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Abordagem do Paciente com Ataque Isquêmico Transitório

Entre 7,5 a 17,4% dos pacientes com ataque isquêmico transitório (AIT) evoluem com acidente
vascular cerebral isquêmico (AVCi) em 3 meses. Em metade dos casos, o novo evento acontece
nas primeiras 48 horas após o AIT [1]. Nessa revisão do mês, trazemos os principais pontos da
abordagem e tratamento dos pacientes com AIT.

Definição de AIT
Definição antiga - déficit neurológico agudo transitório causado por isquemia
encefálica que se reverte em até 24 horas.
Definição atual - déficit neurológico agudo transitório causado por isquemia focal
encefálica, medular ou retiniana, sem evidência de infarto. Essa definição já está
na diretriz da American Heart Association/American Stroke Association (AHA/ASA) de
2009.
Assim, a ausência de áreas de infarto na neuroimagem é obrigatória. Além disso,
não existe mais um tempo fixo para determinar a transitoriedade do déficit, bastando
que ele seja completamente revertido.
A exclusão do critério de tempo ocorreu porque a duração dos sintomas não é
capaz de predizer se há infarto ou não. Em uma meta-análise de 2013, 34% dos
pacientes com déficit transitório apresentavam região de infarto na ressonância
magnética (RM) de crânio.

Esta definição estimula a realização de exames de imagem para diagnóstico tanto de


AIT quanto de AVCi.

Como fazer o diagnóstico?


Por sua rapidez e acessibilidade, a tomografia computadorizada (TC) de crânio
normalmente é o primeiro exame a ser solicitado na suspeita. Porém, a capacidade da
TC habitual de detectar novas áreas de infarto que levaram a sintomas transitórios
é muito baixa.
O exame de escolha para detectar alterações isquêmicas é a RM de crânio, devendo ser
feita com sequência de difusão (diffusion weighted imaging, ou DWI). Este exame
apresenta uma alta sensibilidade (88%) e especificidade (95%) nas primeiras 24 horas.
Figura 1
Ressonância magnética no Ataque Isquêmico Transitório (AIT) e Acidente Vascular Cerebral isquêmico
(AVCi)

O protocolo de difusão baseia-se na movimentação das moléculas de água. A área


isquêmica desenvolve edema tecidual, o que reduz a movimentação de água na região.
A redução da movimentação de água resulta em hipersinal (áreas brancas) no DWI. Para
garantir que há restrição à difusão de água, compara-se a sequência DWI com outra
sequência, o mapa de coeficiente de difusão aparente (apparent diffusion coefficient
map, ou ADC). Se a área da lesão tem hipersinal no DWI e hipossinal no mapa
ADC, diz-se que a lesão restringe a difusão (Figura 1).

Assim, em um contexto clínico sugestivo de isquemia, uma área com hipersinal em


DWI e hipossinal no mapa ADC deve ser um infarto novo. Existem outras causas de
lesões com restrição a difusão, como tumores hipercelulares e abscessos.

Figura 2
Ressonância magnética no Ataque Isquêmico Transitório (AIT) e Acidente Vascular Cerebral isquêmico
(AVCi)
Além disso, a sequência DWI também auxilia na diferenciação de de lesões isquêmicas
agudas e crônicas (Figura 2).

Quais as principais etiologias?

As principais etiologias de AIT são as mesmas de um AVCi:


 Cardioembólico.
 Aterotrombótico de grandes vasos - tanto por embolização a partir das placas quanto
por baixo fluxo por estenose significativa.
 Isquemia lacunar ou de pequenos vasos - principalmente por obstrução
aterotrombótica dos vasos penetrantes.
 Outras etiologias menos frequentes - dissecção, síndrome de vasoconstrição cerebral
reversível, vasculite, estados de hipercoagulabilidade, embolias paradoxais, Moyamoya,
entre outros.

Os quadros embólicos geralmente têm sintomas com duração mais prolongada (até
horas) e manifestações neurológicas diversas a depender do local de alocação do
trombo.

Em casos de baixo fluxo por estenoses, os déficits tendem a ser mais curtos (minutos) e
com um mesmo padrão relacionado a área de redução de fluxo.
Estratificação de risco

Tabela 1 Escore ABCD²

Após o diagnóstico, deve-se estratificar o risco de novos eventos. A ferramenta de


escolha é o escore ABCD2. A pontuação varia de 0 a 7, com pontuações mais altas
representando maior risco de AVCi em 7 dias (Tabela 1).
Teoricamente, este escore avaliaria se o paciente precisa ser internado para investigação
e manejo do AIT. Por essa lógica, pacientes com pontuações altas deveriam ser
manejados dentro do hospital. Porém, em estudos subsequentes de validação, até 20%
dos pacientes com ABCD2 menor do que 4 apresentaram um novo evento em 7 dias.
Assim, isoladamente, o escore não é uma ferramenta adequada para essa decisão.
A diretriz da European Stroke Organisation (ESO) recomenda não utilizar calculadoras
para triagem do local de manejo destes pacientes.
Apesar disso, o ABCD2 deve ser sempre calculado. Além de tornar o risco do paciente
mais objetivo, a necessidade de tratamento com terapia antiplaquetária dupla (DAPT) se
baseia nesse escore. Para mais informações, veja a seção "Como prevenir novos
eventos".
Quem devemos internar?
Todo paciente deve ser avaliado e tratado em menos de 48 horas. Isso independe de
ser em regime hospitalar ou ambulatorial.

