Você está na página 1de 6

ANTICOAGULAÇÃO NA GESTAÇÃO E O MOMENTO DO PARTO: COMO

PROCEDER
Elisa Fermann Meyer Morais
Nathalia da Cunha Rossato
Edson Vieira da Cunha Filho
Matias Costa Vieira

UNITERMOS
TROMBOEMBOLIA VENOSA/quimioterapia; GESTAÇÃO; COMPLICAÇÕES HEMATOLÓGICAS NA
GRAVIDEZ; ANTICOAGULANTES/uso terapêutico.

KEYWORDS
VENOUS THROMBOEMBOLISM/drug therapy; PREGNANCY; PREGNANCY COMPLICATIONS,
HEMATOLOGIC; ANTICOAGULATION/therapeutic use.

SUMÁRIO
Durante a gestação, existe um risco aumentado de ocorrência de eventos
tromboembólicos. Certas condições clínicas potencializam este risco e requerem
manejo tromboprofilático adequado. O uso de anticoagulantes na gestação
torna-se um desafio pois, além da atenção ao binômio materno-fetal, devemos
estar alertas ao momento do parto, evento de ocorrência inesperada, e com
grande potencial hemorrágico e, paradoxalmente, trombogênico.
Este capítulo objetiva sumarizar as principais condições para uso de
anticoagulação na gestação, bem como as terapias mais seguras e adequadas e
o manejo das mesmas no momento do parto.

SUMMARY
During the pregnancy, there is an increased risk of thromboembolic events.
Some clinical conditions increase this risk and require appropriate
thromboprophylactic management. The use of anticoagulants during pregnancy
becomes a challenge because, in addition to attention to both mother and fetus,
we should be alert to the moment of birth, an unexpected event, with high
hemorrhagic potential and, paradoxically, thrombogenic.
This chapter aims to summarize the main conditions for use of
anticoagulation during the pregnancy, as well as the safest and most
appropriate therapy and administration of them at birth.
INTRODUÇÃO
Durante a gestação e logo após o parto, as mulheres apresentam risco
aumentado de tromboembolismo. A hipercoagulabilidade e a estase venosa −
características da gestação − e a lesão endotelial, devido ao traumatismo
cirúrgico, são os principais responsáveis pelo aumento deste risco durante o
ciclo gravídico-puerperal. Mesmo assim, a maioria das gestantes não necessita
de anticoagulação.
O parto, devido à sua imprevisibilidade, é um desafio para o tratamento
das pacientes anticoaguladas. Sendo assim, precisamos estar preparados para
que, na emergência, saibamos os momentos corretos de interrupção das
medicações anticoagulantes, as melhores opções para utilização nos diferentes
trimestres gestacionais, os antídotos e o momento exato de reiniciarmos as
mesmas.
Nosso objetivo é revisar o uso da anticoagulação na gestação e seu manejo
na programação do parto.

Tromboembolismo venoso - Epidemiologia


É considerado uma grande causa de morte relacionada à gestação 1 e
consiste em: trombose venosa profunda (TVP) e tromboembolismo pulmonar
(TEP). Setenta e cinco por cento a 80% dos casos de trombose venosa na
gestação ocorrem por TVP e 20 a 25% são devido a TEP.2
A maioria das TVP são ileofemorais (72%), mais propensas a embolizar
para o pulmão. Sua incidência é maior no terceiro trimestre da gestação e no
puerpério, assim como no parto cesáreo quando comparado com o parto
vaginal. Já o TEP representa a primeira causa de morte materna direta em
países desenvolvidos, sendo comum ocorrer no período pós-parto.3

Fisiopatologia
A Tríade de Virchow, composta por hipercoagulabilidade, estase venosa e
dano vascular encontra-se presente na gravidez. Estes fatores ocorrem devido à
adaptação gestacional fisiológica, retornando ao normal em até seis semanas
após o parto.3
Durante a gravidez, há um aumento do fibrinogênio, dos fatores pró-
coagulantes I, II, VII, VIII, IX, XI, redução de anticoagulantes naturais (proteína S
total livre e proteína C ativada) e diminuição da fibrinólise. Também ocorre,
neste período, uma estase venosa em consequência ao aumento da
capacitância venosa provocada pela secreção da progesterona e da compressão
do útero sobre o sistema venoso intra-abdominal.3 Logo, comparando mulheres
grávidas com mulheres não grávidas, podemos perceber que há um risco
aumentado de eventos tromboembólicos, sendo este aumento de 4 vezes
durante a gestação e de 20 vezes durante o puerpério, pois se acrescenta aí, o
dano endotelial pelo trauma cirúrgico.4

Fatores de Risco
Existem algumas circunstâncias não ligadas à gestação que podem
determinar risco para tromboembolismo. Entre elas podemos citar as
trombofilias (adquiridas ou hereditárias), a presença de próteses valvulares
cardíacas metálicas, imobilização prolongada e história de TVP. Quando a
mulher é portadora de uma destas condições e decide gestar, ocorre uma
somação dos riscos e este que irá determinar se a anticoagulação será
necessária ou não. Vale lembrar que a gestação isoladamente não indica
anticoagulação.
O tabela abaixo nos mostra o risco de tromboembolismo relacionada às
diferentes situações.

