrococcígeos
dependentes das demandas metabólicas e fluxo
sanguíneo secundário do tumor e da presença ou Classificação de Altman com base no grau de ex-
ausência de hemorragia com anemia secundária. tensão intrapélvica.
As necessidades do tumor variam enormemente, € Tipo I (46,7%): predominantemente externa
dependendo do tamanho e da composição tumoral com somente mínima extensão intrapélvica,
(cístico ou sólido). O teratoma sacrococcígeo fetal malignidade 8%;

126 SJT Residência Médica - 2015


23 Teratomas sacrococcígeos

€ Tipo II (34,7%): predominantemente exter-


na, mas com significante extensão intrapélvica,
Abordagem diagnóstica
malignidade 21%; € História e exame físico;
€ Tipo III (8,8%): visível externamente, mas com € Hemograma prova de coagulação, provas fun-
extensão predominantemente pélvica e abdomi- cionais hepáticas, ureia, creatinina e ácido úri-
nal, malignidade 34%; co, DHL, PLAP, beta-hCG e alfafetoproteína.
Níveis de AFP dependem da idade pós-natal;
€ Tipo IV (9,8%): inteiramente pré-sacro, sem
comprometimento externo, malignidade 38%. € Radiografia de tórax;
€ Radiografia da massa, pelve (incluindo coluna
lombossacra) e abdome com projeções laterais
e anteroposteriores. Pesquisar presença de cal-
cificações (30 a 50% dos casos), deslocamento
Tipo I Tipo II anterior do reto, inspeção dos elementos ver-
tebrais para detectar sinais de erosão ou defei-
to ósseo, que pode sugerir invasão maligna ou
meningocele associada;
€ Ultrassonografia abdominal. Determina a ex-
tensão proximal do tumor na pelve e abdome,
Tipo III Tipo IV mostra padrão interno ultrassonográfico com-
plexo resultante de diferentes tecidos presen-
tes na massa, define a predominância de lesões
císticas ou sólidas, presença de calcificações. O
Figura 23.1 Classificação dos teratomas sacrococcígeos. ecodoppler detecta o fluxo sanguíneo do tumor;
€ Tomografia computadorizada (TC) com con-
traste e/ou ressonância nuclear magnética
(RNM) também podem ser solicitadas. Porém,
só temos indicado TC ou RNM para terato-
Quadro clínico mas com recorrência, metástases a distância,
no diagnóstico diferencial dos teratomas pré-
€ Tumor em região sacra e/ou abdominal, poden- -sacros com outras anomalias, nos teratomas
com compressão retal e/ou urinária e para de-
do deslocar o ânus e a vagina anteriormente. Às
tectar extensão ocasional para dentro do canal
vezes, apresenta-se como massa localizada mais espinhal e anormalidades vertebrais. A RNM é o
lateralmente, causando assimetria de nádegas. melhor exame nas lesões espinhais.
A massa tem forma arredondada, lobulada, pre-
dominantemente cística ou sólida, com grande
variação de tamanho, recoberta por pele nor-
mal, pele enrugada, pele ulcerada, ou pele com
hemangioma. Constipação e sangramento retal
podem estar presentes.
Obstrução urinária nos tumores com grande
componente intrapélvico.
Paraplegia, dor ou fraqueza nos membros infe-
riores pode indicar extensão intradural, meningocele
associada, erro diagnóstico ou malignidade.
€ Metástases pulmonares;
€ Distocia no parto;
€ Anomalias congênitas associadas em 15%,
principalmente anomalias anorretais, de-
feitos sacros, anomalias musculoesqueléticas e
meningocele anterior;
€ São mais raras: insuficiência cardíaca congestiva
(shunt vascular do tumor), coagulação intravascular
disseminada (CIVD);
€ Exame retal costuma ser essencial para o diag- Figura 23.2 Massa sacra cística (hiper sinal em T2). Com componente
nóstico e avaliação do componente intrapélvico. intra e extrapélvico (Tipo II). Não se observa comunicação da tumora-
O tumor situa-se posteriormente ao reto. ção com o canal medular.