As sociedades recomendam internar os pacientes que apresentem:


 Doença cardiovascular associada que necessite de tratamento - hipertensão não
controlada, aterosclerose de vasos cervicais com estenose significativa (mais de 70%) e
fibrilação atrial.
 Infarto agudo em RM de crânio ou histórico de AVCi prévio.
 Múltiplas áreas de isquemia prévia em RM de crânio.
 Impossibilidade de manejo ambulatorial em 48 horas.

Quais exames solicitar após o diagnóstico?

Fluxograma 1 Fluxograma
para Investigação de de AIT ou AVC isquêmico

A investigação etiológica auxilia na programação do tratamento e prevenção de novos


eventos. Conforme a diretriz de prevenção de AVC/AIT da AHA/ASA de 2021, deve-se
solicitar (Fluxograma 1):
 Imagem vascular não-invasiva de crânio e cervical - investigação de doença
aterosclerótica intra e extracraniana. Angiotomografia, angiorressonância ou
ultrassonografia com Doppler de vasos cervicais e transcraniano são exames de escolha
para avaliação de estenoses significativas. A acurácia do Doppler varia conforme o
operador e a sensibilidade para estenoses maiores que 70% pode ser baixa. Ele deve ser
utilizado apenas se há confiança nos seus resultados.
 Eletrocardiograma (ECG) - ferramenta simples e não-invasiva para o diagnóstico de
fibrilação atrial (FA) em pacientes com AIT. Se disponível, pode-se realizar holter
durante a internação para aumentar a acurácia diagnóstica [2]. Monitorização do ritmo
cardíaco por maiores períodos pode ser considerada em pacientes com AIT ou AVCi
sem causa esclarecida.
 Ecocardiograma - investigação de doença cardíaca estrutural e valvopatias associadas.
 Perfil lipídico e hemoglobina glicada - ajudam na estratificação de risco
cardiovascular e auxiliam na otimização de meta terapêutica.

Como prevenir novos eventos?


Primeiro, deve-se avaliar se existe etiologia cardioembólica evidente (FA ou flutter
atrial com clínica e imagem compatíveis ou história prévia de AIT/AVCi
cardioembólico). Nestes casos, a anticoagulação está indicada. Isso independente da
arritmia ser paroxística, persistente ou permanente. Não há necessidade de realização de
terapia antiplaquetária.

Nos casos de etiologia aterotrombótica ou lacunar, a base do manejo é a terapia


antiplaquetária e controle do risco cardiovascular (hipertensão, dislipidemia, síndrome
metabólica, etc.).
Há benefício em iniciar as medidas preventivas o quanto antes. O estudo mais
importante que avaliou o impacto do tratamento precoce no AIT foi o EXPRESS.
Esse trabalho encontrou uma redução de risco de AVCi em 90 dias quando o tratamento
foi iniciado em menos de 24 horas. Esta redução de risco foi sustentada em um
acompanhamento de 10 anos.

O uso do AAS precocemente no AIT já é bem estabelecido. Além disso, deve-se


identificar os pacientes com ABCD2 maior ou igual a 4, pois estes podem se beneficiar
de DAPT - associação de AAS e clopidogrel.
Os estudos CHANCE e POINT são os principais trabalhos que compararam a
monoterapia com AAS contra DAPT em pacientes com AIT de alto risco. Ambos
mostraram um benefício da DAPT na prevenção de AVCi em 90 dias. A redução
de risco foi maior nos primeiros 21 dias após o AIT.

Assim, a recomendação atual é:


 ABCD2 < 4: monoterapia com AAS 300mg de ataque seguido de 75-100 mg/dia.
 ABCD2 ≥ 4: DAPT por 21 dias. Ataque com clopidogrel 300mg e AAS 300mg,
seguido de manutenção com clopidogrel 75 mg/dia e AAS 75 a 100 mg/dia. Após,
manter monoterapia com AAS.
 Em pacientes que se apresentam após 7 dias do evento isquêmico, não há benefício de
realizar DAPT mesmo se alto risco.
O tratamento para dislipidemia deve ser feito com estatinas de alta potência (ex.:
atorvastatina 40 a 80 mg/dia). A meta é de LDL menor que 50 a 70 mg/dL em
controle ambulatorial.
Em casos de aterosclerose de grandes vasos, existem algumas
particularidades. Endarterectomia de carótida é recomendada em estenoses de 70 a
99% e AIT compatível com o lado da estenose. Deve-se avaliar a indicação durante a
internação, pois o benefício é maior quando o procedimento é realizado em até 14 dias
do evento. Se o risco cirúrgico for alto ou a estenose menor que 70%, a indicação deve
ser individualizada. O tratamento com AAS, DAPT e controle de risco cardiovascular
seguem a recomendação geral.
Na estenose de grandes vasos intracranianos, não está recomendado terapia com
angioplastia ou stent no tratamento inicial. Se a estenose for de 50 a 99%, o
tratamento preferencial é com AAS 325mg/dia. Em estenoses 70 a 99%, a DAPT pode
ser considerada por até 90 dias após evento.

Em casos de eventos lacunares/aterosclerose de pequenos vasos, o tratamento deve


seguir as recomendações de terapia antiplaquetária e controle de risco cardiovascular
gerais.

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