Tabela 1 – Fatores de risco para tromboembolismo


Fatores de risco para trombose venosa ou embolismo Odds Ratio (Intervalo de confiança 95%)
Trombofilia 51,8 (38,7-69,2)
História de trombose 24,8 (17,1-36)
Síndrome antifosfolipídica 15, 8 (10,9-22,8)
Doença cardíaca 7,1 (6,2-8,3)
Tabagismo anteparto (10-30 cigarros/dia) 2,1 (1,3-3,4)
IMC > 25 1,8 (1,3-2,4)
Imobilização anteparto 7,7 (3,2-19)
IMC > 25 e imobilização anteparto 62,3 (11,5-337,6)
Fonte: Thromboprophylaxis in Pregnancy: Who and How? Obstet Gynecol Clin N Am 37 (2010) 333–343

Diagnóstico
Na TVP, edema de membros inferiores, acompanhado ou não de dor na
panturrilha, é o principal sinal observado. Podem estar presentes dor nas
extremidades, palidez do membro afetado e diminuição do pulso. O exame
diagnóstico de escolha é a ultrassonografia (US) com Doppler.
No TEP, os sintomas mais comuns são dispneia (62%), dor pleurítica (46%)
e dor torácica não pleurítica (19%).3 Deve ser realizada gasometria arterial e
raio-X de tórax (para excluir outros diagnósticos). Pode-se solicitar US bilateral
de membros inferiores em busca de TVP. Nos casos de TEP, a angiotomografia
pulmonar (angioCT) é o exame de imagem diagnóstico de escolha, podendo ser
realizada também cintilografia pulmonar perfusional.
Medicações anticoagulantes
Heparina não fracionada (HNF): não ultrapassa a placenta e pode ser
utilizada para a anticoagulação plena ou para a profilaxia.3 Seu uso no terceiro
trimestre deve ser considerado por ser rapidamente revertida com Sulfato de
Protamina em casos de cirurgia de emergência, como a cesariana. Os principais
efeitos adversos são trombocitopenia e osteoporose.1
Heparina de baixo peso molecular (HBPM): tem sido preferida em relação
à HNF por maior biodisponibilidade e menor risco de trombocitopenia e
osteoporose.6 Assim como a HNF, ela não ultrapassa a placenta3 e pode ser
utilizada tanto para profilaxia como na anticoagulação plena. O aspecto
desfavorável desta medicação em relação à HNF é que a reversão com
Protamina tem uma taxa de sucesso de aproximadamente 60-80%. Deve-se
suspender a medicação por 24h para reversão espontânea do seu efeito
anticoagulante.
Anticoagulantes orais: A warfarina está contraindicada para uso durante a
embriogênese (6ª a 12ª semana de gestação) por atravessar a barreira
placentária e provocar embriopatia varfarínica.3 Possui maior risco de
sangramento e por isso deve ser reservada para os casos com risco
extremamente elevado de tromboembolismo, como válvula metálica cardíaca.
Seu uso deve ser suspenso 2 semanas antes do parto devido a metabolização
lenta que existe no feto.
Trombolíticos: São muito raramente utilizados, não atravessam a barreira
placentária, mas podem produzir sangramento materno se utilizados no período
periparto.3

Conduta
Existem 3 opções de conduta durante a gestação frente a uma mulher com
risco para tromboembolismo: vigilância, profilaxia e anticoagulação plena.
Vigilância: medidas gerais e atenção aos sintomas da paciente. Evitar
desidratação e repouso prolongado, usar meia elástica compressiva (abaixo dos
joelhos) durante a gestação e até 6 semanas após o parto e considerar uso de
compressão pneumática intermitente durante e após parto cesáreo.3
Anticoagulação plena: medicação (dose plena) e atenção aos sintomas.

Quadro 1
Tipo de Heparina

HBMP HNF
Enoxaparina Dalteparina
Infusão contínua EV ou SC 12/12h
Dose3 1 mg/kg SC 12/12h 100 U/kg SC 12/12h
15-20/kg/h
Profilaxia: medicação em dose baixa e atenção aos sintomas da paciente.

