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1a Prova Autor: CURI‑PROCOPIO Edição: 2a Revisor:

Revisão Capitulo 11 Págs. 21 Operador: ANTHARES Data: 22/02/17

Capítulo

11
Bases da Fisiologia Sensorial
Luiz Carlos L. Silveira (in memoriam)
Givago Souza

Classificações do sistema sensorial, 1 Codificação das propriedades espaciais do estímulo | Intervalo de


Classificação anatômica, 2 amostragem no espaço, campo receptivo, 15
Classificação biofísica, 2 Codificação espectral | Intervalo de amostragem nas fre­quências temporais
Recepção e transdução da informação sensorial, 2 e espaciais, 15
Fototransdução, 3 Codificação da qualidade sensorial | Espaços sensoriais, 16
Quimiotransdução, 5 Organização topográfica do processamento sensorial | Do neurônio primário
Quimiotransdução olfativa, 6 ao córtex sensorial, 17
Quimiotransdução gustativa, 6 Organização topográfica, 17
Mecanotransdução, 8 Bases psicofísicas da fisiologia sensorial, 17
Mecanotransdução auditiva, 10 Limiares de detecção, 18
Codificação da informação sensorial, 12 Limiares de discriminação, 19
Codificação da intensidade do estímulo, 13 Magnitude da sensação, 19
Codificação das propriedades temporais do estímulo | Intervalo de Teoria de detecção de sinais, 20
amostragem no tempo, 13

a atividade de diversos órgãos e sistemas, como o coração e o


Classificações do sistema sensorial sistema respiratório. De forma semelhante à mencionada para
a relação do sistema nervoso com o meio ambiente, os meca‑
A ocupação dos diversos nichos ecológicos pelas espécies ani‑
nismos neurais que permitem a interação do sistema nervoso
mais compreendeu o desenvolvimento de um sistema nervoso com o meio interno são divididos em processos receptivos e
sofisticado, permitindo aos in­di­ví­duos de cada espécie manter motores da vida vegetativa.
uma troca con­tí­nua de informação com o meio ambiente. Eles Essa divisão dos sistemas receptivos para transferência
assim obtêm, através de diversos mecanismos neurais, as in‑ de informação proveniente do meio ambiente ou do meio
formações necessárias que lhes revelam as características mais interno tem duas importantes conse­quências. A primeira é
importantes do meio circunjacente e dos objetos à sua volta. que o grau de consciên­cia com que o ser humano processa
Por outro lado, eles ­atuam con­ti­nuamente no meio ambiente essas informações é bastante va­riá­vel. Assim, em muitas si‑
através de um outro conjunto de mecanismos neurais, moven‑ tuações tem‑se conhecimento vívido da informação prove‑
do‑se nesse meio e o modificando. Essas atividades constituem niente do meio externo (p. ex., uma cena v­ isual), enquanto
uma parte fundamental da sobrevivência do in­di­ví­duo e da aquela proveniente do meio interno muitas vezes é proces‑
sua espécie e são estritamente dependentes da integridade do sada nalgum recanto obscuro da mente ou mesmo de forma
sistema nervoso. Didaticamente, os mecanismos neurais que inteiramente inconsciente (p. ex., o nível de pressão arterial).
permitem a interação do in­di­ví­duo com o meio ambiente são Consequentemente, o uso do termo sensorial deve ser visto
divididos em processos sensoriais (sensitivos ou receptivos) e com reservas quando se lida com processos receptivos que
motores da vida de relação. não originam sensações.
Além disso, o sistema nervoso recebe um outro conjunto A segunda é que são centros e vias neurais muito diferentes
de informações proveniente do meio interno, relatando con­ que fazem uso dessas duas classes de informação e sua análise
ti­nuamente os valores dos parâmetros físico‑quí­micos essen‑ é feita geralmente de forma separada. De um lado, estudam‑se
ciais desse meio e o estado dos diversos órgãos do corpo. Essa os chamados sentidos, classicamente divididos em somestesia,
informação é usada pelo sistema nervoso para promover ajus‑ gustação, audição, equilíbrio, visão e olfação, e os processos
tes delicados nesses parâmetros, como, por exemplo, o nível de cognitivos associados, assim como o vasto conjunto de infor‑
pressão arterial ou a concentração de O2 no sangue, regulando mação provido por eles, que é usado para o planejamento, as
Parte 1 Fisiologia Geral

ações, a postura e o movimento. De outro lado, estuda‑se a nica. Compreendem o sistema vestibular, auditivo e parte
regulação neural das funções orgânicas e o que costuma ser do sistema sensorial somático (detecção de toque e pressão
chamado de sistema nervoso autônomo. na pele, posição ar­ticular, comprimento e tensão m
­ uscular,
Existem diversas maneiras de classificar o sistema sensorial, tensão na parede dos vasos e das vísceras)
além da grande divisão mencionada nos parágrafos anteriores, ■■ Sistemas sensoriais quimiorreceptivos, cujos receptores
e para o leitor deve ficar claro que esse esforço tem fins inteira‑ têm mecanismos especiais de reconhecimento de certas
mente didáticos, sendo a realidade cheia de casos par­ticulares substâncias quí­micas. Compreendem o sistema olfativo, o
ou violações desses esquemas classificatórios. A seguir são apre‑ sistema gustativo e parte do sistema sensorial somático (de‑
sentadas duas maneiras relativamente simples de divisão do sis‑ tecção de substâncias quí­micas ao longo do tubo digestivo,
tema sensorial, de acordo com suas características anatômicas da concentração de CO2 e O2 no sangue, entre outros)
ou dos princípios biofísicos de transformação sensorial. ■■ Sistemas sensoriais termorreceptivos, cujos receptores são
par­ticular­mente sensíveis à variação da temperatura am‑
biente e fazem parte do sistema sensorial somático (detec‑
Classificação anatômica ção de frio e calor)
■■ Sistemas sensoriais fotorreceptivos, cujos receptores têm
O sistema sensorial pode ser dividido anatomicamente de
mecanismos especiais para detectar energia eletromagné‑
acordo com a localização dos receptores sensoriais (as células tica na faixa visível. Eles compreendem, no homem, unica‑
ou prolongamentos celulares que recebem os estímulos prove‑ mente o sistema ­visual, embora a pineal possa abrigar um
nientes do meio ambiente ou interno) em: outro sistema fotorreceptivo em determinados répteis
■■ Sistemas sensoriais especiais, quando os receptores senso‑ ■■ Sistemas sensoriais nocirreceptivos, compreendendo um
riais estão restritos a determinados tecidos específicos do grupo especial de receptores sensíveis a estímulos mecâ‑
corpo. Aqui se incluem os sistemas olfativo, v­ isual, vestibu‑ nicos, quí­micos e térmicos que são capazes de agredir o
lar, auditivo e gustativo. Noutras espécies são encontrados organismo e produzir as sensações de dor primária ou se‑
sistemas sensoriais especiais que não existem no homem cundária.
e nos demais primatas como, por exemplo, o sistema das
fossetas laterais das cobras, responsável pela “visão infra‑
vermelha” desses animais Recepção e transdução da
■■ Sistema sensorial geral (somático), cujos receptores estão
distribuí­dos em quase todos os órgãos ou tecidos corpo‑
informação sensorial
rais. Ele ainda pode ser subdividido em exterorreceptivo, Os receptores sensoriais são os locais onde os estímulos do
propriorreceptivo e interorreceptivo, conforme esses recep‑ meio ambiente ou interno a­tuam sobre o sistema nervoso.
tores estejam si­tua­dos em tecidos de origem ectodérmica Nesses receptores ocorre a transformação da energia do es‑
(pele), mesodérmica (ar­ticulações, tendões e ­músculos) ou tímulo em variações do potencial da membrana plasmática e
endodérmica (vísceras). inicia‑se o processo de codificação da informação sobre o que
está ocorrendo naqueles meios. Essa informação será usada
subsequentemente pelo sistema nervoso na elaboração de res‑
Classificação biofísica postas apropriadas às necessidades do organismo.
O aspecto mais difícil e interessante do estudo dos siste‑
O sistema sensorial pode ser dividido de acordo com o princí‑
mas biológicos ou puramente físico‑quí­micos consiste na ca‑
pio físico‑quí­mico subjacente à transformação de energia que
racterização dos processos que ocorrem nas interfaces entre
ocorre nos seus receptores sensoriais (Tabela 11.1). Essa divi‑
sistemas vizinhos. Embora as leis físico‑quí­micas sejam igual‑
são é feita da seguinte maneira:
mente aplicáveis a todos os sistemas, as condições dentro de
■■ Sistemas sensoriais mecanorreceptivos, cujos receptores cada um deles podem ser tão par­ticulares, que os fenômenos
têm mecanismos especiais para detecção de energia mecâ‑ de interface acabam envolvendo transformações energéticas

