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Capítulo 59

Anestesia em cirurgias da mama


Cristiano Edgar Turra, e Gustavo Brandalise Lazzarotto

A evolução dos parâmetros diagnósticos e terapêuticos das patologias mamárias,


bem como nas frequentes intervenções de caráter estético, às quais inúmeras pacientes
se submetem diariamente, levaram a anestesiologia a acompanhar essa evolução a fim
de prover bem estar e segurança nos procedimentos executados. Como ocorre grande
variação nos quesitos clínicos e faixa etária, abrangendo desde adolescentes com estado
físico “ASA 1” (conforme classificação da Sociedade Americana de Anestesiologia
prevendo seis categorias, ou seja, do “ASA 1 ao ASA 6” que seria o doador de órgãos)
até idosos com classificação “ASA 4”, as implicações anestésico-cirúrgicas observam
uma gama de peculiaridades.
Iniciando-se pela avaliação pré-anestésica, na qual devem ser esmiuçados
dados referentes ao jejum pré-operatório (8 horas), estado clínico, histórico de
procedimentos prévios, uso de medicações, drogadição, tabagismo, possibilidade de
intubação difícil, alergias, atentando especialmente para drogas que interajam com
anestésicos e que necessitem suspensão prévia, para se evitar efeitos indesejáveis no
período perioperatório.

Medicações de relevância em Anestesia:


Anti-hipertensivos: Como conduta geral, preconiza-se a manutenção, inclusive no
período de jejum pré-operatório, sempre lembrando de suas interações com agentes
anestésicos, principalmente no que diz respeito ao efeito vasodilatador e inotrópico
negativo dos mesmos, o que pode em casos individualizados requerer suspensão no dia
da cirurgia (em especial os Inibidores da ECA).
Antidepressivos: Os inibidores da monoamina oxidases- IMAOs (A e B) atuam no
metabolismo da noradrenalina e fenietilamina, podendo causar resposta hipertensiva
exacerbada se utilizada concomitantemente a simpaticomiméticos. Embora existam
divergências, alguns autores sugerem sua suspensão até 15 dias antes da cirurgia. Em
relação aos antidepressivos tricíclicos, quando administrados de forma crônica não
parecem ser seriamente arritmogênicos, não havendo necessidade de suspendê-los
previamente, conduta igualmente preconizada aos usuários de agonistas de serotonina
(Sertralina, Paroxetina, Fluoxetina, Venlafaxina...).
Diuréticos: Não há evidências para continuar sua administração no dia da cirurgia,
sendo geralmente suspensos antes de procedimentos eletivos.
Hipoglicemiantes: A Metformina deve ser suspensa na véspera ou na manhã da
cirurgia, atentando-se para que não se prescreva insulina NPH desde à noite anterior ao
procedimento. Em relação a Clorpropramida (Diabinese), devido à sua longa meia vida
(até 72h), suspende-se o uso 3 dias antes. Já no caso da Glibenclamida (Daonil), a
interrupção do uso é suficiente se feito nas 24h anteriores. Em relação aos insulino-
dependentes deve ser conhecido o tipo de insulina, a quantidade usada diariamente,
horário e via de aplicação, não existindo consenso, nem protocolo único de como
utilizar no pré-operatório. Lembrando sempre que a insulina NPH apresenta duração de
ação até 24h, portanto, sua suspensão deve sempre ser considerada, ou sua dose
adequadas para se evitar quadros de hipoglicemia.
Anticoagulantes: Na vigência do uso de fibrinolíticos ou trombolíticos, recomenda-se
evitar anestesia subaracnóidea ou peridural, exceto casos especiais. Com relação à
heparina simples, não há contraindicação para esses bloqueios, porém, postergar sua
realização no mínimo 4h após sua administração pode ser considerado prudente. As
heparinas consideradas de baixo peso molecular (Enoxaparina, Deltaparina,
Nadroparina) requerem intervalo mínimo de 12h para bloqueios no neuroeixo. Os
anticoagulantes orais (Femprocumona, Warfarina) requerem suspensão mínima de 4-5
dias e monitorização do tempo de protrombina e a relação normatizada internacional
(RNI). Por último, as medicações consideradas como antiplaquetárias não apresentam
um teste amplamente aceito para orientar e monitorizar sua terapia, incluindo o tempo
de sangramento, porém, preconiza-se suspender 7 dias anteriores ao uso de Clopidogrel
e até 14 dias para a Ticlopidina, caso cogite-se realizar bloqueio espinhal.No grupo dos
inibidores diretos do fator X a (Rivaroxabana e Apixabana),bem como no inibidor
direto da trombina(Dabigatrana), afere-se como grande vantagem seu rápido início de
ação, facilidade de administração, bem como a curta meia vida plasmática. Preconiza-se
a suspensão da Rivaroxabana 24 horas antes de realizar procedimentos cirúrgicos(48
horas para pacientes com função renal alterada ou procedimentos com maior potencial
de sangramento),utilizando-se o mesmo critério para a Dabigatrana (suspensão de 7 dias
antes de bloqueio sobre o neuro eixo) e Apixabana. Quanto a manter ou não
anticoagulantes de qualquer tipo pensando-se apenas na capacidade de coagular e não
formar hematoma em ferida operatória, faz-se necessário pesar riscos e benefícios do
uso destas drogas, avaliando a dimensão da cirurgia, a permanência ou não de drenos,
além dos possíveis riscos para trombose ou embolia que a suspensão dos mesmos
acarretará.
Anorexígenos: Tanto Sibutramina (Inibidor da receptação pré-sináptica da
noradrenalina e serotonina), bem como os derivados anfetamínicos, Anfepramona,
Femproporex e Mazindol (que potencializam a noradrenalina) devem ter seu uso
suspenso com um mínimo de 15 dias, pelo risco de potencializarem arritmias e
alterações pressóricas.
Técnicas anestésica utilizadas:
Em geral, tanto anestesia locorregional como técnicas de anestesia geral ou
bloqueio espinhal são viáveis em cirurgia sobre a mama, ficando o critério de escolha
baseado na individualidade clínica do paciente, experiência do anestesiologista e da
interação com a equipe cirúrgica. A anestesia local em muitos casos, pode ser possível
em especial em nódulos pequenos e superficiais, utilizando Ropivacaína em
concentrações menores (0,5%) ou Bupivacaína (0,25%), embora para maior conforto,
sedação leve com baixas doses de hipnóticos (Propofol e Midazolan) e opióides
(Alfentanil e Remifentanil) possam ser recomendados previamente a infiltração local.
Os bloqueios espinhais, embora não estejam contraindicados em cirurgias com
fins oncológicos, encontram seu principal uso nos procedimentos estéticos. A cirurgia
plástica é uma especialidade que muito se beneficia da hipotensão arterial induzida, fato
comumente associado ao bloqueio simpático torácico, que costuma acompanhar a
anestesia peridural . Os níveis de bloqueio costumam abranger desde T3-T4 até níveis
inferiores como T12, de acordo com o procedimento a ser executado, lembrando que
pelas características anatômicas, um menor volume de solução é necessário para
bloquear um mesmo número de dermátomos na região torácica e o uso de um cateter
peridural geralmente ajuda a otimizar a dose a ser injetada. Drogas como a Bupivacaína