Quadro 2
Tipo de Heparina

HBMP HNF
Enoxaparina Dalteparina
3
7500 U SC 12/12h
Dose
10000 U SC 12/12h
40mg SC 24/24h 5000 U SC 24/24h

Para a orientação detalhada das indicações de tromboprofilaxia e de


anticoagulaçāo plena durante a gestação, seguimos as recomendações do
American College of Chest Physicians e nāo iremos citá-las aqui por não ser o
objetivo específico desta revisão.6

Manejo intraparto
Nos casos em que a paciente está recebendo profilaxia, essa deve ser
suspensa 12 horas antes do parto. Caso ocorra um parto abrupto ou uma
cesariana de urgência a incidência de complicações é baixa, visto que é apenas
uma dose profilática.
Nos casos em que está sendo usada uma dose plena, devemos ter um
maior cuidado. Quando o parto normal é objetivado, recomenda-se a conversão
para HNF próximo às 36 semanas de idade gestacional ou pelo menos nas
últimas duas semanas, tendo em vista o maior sucesso na reversão com Sulfato
de Protamina. No planejamento de cesariana eletiva pode-se utilizar a HNF ou
HBPM. Nesta ultima temos a vantagem do manejo ambulatorial, mas é
necessária a orientação da paciente sobre a suspensão aos sinais iniciais de
trabalho de parto e a atenção do médico. A warfarina não deve ser utilizada a
partir das 36 semanas ou duas semanas antes do parto, se este for prematuro.
O período de duas semanas é necessário para a metabolização fetal e se não
respeitado existe risco de trauma e sangramento abdominal fetal.
O quadro abaixo resume o manejo agudo dos anticoagulantes durante o
período intra-parto.
Quadro 3
Warfarin Trocar na 36ª semana ou antes se está previsto parto antecipado. Nos casos de parto com menos de 2 semanas da
suspensão, deve-se realizar cesárea e administrar vitamina K.
Enoxaparina Suspender 24 h antes do parto. Nos casos de urgência, administrar Protramina e dosar provas de coagulação. Caso
não tenha revertido, transfundir. Não é necessário indicar cesariana.

HNF Suspender no início do trabalho de parto (metaboliza em 4-6 horas). No caso de parto abrupto ou cesariana de
urgência, administrar Protramina.

Durante o puerpério o uso dos anticoagulantes apresenta papel


fundamental, visto que o risco de eventos tromboembólicos torna-se mais
evidente.
Naquelas pacientes que se enquadram na necessidade de anticoagulação
profilática (descrita anteriormente) recomenda-se HBPM ou HNF em baixas
doses pelo período de 6 semanas após o parto. Pode ser administrada
Enoxaparina a partir de 12 horas após o parto ou 24 horas nos casos de
cesariana.
Quando se deseja manter anticoagulação plena, o uso da warfarina é
seguro e 24 horas após o nascimento pode ser introduzido, sendo utilizado,
inicialmente, concomitante à heparina (usualmente enoxaparina) e
suspendendo-se a mesma quando o RNI chegar a 2,5.

REFERÊNCIAS
1. Brown HL, Hiett, AK. Deep vein thrombosis and pulmonary embolism in pregnancy: diagnosis,
complications, and management. Clin Obstet Gynecol. 2010;53:345-59.
2. James AH. Pregnancy-Associated Thrombosis. Hematology Am Soc Hematol Educ Program.
2009;277-85.
3. Tedoldi CL, Freire CMV, Bub TF, et al. Sociedade Brasileira de Cardiologia. Diretriz da Sociedade
Brasileira de Cardiologia para Gravidez na Mulher Portadora de Cardiopatia. Arq Bras Cardiol.
2009;93 (6 supl.1): e110-e78.
4. Schwartz DR, Malhotra A. Steven E Weinberger. Deep vein thrombosis and pulmonary embolism in
pregnancy: epidemiology, pathogenesis, and diagnosis. UptoDate. Online 20.8; 2012 jul [update
2012 fev 8]. [16 p.][acesso 2012 ago 20].
5. Davis SM, Branch DW. Thromboprophylaxis in pregnancy: who and how? Obstet Gynecol Clin North
Am. 2010;37:333–43.
6. Bates SM, Greer IA, Pabinger I, et al. Venous thromboembolism, thrombophilia, antithrombotic
therapy, and pregnancy: American College of Chest Physicians Evidence-Based Clinical Practice
Guidelines (8th Edition). Chest. 2008;133(6 Suppl): S844-86.

Você também pode gostar