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PROFILAXIA DO TROMBOEMBOLISMO VENOSO

O tromboembolismo venoso (TEV) é uma complicação comum em pacientes


hospitalizados. Essa condição inclui a trombose venosa profunda (TVP) e o
tromboembolismo pulmonar (TEP).
E não ache que o TEV seja mais uma doença rara de rodapé de livro. Aproximadamente um
terço dos pacientes hospitalizados possui risco de desenvolver TVP. O TEP, por sua vez, é
responsável por 5-10% das mortes em pacientes hospitalizados, fazendo com que o TEV seja a
principal causa de morte evitável nesses pacientes.
Sem contar nas inúmeras consequências, como: TEP fatal, altos custos com a investigação de
pacientes sintomáticos, hipertensão pulmonar, síndrome pós-trombótica, risco de
sangramento com tratamento de TEV não prevenido e aumento do risco futuro de recorrência
de TEV.
Por ser evitável, a profilaxia deve ser realizada de forma rotineira. Sabe-se que quando
aplicada de forma eficaz, é possível reduzir em dois terços os casos de trombose venosa
profunda (TVP) e em um terço os de tromboembolismo pulmonar (TEP).
E por que isso? Porque o desenvolvimento do TEV depende da alteração em um ou mais
fatores da tríade descrita por Virchow em 1856, que considera as alterações do fluxo
sanguíneo (estase venosa), de componentes sanguíneos (hipercoagulabilidade) e da parede
vascular (lesão endotelial) como responsáveis pelo processo trombótico.

E esses fatores, a estase passou a ser considerada como o principal fator predisponente à
trombose venosa. A relação entre a estase e a trombose dos membros inferiores surgiu da
associação encontrada entre tempo de repouso e incidência de TVP em trabalhos clínicos e
anatomopatológicos. Tanto a diminuição da velocidade de fluxo como a do volume do
mesmo fazem parte do termo estase sanguínea e são suspeitas de desempenharem um
importante papel no desenvolvimento do processo trombótico…
Concorda comigo que é um cenário presente no paciente internado?
É daí que sai a importância de saber prevenir de forma correta e efetiva. E para fazer a
escolha correta, você precisa passar por 3 passos (identificar fatores de risco, conhecer como
estratificar o risco de sangramento, classificar o perfil do paciente – clínico ou cirúrgico).
Mas antes disso você precisa conhecer antes os tipos de profilaxia...
TIPOS DE PROFILAXIA
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PROFILAXIA MECÂNICA
Baseia-se no auxílio de técnicas fisioterápicas, visando a combater a estase sanguínea e
aumentar o retorno venoso. É indicada em todos os casos em que puder ser executada.
Pode ser realizada com base nas seguintes estratégias:
possível, à deambulação precoce.
2.1.Estímulo
Estímulo, quando possível,
muscular à deambulação
direto ou por meio precoce.
de aparelhos fisioterápicos, que promovam a
2. Estímulo muscular direto ou por meio de aparelhos fisioterápicos, que promovam a mobilização do
mobilização do tornozelo e ativem a bomba muscular da panturrilha.
tornozelo e ativem a bomba muscular da panturrilha.
3.3.Compressão
Compressão pneumática
pneumática intermitente, realizada
intermitente, mediantemediante
realizada a colocaçãoade botas infláveis
colocação com arinfláveis
de botas de
forma intermitente e sequencial, em tornozelo, panturrilha e coxa. As pressões devem ser reguladas entre
com ar de forma intermitente e sequencial, em tornozelo, panturrilha e coxa.As pressões
35 e 55 mmHg.
devem ser dos
4. Elevação reguladas
membros entre 35 e 55 mmHg.
inferiores.
5. Meias e/ou bandagens elásticas e compressão extrínseca melhoram a dinâmica do fluxo.
4.6.Elevação dos membros
Exercícios respiratórios inferiores.
de inspiração máxima sustentada, com o auxílio de espirômetros.
7. Filtro de veia cava temporário é indicado em pré-operatório de pacientes nos quais o uso da terapia profilática
5.anticoagulante
Meias e/ou bandagens elásticas e compressão extrínseca melhoram a dinâmica do fluxo.
não possa ser feito. É possível mantê-lo por até 14 dias, sendo retirado após esse período, na
ausência de trombos.
6. Exercícios respiratórios de inspiração máxima sustentada, com o auxílio de espirômetros.

Lembre-se sempre que a profilaxia mecânica, independente do perfil do paciente, só é efetiva se


aplicada por mais de 18 horas/dia e esse é o seu principal fator limitante. A má adesão é um
limitante do seu uso.

As suas próprias contraindicações: fratura exposta, infecção de membro inferior, doença arterial
periférica de membro inferior, úlcera de membro inferior e insuficiência cardíaca grave.

