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Capítulo 27.

Trombose Venosa Profunda na


Gestação e Puerpério
Relatores
Docente: Prof.Dr. Manoel Alfredo C. Sarno
Preceptora: Dra. Sabrina Oliveira de Carvalho
Residente: Dra. Alandra Maturino

Validado em 15 de dezembro de 2016.

1.Introdução

O ciclo grávido-puerperal é um período de hipercoagulabilidade e, portanto, de maior risco


para eventos tromboembólicos. No período puerperal, este risco é ainda maior, em função da
liberação de tromboplastina pela dequitação. Alguns fatores podem elevar ainda mais esta chance,
como a cesárea (de urgência maior que a eletiva), histerectomia puerperal, infecção puerperal e
anestesia geral. A trombose não tratada pode evoluir para embolia pulmonar em 15 a 24% dos casos
e destes, 12 a 15% evoluem para o óbito. Com tratamento adequado, estes riscos reduzem para
4,5% e 0,7% respectivamente.

Os anticoagulantes orais não devem ser utilizados na gravidez, mas podem ser utilizados
no puerpério. No 1º trimestre da gravidez pode causar malformações fetais (síndrome warfarínica) e
aborto. No 2º trimestre pode ser responsável por alterações oculares e cerebrais. No 3º trimestre,
pode ocorrer sangramento fetal no parto.

A anticoagulação na gestação deve ser feita com heparina, que tem peso molecular entre
4.000 a 40.000 kDa e não atravessa a placenta. Este anticoagulante facilita a ligação da AT III com
fatores da cascata de coagulação (via intrínseca).

2. Fatores de risco para Trombose Venosa Profunda:

2.1. São consideradas de risco para tromboembolismo as seguintes gestantes:

- antecedente de fenômeno trombótico e/ou embólico (venoso ou arterial);


- usuárias de prótese metálica cardíaca (mitral e aórtica);
- portadora de fibrilação atrial crônica + tromboembolismo prévio ou dilatação de AE ou VE
- deficiência congênita de inibidores de coagulação como proteína C, proteína S, anti-trombina III
(AT III);
- imobilização prolongada por cirurgia de grande porte e internação em UTI.
2.2. Fatores de risco adicionais para TVP:

- idade, obesidade, varizes, trombofilia hereditária ou adquirida

3. Classificação de risco para pacientes submetidas à cesariana

3.1. Baixo risco

Ausência de fatores de risco

Conduta: - Deambulação precoce

- Cesárea em gestação de risco habitual sem outros fatores de risco

3.2. Risco moderado

- idade >35 anos


- obesidade (IMC>30)
- Paridade>3
- Varizes maciças
- Infecção presente
- Pré-eclâmpsia
- Imobilização por mais de 4 horas antes da cesárea
- Doença atual importante
- Cesárea de emergência durante trabalho de parto

Conduta: - Utilização de heparina de baixo peso molecular ou,

- Meias compressivas

3.3. Alto risco

- Presença de dois ou mais fatores de risco acima citados


- Histerectomia pós-cesárea
- TVP prévia ou trombofilia conhecida

Conduta: Utilização de heparina de baixo peso molecular e meias compressivas


Fonte: Marik e Plante in Manual ALSO 2016

4. Recursos Essenciais

 Equipe multidisciplinar constituída de obstetra, hematologista, farmacêutico, enfermeira,


nutricionista, assistente social, fisioterapeuta e psicólogo.
 Exames complementares:
 Ultrassonografia com Doppler colorido
 Radiografia convencional
 Angiotomografia ou Ressonância Magnética
 Laboratório de Análises Clínicas

5. Diagnóstico

Clínico: edema de membros inferiores assimétrico, dor, rigidez muscular, extremidades com
calor e rubor. A suspeição clínica deve ser feita mesmo nos casos leves/oligossintomáticos e a
embolia pulmonar pode ser o primeiro sinal.

Exames complementares

 Ultrassonografia com Doppler colorido de extremidades


 Avaliação clínico-laboratorial:
 Anticorpos anticardiolipina (IgG e IgM)
 Anticoagulante lúpico (realizar em duas etapas, screening e confirmatório)
 Anti-β2-glicoproteina I (IgG e IgM)
 Fator X ativado
 Dosagem do Dímero D (gravidez por levar a falso positivo)
 TP e TTPA
 Hemograma

6. Conduta

6.1. Conduta Profilática

O início da profilaxia deverá ser 12 h após a cirurgia.

O período de manutenção da profilaxia dependerá do tempo de imobilização - nas cirurgias de


risco moderado ou elevado manter por 5 a 7 dias.