Tabela 11.1 Divisão biofísica do sistema sensorial humano de acordo com o tipo de transdução sensorial.
Sistema sensorial Classificação Receptores (localização)
Olfação Quimiorreceptivo Células olfativas (epitélio olfativo)
Visão Fotorreceptivo Cones e bastonetes (retina)
Equilíbrio Mecanorreceptivo Células ciliadas (máculas do sáculo e utrículo, cristas ampolares dos canais semicirculares)
Audição Mecanorreceptivo Células ciliadas internas e externas (órgão espiral de Corti da cóclea)
Gustação Quimiorreceptivo Células gustativas (bulbos olfativos)
Somestesia Mecanorreceptivo Células de Merkel, cor­púsculos de Meissner, Krause, Paccini e Ruffini, terminações associadas aos pelos
(lanceoladas, pilo‑Ruffini), terminações nervosas livres (pele)
Somestesia Quimiorreceptivo Terminações nervosas livres (pele)
Somestesia Termorreceptivo Terminações nervosas livres para frio ou calor (pele)
Somestesia Nocirreceptivo Terminações nervosas livres (pele)
Somestesia Mecanorreceptivo Corpúsculos de Golgi e Ruffini (ar­ticulações)
Somestesia Mecanorreceptivo Órgão tendinoso de Golgi (tendões)
Somestesia Mecanorreceptivo Terminações primárias e secundárias dos fusos m ­ uscula­res (­músculos esqueléticos)

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Capítulo 11 Bases da Fisiologia Sensorial

notáveis. É o caso, por exemplo, da enorme ate­nua­ção de am‑ sensorial na visão, olfação e gustação para os sabores amargo,
plitude sofrida por uma radiação sonora quando ela atraves‑ doce e umami dependam igualmente da mesma superfamília
sa interfaces ar/água, um fenômeno diretamente importante de proteí­nas integrais com sete domínios transmembranares
para entender‑se o papel da cadeia ossicular da orelha média. e grande homologia estrutural. Além disso, membros dessa
Nas células animais, a bicamada lipídica que constitui a superfamília proteica também estão envolvidos noutros pro‑
membrana plasmática é o local onde os meios intracelular e cessos de sinalização, como a transmissão sináptica, onde fun‑
extracelular interagem, sendo o seu estudo ilustrativo dos fe‑ cionam como receptores metabotrópicos de neurotransmisso‑
nômenos par­ticulares das interfaces entre sistemas. Por exem‑ res, ou de conversão de energia, como a bacteriorrodopsina,
plo, na distância correspondente à espessura da membrana bomba de prótons do archaean Halobacterium salinarum. O
plasmática ocorre uma queda de tensão elétrica de aproxima‑ mesmo pode ser dito de diversos tipos de mecanotransdução,
damente 75 mV/7,5 nm, ou seja, 10.000.000 V/m, um valor os quais parecem depender de proteí­nas integrais sensíveis à
tão grande quanto aqueles encontrados em aceleradores de deformação mecânica da membrana plasmática dos recepto‑
partículas! Não é de surpreender que certas proteí­nas integrais res, as quais pertencem a determinadas famílias proteicas.
da membrana, que funcionam como canais iônicos, sejam ex‑
tremamente sensíveis a variações desse campo elétrico, que as
levam a modificar sua permeabilidade a ío­ns. Fototransdução
Outros fenômenos observados na membrana plasmática,
como o bombeamento de ío­ns para fora do equilíbrio e o ar‑ A fototransdução ocorre em praticamente todas as formas
mazenamento de energia potencial eletroquí­mica para pronto de vida, incluindo animais, plantas, fungos, eucariotos uni‑
uso em processos de transferência de soluto ou de sinalização, celulares e procariotos. Nos seres mais simples, desprovidos
ou as propriedades mecânicas sofisticadas da matriz lipídica, de olhos, a fototransdução serve para o monitoramento da
ilustram a natureza par­ticular das interfaces entre sistemas. A intensidade da luz ambiente e para desencadear uma série
transformação de energia que ocorre nos receptores sensoriais, de respostas comportamentais e metabólicas. Nos animais
permitindo a transferência de informação do meio externo ou sofisticados, que apareceram a partir da chamada “explosão
interno para o sistema nervoso, é estreitamente ligada aos fe‑ do Cambriano”, as células fotorreceptivas juntam‑se a outras
nômenos hipercríticos que ocorrem na membrana plasmática células para formar olhos, estruturas capazes de extrair da luz
desses receptores. incidente uma grande variedade de informação sobre como a
A transferência de informação entre dois sistemas envolve intensidade luminosa varia no espaço e no tempo, o que tem
sempre algum tipo de transformação de energia. Muitas vezes, um imenso significado para a sobrevida dos organismos mó‑
existem dispositivos específicos para executar essa operação, veis. Os invertebrados possuem olhos ba­sea­dos em diversos
os quais são chamados transdutores. No estudo de instrumen‑ princípios ópticos, enquanto os vertebrados possuem olhos
tação elétrico‑eletrônica, dedica‑se uma atenção especial ao simples refrativos.
estudo dos diversos dispositivos ou equipamentos que conver‑ As células fotorreceptivas encontradas nos olhos apresen‑
tem grandezas físicas não elétricas, como temperatura, calor tam especializações da membrana plasmática – microvilos
ou pressão, em sinais elétricos. ou cílios modificados formando dobras da membrana – ade‑
No sistema nervoso, os receptores sensoriais funcionam quadas à demanda do sistema ­visual de grande sensibilidade
como transdutores, transformando a energia do estímulo em e rapidez de resposta à luz em ângulos de incidência estreitos.
uma variação gradativa do potencial da membrana plasmática De acordo com o tipo de especializações, as células fotorre‑
chamada potencial receptor. Também é usado o termo poten‑ ceptivas ­oculares dividem‑se em rabdoméricas ou ciliares,
cial gerador, quando esse potencial gradativo gera potenciais com suas opsinas e elementos da cascata de fototransdução
de ação em re­giões da membrana com alta densidade de canais próprios, embora semelhantes em linhas gerais e pertencentes
de sódio dependentes de voltagem da fibra nervosa associada às mesmas grandes famílias proteicas (Figura 11.1). As células
ao receptor. Noutras situações, entretanto, o potencial recep‑ fotorreceptivas dos vertebrados são todas ciliares e compre‑
tor modula a liberação de neurotransmissor, o qual então atu‑ endem duas classes morfológica e funcionalmente diversas,
ará em uma segunda célula nervosa, transferindo a informa‑ cones e bastonetes. O estímulo adequado para essas células
ção sinapticamente. compreende radiação eletromagnética com comprimento de
Há algumas décadas, o conhecimento sobre os mecanismos onda do violeta ao vermelho (380 a 780 nm), sendo que em
da transdução sensorial limitava‑se à morfologia e à fisiologia muitos vertebrados a sensibilidade se estende ao ultravioleta.
dos receptores ao nível celular. Mais recentemente, foi possível As opsinas são os elementos fotossensíveis dos cones e bas‑
avançar para o nível molecular. O ponto de partida foi a com‑ tonetes. Elas são proteí­nas integrais da membrana plasmática
preensão da membrana plasmática como uma matriz lipídica acopladas à proteí­na G, possuem sete segmentos transmem‑
fluida, tendo nela embebida uma diversidade de proteí­nas in‑ branares e um cromóforo, o 11‑cis retinal, si­tua­do no centro
tegrais, cada uma delas responsável por uma função específi‑ da molécula. Ele está covalentemente ligado à apoproteí­na por
ca de interação da célula com o meio extracelular. São essas uma ligação tipo base de Schiff a um aminoá­cido lisina si­tua­
proteí­nas integrais os componentes celulares da transdução do no meio do sétimo segmento transmembranar. Na retina
sensorial e o entendimento de como elas executam essa função humana, existem quatro tipos de opsinas, cada uma delas pre‑
é essencial para a compreensão de como a transdução real‑ sente em uma classe celular diferente: três opsinas de cones (S,
mente acontece em cada receptor. M e L) e uma opsina de bastonetes. Os genes que codificam
Curiosamente, apesar da diversidade dos receptores senso‑ as opsinas dos bastonetes e dos cones S ocorrem no genoma
riais (ver Tabela 11.1), à medida que se conhece mais sobre humano em autossomas como uma única cópia, sendo o pri‑
as proteí­nas integrais da membrana que são responsáveis pelo meiro no cromossoma 3 e o segundo no cromossoma 7. Por
processo, verifica‑se que as soluções adotadas pela natureza outro lado, os genes que codificam as opsinas M e L estão lo‑
dependem de um número pequeno de grandes famílias pro‑ calizados no cromossoma X, ocorrendo em um arranjo de até
teicas. Por exemplo, é notável que os processos de transdução seis cópias – geralmente uma do gene L e as demais do M. Em