127
Clínica Cirúrgica | Pediatria

€ Sonda vesical;
€ Sonda nasogástrica;
€ Em tumores grandes estão indicadas, no transope-
ratório, medida da pressão venosa central e arterial
média por punção-cateterismo da artéria radial e
colocação de cateter vesical;
€ Posição prona com coxim colocado debaixo
dos quadris;
€ Colocação de gaze untada com vaselina no reto.

A cirurgia
€ Acesso transacro com incisão em V invertida. O ápi-
ce do V invertido deve ficar sobre o sacro inferior;
€ Excisão do cóccix em bloco junto com o tumor
(coccigectomia). A falha em remover o cóccix
está associada a 35% de taxa de recorrência;
€ Usar estimulador de nervos e músculos;
Figura 23.3 Massa sacra cística, cujo o estudo anatomopatológico
confirmou o diagnóstico de teratoma sacrococcígeo . € Estar ciente de que pode haver extensão in-
traespinhal;
€ Excisar amplamente a massa, não permitindo a
ruptura e disseminação tumoral. O extravasa-
mento de líquido dos cistos não está associado
Risco de malignidade à recorrência do tumor, mas o extravasamento
de conteúdo sólido sim;
€ A incidência de malignidade é dependen- € Procurar a presença de plano avascular entre o
te da idade; tumor e tecidos circunvizinhos comprimidos,
pois é um tumor encapsulado;
€ Antes dos dois meses de idade: somente 10% são
malignos, independentemente do sexo; € Cuidar o excesso de sangramento (ligar vasos
sacros médios junto ao plano de ressecção do
€ Após os dois meses de idade: 67% nos meni- cóccix). Estar atento, pois a vascularização tam-
nos e 47% nas meninas podem ser malignos; bém pode ser oriunda de outros vasos arteriais
€ A malignidade, nos teratomas sacrococcígeos, derivados da hipogástrica e ilíaca externa;
está relacionada à idade quando do diagnóstico € Indicar acesso abdominossacro combinado (la-
e extensão intrapélvica (classificação de Altman). parotomia transversa infraumbilical) nas se-
€ Locais de metástases: linfonodos, regiões ingui- guintes situações: nas recorrências, em todos os
nais, pulmões, vértebras, cérebro e fígado; teratomas gigantes com extensão intra-abdo-
minal e em tumores com ruptura e sangramen-
€ Inadequado retardo diagnóstico ou inade- to ativo. Nesse caso, é interessante o preparo
quado tratamento cirúrgico resulta em au- pré-operatório circunferencial de toda a metade
mento da malignidade. inferior do corpo, anterior e posterior;
€ Se indicada laparotomia, realizar estadiamento
abdominal completo, incluindo líquido de ascite,
lavado peritoneal para citologia, biópsia bilateral
Tratamento €
de linfonodos retroperitoneais;
Iniciar, primariamente, pela via sacra para
€ Tempo ideal para tratamento cirúrgico: ressec- ressecar o cóccix e separar o tumor dos mús-
ção tumoral deve ser tão precoce quanto possível culos glúteos e reto;
após o nascimento. Geralmente na 1ª e 2ª sema- € A maior complicação cirúrgica é a hemor-
na de vida. O retardo pode ocasionar degenera- ragia transoperatória com choque hipovo-
ção maligna, infecção e hemorragia intratumoral. lêmico. Nesses casos está indicada laparotomia
com ligadura de todos os vasos sangrantes. Se
Uso de antibióticos perioperatórios: 30 minutos não for possível coibir o sangramento, colocar
antes do ato operatório, mantendo-os por 48 horas. clampe vascular na aorta logo abaixo da mesen-
€ Preparo de cólon pré-operatório, conforme roti- térica inferior, fechar o abdome temporaria-
mente, reposicionar o paciente em posição pro-
na do serviço, em todos os bebês já alimentados;
na, ressecar o tumor por via sacra, ligar todos
€ Adequado acesso venoso central do sistema os vasos e, após completada a cirurgia sacral,
cava superior; posicionar novamente o paciente em decúbito

