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Os princípios de educação de jovens e adultos e uma da extensão rural efetiva

Juliana Skalski1

Resumo

A extensão rural é caracterizada como um processo de educação não-formal para


difusão de tecnologias no meio rural, porém os profissionais que atuam na área, em
sua grande maioria, provêm da área de ciências agrárias e dispõem de pouca ou
nenhuma formação na área de educação ou conhecimento de didática. Neste
trabalho, discutimos os benefícios dos extensionistas rurais conhecerem e aplicarem
conceitos de didática na sua rotina de trabalho e como vários dos desafios que
enfrentam em seu cotidiano são também discutidos por teóricos e pesquisadores da
andragogia.

Palavras-chave: Extensão rural, educação não-formal, educação de adultos

1. Introdução
A extensão rural é, tal como definida pela lei nº 12.188, de 11 de janeiro de
2010, que institui a Política Nacional de Assistência Técnica e Extensão Rural para a
Agricultura Familiar e Reforma Agrária, o “serviço de educação não formal, de caráter
continuado, no meio rural, que promove processos de gestão, produção,
beneficiamento e comercialização das atividades e dos serviços agropecuários e não
agropecuários”.
Embora a extensão rural seja caracterizada como um serviço de educação, os
extensionistas rurais são, em sua grande maioria, profissionais da área de ciências
agrárias (principalmente engenheiros agrônomos, médicos veterinários, zootecnistas
e técnicos agrícolas), com formação técnica, porém sem formação na área de
educação ou conhecimento de didática, o que dificulta a transmissão de informação
aos produtores rurais. O conhecimento e aplicação de conceitos da educação de
jovens e adultos podem ajudar os extensionistas a transmitirem melhor seus
conhecimentos, tornando a extensão rural mais eficiente, uma vez que vários de seus
desafios cotidianos são os mesmos dos educadores formais que trabalham com
andragogia. Neste trabalho serão discutidos alguns desafios da extensão rural e sua
relação com conceitos da educação formal de adultos que podem ser aplicados para
superá-los.

1
Graduação em Medicina Veterinária pela Universidade Federal do Paraná, cursando especialização em
Educação de Jovens e Adultos. E-mail do autor: julianaskalski@gmail.com.
2. Extensão rural andragogia e didática
Os serviços de assistência técnica e extensão rural (ATER) ganharam impulso
no Brasil e no mundo a partir da década de 1960, com o difusionismo das inovações
da revolução verde (CASTRO, 2015). Tal como a educação formal, a extensão rural
desde então se baseou em diferentes tendências pedagógicas para sua aplicação,
chamando a atenção inclusive de Paulo Freire, que dedicou um livro especialmente a
esse tema (FREIRE, 1983).
Um dos aspectos mais impactantes sobre a atividade do extensionistas,
também destacado por diversos autores na educação de adultos, é o conhecimento
prévio do aluno, neste caso produtor rural. Na extensão rural, especialmente, é
impossível ignorá-lo. Naturalmente, todo adulto, mesmo que não escolarizado, possui
uma série de conhecimentos multidimensionais, que permitem sua integração à vida
pessoal, profissional e comunitária (CAVACO, 2015), que foram obtidos por
aprendizagem experiencial ou pela transmissão de conhecimentos das gerações
anteriores. Cavaco (2015) observa ainda que: “Negar ou desprestigiar os saberes e a
cultura popular de que são portadores os analfabetos são formas de etnocentrismo
cultural que dificilmente se coadunam com o espírito científico necessário para a
evolução do conhecimento”. Paulo Freire (1983) menciona o conhecimento “mágico”
dos agricultores, um conhecimento preponderantemente sensível, que não pode
simplesmente ser sobreposto por outro (como na “educação bancária”, denunciada
pelo próprio Freire), mas superado por “um conhecimento, que, partindo do sensível,
alcança a razão da realidade” (FREIRE, 1983). O autor ainda destaca a complexidade
da extensão como um trabalho que “(...) envolve o cultural, os níveis de percepção
que se constituem na estrutura social; envolve problemas de linguagem que não
podem ser dissociados do pensamento, como ambos, linguagem e pensamento, não
podem sê-la da estrutura.” (FREIRE, 1983)
Atualmente é válido lembrar ainda que os agricultores, para além dessa visão
“mágica”, muitas vezes já tiveram acesso a anos de serviços de extensão, de
vendedores bem e mal-intencionados na sua porta e ainda mais, hoje têm acesso à
televisão, rádio, internet e à informação advinda dessas fontes (CASTRO, 2015).
Diante disso, é impossível realizar um trabalho adequado como extensionista sem
compreender e respeitar toda essa bagagem de conhecimento do produtor rural, e
inclusive, sem ouvir suas percepções e objeções ao projeto a ser implantado na
propriedade, bem como compreender as origens dessas percepções.
A importância de compreendermos o saber prévio do produtor nos leva a um
outro aspecto desafiador da extensão rural, sem o qual não é possível essa
compreensão: o diálogo, e, por conseguinte, as relações interpessoais entre
extensionista e produtor. A importância do vínculo e do diálogo na educação, e
especialmente na educação de adultos já foi discutido por vários autores, como
FREIRE (1983) e VYGOTSKY (1999). Essa falta de diálogo, do “saber ouvir”, gera
algumas das falhas mais básicas cometidas pelos extensionistas, especialmente os
menos experientes, como não conseguir expressar-se com uma linguagem que o
produtor compreenda ou tentar introduzir tecnologias que não são compatíveis com a
realidade ou valores do produtor. Ambas as dificuldades estão associadas à falta de
um conhecimento mais profundo da realidade do agricultor, de seu processo de
raciocínio, de suas limitações de qualquer tipo. Essa incompatibilidade entre a visão
do extensionista e a realidade do produtor foi observada por (CAPORAL; BEBER,
1994).
O estabelecimento de uma relação de confiança é essencial para as ações de
extensão, tanto no processo de transmissão do conhecimento, como pela importância
que a motivação e autonomia do produtor possuem para o sucesso desse trabalho.
Como qualquer ser humano, o produtor rural busca ser valorizado e respeitado na sua
relação com o outro, inclusive com o extensionista. Para isso, o diálogo nessa relação
tem de ser verdadeiro, com o extensionista disposto acima de tudo a ouvir o agricultor.
Em relação ao papel da interação social e da comunicação na educação, Cianfa
(1996) descreve muito bem a relação professor - aluno adulto, em um texto que
também se aplica perfeitamente à extensão rural:

“Nesse sentido, o professor deve conhecer de perto seus alunos, estar familiarizado com os
processos através dos quais eles raciocinam para, então, ser capar de organizar as situações
de aprendizagem. Os comportamentos dos professores e alunos estão, portanto, dispostos
em uma rede de interações envolvendo comunicação e complementação de papéis, onde
expectativas recíprocas são colocadas. (...) Nesse processo, mestre e aprendizes devem se
respeitar como pessoas, como indivíduos que possuem experiências diferenciadas dentro de
uma mesma cultura” (CIANFA, 1996, p 81)
A capacidade de construir uma relação de confiança e manter um diálogo
aberto e franco com o produtor rural acaba por ser a chave para a solução dos tópicos
abordados até aqui. Certamente, foi observando esse fato que Freire questionou se a
extensão rural merece esse nome, ou se antes não deveria ser chamada
simplesmente de “comunicação” (FREIRE, 1983). Na prática, nem sempre o
extensionista inexperiente dispõe de tempo ou meios para construir relações ou
conhecer a fundo seu público antes do início o trabalho, o que inevitavelmente
prejudica os primeiros resultados, mas de modo algum inviabiliza o processo como
um todo, afinal como estabelece sua própria definição legal (BRASIL, 2010), a
extensão é um processo contínuo e de longo prazo.
O extensionista deve conhecer didática e as estratégias metodológicas de
extensão para apropriar-se do leque de opções de modos de trabalho e abordagem à
sua disposição, e associar esses conhecimentos a uma reflexão crítica sobre suas
próprias ações e resultados que obtém, tal qual um professor deve fazer sobre o
próprio trabalho (FREIRE, 1996). Em essência, o processo de ensino-aprendizagem
na extensão rural é muito similar ao da educação formal. Tomando os momentos da
metodologia do ensino citados por Libâneo (1990) (orientação inicial nos objetivos do
ensino-aprendizagem; transmissão da matéria nova; consolidação e aprimoramento
dos conhecimentos e habilidades; aplicação dos conhecimentos e habilidades;
verificação e avaliação) veremos que as mesmas etapas se aplicam à introdução de
qualquer nova técnica ao produtor rural: é necessária uma fase de incentivo e
apresentação da técnica, seguida de uma aproximação/assimilação do tema,
acompanhada muitas vezes de atividades práticas, passando pela consolidação
desses conhecimentos e sua aplicação dessas práticas na propriedade, que precisam
posteriormente serem verificadas para que sejam adequadamente executadas.
Compreender esses processos permitiria ao extensionistas uma melhor organização
de seu trabalho.
Há uma cultura entre alguns extensionistas, de trabalhar “sob demanda”,
corrigindo problemas à medida que surgem. Esse tipo de abordagem vai contra o
próprio conceito de extensão rural como atividade continuada e de longo prazo. Para
executar um trabalho de longo prazo, com mudanças reais sobre a vida do produtor
rural, é indispensável haver um planejamento. A natureza não-formal da educação
através da extensão rural pode tornar complexo trabalhar um planejamento. Muitos
extensionistas têm dificuldade de realizar trabalhos planejados a médio e longo prazo,
pela falta de hábito de planejamento, ou pela existência de diversas demandas não
correlacionadas ao foco principal. Entretanto, é por isso que Libâneo cita a
flexibilidade como característica fundamental do planejamento da ação docente, junto
a ordem sequencial, objetividade, coerência (LIBÂNEO, 1990). Um esforço conjunto
das diversas instâncias dos órgãos de extensão é necessário para criar um trabalho
conscientemente planejado, e não só burocrático, sob o risco de a ação extensionista
perder sua essência e efetividade.
Por fim, é importante ao extensionista lembrar sempre que seu trabalho não é
uma via de mão única. Se o diálogo, a compreensão da realidade do agricultor e sua
visão de mundo são tão importantes para a boa execução do trabalho, é justamente
porque o produtor rural é o protagonista de toda a ação. Daí que nenhum
planejamento pode ser feito sem a participação ativa do produtor, e de um produtor
motivado e aberto a mudanças. Novamente conforme Paulo Freire, para um empenho
educativo libertador, aqueles com quem o extensionista trabalha não podem ser
meros objetos de sua ação, mas são tão agentes de mudança quanto ele (FREIRE,
1983). De outra forma, estará sendo negada a autonomia do agricultor e, portanto,
sua independência e sucesso em longo prazo.