Fatores de risco para sangramento durante a profilaxia: neoplasia, uso associado de anti-
inflamatórios, antiagregantes plaquetários ou plaquetopenia

6.1.1. Risco Leve:

Deambulação precoce

Medidas mecânicas

6.1.2. Risco Moderado:

Heparina não fracionada(HNF): 5000U SC a cada 12 horas

Heparina de Baixo Peso Molecular (HBPM): Enoxaparina (Clexane) 40 mg/dia SC ou


Deltaparina (Fragmin) 5000U/dia SC
6.1.3. Risco Elevado:

HNF: 5.000 U SC a cada 8 horas

HBPM: Enoxaparina (Clexane) 1 mg/kg SC 1x/dia ou Deltaparina (Fragmin) 100U/kg sc


1x/dia

Combinação com medidas mecânicas (pneumáticos e fisioterapia)

6.2. Risco para anestesia com punção medular

6.2.1. Punção ou retirada de cateter medular:

> 4h da última dose da HNF, com R  1,2. Ideal 12 horas

 12h após HBPM quando em dose profilática e 24h se dose terapêutica

6.2.2. Durante a manutenção de cateter:

HNF- 1h após a colocação e manter R  1,5.

HBPM- aguardar 2h após a colocação do cateter

6.2.3. Conduta para paciente sob anticoagulação cumarínica pré-procedimento:

 6.2.3.1. Paciente com baixo risco para trombose:

Pré procedimento:

- suspender anticoagulação oral 3 dias antes


- introduzir HBPM ½ dose SC até 24h antes do procedimento ou
HNF ½ da dose plena SC até 12h antes do procedimento
- na véspera, realizar TP e caso RNI > 1,7 administrar vitamina K (Kanakion) 1 a 1/2 ampola
VO ou IM

Pós procedimento, na ausência de complicações hemorrágicas:

- HBPM ½ da dose SC após 8 a 12h ou HNF, ½ da dose plena SC após 8-12h


- 12 a 24h após iniciar cumarínico

 6.2.3.2. Paciente com alto risco para trombose:

- trombose espontânea prévia com trombofilia confirmada

- episódio trombótico recorrente

- síndrome antifosfolipídica (SAF)


- trombose prévia em paciente neoplásico

- FA com episódio embólico prévio ou prótese valvar metálica

Pré procedimento:

- HBPM, na dose plena SC até 24h antes do procedimento ou HNF, na dose plena SC até 12h
antes do procedimento
- suspender anticoagulação oral 3 dias antes
- na véspera, realizar TP e caso RNI > 1,7 administrar vitamina K (Kanakion) 1 a 1/2 ampola
VO ou IM
Pós procedimento, na ausência de complicações hemorrágicas:

- HBPM ½ da dose terapêutica SC após 8 a 12h ou HNF, ½ da dose plena SC após 8 a 12h
- 12 a 24h após procedimento iniciar cumarínico conforme dose prévia
- Manter dose plena de HBPM ou HNF SC até RNI adequado
Caso paciente apresente elevado risco de sangramento, manter heparina nesse período

Uso de heparina profilática:

Nas situações listadas acima, a anticoagulação profilática com heparina deve ser iniciada o mais
precocemente possível com 200 U/kg/dia, dividida em duas tomadas, via subcutânea (SC).

O controle laboratorial da terapêutica é necessário se forem usadas mais de 8.000 U 12/12hs, SC.
Em pacientes com profilaxia por prótese metálica e nos casos especiais de fibrilação atrial crônica
deve ser usado o esquema profilático com dose ajustáveis, até que se atinja R = l,5 a 1,8. Colher 1ª
coagulograma após 4 h e, a seguir, diariamente. Estando ajustada a dose, passa a ser quinzenal.

Efeitos colaterais da heparina:

- urticária
- plaquetopenia (1 a 10% das pacientes)
- osteoporose, que ocorre em usuários de doses diárias maiores que 20.000 U/dia por, no mínimo,
20 semanas
- hemorragia

6.2. Conduta Terapêutica: Uso da Anticoagulação terapêutica:

Está indicado o uso de anticoagulação terapêutica em gestantes ou puérperas que apresentarem


fenômenos tromboembólicos como trombose venosa profunda (TVP), embolia pulmonar, trombose
de seio cavernoso e tromboflebite pélvica.

Há uma fase aguda de tratamento, seguida pela fase de manutenção. Na primeira, só se utiliza
heparina. Na fase de manutenção, em gestantes só se utiliza heparina, mas em puérperas pode ser
utilizado anticoagulante oral. Sempre se deve colher coagulograma e hemograma com contagem de
plaquetas antes de iniciar a terapêutica para se ter o padrão da paciente. O serviço de Hematologia
deverá ser contactada assim que for feito o diagnóstico de fenômeno tromboembólico e, na medida
do possível, será responsável pela heparinização da paciente.

6.2.1. Fase aguda:

Heparina sódica: 5.000U EV em bolo, seguido de 500-1000U/kg EV em 24 h (15-20U/kg/h ou


1.000U/h), em soro fisiológico, correndo cada 4 h, em frasco preferencialmente de vidro (heparina
adere ao plástico). O nível sérico ideal de heparina é de 0,2-0,4U/ml.

Colher coagulograma de controle 1 a 3 horas após o início da terapêutica ou mudança de dose,


nunca na mesma veia do soro ou que já esteja heparinizada. No coagulograma, observar o R, que
deve ficar entre 1,5 e 2,0. A demora em processar o exame pode ocasionar neutralização da
heparina pelas plaquetas, resultando TTPA falsamente normal. Assim, o exame precisa ser colhido
e imediatamente levado ao laboratório. Também o resultado deve ser visto rapidamente e, se
mostrar que a dose foi inadequada, trocar o soro, aumentando 200U em cada soro de 4h e colhendo
novo exame 1 h após cada troca. Encontrando-se a dose ideal, colher coagulograma diariamente na
fase aguda.