PROFILAXIA MEDICAMENTOSA

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É a mais efetiva em pacientes de alto risco para TEV e deve ser iniciada o quanto antes.

E para entendermos como funciona, precisamos recordar um pouco da cascata de coagulação.

O modelo da cascata (hemostasia secundária) dividiu a sequência da coagulação em duas vias: a


via intrínseca na qual todos os componentes estão presentes no sangue e na via extrínseca na
qual é necessária a presença da proteína da membrana celular subendotelial, o fator tecidual (TF).

Os eventos comuns da coagulação (via final comum), quer sejam iniciados pela via extrínseca ou
intrínseca, são a ativação do fator X(Xa), a conversão de trombina a partir da protrombina pela
ação do fator Xa, formação de fibrina estimulada pela trombina e estabilização da fibrina pelo
fator XIIIa.

De modo mais simples, na via extrínseca, a coagulação é desencadeada quando os tecidos


lesados liberam o fator tecidual (tromboplastina tecidual), enquanto que a via intrínseca é, por
sua vez, iniciada com a ativação do fator XII pelo contato com o colágeno subendotelial, além da
ativação do fator XI, pré-calicreína e cininogênio de alto peso molecular.

Sabendo disso, você consegue visualizar em que ponto a profilaxia farmacológica interrompe a
cadeia da formação do coágulo em cada medicação. E existem inúmeros medicamentos com esse
fim. Vamos ver agora os 3 mais utilizados:

As 3 drogas mais utilizadas (Heparina não fracionada, Heparina de baixo peso molecular e
Fondaparinux) possuem seu efeito anticoagulante através da interação com a antitrombina III,
que nada mais é do que uma inibidora dos fatores de coagulação incluindo trombina, fator IXa e
Xa, além de possuir efeitos anti-inflamatórias e antiangiogênicos.

Ao contrário da heparina não fraccionada, que tem uma atividade equivalente contra o fator Xa e
a trombina, as heparinas de baixo peso têm maior atividade contra o fator Xa. Assim, espera-se
que estas últimas apresentem atividade anti-trombótica pelo menos igual à da heparina
convencional com menor risco de hemorragia. O Fondaparinux é um inibidor sintético do fator
Xa, cuja ação é mediada pela antitrombina III.

1) HEPARINA NÃO FRACIONADA

A dose recomendada é de 5.000 UI, por via subcutânea, duas a três vezes ao dia.

2) HEPARINA DE BAIXO PESO MOLECULAR

Apresenta maior afinidade com o fator Xa, melhor biodisponibilidade, maior tempo de meia-
vida e menor risco de eventos adversos e, por isso, apesar de maior custo, deve ser a de
escolha quando a profilaxia farmacológica for indicada.

A dose recomendada para pacientes de baixo risco é de 20 mg por dia, por via subcutânea; para
os de risco elevado a dose diária é de 40 mg, também por via subcutânea.

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3) FONDAPARINUX

Boa estratégia em pacientes alérgicos ou com HIT.

Sua administração deve ser feita por via subcutânea, na dose de 2,5 mg a cada 24 horas, com
extrema cautela em pacientes frágeis.

Faz-se uma ressalva em pacientes cirúrgicos: a primeira dose só deve ser administrada 6 horas
após a cirurgia, pelo risco aumentado de sangramento. A associação de cumarínicos e salicílicos
não é permitida.

Com essa base constituída, partimos para a prática!


PRIMEIRO PASSO: IDENTIFIQUE OS FATORES DE RISCO

Identifique doenças ou condições que representem fatores de risco para o


desenvolvimento de complicações tromboembólicas, tanto em pacientes clínicos quanto
cirúrgicos.
O quadro abaixo apresenta estes fatores de risco:

O paciente internado, sem levar em conta o diagnóstico da sua internação, somente por possui
redução da sua mobilidade, já é considerado portador de um fator de risco. Quando se leva em
consideração os fatores presentes na tabela, observa-se que as principais condições que levam
a internação, seja uma cirurgia ou condição clínica como infecção, doença pulmonar, cardíaca,
acidente vascular cerebral, delirium e etc, aumentam ainda mais a exposição.
Além do diagnóstico da internação, a presença de condições associadas altamente ao TEV
como neoplasias, histórico familiar ou mesmo fatores de riscos mais comuns, como varizes,
obesidade, tabagismo e terapia hormonal, por exemplo, contribuem para o aumento do risco.
SEGUNDO PASSO: AVALIE O RISCO DE SANGRAMENTO E A PRESENÇA DE
CONTRAINDICAÇÕES
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Antes de identificar o perfil de gravidade do paciente de acordo com Escores que falaremos mais
a frente (alto risco ou baixo risco), o risco de sangramento e a presença de contraindicações
devem ser avaliados e fazemos isso através de duas estratégias.