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Parte 1 Fisiologia Geral

Rabdomérico Ciliar transmembranares e um segmento estendendo‑se no poro iô‑


nico, guardando certa semelhança com os canais de Na+ e K+
dependentes de voltagem do potencial de ação (Capítulo 6) e
Opsina-r Opsina-c os canais de Ca2+ que disparam a liberação de neurotransmis‑
sores por ocasião da transmissão sináptica (Capítulo 8), com
rk 2,3 rk 1 os quais podem constituir uma superfamília primordial. Por
Gi esse canal entram Na+, Ca2+ e Mg2+, enquanto sai K+, tendo
Gq
α β GMP
α β um potencial de equilíbrio próximo de 0 mV. Na ausência de
PIP2 γ γ estimulação luminosa, esse canal determina o valor do poten‑
PLC PDE cial de membrana de repouso juntamente com outros canais
IP3
GMPc de membrana, notadamente canais de K+. Nessa condição, o
potencial de membrana de repouso permanece em torno de
arr-α Em = Einterno – Eexterno = –30 mV. Quando ocorre a diminuição
arr-β
da permeabilidade do canal de cátions dependente de GMP
pela estimulação luminosa, o potencial de membrana passa a
ser dominado pelos canais de K+ e a célula se hiperpolariza até
cerca de Em = –60 mV. Essa hiperpolarização do potencial de
membrana devido à estimulação luminosa constitui o poten‑
cial receptor dos cones ou bastonetes. (vi) A hiperpolarização
A B da membrana leva à diminuição da liberação de glutamato
pelo processo axonal dos cones e bastonetes, o que sinaliza
Despolarização Hiperpolarização aos neurônios seguintes que houve um aumento de luz nessa
região da retina. Quando ocorre diminuição de luz em uma
Potencial de

Potencial de
membrana

membrana

0 0
região da retina, a se­quência de fenômenos acima se inverte,
Flash

Flash

ocorrendo aumento da liberação de glutamato.