(0,5%) ou Ropivacaína (0,5 a 0,75%) são usualmente escolhidas e volumes iniciais de
10 a 15ml são injetados de acordo com a altura da punção e as características
anatômicas do paciente. Porém, sempre deve-se lembrar das contra indicações desses
bloqueios tais como, recusa do paciente, infecções no local da punção, medicamentos
que alteram a coagulação, comorbidades ou falta de cooperação por parte do paciente,
cabendo também salientar que nos procedimentos que necessitam a realização
simultânea de esvaziamento axilar em níveis altos (segundo e terceiro níveis) é comum
ser necessário a complementação da anestesia peridural com níveis mais profundos de
sedação ou anestesia geral.
Pesquisa de linfonodo sentinela:
Dentre as particularidades possíveis nos diferentes tipos cirúrgicos, talvez a
maior peculiaridade nas cirurgias que abordam o câncer de mama (junto com a
abordagem cirúrgica de melanomas) seja a pesquisa do linfonodo sentinela. Essa
afirmação é corroborada pela possível, porém não tão comum, ocorrência de eventos
cardiovasculares secundários a injeção do azul patente.
Com importância inequívoca na pesquisa do linfonodo sentinela o uso dessa
substância vem acompanhado em cerca de 0,1% a 2% dos casos em que é utilizado por
reações de hipersensibilidade, variando desde alterações na oximetria de pulso
(manifestação muito comum pela ligação da substância com a oxi-hemoglobina) até
casos mais severos que cursam com alterações hemodinâmicas e necessidade de drogas
vasoativas, sendo a presença de reações cutâneas urticariformes e placas azuis as
reações mais frequentemente observadas. Como mecanismo dessas alterações mais
relevantes, acredita-se ser secundário ao desenvolvimento da imunoglobulina E (IgE),
sua posterior degranulação, levando a aumento nos níveis de histamina e outros
mediadores vasoativos da anafilaxia circulantes. O tratamento das manifestações
maiores consiste em interromper a administração de drogas anestésicas (atentando-se
para a manutenção da amnésia, caso a indução anestésica já tenha sido efetuada),
administração de oxigênio em concentrações de 100%, fluidos intravenosos, anti-
histamínicos, glicocorticóides e, principalmente, drogas vasoconstritoras, sendo a
adrenalina a primeira opção nos casos mais severos (efeito alfa1). Em um único trabalho
relatou-se a ocorrência de nova reação anafilática após o tratamento da primeira reação,
levando a decisão da equipe pela realização da mastectomia radical com intuito de
remover todo o corante residual.
Alguns autores recomendam a profilaxia pré-operatória com administração
de glicorticóide, difenidramina e famotidina, pois foi demonstrado que tal medida reduz
o grau da severidade da reação, entretanto, sem alterar a incidência geral. Outros
recomendam o uso profilático de difenidramina e ranitidina como bloqueador anti-
histamínico de receptores H1 e H2. Entretanto, diversos estudos contestam o uso
rotineiro da profilaxia alegando ser baixa a incidência de reação anafilática severa e que
ainda mais investigações sobre a real eficácia dessas medidas seriam necessários.
Conforme revisão da literatura, a redução progressiva na saturação de
oxigênio constitui o primeiro sinal de reação anafilática ao corante azul, embora Piñero
et.al. tenham relatado, em todos os casos do uso do corante azul, leve dessaturação sem
necessariamente significar reação anafilática. Contudo, a diminuição dessa saturação
acompanhada ou não de reações cutâneas e hipotensão arterial, requer a instituição de
rápido tratamento com oxigênio a 100%, infusão de líquidos, adminintração de
corticoide e difenidramina além de adrenalina nos casos mais severos. A confirmação
da reação anafilática ao corante azul nem sempre é possível com os diferentes testes
descritos na literatura e o uso de medicamento profilático ainda é controverso.
Como rotina do nosso serviço, nos casos em que o referido corante for
utilizado, salvo contraindicações, utiliza-se dexametasona 10mg na indução anestésica
(início do efeito após 15 a 30minutos e duração de até 48h), e procedendo a injeção do
azul somente após a via aérea ser estabelecida com ventilação mecânica instituída e a
rotineira disponibilidade de drogas e fluidos que poderão ser necessários. Também, por
medida de segurança, adota-se como recuperação pós-anestésica setores com cuidados
intensivos, caso reações alérgicas relevantes se manifestem pois admite-se que a
recorrência destes eventos possam acontecer em até 24 horas após a exposição.
Face ao exposto, durante o uso do corante azul patente para pesquisa do
linfonodo sentinela, é de fundamental importância que toda a equipe envolvida tenha
conhecimento da possibilidade da ocorrência de reação anafilática e preparo adequado
no reconhecimento imediato e tratamento das repercussões. Apesar de raro, o choque
anafilático ao azul patente expõe a paciente ao risco iminente de morte.
No que tange as complicações, excetuados os risco pertinentes ao uso do azul
patente, as intercorrências maiores como paradas cardiocirculatórias e óbitos que
possam acontecer nos procedimentos aqui abordados, ainda carecem de estudos para
dimensioná-los e seguem números usados para estimar intercorrências nas demais áreas
cirúrgicas, na ordem de 0,5 a 3,35 paradas cardíacas a cada 10mil anestesias (1), e de
0,12 a 1,12 óbitos a cada 10 mil anestesias, incluindo nestes dados pacientes com estado
físico “ASA 4” e extremos etários, que são os grupos que demonstraram maior
predisposição para eventos desta natureza.

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