A primeira pode ser utilizada no paciente clínico e cirúrgico e se baseia-se na procura ATIVA de
contraindicações.

CONTRAINDICAÇÕES ABSOLUTAS CONTRAINDICAÇÕES RELATIVAS


Hipersensibilidade às heparinas Cirurgia intracraniana ou ocular recente
Plaquetopenia induzida por heparina Coleta de LCR nas últimas 24 horas
Sangramento ativo Diátese hemorrágica (alteração de plaquetas
ou coagulograma)
Hipertensão arterial não controlada (>180x110
mmHg)
Insuficiência renal (clearence < 30 ml/ min)

A segunda, que, por sua vez, só pode ser aplicada para pacientes clínicos é o IMPROVE Bleeding
Risk Scor. Pode ser utilizado em associação com o escore de Pádua (que veremos a frente), por
exemplo, permitindo a ponderação entre o risco e o benefício na escolha da melhor estratégia de
tromboprofilaxia.

IMPROVE Bleeding Risk Scor é a principal diretriz de sangramento associado à farmacoprofilaxia


em pacientes clínicos hospitalizados. Com base nos dados do IMPROVE, um estudo observacional
multicêntrico desenvolvido para avaliar os padrões de profilaxia de TEV em mais de 15.000
pacientes clínicos, os autores verificaram a incidência de sangramento e identificaram os fatores,
na admissão, associados ao risco de sangramento.

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Os fatores de risco, na admissão, independentemente associados ao risco de sangramento foram:
úlcera gastroduodenal ativa, sangramento nos três meses anteriores à admissão e contagem de
plaquetas < 50.000/mm3. Outros fatores de risco de sangramento incluíram idade avançada,
insuficiência hepática e/ou renal, permanência em unidade de terapia intensiva, presença de
cateter venoso central, doença reumática, câncer e sexo masculino, fatores que também estão
relacionados ao aumento do risco de TEV.

Desse modo, os autores consideraram como alto risco de sangramento a pontuação no


IMPROVE Bleeding Risk Score ≥ 7, indicando a utilização de profilaxia mecânica, e como
baixo risco a pontuação < 7 com profilaxia farmacológica se alto risco de TEV.

Em relação ao paciente cirúrgico, a taxa de sangramento associada à farmacoprofilaxia em


pacientes cirúrgicos varia de acordo com o perfil da cirurgia e os fatores de risco de cada
paciente. Por exemplo, estima-se um risco de sangramento maior, variando de 2 a 4% nas
cirurgias ortopédicas com duração acima de 45 minutos e na artroplastia bilateral de joelhos;
enquanto que em procedimentos menores, como artroscopias, cirurgias de ombro, mãos e pés,
risco de sangramento é menor.

Entretanto, independente do perfil do seu paciente, o raciocínio em relação a profilaxia se baseia


sempre nessa balança: o risco de TEV e o de sangramento.

TERCEIRO PASSO: IDENTIFIQUE O PERFIL DO PACIENTE

Afastando as contraindicações, como fazer de acordo com o perfil do seu paciente?

A) PACIENTES CLÍNICOS

O grupo de pacientes não cirúrgicos internados em ambiente hospitalar apresenta risco alto de
desenvolver TEV, podendo esse risco chegar a mais de 20 vezes quando os comparamos com a
população não internada de seguimento ambulatorial.

Entretanto, convém destacar que o risco de pacientes clínicos desenvolverem TEV sintomático é
menor do que o de pacientes cirúrgicos (1 a 2 pacientes/1.000). Entretanto, mostra-se necessário
de qualquer forma identificar entre os pacientes clínicos aqueles que pertencem a grupos de
risco.
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Você pode fazer essa categorização de 2 formas. O método clínico presente na diretriz brasileira,
menos acurado, porém mais simples e rápido, ou através do Escore de Pádua.

No método clínico devem ser incluídos para categorização de risco de TEV e tromboprofilaxia, os
pacientes que tiverem mais de 40 anos de idade, com pelo menos um fator de risco e que estejam
com mobilidade reduzida (metade do dia sentados ou deitados à beira do leito, excluindo o
período do sono) há 3 dias, no mínimo.

Já no Escore Pádua, mais acurado, você leva em consideração a pontuação resultante da


soma dos fatores de risco presentes na tabela abaixo:
ESCORE DE PÁDUA
FATOR DE RISCO PONTOS
Câncer em atividade 3
TEV prévio 3
Mobilidade reduzida (> 3 dias) 3
Trombofilia conhecida 3
Trauma e/ou cirurgia recente (<1 mês) 2
>69 anos 1
Insuficiência cardíaca e/ou respiratória 1
IAM e/ou AVCi 1
Infecção aguda e/ou doença reumática 1
IMC> 29 1
Terapia hormonal em uso 1

O paciente que somar uma pontuação maior ou igual a 4 pontos é considerado de ALTO
RISCO e deve iniciar quimioprofilaxia se ausência de contraindicação. Por sua vez, se somar
menos do que 4 pontos é considerado BAIXO RISCO e deve ter a deambulação estimulada.