O sinal proveniente dos cones e bastonetes é transmitido
ao longo dos circuitos retinianos e, em seguida, distribuí­do
Tempo Tempo
C D pelos axônios do nervo óptico (II par craniano) para diver‑
Figura 11.1 A. Fotorreceptor rabdomérico. B. Fotorreceptor ciliar. Os dois
sos centros mesencefálicos e diencefálicos e, daí, para o córtex
tipos são encontrados em vários grupos de Bilateria. As opsinas e proteí­nas da cerebral. As células bipolares, que são as células retinianas de
cascata de fototransdução são semelhantes nos dois tipos, mas têm suas pró‑ segunda ordem, podem ser excitadas ou inibidas pelo gluta‑
prias par­ticularidades. A opsina (r ou c) absorve luz por meio de um cromóforo mato, conforme tenham, respectivamente, receptores glutama‑
retinal e ativa uma proteí­na G (Gq ou Gi) composta de três subuni­dades (a, b, térgicos ionotrópicos (AMPA ou kainato) ou metabotrópicos
g). C. Nos fotorreceptores rabdoméricos, a proteí­na G ativa uma fosfolipase C (mGlu6) nos dendritos que recebem sinapse dos fotorrecepto‑
(PLC) que converte PIP2 (fosfatidilinositol bisfosfato) em IP3 (inositol trisfosfato), res. Consequentemente, ao longo da via v­ isual, um conjunto
o qual abre canais de Ca2+ de reservatórios intracelulares; o Ca2+ ativa canais de neurônios é excitado pelo aumento da luz, enquanto outros
de cátions TRP da membrana plasmática, levando à despolarização da mem‑ são excitados pela diminuição da luz em uma dada região da
brana. D. Nos fotorreceptores ciliares, a proteí­na G ativa uma fosfodiesterase
(PDE), a qual transforma GMPc (guanosina monofosfato cíclico) em GMP (gua‑
retina (neurônios on e off, respectivamente).
nosina monofosfato), o que promove o fechamento de um canal de cátions Dois outros aspectos da fototransdução merecem menção e
da membrana plasmática dependente de GMPc e leva à hiperpolarização da servem de exemplo para fenômenos semelhantes que ocorrem
membrana. Outros elementos da cascata de fototransdução, como a arrestina noutros tipos de transdução sensorial.
(arr‑b e arr‑a) e a opsina quinase (rk 2,3 e rk 1), os quais terminam o processo O primeiro deles é como o sistema v­ isual, através de peque‑
iniciado pela luz, também funcionam paralelamente nos dois tipos de fotor‑ nas mudanças na se­quência de aminoá­cidos de um único tipo
receptores. (Modificada de Nilson, 2004.) básico, obtém rodopsinas com diferentes faixas de absorção
espectral, permitindo duas funções importantes: (i) estender
a faixa de sensibilidade à luz através da soma das sensibilida‑
todas as opsinas de mamíferos, inclusive as humanas, o retinal des espectrais; (ii) rea­li­zar discriminação de cores, através da
é derivado da vitamina A1 e, assim, elas podem ser chamadas diferenciação das sensibilidades espectrais de dois ou mais
genericamente de rodopsinas (embora o termo muitas vezes pigmentos. A forma e a extensão das curvas de absorção es‑
seja reservado às opsinas presentes em bastonetes). Noutras pectral das rodopsinas são iguais em todas elas, uma vez que
opsinas de vertebrados o retinal é derivado da vitamina A2 e, são determinadas pelos estados de vibração do retinal e, dessa
nesse caso, elas são chamadas de porfiropsinas. forma, não estão sujeitas à modificação pelos aminoá­cidos da
A cascata de fototransdução é semelhante em todos os co‑ cadeia proteica. Por outro lado, a posição da curva de absorção
nes e bastonetes da retina do homem e dos demais vertebrados. no eixo de comprimentos de onda é determinada pela intera‑
(i) A absorção de um fóton pelo 11‑cis retinal leva à sua isome‑ ção do retinal com certos aminoá­cidos da cadeia proteica. Nos
rização para trans retinal e liberação de energia que ativa a ro‑ pigmentos visuais com pico de absorção > 440 nm, a base de
dopsina. (ii) A rodopsina ativa uma proteí­na G (transducina). Schiff é protonada, contendo uma carga positiva que é parcial‑
(iii) A proteí­na G ativa uma fosfodiesterase. (iv) A fosfodies‑ mente deslocalizada pelas estruturas ressonantes alternadas da
terase transforma guanosina monofosfato cíclico (GMPc) em molécula do retinal. Um aumento na deslocalização provoca
guanosina monofosfato (GMP). (v) A concentração intracito‑ um desvio para o vermelho e uma diminuição leva a um desvio
plasmática de GMPc regula a permeabilidade de um canal de para o azul da curva de sensibilidade espectral da rodopsina,
cátions da membrana plasmática dos cones e bastonetes. Esse o que é obtido pela modificação do microambiente eletrônico
canal pertence à família de canais dependentes de nucleo­tí­dios do 11‑cis retinal através de trocas de aminoá­cidos próximos.
cíclicos. Ele é formado por subuni­dades com seis segmentos Por exemplo, três posições na se­quência de aminoá­cidos têm

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Capítulo 11 Bases da Fisiologia Sensorial

efeitos significativos na sintonia espectral para aquelas rodop‑ na, o qual inibe a rodopsina quinase, responsável pelo início
sinas com pico de absorção > 500 nm: o aminoá­cido 180, si­ do processo de inativação da rodopsina, assim prolongando
tua­do no quarto segmento transmembranar, e os aminoá­cidos a atividade da rodopsina ativada pela luz. No escuro, com os
277 e 285, si­tua­dos no sexto segmento transmembranar, ex‑ canais de cátions abertos competindo com o transportador de
plicando a maior parte da diferença entre as rodopsinas dos Ca2+, a [Ca2+]int permanece relativamente alta, aumentando a
cones M e L da retina humana, cujos picos de absorção estão sensibilidade do receptor à luz. No claro, com os canais de cá‑
si­tua­dos em 530 nm e 558 nm, respectivamente. tions fechados pela ação da rodopsina ativada, o transportador
A modificação de um receptor para torná‑lo sensível a dife‑ de Ca2+ promove a diminuição de [Ca2+]int, o que diminui a
rentes tipos de estímulo dentro de um mesmo contínuo, como sensibilidade do fotorreceptor à luz.
comprimento de onda na visão, é um mecanismo geral dos A sensibilidade dos receptores aos estímulos é regulada de
sistemas sensoriais. Adiante será mostrada sua importância diversas maneiras em cada sistema sensorial, mas o Ca2+ exer‑
para a olfação e a gustação. ce uma ação fundamental em pelo menos três deles: v­ isual,
O segundo aspecto digno de nota é como o fotorreceptor como descrito antes, olfativo e auditivo.
controla sua própria sensibilidade ao estímulo luminoso, um
processo conhecido como adaptação ao escuro ou ao claro
(Figura 11.2). A concentração de Ca2+ no citoplasma do fotor‑ Quimiotransdução
receptor ([Ca2+]int) depende do canal de cátions dependente
de GMPc, o qual permite a entrada de Ca2+ a favor do seu gra‑ A sensibilidade a substâncias quí­micas é uma propriedade ge‑
diente eletroquí­mico, e do transportador secundário de Ca2+, ral de todos os seres unicelulares, procariotos e eucariotos, e de
o qual transporta Ca2+ para fora, contra seu gradiente de con‑ todas as células dos organismos multicelulares. A vida é um fe‑
centração, utilizando o gradiente eletroquí­mico de Na+ como nômeno quí­mico, tudo o que a caracteriza se passa ao nível de
fonte de energia. O Ca2+ regula a sensibilidade do fotorrecep‑ reações quí­micas entre moléculas (em contraposição a fenô‑
tor à luz por retroalimentação negativa em três pontos da cas‑ menos físicos atômicos, nu­cleares ou entre partículas). Assim,
cata de fototransdução. (i) Formação de um complexo Ca2+/ é natural que a forma primordial de relação entre células e das
calmodulina, o qual diminui a afinidade do canal de cátions células com o meio ambiente ou o meio interno dos organis‑
pelo GMPc, contribuindo para a diminuição da permeabili‑ mos multicelulares seja a troca de sinais quí­micos. A sinaliza‑
dade desse canal. (ii) Inibição da proteí­na ativadora da gua‑ ção quí­mica é fundamental para a formação dos tecidos du‑
nilato ciclase (GCAP), através da formação de um complexo rante a embriogênese, o funcionamento do sistema endócrino,
Ca2+/GCAP, o que diminui a atividade da guanilato ciclase, a a resposta imune e a comunicação entre neurônios, para citar
enzima de síntese de GMPc, contribuindo para a diminuição alguns exemplos. Assim, o desenvolvimento de sistemas sen‑
da [GMPc]int. (iii) Formação de um complexo Ca2+/recoveri‑ soriais ba­sea­dos na quimiotransdução é uma aquisição natural

Segmento externo do bastonete

Dentro Fora

Abre
GMP GMPc
Ca2+
Fosfodiesterase Mg2+
+ Guanilato Na+
ciclase

Proteína G GTP Mg2+
(transducina)
+ Ca2+
?
GTP K+ K+

– Ca2+
Rh* Rh*~ P
ATP
Arrestina 4 Na+
h
Rh*~ P Arr
Para a bomba
Rh de Na+ no
segmento interno