O tempo de uso agudo de heparina é de 5 dias EV. O tempo máximo geralmente não deve ser
ultrapassar 6-7 dias por causa da plaquetopenia. Nestes casos, pode ser usada heparina de baixo
peso molecular. A contagem de plaquetas deve ser realizada a cada 2 dias neste período.

6.2.2. Fase de manutenção:

Em gestantes, após a fase aguda, passar para heparina SC, 100 - 120U/kg/dose em intervalos de
12/12hs, em doses ajustáveis pelo R. Durante a fase de manutenção, deve ser realizada contagem de
plaquetas uma vez por semana inicialmente espaçando-se a seguir. Se o tratamento é iniciado na
gestação, deve ser continuado até 6 semanas após o parto. As pacientes com TVP pós-parto devem
receber tratamento por 6 semanas (TVP distal) ou 12 semanas (TVP proximal). Tromboflebite
pélvica deve ser tratada por uma semana EV (fase aguda), seguida por 6 semanas de manutenção.
Em casos de embolia, está indicada anticoagulação por 6 meses.

Em puérperas, prescrever anticoagulante oral (warfarina sódica) juntamente com heparina nos
primeiros dias, no esquema de 5 mg/dia. Retira-se a heparina quando o RNI estiver entre 2,0 - 2,5 e
durante o uso de heparina, concomitante ao anticoagulante oral, o R deve estar 1,5-1,8.

6.3. Conduta no parto:

Caso a paciente esteja usando anticoagulante oral, é necessário mudar para heparina no mínimo 15
dias antes do parto. Embora o efeito anticoagulante na mãe possa desaparecer em três dias, no
feto/RN pode levar de 7 a 10 dias. Manter a heparina até 6-8h antes do parto, quando deve ser
suspensa para desaparecer seu efeito anticoagulante até o momento do procedimento. Há um risco
de 0,35% de hematomas no espaço peridural, seguido por paralisia, se a paciente recebe uma
anestesia epidural enquanto anticoagulada ou se as drogas anticoagulantes são iniciadas enquanto
ainda está com cateter. Nestas pacientes, a melhor opção seria anestesia local, devendo ser evitado
também o bloqueio pudendo.
7. Complicações da anticoagulação e antídotos:

A mais temida das complicações é a hemorragia. Com R maior que 2,5-3,0 ou concentração da
heparina maior que 0,5U/ml, aumenta muito o risco de sangramento. Se está sendo utilizado
anticoagulante oral e o RNI <2,5, não ocorre sangramento.

Se a anticoagulação está excessiva, mas não há hemorragia, deve ser reduzida a dose da medicação.
Se ocorrer hemorragia, a primeira medida deve ser a suspensão do anticoagulante, seguida de uso de
antídotos se clinicamente necessário.

Em caso de hemorragia com heparina, o antídoto é sulfato de protamina, na dose de 1 mg/100U da


heparina, utilizada nas últimas 4 h, lentamente (20'). O antídoto dos anticoagulantes orais é a
vitamina K, que deve ser usada na dose de 0,5mg, EV (1amp=10mg; diluir em 20 ml e aplicar 1ml).
Lembrar que a vitamina K pode desencadear reação anafilática e, por este motivo, deve ser
administrada em ambiente hospitalar adequado a atendimento de urgência. Se há sangramento
grave, além da vitamina K deve ser associado plasma fresco congelado (PFC).

Referências Bibliográficas

1- Gleicher, N. et al. - Principles and Practice of Medical Therapy in Pregnancy. 2nd ed.
Appleton & Lange, 1992.

2- Clark, S.L. et al. - Critical Care Obstetrics. 2nd ed. Blackwell Scientific Publication, Boston,
1991.

3- Andrade BAM et al., Femina. Nov 2009, vol 32 (11), 612-618.

4- Robertson L, Greer I. Thromboembolism in pregnancy. Curr Opin Obstet Gynecol.


2005;17(2):113-6. 2.

5- James AH, Jamison MG, Brancazio LR, Myers ER. Venous thromboembolism during
pregnancy and the postpartum period: Incidence, risk factors, and mortality. Am J Obstet
Gynecol. 2006;194(5):1311-5.

6- Marik PE, Plante LA. Venous thromboembolic disease and pregnancy. N Engl J Med.
2008;359(19):2025-33.

7- James AH. Thromboembolism in pregnancy: recurrence risks, prevention and


management. Curr Opin Obstet Gynecol. 2008;20(6):550-6.

8- Ray JG, Chan WS. Deep vein thrombosis during pregnancy and the puerperium: a meta-
analysis of the period of risk and leg of presentation. Obstet Gynecol Surv.
1999;54(4):265-71.
FLUXO ASSITENCIAL DE TVP NA GESTAÇÃO

Fonte: Andrade BAM et al. Femina, nov 2009, vol 32, (11), 612-618.

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