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Fernando H. B.

Granzotto LAGIO
Medicina - CCBS UFOB

UNIVERSIDADE FEDERAL DO OESTE DA BAHIA


CENTRO DE CIÊNCIAS BIOLÓGICAS E DA SAÚDE
LIGA ACADÊMICA DE GINECOLOGIA E OBSTETRÍCIA

Campus Reitor Edgard Santos – Rua Bertioga, 892. Morada Nobre I – Barreiras, BA – 47810- 059. E-mail:
lagio@ufob.edu.br

EPILEPSIA
DEFINIÇÃO E FISIOPATOLOGIA: distúrbio paroxístico do sistema nervoso central (SNC), caracterizado
por descarga neuronal anormal, acompanhado ou não de perda de consciência, com recorrência de crises
convulsivas, exceto as que são provocadas por febre, drogas, agressões agudas ao SNC ou distúrbios
tóxico-metabólicos graves(2).

EPIDEMIOLOGIA: é a patologia neurológica mais frequente na gestação (prevalência = 0.5%)(1), aumenta


em até 10x a mortalidade materna(2), e pode afetar o desenvolvimento fetal(2).

CLASSIFICAÇÃO:
 Generalizadas: envolvimento inicial simultâneo de ambos hemisférios cerebrais. Podem ocorrer
crises de ausência acompanhada de perda da atividade muscular, ou, perda da consciência
seguida por contrações musculares tônicas e rigidez postural, seguidas por contrações clônicas
generalizadas dos membros, com recuperação gradual da consciência (paciente fica confuso e
desorientado temporariamente)(2).
 Parciais: tem foco inicial em um dos hemisférios cerebrais(2). É subdividida em(2):
 Crises simples: sem alteração da consciência. Inicia em uma região do corpo e progride
para outras áreas homólogas. Ocorrência de movimentos tônico-clônicos.
 Crises complexas: com alteração da consciência. Podem se tornar generalizadas com
perda da consciência e convulsões.

OBSERVAÇÃO: a fase tônica é representada por rigidez generalizada da musculatura corporal, e na fase
clônica há sacudidas e movimentos bruscos do tronco e membros.

EPILEPSIA NA GESTAÇÃO: os estrógenos afetam diretamente o limiar de convulsões aumentando a


excitabilidade neuronal, e a progesterona tem atuação inversa(2). A conduta na gestação se baseia em
manter gestante livre de convulsões e minimizar os efeitos adversos dos anticonvulsivantes(1, 2). Na
convulsão materna isolada (menos perigosa) o feto é capaz de se recuperar (ocorre bradicardia fetal por
até 20 minutos após a crise epilética) (2). Já no mal epilético (crise de repetição) há 2x mais risco de morte
para a mãe e 50% para o feto(2).

DIAGNÓSTICO: anamnese e exame físico, exame neurológico, eletroencefalografia (EEG) – avaliação


do estado de mal epiléptico não convulsivo, tomografia computadorizada do cérebro (TC) ou ressonância
magnética (RM) do crânio (maior sensibilidade se comparada a TC). Hemograma, glicemia, íons, ureia,
creatinina, enzimas hepáticas e exame do líquido cefalorraquidiano, podem excluir outros diagnósticos.

DIAGNÓSTICO DIFERENCIAL: síncope, eclampsia, hiperventilação, aura migranosa, transtorno


conversivo, transtorno do sono, acidentes vasculares encefálicos e amnésia global transitória.

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Fernando H. B. Granzotto LAGIO
Medicina - CCBS UFOB

Imagem retirada de: Harvard Medical School. Disponível em: <https://hmsportugal.wordpress.com/2012/05/23/epilepsia/>. Último
acesso em: 23-06-2019.

TRATAMENTO: as medicações geralmente são teratogênicas, como a difenil-hidantoina e o ácido


valproico (não devem ser utilizadas durante a gestação)(1) → Alterações fetais: fendas orofaciais,
alterações cardíacas, coagulopatia no RN, hipoplasia digital distal, hipertelorismo.
“[...] a monoterapia é o tratamento de escolha e a medicação não deve ser interrompida durante o ciclo
gravídico-puerperal. Na gestação, as drogas mais utilizadas são: os barbitúricos, a carbamazepina e a
lamotrigina, sendo a dosagem individualizada na dependência das crises” (Gestação de Alto Risco -
Manual Técnico, 2012).
Dosagem do fármaco: a posologia do fármaco deve ser ajustada de acordo com os níveis séricos desse,
devem ser realizadas medições mensais ou em intervalos menores caso ocorram convulsões.