Figura 11.2 Esquema da fototransdução em bastonetes, enfatizando o papel do Ca2+ na adaptação do fotorreceptor à luz. As concentrações iônicas no cito‑
plasma do fotorreceptor dependem de vários elementos, incluindo: (i) canal de cátions dependente de guanosina monofosfato cíclico (GMPc), o qual permite a
entrada de Na+, Ca2+ e Mg2+, assim como a saí­da de K+; (ii) canais de fuga de K+ (não ilustrado); (iii) transportador secundário de Ca2+, o qual transporta Ca2+ para
fora, contra seu gradiente de concentração, utilizando o gradiente eletroquí­mico de Na+ – no processo o citoplasma ganha Na+ e perde K+; (iv) transportador
ativo (bomba) de Na+/K+, o qual transporta Na+ para fora e K+ para dentro utilizando a energia proveniente da quebra de ATP. O Ca2+ regula a sensibilidade do
fotorreceptor à luz por retroalimentação negativa em três pontos da cascata de fototransdução: diminuindo a afinidade do canal de cátions ao GMPc através
de um complexo Ca2+/calmodulina; inibindo a guanilato ciclase, a enzima de síntese de GMPc; inibindo a rodopsina quinase, a qual inicia o processo de inati‑
vação da rodopsina. No escuro, com os canais de cátions abertos, o aumento da concentração interna de Ca2+ no segmento externo do fotorreceptor ([Ca2+]
2+
int) aumenta a sensibilidade à luz. No claro, com os canais de cátions fechados pela ação da rodopsina ativada, a diminuição da [Ca ]int diminui a sensibilidade
à luz. ATP: adenosina trifosfato; GTP: guanosina trifosfato; hn: fóton representado pela constante de Planck vezes a velocidade da luz no vácuo; Rh: rodopsina;
Rh*: rodopsina ativada; Rh*~P·Arr: complexo rodopsina‑fosfato. (Modificada de Yau, 1994.)

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Parte 1 Fisiologia Geral

do sistema nervoso e, possivelmente, a mais fundamental de plasmática do cílio. (v) O aumento da [Ca2+]int leva à abertu‑
todas. No homem e em muitos animais, a quimiotransdução ra de canais de Cl– dependentes de Ca2+, gerando um efluxo
ocorre nos sistemas sensoriais olfativo, gustativo e somestési‑ de Cl– devido ao sentido do gradiente eletroquí­mico para esse
co, neste último em diversas formas e localizações. ío­n no neurônio olfativo, o qual amplifica a despolarização
da membrana. (vi) A despolarização espalha‑se pelo dendri‑
to e corpo celular, originando potenciais de ação ao nível do
Quimiotransdução olfativa cone de implantação axonal, os quais se propagam ao longo do
axônio até o bulbo olfativo. Após processamento nesse centro
Na maioria das espécies, os estímulos odoríferos desempe‑
neural, a informação sobre os estímulos olfativos é enviada a
nham papéi­s importantes em diversas funções fundamentais,
diversos centros cerebrais através do nervo olfativo (I par cra‑
como alimentação, acasalamento, reprodução e organização
niano).
social. Na espécie humana, essas funções são menos afetadas
Outros fatores podem estar envolvidos na quimiotransdu‑
pela olfação, mas ela ainda desempenha um papel relevante na
ção olfativa. Por exemplo, existe uma segunda via dependente
interação do in­di­ví­duo com o meio ambiente.
de PLC (fosfolipase C), IP3 (inositol trisfosfato) e um canal de
As células receptivas são os neurônios quimiorreceptivos
cátions da membrana plasmática, possivelmente da superfa‑
olfativos, localizados no epitélio pseudoestratificado da cavi‑
mília TRP, a qual foi demonstrada noutros animais e que pode
dade nasal. Outras células presentes no epitélio produzem o
também ser importante em mamíferos (ver Figura 11.3).
muco que o recobre. Os neurônios quimiorreceptivos olfati‑
A adaptação dos neurônios quimiorreceptivos olfativos aos
vos são bipolares. Eles têm um dendrito dirigido para a su‑
estímulos odoríferos, tal como a adaptação das células fotor‑
perfície epitelial, com um botão terminal do qual saem 6 a
receptivas à luz, ocorre através de diversos processos depen‑
12 cílios para formar uma rede de prolongamentos celulares
dentes de Ca2+. Quando estimulado pelo odorante, o cílio do
dentro da camada de muco que recobre o epitélio, e um axô‑
neurônio olfativo sofre um grande influxo de Ca2+ através dos
nio que integra feixes axonais na submucosa dirigidos para o
canais de cátions dependentes de AMPc, aumentando a [Ca2+]
tubérculo olfativo. O estímulo adequado para os neurônios
int e disparando uma série de processos que promovem a adap‑
quimiorreceptivos olfativos em animais terrestres são molé‑
tação neuronal em várias fases. (i) O Ca2+ forma um complexo
culas pequenas (< 200 Da), voláteis e geralmente lipossolúveis,
Ca2+/calmodulina, que inibe o canal de cátions, produzindo
de tal forma que podem sinalizar através da dispersão aé­rea a
uma adaptação imediata. (ii) O complexo Ca2+/calmodulina
presença dos objetos que as originaram a grandes distâncias.
ativa uma proteína quinase II, a qual inibe a adenilato ciclase,
Compreendem, entre outros, ácidos, alcoóis e ésteres encon‑
enzima de síntese do AMPc, e produz uma adaptação a curto
trados em vários animais e plantas.
prazo. (iii) O Ca2+ ativa uma via de GMPc, que inibe o canal
Os elementos quimiossensíveis dos neurônios olfativos
de cátions dependente de nucleo­tí­dio cíclico e produz uma
pertencem à superfamília de proteí­ nas integrais com sete
adaptação a longo prazo. (iv) O trocador Ca2+/Na+ restaura a
segmentos transmembranares e acoplamento G, da qual fa‑
concentração intracelular de Ca2+ e as condições iniciais do
zem parte as opsinas das células fotorreceptivas, as moléculas
neurônio olfativo.
quimiossensíveis das células gustativas e os receptores meta‑
botrópicos de neurotransmissores. Tal como acontece com o
retinaldeí­do e os neurotransmissores, as substâncias odorífe‑
ras agem dentro de um poro de ligação formado pelos seg‑
Quimiotransdução gustativa
mentos transmembranares, o qual está si­tua­do no interior O sistema sensorial gustativo desempenha um papel funda‑
da molécula. Os genes que codificam os receptores olfativos mental na alimentação. Graças à informação transmitida das
constituem a maior família presente no genoma, compreen‑ células gustativas para o cérebro, são atribuí­dos sabores às
dendo cerca de 900 genes no homem, dos quais 350 são genes diferentes substâncias quí­micas presentes nos alimentos. Isto
funcionais. No rato e camundongo essa família é ainda maior, ajuda a selecionar aquelas potencialmente benéficas para o in­
compreendendo aproximadamente 1.000 genes, todos funcio‑ di­ví­duo, como é o caso dos açúcares, altamente calóricos, ou
nais, enquanto na piramutaba apenas algumas dezenas de um que possam ser perigosas, como muitos compostos amargos.
total de 100 são expressas. Os seres humanos e outros mamíferos podem detectar e dis‑
A quimiotransdução olfativa inicia‑se por fenômenos mo‑ criminar entre pelo menos cinco classes de sabores, aos quais
leculares na membrana dos cílios dos neurônios quimiorre‑ estão associadas substâncias pertencentes a grupos quí­micos
ceptivos olfativos (Figura 11.3). (i) Inicialmente, a molécula distintos: doce (açúcares), amargo (alcaloides e outras subs‑
odorífera difunde‑se no muco que recobre o epitélio olfativo, tâncias), umami ou delicioso (aminoá­cidos), salgado (sais) e
um processo que pode ser facilitado por uma proteí­na car‑ azedo (ácidos).
readora, e ativa a molécula receptora olfativa, presente na A quimiotransdução gustativa processa‑se em estruturas
membrana plasmática dos cílios dos neurônios olfativos. (ii) especializadas chamadas cor­púsculos gustativos, os quais estão
O receptor ativa uma proteí­na G. (iii) A proteí­na G ativa uma presentes nas papilas linguais ou na mucosa do palato, faringe,
adenilato ciclase, a qual sintetiza AMPc (adenosina monofos‑ epiglote e esôfago proximal. Eles são formados por cerca de
fato cíclico). (iv) Tal como acontece na fototransdução, o se‑ 50 a 100 células quimiorreceptivas gustativas e células‑tronco
gundo mensageiro interage com canais de cátions localizados basais. As células gustativas compreendem três classes morfo‑
na membrana plasmática dependentes de nucleo­tí­dio cíclico, lógicas: escuras, in­ter­me­diá­rias e claras. A porção apical das
os quais pertencem à mesma família daqueles presentes em células gustativas contém microvilos que se projetam através
cones e bastonetes. O AMPc ativa os canais de cátions, os quais do poro gustativo no meio ambiente oral. Na membrana plas‑
permitem a entrada de Ca2+ e Na+, assim como a saí­da de K+. mática dos microvilos encontram‑se as moléculas quimios‑
Em virtude dos gradientes eletroquí­micos envolvidos, o prin‑ sensíveis responsáveis pela transdução gustativa.
cipal constituinte da corrente iônica que atravessa o canal é o A descoberta das moléculas quimiossensíveis aos estímulos
Ca2+, o qual produz uma despolarização inicial da membrana gustativos é um dos avanços científicos obtidos com o sequen‑