128 SJT Residência Médica - 2015


23 Teratomas sacrococcígeos

dorsal, retirar o clampe aórtico e fechar a lapa-


rotomia. Na ressecção de teratomas gigantes, Cuidados pós-operatórios
pensar nas seguintes opções: uso de ECMO,
perfusão hipotérmica e hemodiluição, desvas- € Posição prona é mantida nos dez primeiros dias
cularização com ressecção estadiada; de pós-operatório;
€ Não esquecer de colocar dreno(s) de Penrose ou € Sonda vesical deve ser retirada em 24 horas. Nas
de aspiração contínua no espaço pré-sacro, que grandes ressecções, a sonda vesical deve permane-
deverão ser retirados por contraincisão; cer por três a cinco dias, já que retenção urinária é
€ Os músculos anorretais devem ser reconstru- comum no pós-operatório;
ídos. O elevador do ânus é reaproximado ao € Sonda nasogástrica é retirada quando retorna-
pericôndrio da superfície anterior do sacro. Os
rem as funções gastrointestinais;
músculos glúteos posteriores e elevadores são
reaproximados na linha média; € Seguimento com exames periódicos clínicos, to-
€ A pele redundante deve ser ressecada. que retal e AFP aos três meses, seis meses, a cada
seis meses por três anos e então anualmente, até
os cinco anos de idade. A maior incidência de re-
corrência tumoral ocorre nos dois primeiros anos
Tratamento coadjuvante de pós-operatório.
€ Quimioterapia faz parte da terapêutica combi-
nada em todos os teratomas malignos;
€ Quimioterápicos mais utilizados atualmente
nos teratomas sacrococcígeos são: cisplatina,
etoposide e bleomicina (PEB).
Complicações
pós-operatórias
Tratamento do teratoma fetal Infecção de ferida operatória é a mais comum
(18%) pela proximidade com o ânus.
€ Se não ocorrer placentomegalia ou hidropsia,
€ Retenção urinária temporária pode ocorrer
está indicado parto cesáreo eletivo após estar
estabelecida a maturidade pulmonar; por trauma cirúrgico do plexo pélvico e nervos
sacros. Acompanhar o paciente por longo perí-
€ Se há desenvolvimento de placentomegalia e hi- odo pós-operatório pelo risco de sequelas fun-
dropsia após estabelecida a maturidade pulmo- cionais: disfunções do trato urinário inferior
nar, está indicado parto cesáreo urgente; (enurese, bexiga neurogênica, refluxo vesicou-
€ Aspiração do cisto e amniorredução estão indica- reteral), disfunções intestinais (constipação ou
das quando há desconforto materno, trabalho de incontinência fecal) e fraqueza nas extremida-
parto prematuro (reduz a irritabilidade uterina) des inferiores. As causas podem ser pressão do
e na prevenção da ruptura tumoral no parto. In- tumor sobre nervos e plexos pélvicos, tração
dicadas quando o tumor for cístico ou predomi- por compressão retal, vesical e dos tecidos ad-
nantemente cístico; jacentes e trauma cirúrgico (principalmente tu-
€ Amnioinfusão está indicada quando há oli- mores grandes e porção intrapélvica aderente).
goidrâmnio grave, objetivando facilitar o Todo paciente com gotejamento ou frequência
crescimento pulmonar e prevenir a compres- urinária e infecção urinária deve submeter-se
são do cordão umbilical; à uretrocistografia miccional, ultrassonografia
renal e avaliação urodinâmica.
€ Cirurgia fetal aberta (desbastamento do tumor) só
pode ser pensada na ausência de fator de risco ma-
terno, cariótipo normal, ausência de malformações
associadas significativas, evidências de iminente
insuficiência cardíaca de alto débito, idade gesta-
cional < 30 semanas e anatomia favorável (classi-
Fatores prognósticos de
ficação tipo I e II). Está contraindicada na insufici-
ência cardíaca grave de alto débito e na síndrome
recorrência
do espelho materno (mirror syndrome). O objetivo Taxa de recorrência média: 12,5%.
da ressecção fetal é de ocluir a suplementação vas-
cular do tumor e remover o leito vascular de baixa Causas:
resistência do tumor da circulação fetal. Nenhuma € Ressecção incompleta com resíduos microscópicos;
tentativa deve ser feita para dissecar o componente € Não ressecção completa do cóccix;
intrapélvico do tumor ou para remover o cóccix;
€ Ruptura intraoperatória do tumor com vaza-
€ Está sendo avaliada em pesquisas recentes a
mento de conteúdo;
efetividade da oclusão das artérias nutridoras
do teratoma sacrococcígeo fetal usando técni- € Não detecção histológica da presença de compo-
cas de ablação térmica por radiofrequência ou nentes malignos dentro do tumor, com consequen-
ultrassom focado de alta intensidade. te não realização de quimioterapia pós-operatória.

