Imposição de valores

Os valores de uma comunidade mudam de acordo com o tempo, o que é exemplificado pela
visão patológica da homossexualidade apresentada pelo Naturalismo do século XIX, mas
amplamente contestada na contemporaneidade. Nesse contexto, é possível afirmar que a
cultura de cancelamento é uma forma de autoritarismo particular da era virtual e representa
um empecilho ao pleno funcionamento da Constituição Cidadã do país. Dessa forma, assim
como dois pontos são fundamentais para a formação de uma reta, as questões da privacidade
no mundo digital, bem como da busca pela perfeição são essenciais na construção de uma
análise sobre o tema.

Primeiramente, na pós-modernidade, destacam-se os avanços na área das telecomunicações,

os quais têm efeitos negativos no modo como os indivíduos relacionam-se, especialmente no
que se refere ao uso das redes sociais. Nesse sentido, Michel Foucault aborda o conceito de
“sociedade confessional”, em que, segundo o filósofo, não existe mais a barreira da intimidade
e a intensa exposição nas plataformas virtuais controla as pessoas na medida em que contribui
para a construção de julgamentos e sensos de moralidade. Dessa maneira, a falta de
privacidade típica da Revolução Técnico-Informacional é um fator determinante para a
manutenção da cultura de cancelamento, visto a facilidade de monitoramento da atividade
online de um indivíduo.

Em segunda instância, é válido ressaltar que a lógica do capitalismo atual atrelada ao

constante desenvolvimento tecnológico exige a permanente otimização do tempo do ser
humano. Nesse ínterim, o sociólogo coreano Byung-Chul Han afirma que a sociedade atual vive
pelo desempenho e pela produtividade, a fim de atingir padrões de perfeição e de eficiência. É
perceptível, desse modo, que o fenômeno do “cancelamento” é explicado também pela
intolerância ao erro observada em uma coletividade sempre empenhada na busca por uma
melhor performance, inclusive no âmbito social.

Dado ao exposto, reitera-se que a cultura de cancelamento é uma maneira de imposição de

valores sociais e rejeita a possibilidade de alteração dessa estrutura de princípios numa
comunidade. Portanto, é imprescindível que no meio cybernético seja assegurado o direito à
liberdade de expressão conforme a Constituição Federal de 1988 e que a coletividade esteja
ciente da importância da privacidade e da tolerância às falhas para seu próprio bem-estar.
Assim, espera-se que os indivíduos possam experienciar sua evolução pessoal sem a
interferência do ambiente caótico da internet.