6
Capítulo 11 Bases da Fisiologia Sensorial

Odorante

Ar

Muco
OBP
Ca2+ Ca2+
Cl– OBP
Na+ K+

P
R G AC L G R
C
cA IP3
DAG
ORK
PKA PKC
O-P450 UGT
NOS
HO
CaM

NO CO

K+

Figura 11.3 Principais passos da quimiotransdução olfativa, a qual se inicia por fenômenos moleculares que ocorrem na membrana dos cílios dos neurônios
quimiorreceptivos olfativos (os traços contínuos representam fenômenos bem documentados em mamíferos, enquanto os tracejados foram mostrados em
outros vertebrados ou em invertebrados). (i) A molécula odorífera difunde‑se no muco que recobre o epitélio olfativo, isolada ou ligada a uma proteí­na carrea‑
dora (OBP), e ativa o receptor olfativo (R), o qual pertence à superfamília de proteí­nas integrais com sete segmentos transmembranares e acoplamento G. (ii) O
receptor ativa uma proteí­na G. (iii) A proteí­na G ativa uma adenilato ciclase, a qual sintetiza AMPc (adenosina monofosfato cíclico). (iv) O AMPc ativa um canal
de cátions dependente de nucleo­tí­dio cíclico, originando uma corrente iônica cujo principal componente é o Ca2+ e produzindo uma despolarização inicial
da membrana plasmática do cílio. (v) O aumento da [Ca2+]int leva à abertura de canais de Cl– dependentes de Ca2+, gerando um efluxo de Cl– devido ao sentido
do gradiente eletroquí­mico para esse ío­n no neurônio olfativo, o qual amplifica a despolarização da membrana. (vi) A despolarização espalha‑se pelo dendrito
e corpo celular, originando potenciais de ação ao nível do cone de implantação axonal que se propagam ao longo do axônio até o bulbo olfativo. Existe uma
segunda via dependente de PLC (fosfolipase C), IP3 (inositol trisfosfato) e um canal de cátions da membrana plasmática, possivelmente da superfamília TRP,
que pode também ser importante em mamíferos. Um canal de K+ pode também ser ativado, levando à hiperpolarização da membrana por certos odorantes.
Outros processos indicados na figura: vias da NOS (óxido nítrico sintase) e HO (heme oxigenase), que ­atuam através dos segundos mensageiros gasosos NO
e CO; vias de dessensibilização envolvendo ORK (quinase do receptor olfativo), PKA e PKC (fosfoquinases A e C), DAG (diacilglicerol), CaM (complexo Ca2+/cal‑
modulina); vias de depuração dos odorantes, envolvendo O‑P450 (citocromo P450) e UGT (uridil glicurônico transferase). (Modificada de MacLeish et al., 2003.)

ciamento do genoma humano e a sua disponibilização para branares e, possivelmente, também nas alças extracelulares
o domínio público. Foi possível concentrar os estudos em re­ intervenientes.
giões do genoma do homem, localizadas nos cromossomas 5 A família de proteí­nas T1R constitui os receptores para o
e 7, e do camundongo, no cromossoma 6, onde já se sabia que doce e umami. Ela consiste em três membros: T1R1, T1R2 e
existiam genes implicados em deficiên­cias específicas para os T1R3. Esses receptores são semelhantes aos T2R, pertencendo
diversos sabores. Esses estudos levaram à identificação de duas à superfamília de receptores acoplados à proteí­na G, apresen‑
famílias de receptores, uma envolvida na detecção das subs‑ tando certa semelhança em par­ticular com os receptores me‑
tâncias doces e umami, e outra das substâncias amargas. A tabotrópicos de glutamato (mGluR) e o receptor metabotrópi‑
família T2R codifica os receptores para o gosto amargo, com‑ co de ácido g‑aminobutírico (GABA‑B). Esse grupo proteico
preendendo até o momento 26 genes humanos e pelo menos é caracterizado pela presença de uma região aminoterminal
33 genes murinos potencialmente funcionais. Os receptores extracelular longa, em contraste com os T2R e as opsinas, nos
T2R são membros da superfamília de receptores acoplados à quais essa região é curta, a qual pode estar envolvida na in‑
proteí­na G, com sete domínios transmembranares, guardando teração com os ligantes específicos de cada molécula. Os re‑
certa semelhança com as opsinas (as moléculas fotorrecepti‑ ceptores T1R funcionam como heterômeros, com diferentes
vas). Eles são relativamente divergentes, de tal forma que suas combinações de T1R reconhecendo os sabores doce e umami.
se­quências de aminoá­cidos podem ser semelhantes entre si de As subuni­dades T1R1 e T1R3 juntam‑se para funcionar como
25% a 90%, uma variabilidade correspondente à capacidade receptores de aminoá­cidos, enquanto as subuni­dades T1R2 e
para interagir com substâncias quimicamente diversas asso‑ T1R3 juntas funcionam como receptores para o sabor doce.
ciadas ao gosto amargo. Por analogia com outras proteí­nas Os receptores do doce, umami e amargo ocorrem em cé‑
com acoplamento G semelhantes, acredita‑se que os aminoá­ lulas quimiorreceptivas gustativas diferentes (Figura 11.4).
cidos importantes para as especificidades de ligação das subs‑ Entretanto, essas células têm sintonia grosseira dentro de cada
tâncias amargas estão localizados nos segmentos transmem‑ classe. No caso do umami e doce, os seus receptores respec‑

7
Parte 1 Fisiologia Geral

Língua Papilas circunvaladas Corpúsculos gustativos Receptores

T1R3 T1R2
Receptor de “doce”