129
224
Capítulo

EDÊUTICO
Tumores
BÁSICO eM
Adrenocorticais
24 Tumores adrenocorticais

Introdução Síndrome neoplásicas familiares


com carcinoma da suprarrenal
Síndrome Características Lesões associados ao
Os tumores adrenocorticais são representados carcinoma suprar-
pelo carcinoma e adenoma (funcionantes e não fun- renal
cionantes). A maioria é adenoma não funcionante. Li-Fraumeni Autossômica Tumores de mama, sar
O critério histológico adotado na distinção en- dominante coma de partes moles,
tumores cerebrais, os-
tre carcinoma e adenoma é muito difícil. Achados teossarcoma e leucemia
microscópicos, como necrose celular, hemorragia, Neoplasia en- Autossômica Tumores de paratireoi-
calcificações, invasão de vasos sanguíneos, ativi- dócrina múlti- dominante de, pâncreas endócri-
dade mitótica aumentada, bandas fibrosas largas, pla do tipo I no, duodeno e hipófise
anterior
invasão capsular e padrão de crescimento difuso,
podem sugerir malignidade. Carney Autossômica Mixomas, pigmentação
dominante cutânea
A presença de metástases, invasão de estruturas Beckwith- Autossômica Tumor de Wilms, he
locais, tamanho do tumor (> 6 cm, ou peso > 200 g) Wiedemann dominante patoblastoma, rabdo-
e evolução clínica da doença parecem mais fidedignos. miossarcoma
Tabela 24.1