Algumas considerações farmacológicas:


 A absorção da medicação pode ser prejudicada devido a: êmese gravídica, redução da motilidade
gásstrica e uso de antiácidos, e aumento do volume plasmático durante a gestação.
 A maior atividade de enzimas hepáticas, plasmáticas e placentárias aumenta o metabolismo dos
anticonvulsivantes.
 A maior taxa de filtração glomerular contribui para a excreção desses fármacos;
 Alguns anticonvulsivantes diminuem a absorção do ácido fólico, predispondo a defeitos no
fechamento do tubo neural (↑ associação: fenobarbital e fenitoína, ↓ risco: carbamazepina):
 Portanto, é recomendada a suplementação com acido fólico 5mg/dia durante os períodos pré-
concepcional e gestacional(1).
 Alguns anticonvulsivantes (fenitoína, primidona e fenobarbital) reduzem o transporte da vitamina K
pela placenta, resultando em aumento do risco de hemorragia fetal e neonatal(1):
 Indicação:
 Vitamina K, 20mg/dia, para a gestante, durante último mês de gestação(1);
 Vitamina K, 1mg, IM, para o RN após o parto(1).

Outros fatores que interferem no tratamento:


 Não aceitação da medicação;
 Privação do sono;
 Retenção de sal e água;
 Hiperventilação;
 Dor no trabalho de parto.

EXAMES COMPLEMENTARES:
 20ª semana: ultrassonografia morfológica;
 Vitalidade: perfil biofísico fetal e dopplervelocitometria.

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ESTADO DE MAL EPILÉTICO: crise epiléptica > 5 minutos, com recuperação incompleta da consciência,
hipertermia, lesões renais e cerebrais.
 Interrupção da gestação: interromper caso o quadro materno não for controlado, ou, se houver
comprometimento fetal.
 Controle hemodinâmico: hipotensão arterial, acidose láctica e hipoxemia.
 Conduta:
1. Realizar o “ABC”:
 Manutenção das vias aéreas (livres);
 Prevenção da hipoxemia;
 Acesso venoso calibroso, glicemia capilar e exames laboratoriais.
2. 40-60ml de glicose hipertônica + tiamina 100-250mg EV nas etilistas: por 5 minutos;
3. Diazepam 5-10mg EV (2-5mg/min) ou midazolam 5-15mg EV;
4. Fenitoína 20mg/kg EV – 50mg/min;
a. Em bolus ou diluída nos primeiros 30 minutos;
b. Diazepam 15/15 minutos até 40mg: doses adicionais;
5. Se persistir: fenitoína até o máximo de 30mg/kg em 24hrs;
6. Se persistir: fenobarbital 5-10mg/kg EV, 100mg/min;
7. Se persistir: midazolam contínuo, ataque de 0,2mg/kg e manutenção de 0,05 a 0,6mg/kg;
8. Se persistir: propofol ou tiopental;
9. Avaliação fetal: continuar gestação?

IMPACTOS DA EPILEPSIA NA GESTAÇÃO:


 Maior chance de abortamento espontâneo (risco relativo - RR: 1,54);
 Sangramentos durante a gestação (RR: 1,49);
 Hemorragia pós-parto (RR: 1,29);
 Necessidade de indução de parto (RR: 1,67);
 Cesárea (RR: 1,4);
 Prematuridade (RR: 1,16);
 Síndromes hipertensivas (RR: 1,37);
 Restrição do crescimento fetal (RR: 1,26).
*Estudo de Vieale et al., verificar na referência nº 2.

ACOMPANHAMENTO PUERPERAL:
 Aleitamento materno: deve ser encorajado, a concentração de anticonvulsivantes no leite materno é
ínfima;
 A estimulação da enzima citocromo P450 hepática acelera o metabolismo dos hormônios exógenos
e causa falha conceptiva, portanto, recomenda-se o uso de etinilestradiol para mulheres que não
estejam amamentando.

CONSIDERAÇÕES FINAIS: o ideal é que haja aconselhamento familiar antes da concepção, com
planejamento terapêutico pré-concepcional e pré-natal em relação a epilepsia. Pacientes que
apresentam, ou apresentaram manifestações psiquiátricas depressivas, ou que estão em uso de
medicamentos psiquiátricos, devem ser acompanhados pelo obstetra e psiquiatra (colaboração mútua).
O médico deve esclarecer todas as dúvidas dos pais a respeito da gestação associada a epilepsia
(informar todos os riscos e condutas), e após o parto deverá haver acompanhamento dessa paciente.

REFERÊNCIAS
1. Gestação de Alto Risco - Manual Técnico, 5ª edição. MS, Brasília, 2012.
2. ZUGAIB, Marcelo. Obstetrícia. 3ª edição. Barueri, São Paulo: Manoele, 2016.

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