Foliadas

Fungiformes T1R3 T1R1


Receptor de L-aminoácido

Figura 11.4 Distribuição das células quimiorreceptivas gustativas nos cor­púsculos gustativos das papilas linguais. Os cor­púsculos gustativos são encontra‑
dos nas papilas fungiformes, foliadas e circunvaladas, distribuí­das em diferentes localizações na língua. O T1R1 é mais abundante nos cor­púsculos gustativos
das papilas fungiformes e foliadas, enquanto o T1R2 é mais abundante nos cor­púsculos gustativos das papilas foliadas e circunvaladas. O T1R3 é geralmente
colocalizado com o T1R1 ou o T1R2. Os receptores T1R2 e T1R3 formam um heterômero funcional ativado por açúcares (gosto doce), enquanto o heterômero
T1R1/T1R3 funciona como um receptor de L‑aminoá­cidos (gosto umami). (Modificada de Montmayeur e Matsunami, 2044.)

tivos, T1R1/T1R3 e T1R2/T1R3, são sintonizados grosseira‑ à superfamília MDEG/ENaC, incluindo ENaC (canal de só‑
mente, isto é, respondem a uma grande variedade de compos‑ dio epitelial), ASIC (canal iônico sensível a ácidos), DRASIC
tos de cada classe. Por outro lado, no caso dos receptores para (canal iônico sensível a ácidos da raiz dorsal) e MDEG (canal
o amargo, os diversos T2R são finamente sintonizados, sendo degenerina de mamíferos), os quais possuem apenas dois seg‑
específicos para determinadas substâncias, porém cada célu‑ mentos transmembranares. Os sais de Na+ despolarizam as cé‑
la apresenta vários receptores desse tipo e sua sintonia acaba lulas quimiorreceptivas gustativas diretamente, difundindo‑se
também sendo grosseira. a favor do seu gradiente eletroquí­mico para dentro das células
O mecanismo da quimiotransdução gustativa para os gos‑ através de canais ENaC sensíveis à amilorida. Os ácidos, sob a
tos doce, umami e amargo usa elementos encontrados em di‑ forma de H+, também permeiam os canais ENaC, ativam ou‑
versas vias sensoriais e de sinalização celular, incluindo uma tros canais de cátions como MDEG, ASIC e outros (X+), ou
molécula receptora da superfamília de sete segmentos trans‑ inibem canais de K+ da membrana plasmática apical.
membranares e acoplamento G, ligada à cascata de transdução As células quimiorreceptivas gustativas, uma vez estimu‑
da fosfolipase C e um canal de cátions da membrana plasmá‑ ladas por um dos mecanismos descritos nos parágrafos ante‑
tica da superfamília TRP (Figura 11.5). Os principais passos riores, desenvolvem inicialmente um potencial gerador, o qual
são os seguintes: (i) A substância quí­mica com propriedades se espalha para re­giões da membrana ricas em canais de Na+
gustativas, dissolvida na saliva, ­atua no receptor de membra‑ dependentes de voltagem, dando origem a potenciais de ação.
na. (ii) O receptor ativa uma proteí­na G (gustducina). (iii) A Esses, atingindo a porção basolateral da membrana plasmáti‑
gustducina ativa a enzima efetora, uma PLC (fosfolipase C). ca, abrem canais de Ca2+ dependentes de voltagem, o que dis‑
(iv) A PLC quebra PIP2 (fosfatidilinositol bisfosfato) em DAG para os mecanismos de liberação sináptica de ATP. O ATP age
(diacilglicerol) e IP3 (inositol trisfosfato). (v) O IP3 ativa canais em receptores da membrana pós‑sináptica das fibras nervosas
de Ca2+ do retículo endoplasmático liso, levando ao aumen‑ aferentes dos nervos gustativos, os quais são três pares crania‑
to da [Ca2+]int. O Ca2+ possivelmente ativa direta ou indireta‑ nos, facial (VII), glossofaríngeo (IX) e vago (X). Os potenciais
mente canais TRPM5, específicos para cátions monovalentes, de ação que trafegam nesses nervos atingem os centros gusta‑
levando à despolarização celular através de uma corrente de tivos do sistema nervoso central, inicialmente o núcleo do tra‑
Na+. Os canais TRP compreendem diversas famílias protei‑ to solitário do bulbo raquidiano e, através de várias sinapses, o
cas presentes no homem, outros vertebrados e invertebrados, tálamo e o córtex cerebral.
sendo compostos por quatro subuni­dades com seis segmen‑
tos transmembranares cada uma, e estando envolvidos, entre
outras funções, na fototransdução de invertebrados, quimio‑
transdução olfativa, assim como quimiotransdução, mecano‑
Mecanotransdução
transdução e termotransdução de estímulos nocivos. A detecção de variações de energia mecânica compreende ou‑
As moléculas quimiossensíveis que reconhecem as substân‑ tra forma muito utilizada pelos seres vivos de obter informa‑
cias salgadas (sais) ou azedas (ácidos) são inteiramente dife‑ ção do meio ambiente ou do meio interno. No homem, as cé‑
rentes dos receptores das substâncias amargas, umami e doces, lulas mecanorreceptivas estão distribuí­das em quase todos os
sendo elas mesmas canais iônicos (Figura 11.6). Elas são ca‑ tecidos e são responsáveis por transmitir informação auditiva,
nais de membrana dos mais simples conhecidos, pertencentes vestibular (aceleração angular e linear da cabeça, e aceleração

8
Capítulo 11 Bases da Fisiologia Sensorial

ACh PIP2 DAG Ca2+

TK

TRP

γ G PKC N
+ C
β PLC
GPCR α
Na+
Membrana PIP2
celular PIP
GDP
GTP
IP3
IP2 Ca2+
Ca2+
+ Fosfatidilinositol
+
Bomba SERCA

IP3R

Retículo endoplasmático

Figura 11.5 O mecanismo da quimiotransdução gustativa para os gostos doce, umami e amargo usa elementos encontrados em diversas vias sensoriais e
de sinalização celular, tendo em comum uma molécula receptora da superfamília de sete segmentos transmembranares (na figura simbolizada pelo receptor
muscarínico de acetilcolina), uma proteí­na G, uma enzima efetora PLC (fosfolipase C) e canais de cátions da superfamília TRP. Uma vez ativado pela sua molécula
específica, o receptor ativa uma proteí­na G, que ativa a PLC, a qual quebra PIP2 (fosfatidilinositol bisfosfato) em DAG (diacilglicerol) e IP3 (inositol trisfosfato). O IP3
ativa canais de Ca2+ do retículo endoplasmático liso, levando ao aumento da [Ca2+]int. O Ca2+ possivelmente ativa direta ou indiretamente canais TRPM5 (sele‑
tivos para cátions monovalentes), levando à despolarização celular através de uma corrente de Na+. ACh: acetilcolina; G: proteí­na G; GDP: guanosina bisfosfato;
GPCR: receptor acoplado à proteí­na G; GTP: guanosina trisfosfato; IP3R: receptor de inositol trisfosfato; PKC: proteína quinase C; PIP: fosfatidilinositol monofosfato;
SERCA: bomba do retículo endoplasmático liso; TK: tirosina quinase; TRP: receptor da superfamília transient receptor potential. (Modificada de Clapham, 2003.)