Epidemiologia
Aspectos genéticos
€ Tumores adrenocorticais representam ± 0,2%
€ Fatores constitucionais genéticos predisponen-
de todas as neoplasias malignas da criança;
tes têm sido encontrados em aproximadamente
€ Prevalência: 0,3 a 4 casos: 1.000.000 de crian- 50% dos casos. O carcinoma adrenocortical tem
ças abaixo de 15 anos de idade; sido relatado em membros imediatos de uma
mesma família e parentes de 1º grau. Adicional-
€ No sul do Brasil e no estado de São Paulo exis- mente, uma alta incidência de outras malignida-
te uma grande concentração de casos de causa des tem sido observada em família e parentes de
ainda não identificada. A prevalência nessas crianças com tumores adrenais;
regiões é dez vezes maior. Devido à natureza € Principalmente duas síndromes são as-
agrícola dessa região, é especulado, como fator sociadas a esses tumores. A síndrome Li-
causal, sua origem em algum fertilizante quí- -Fraumeni, associada a alterações (mutação
mico ou pesticida; germinativa) no gene supressor tumoral p53 no
cromossomo 17p e a de Beckwith-Wiedemann,
€ Dentre todos os tumores adrenais, somente associada a alterações da região 11p15;
6% crescem do córtex adrenal, o restante é € Múltiplos estudos confirmaram que 100% dos
metastático; carcinomas adrenais são monoclonais, crescendo
de uma simples célula progenitora;
€ Predisposição sexual geral: 3 a 4♀: 1♂;
€ Pico de incidência: 2 a 5 anos (80% < 5 anos);
€ Bilateralidade: 2 a 5%;
€ 50% ocorrem à esquerda e os outros 50% à Anatomopatologia
direita;
Adenomas são menores, encapsulados, bem cir-
€ Doenças associadas: síndrome de Beckwith- cunscritos, com textura e cor homogêneas.
-Wiedemann, síndrome NEM-I, síndrome de Os adenomas costumam ser de coloração mais uni-
Li-Fraumeni, hemangiomatose cutânea, mal- forme, geralmente amarelada, superfície de corte unifor-
formações urinárias e hemi-hipertrofia. No me e raras zonas de hemorragia, necrose e calcificações.
Brasil essas associações são menos comuns. O aspecto microscópico do adenoma mostra uma
€ Carcinoma adrenocortical tem sido relatado em arquitetura bem preservada, menos variação no tama-
membros próximos da mesma família. nho celular e pleomorfismo nuclear e mínima ativida-
de mitótica. Há rara presença de hemorragia, necrose
€ Globalmente, os adenomas correspondem a 1/3 e calcificações, sem evidências de invasão da cápsula
de todos os tumores adrenocorticais. ou vasos sanguíneos.