3. Conclusão

O extensionista rural que deseja fazer de seu trabalho efetivamente um trabalho


educativo que promova o desenvolvimento do meio rural, deve acima de tudo
compreender-se educador, compreendendo também os métodos que usa para
ensinar e estruturar seu trabalho. Para isso é essencial ao extensionista manter acima
de tudo um diálogo verdadeiro, usando-o como base para a construção das relações
interpessoais, com respeito ao produtor rural, sua experiência de vida e
conhecimentos, e sua autonomia sobre seus negócios e decisões, dando ao agricultor
o fundamental protagonismo sobre o processo.

Referências

BRASIL. Lei nº 12.188, de 11 de janeiro de 2010. Lex: Diário Oficial da União, Poder
Executivo, Brasília, DF, 12 jan. 2010. Seção 1, p. 1.
CAPORAL, F. R.; BEBER, J. A. C. Por uma nova extensão rural: fugindo da
obsolescência. Extensão Rural, n. 2, p. 7–32, 1994.
CASTRO, C. N. de. Desafios Da Agricultura Familiar : O Caso da Assistência
Técnica e Extensão Rural. Boletim regional, urbano e ambiental, p. 49–59, 2015.
CAVACO, C. Formação Experiencial de Adultos Não Escolarizados: saberes e
contextos de aprendizagem. Educação & Realidade, v. 41, n. 3, p. 951–967, 2015.
CIANFA, C. R. de L. A importância das relações interpessoais na educação de
adultos. 1996. Universidade Estadual de Campinas, 1996.
FREIRE, P. Comunicação ou Extensão? 8a ed. Rio de Janeiro: Editora Luz e Vida,
1983.
FREIRE, P. Pedagogia da Autonomia. 25a ed. São Paulo: Paz e Terra, 1996.
LIBÂNEO, J. C. Didática. São Paulo: Cortez Editora, 1990.
VYGOTSKY, L. A formação social da mente. 4a ed. São Paulo: Livraria Martins
Fontes Editora, 1991.

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