B) PACIENTES CIRÚRGICOS

Em pacientes cirúrgicos, três itens devem ser considerados para classificação quanto ao risco de
TEV: idade, porte/duração da cirurgia e fatores de risco. Utiliza-se mais frequentemente a Escala
de Caprini para suporte à decisão clínica.

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A partir da pontuação nesse Escore, os pacientes são classificados de acordo com riscos.

Em pacientes com risco muito baixo de TEV (0,5% de chance), recomenda-se deambulação
precoce. Para pacientes de baixo risco (1,5% de chance de TEV), recomenda-se profilaxia
mecânica. Nos pacientes com risco moderado (chance de TEV de 3%), mas com baixo risco de
sangramento, recomenda-se profilaxia medicamentosa. Já nos pacientes com alto risco de TEV e
baixo risco de sangramento, recomenda-se a profilaxia medicamentosa, podendo-se associar a
profilaxia mecânica. Nos pacientes com alto risco de sangramento, deve-se utilizar apenas a
profilaxia mecânica.

Na tentativa de facilitar e tornar a profilaxia mais automática, diversas instituições lançam mão
de fluxogramas (como esse abaixo) para facilitar a tomada de decisão.

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A profilaxia medicamentosa, quando indicada, pode ser feita com as seguintes opções abaixo,
mas lembre-se que a enoxaparina é sempre a primeira escolha.

E como prescrever?
Lembre-se sempre que entre as opções de profilaxia medicamentosa, a enoxaparina É SEMPRE
PRIMEIRA OPÇÃO, exceto em pacientes com insuficiência renal. Nesse caso a preferência é por
utilização de HNF, por esta depender menos de eliminação renal do que as HBPM e ser facilmente
monitorizada com tempo de tromboplastina parcial ativada (TTPA) que, por sua vez, não deve se
alterar quando se utilizam doses profiláticas de HNF. Sua alteração indicará, portanto, uma
correção na dose.

Pacientes de baixo risco


Estimular a deambulação precoce. Não se deve utilizar tromboprofilaxia química.
Pacientes de alto risco =
Enoxaparina 40 mg por via subcutânea (SC), uma vez ao dia
OU
Heparina não fracionada, 5.000 unidades internacionais (UI) de 8 em 8 horas. Em situações de
risco, como insuficiência renal, essa dose pode ser reduzida e administrada de 12 em 12 horas,
embora não haja evidência científica para essa conduta
OU
Fondaparinux 2,5 mg SC, uma vez ao dia.

E quando iniciar? Em pacientes clínicos, imediatamente a internação. Nos pacientes cirúrgico, Se


alto risco, iniciar 12 horas antes ou 12-24 horas após. Ou seja, ou você inicia no dia anterior ou vai
ficar para 12-24 horas após o término da cirurgia.
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SITUAÇÕES ESPECIAIS:

a) OBESIDADE

A obesidade (definida quando há índice de massa corpórea [IMC] > 30 kg/m2 ) é condição clínica
cada vez mais comum nas unidades de internação. Além de constituir fator de risco importante
para o surgimento de eventos tromboembólicos, também se trata de condição que predispõe o
paciente a risco elevado de sangramento.

Entretanto, as evidências existentes ainda são pouco consistentes para definir a melhor conduta
para essa população, o mesmo valendo para indivíduos muito magros (IMC < 18,5 kg/m2 ).

Em casos de obesidade mórbida (IMC > 40 kg/m2 ), a situação é mais crítica ainda. Uma revisão
publicada recentemente veio auxiliar a definição da dose de quimioprofilaxia nessa situação,
podendo ser uma opção que ainda necessita ser confirmada por estudos mais robustos:
●IMC > 40 kg/m2 : enoxaparina 40 mg SC, de 12 em 12 horas. ƒ
●IMC > 50 kg/m2 : enoxaparina 60 mg SC, de 12 em 12 horas

b) BAIXO PESO CORPORAL E IDADE> 75 anos

A atividade antifator Xa em pacientes submetidos a doses profiláticas de enoxaparina (40 mg ao


dia) era inversamente proporcional ao peso destes. Consequentemente, em pacientes de baixo
peso, a dose profilática usual de enoxaparina pode alcançar níveis de atividade anticoagulante
superiores aos desejáveis, com esperado aumento no risco de sangramentos.

Dessa maneira, pacientes com índice de massa corpórea (IMC) inferior a 18 kg/m2 ou peso total
inferior a 55 kg devem ser considerados para a redução da dose diária de enoxaparina para 20 mg,
em administração única diária.

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