131
Clínica Cirúrgica | Pediatria

Carcinomas são maiores, apresentam bandas tanto, após a puberdade, a sintomatologia pode
fibrosas largas e maior número de áreas de necrose confundir-se com o desenvolvimento normal
e hemorragia. do adolescente e tornar a suspeita clínica difí-
cil. Em crianças maiores de 5 anos, a síndrome
O carcinoma pode ou não ser encapsulado, com zo-
de Cushing é determinada por tumor adrenal
nas de necrose, calcificações, hemorragia e invasão cap- em 10 a 20% dos casos, enquanto em lactentes
sular ou vascular. Ao corte é lobulado, com diversas co- e crianças até 5 anos, a proporção de síndrome
lorações, variando do amarelado ao vermelho-marrom. de Cushing secundária a neoplasia sobe para até
À microscopia apresenta desarranjo da arquitetura, mi- 90% dos casos. Portanto, o desenvolvimento
toses frequentes, bandas fibrosas largas, marcado pleo- dessa síndrome em lactentes deve desencadear
morfismo celular, atipia nuclear e hipercromasia. detalhada investigação radiológica e laboratorial
para afastar-se a existência de tumor adrenal.
Em crianças mais velhas, a principal causa está
relacionada com secreção excessiva de hormônio
Quadro clínico adrenocorticotrófico pela hipófise, resultando
em hiperplasia adrenal bilateral.
Tumores adrenocorticais podem secretar, au- € Características do virilismo: aumento do pênis
tonomamente, excesso de cada tipo de esteroides: (80%) ou clitóris (90%), voz de tonalidade grave
glicocorticoides, mineralocorticoides e esteroides (50%), crescimento dos pelos púbicos (90%),
sexuais (andrógenos e, mais raramente, estrógenos), axilares e faciais (60%), acne (45%), aumento da
cada um associado a uma síndrome clínica particular. massa muscular, ausência de crescimento testi-
cular. Noventa e cinco por cento das crianças
Na maioria das vezes, apresentam síndromes clínicas
maiores de 5 anos com carcinoma adrenal
mistas. Entretanto, uma síndrome clínica costuma
apresentam virilização;
predominar, dependendo da quantidade e qualidade
dos esteroides produzidos. € Características de feminização: ginecomas-
tia precoce, menarca precoce;
Aproximadamente 95% desses tumores são
hormonalmente ativos. Geralmente, o adenoma € Tumor abdominal pode ser palpado em 40%
é mais eficiente do que o carcinoma na produção dos casos.
de hormônios esteroides. Aldosterona, cortisol,
andrógenos e estrógenos são derivados do colesterol
após uma série de reações enzimáticas. Bloqueios en-
zimáticos são comuns em tumores, resultando no acú- Abordagem diagnóstica
mulo de um ou mais precursores esteroides no plasma.
Sinais e sintomas de virilismo podem estar
€ Laboratorial;
presentes em até 90% dos casos. € Dosagens urinárias: cortisol urinário livre,
€ Somente virilização: 50 a 55%; 17-hidroxicorticosteroides (17-OH), 17-cetoes-
teroides (17-KS);
€ Virilização + síndrome de Cushing: 35 a 40%;
€ Dosagens séricas: cortisol, desidroepiandros-
€ Síndrome de Cushing isolada, ou feminização, terona (DHEA), sulfato de desidroepiandros-
ou assintomático: 5 a 10%; terona (DHEA-S), 17-hidroxiprogesterona,
€ 100% das síndromes de Cushing em crianças testosterona, androstenodiona, aldosterona,
são produzidas por tumores adrenocorticais; atividade de renina. O nível de ACTH plasmá-
tico deve ser medido por radioimunoensaio. Ní-
€ Virilismo resulta de secreção aumentada
vel normal ou baixo sugere adenoma não fun-
de DHEA (desidroepiandrosterona), andrógeno
cionante ou carcinoma. Teste de supressão com
fraco que é convertido em testosterona e andros-
dexametasona: serve para fazer o diagnóstico
tenodiona (dois agentes virilizantes potentes);
diferencial entre causa hipofisária e não hipofi-
€ Características da síndrome de Cushing: sária de síndrome de Cushing. Falha em supri-
obesidade central (90%), fraqueza (90%), au- mir a excreção de hormônios sugere causa não
mento do pelo facial, seborreia e acne (80%), hipofisária. Embora os tumores não funcionan-
estrias abdominais cutâneas (70%), hipertensão tes (raros) não produzam excessivos hormônios
arterial (70%), corcova de búfalo (25%), fácies ativos, precursores esteroides podem ser secre-
de lua cheia (30%), aumento de peso. Cortisol tados com abundância.
produz retenção de sal e água com desequilíbrio
eletrolítico e alcalose metabólica hipoclorêmica. Imunoistoquímica: células carcinomatosas cos-
Em meninas, desenvolve-se clitoromegalia, ca- tumam corar positivamente para vimentina.
racterísticas masculinas e amenorreia. Em me- € Citometria de fluxo celular: aneuploidia costu-
ninos, a puberdade precoce é frequente, no en- ma estar associada a carcinoma.

132 SJT Residência Médica - 2015


24 Tumores adrenocorticais

Exames por imagem Tratamento


Radiografia de abdome: massa de tecidos moles
Adrenalectomia radical com retirada em bloco
(40%) e calcificações (20 a 25%).
de tecidos peritumorais e de qualquer invasão local.
€ Ultrassonografia abdominal: o carcinoma costu- Examinar a glândula contralateral. Os tumores da
ma mostrar padrão ultrassonográfico complexo, cortical adrenal têm cápsula fina, rompendo com
com o sinal da cicatriz em que os ecos irradiam-se facilidade. A ruptura capsular ocorre em aproxima-
linearmente e representam a interfase entre áre- damente 20% durante o procedimento inicial e mais
as separadas de necrose, hemorragia e neoplasia. de 40% após recorrência local. A veia suprarrenal é
Também avalia a extensão do tumor na cava in-
calibrosa e curta (principalmente à direita), poden-
ferior e átrio direito. O adenoma costuma apare-
do se romper com facilidade, provocando hemorra-
cer como massa homogênea e lisa, sem padrão de
gia transoperatória. A ressecção completa muitas
hiper ou hipoecogenicidade. Radiografia de tórax
vezes requer nefrectomia radical.
e seriografia óssea metastática e/ou cintilografia
óssea em busca de metástases;
€ Tomografia computadorizada (TC): demons-
tra lesão adrenal (lesões > 1 cm), lesão extra- Cirurgia
-adrenal, estuda a adrenal contralateral e pes-
€ Transabdominal anterior: tumor grande ou po-
quisa trombos nas veias adrenais, renal e cava
tencialmente maligno. O acesso é realizado atra-
inferior, porém não diferencia carcinoma, ade-
vés dos vasos gastroepiploicos ou pela liberação
noma, feocromocitoma, hemorragia, pois não
do omento do cólon transverso;
consegue apresentar características teciduais
específicas. A TC pode estar indicada quando € Transabdominal lateral com mobilização do estô-
se deseja avaliar a função do rim contralateral mago, baço, pâncreas, cólon esquerdo para a linha
em tumores adrenais grandes e quando existe média, expondo o espaço retroperitoneal (na adre-
provável comprometimento renal ipsilateral. nalectomia esquerda); abertura da fáscia de Told,
Ressonância nuclear magnética (RNM) e ecodo- mobilização do cólon direito e exposição do duode-
ppler podem ser usadas para identificar invasão no retroperitoneal, que devem ser deslocados me-
de veias suprarrenal, renal, cava e átrio; dialmente (na adrenalectomia direita);
€ TC de tórax é importante, pois mais de 90% das € Subcostal bilateral: boa incisão nos tumores
metástases são para os pulmões; grandes;
€ Venocavografia pode estar indicada na presença € Subcostal unilateral estendida: só utilizada no
de trombo tumoral; paciente magro, não consegue explorar a adre-
nal contralateral;
€ Cintilografia adrenal com iodocolesterol e
análogos têm mostrado diferenças em lesões € Toracoabdominal: tumor muito grande. Pode
adrenais. O carcinoma caracteriza-se por não ser vantajosa no tumor grande de adrenal di-
concentrar radionuclídeo tão bem como o te- reita onde o fígado e as veias cavas podem
cido normal. limitar a exposição;

A demonstração de imagens simétricas bilaterais


€ Via laparoscópica: indicação cada vez mais re-
comendada. Ainda em estudo, pois devido à
sugere hiperplasia e a captação unilateral, adenoma. A
friabilidade do tumor, a ruptura da cápsula é
experiência ainda é limitada em criança, pelos riscos
frequente durante a manipulação cirúrgica. In-
de exposição exagerada à radiação.
dicada somente nos tumores pequenos e
Tomografia por emissão de pósitrons (PET, po- quando não há suspeita de malignidade. A
sitron emission tomography) com fluordesoxiglicose- via de acesso laparoscópica transperitoneal em
-18F (FDG, 2-[fluorine-18]-fluoro-2-deoxy-D-gluco- decúbito lateral é preferível à retroperitoneal,
se) também pode ser útil para diagnóstico diferencial pois oferece um espaço de trabalho mais eficien-
de lesões adrenais. O exame é baseado no metabo- te e uma melhor exposição;
lismo aumentado de glicose em lesões malignas, que € Nenhum tratamento adicional é necessário na
vão mostrar captação anormalmente elevada de con- ausência de doença metastática ou extensa;
traste. O exame apresenta melhor acurácia de inter- € Terapêutica adjuvante com mitotano (o, p-
pretação se a captação da lesão for comparada com a -DDD, 5 a 10 g/m2/dia + em três doses), agente
captação do fígado. O exame é considerado negativo adrenolítico que causa necrose adrenal e que
para malignidade se a captação em uma região adre- bloqueia a liberação de hormônios pelo tumor
nal for menor do que a do fígado. É considerado posi- e pode induzir alguma regressão de um carci-
tivo se a captação na lesão adrenal for igual ou maior noma invasivo, não removido completamente.
que a do parênquima hepático. Iniciar com doses menores, elevando-as a cada

133
Clínica Cirúrgica | Pediatria

três a cinco dias, até atingir a dose desejada. pois a glândula contralateral pode estar atrófica
Dose máxima: 10 g/m2/dia. Indicações: tu- pelo excesso de cortisol secretado pelo tumor.
mor inoperável, incompletamente resseca- Hidrocortisona intravenosa e prednisona devem
do com margens positivas, ruptura tumoral ser interrompidas cuidadosamente;
transoperatória, hormônios persistentemente € Esquema pré e perioperatório: hidrocortisona
aumentados, recidiva e metástases. Causa me- 100 mg (ou 2 a 5 mg/kg/dose) IM ou IV 6 h
lhora da síndrome endócrina em 2/3 dos ca- antes da cirurgia, 100 mg diluído em soro gli-
sos e parada de crescimento do tumor em 1/3 cosado 5% na indução anestésica. No pós-ope-
dos pacientes. Entretanto, não altera a taxa de ratório: 25 a 50 mg de 8/8 h no 1º dia, redu-
sobrevida. Efeitos secundários: náuseas, vômi- zindo a dose progressivamente e passando para
tos, diarreia, dor abdominal, rash e manifes- prednisona VO, que é mantida por dois a três
tações neurológicas (principalmente letargia, meses. Após esse período, reavaliar a necessida-
sonolência, fraqueza muscular e vertigem). de de permanecer em uso de corticoide VO por
Durante seu uso, deve ser sempre mantida a meio do teste curto de estimulação com ACTH
suplementação com glicocorticoides (predni- (10 mg/kg intravenoso), com medida do corti-
sona 10 a 15 mg/m2/dia) e mineralocorticoides sol sérico após 1 h da sua injeção.
(fludrocortisona 0,1 a 0,2 mg/dia);
€ Quimioterapia com múltiplas drogas tem sido
também utilizada em adição ao mitotano (cis-
platina + etoposide; 5-fluorouracil + doxorru- Estadiamento cirúrgico
bicina + cisplatina e outros esquemas). Porém, € Estádio I: tumor totalmente ressecado, sem inva-
atualmente sabe-se que não existe nenhuma são local e nodal, tamanho < 5 cm, peso < 200 g;
quimioterapia efetiva e o valor de terapia coad-
€ Estádio II: tumor totalmente ressecado com
juvante permanece não comprovado;
tumor residual microscópico ou tumor > 5 cm
€ Causa principal de recidiva local: ruptura tran- e/ou peso > 200 g;
soperatória da cápsula tumoral com contamina-
€ Estádio III: tumor com invasão local ou ino-
ção maciça do leito;
perável;
€ Mortalidade operatória: 2 a 4%;
€ Estádio IV: metástases a distância.
€ Sobrevida: 10 a 50%;
€ Morbidade: até 40% (lesões de estruturas
contíguas, infecção pós-operatória, insufici-
ência adrenal);
Fatores prognósticos
€ Após a remoção de adrenal com carcinoma ou
adenoma, principalmente quando existe síndro- € Principais: presença de metástases ao diagnós-
me de Cushing associada, um período de insufi- tico, impossibilidade de ressecção completa do
ciência adrenal aparece no pós-operatório e pode tumor, idade ≥ 3,5 anos, volume tumoral > 200
durar até um a dois anos (até recuperação do eixo cm3 retardo diagnóstico maior que seis meses,
hipotálamo-pituitária-adrenal). O suporte com ressecção incompleta, ruptura da cápsula du-
corticoide perioperatório é sempre necessário, rante a cirurgia, trombo intravenoso.

134 SJT Residência Médica - 2015


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