NH2 COOH
MDEG/ENaC
Figura 11.6 A. As moléculas quimiossensíveis que
A reconhecem as substâncias salgadas (sais) ou azedas
(ácidos) compreendem os tipos mais simples de ca‑
nais de membrana conhecidos, pertencentes à super‑
família MDEG/ENaC, incluindo ENaC (canal de sódio
Sais de sódio Ácidos epitelial), ASIC (canal iônico sensível a ácidos), DRASIC
(canal iônico sensível a ácidos da raiz dorsal) e MDEG
Na+ H+ X+ H+ (canal degenerina de mamíferos), os quais possuem
Amilorida apenas dois segmentos transmembranares. B. Os sais
H+
de Na+ despolarizam as células quimiorreceptivas gus‑
tativas diretamente, difundindo‑se a favor do seu gra‑
diente eletroquí­mico para dentro das células através
de canais ENaC sensíveis à amilorida. C. Os ácidos, sob
a forma de H+, também permeiam os canais ENaC,
ativam outros canais de cátions como MDEG, ASIC e
Na+ H+ + K+ outros (X+), e inibem canais de K+ da membrana plas‑
B C + + mática apical. (Modificada de Gilbertson et al., 2000.)

9
Parte 1 Fisiologia Geral

da gravidade) e uma grande variedade de sinais provenientes As células mecanorreceptivas da audição são as células ci‑
da pele, das ar­ticulações, dos m
­ úsculos e tendões, dos vasos liadas do órgão espiral de Corti, um epitélio especializado si­
sanguí­neos e das vísceras. Em cada uma dessas estruturas tua­do sobre a membrana basilar, no interior da cóclea. No ho‑
pode existir mais de um tipo de célula sensorial, cada qual res‑ mem existem cerca de 3.500 células ciliadas internas dispostas
ponsável pela extração de um aspecto do estímulo mecânico. em uma única fileira e cerca de 14.000 células ciliadas externas
Por exemplo, na pele glabra existem duas classes de mecanor‑ dispostas em geral em três fileiras que seguem as voltas da có‑
receptores especializados si­tua­dos superficialmente (células clea. Do topo das células ciliadas projetam‑se, em direção à
de Merckel, corpúsculos de Meissner), duas outras classes de endolinfa, algumas dezenas de estereocílios, dispondo‑se de
mecanorreceptores especializados si­ tua­
dos profundamen‑ forma notavelmente regular, em forma de V, nas células cilia‑
te (cor­púsculos de Ruffini, cor­púsculos de Paccini), além de das externas, e em forma de U, nas células ciliadas internas. As
terminações nervosas livres mecanorreceptivas. Cada classe células ciliadas cocleares são inervadas por fibras aferentes do
desses receptores responde às deformações mecânicas cutâ­ nervo coclear, uma das duas raí­zes do VIII par craniano, cujos
neas de uma forma diferente e, associado à sua fibra nervosa, corpos celulares estão si­tua­dos no gânglio coclear de Corti. As
transmite sua versão par­ticular do meio ambiente mecânico células ciliadas internas são inervadas por cerca de 30.000 fi‑
para o sistema nervoso central. bras cocleares tipo I, as quais são fibras mielinizadas relati‑
vamente grossas, cada uma fazendo sinapse com uma única
célula ciliada. Por seu turno, as células ciliadas externas são
Mecanotransdução auditiva inervadas por cerca de 1.500 fibras tipo II, as quais são fibras
amielínicas finas, que fazem sinapse com 5 a 100 células desse
O sistema sensorial auditivo desempenha um papel funda‑ tipo.
mental, junto com a fonação, na comunicação entre in­di­ví­ Os detalhes da mecanotransdução auditiva e, por extensão,
duos da mesma espécie. Além disso, ele também serve para das demais formas de mecanotransdução sensorial, têm sido
a localização de outras fontes sonoras no ambiente, notada‑ mais difíceis de revelar do que os da fototransdução e quimio‑
mente aquelas de importância imediata para a sobrevivên‑ transdução. As características ultraestruturais e moleculares
cia do in­di­ví­duo, sinalizando a presença de predadores ou subjacentes à mecanotransdução das células ciliadas cocleares
de presas nas proximidades. Em alguns mamíferos, como o são essenciais para a compreensão, ainda que parcial, desse fe‑
morcego, mas não no homem, o complexo fonação/audição nômeno, o qual é claramente mais complexo que as outras for‑
pode rivalizar ou mesmo substituir a visão como o principal mas de transdução (Figura 11.7). A organela sensorial meca‑
sentido utilizado na localização dos objetos presentes no meio noelétrica é o feixe apical de estereocílios das células ciliadas.
ambiente circunvizinho. Observe que, na visão, o in­di­ví­duo Esses estereocílios têm citoplasma cheio de actina e são ligados
apenas precisa gastar energia na recepção do sinal ao nível dos uns aos outros por pontes proteicas extracelulares, as quais co‑
fotorreceptores, uma vez que o iluminante geralmente está nectam o ápex de um estereocílio mais curto ao aspecto lateral
disponível no meio ambiente (o Sol ou a Lua, por exemplo). do estereocílio maior vizinho. Quando uma onda sonora passa
Por outro lado, no complexo fonação/audição o animal precisa pela orelha externa, é amplificada na orelha média e é transmi‑
carregar consigo tanto a fonte como o receptor da energia a ser tida para os líquidos cocleares, ela induz o movimento cíclico
usada na localização de objetos, implicando um gasto energé‑ da membrana basilar. O aumento e a diminuição da pressão
tico adicional. acústica, correspondentes à compressão e à rarefação do ar na
Tal como acontece na visão e, em menor escala, na olfa‑ orelha externa, produzem a deflexão para baixo e para cima
ção e gustação, a variação energética que constitui o estímu‑ da membrana basilar, respectivamente. Quando a membrana
lo sonoro é entregue às células mecanorreceptivas auditivas basilar curva‑se para cima, os estereocílios são defletidos na
por um aparelho complexo, formado por várias estruturas, direção dos estereocílios maiores, o que despolariza as células
que filtram, amplificam e ajustam a estimulação das células ciliadas. O movimento oposto hiperpolariza essas células (ver
sensoriais. Essas estruturas estão distribuí­das na orelha ex‑ Figura 11.7).
terna, média e interna (Capítulo 14). Existem pelo menos As moléculas mecanossensíveis são canais iônicos si­tua­dos
três fenômenos pré‑receptorais de grande importância para na membrana plasmática dos estereocílios, em uma ou ambas
a mecanotransdução auditiva que precisam ser aqui mencio‑ as extremidades das pontes proteicas que ligam os estereocí‑
nados. Em primeiro lugar, o comprimento do conduto au‑ lios. Acredita‑se que as pontes proteicas diretamente transfe‑
ditivo externo e as propriedades mecânicas da orelha média rem a força gerada pelo deslocamento dos estereocílios para
determinam a faixa de fre­quências temporais transmitidas o portão desses canais transdutores mecanoelétricos (canais
até as células mecanorreceptivas, si­tua­das na orelha interna. MET). Não há ainda certeza sobre a identidade proteica dos
No homem, essa faixa estende‑se de 20 a 20.000 Hz, porém canais MET. O candidato mais promissor é um membro da su‑
tem o seu pico de transmissão entre 500 e 5.000 Hz, a qual perfamília TRP identificado como mecanorreceptor em inver‑
também é onde se situam os formantes da fala. Em segundo tebrados, o TRPP2. Os canais TRPP2, como a maior parte dos
lugar, a amplificação do sinal acústico, que ocorre na orelha canais dessa superfamília, deixam passar cátions monovalen‑
média do homem e de outros mamíferos, compensa a enor‑ tes e divalentes, e são sensíveis aos lantanídeos e à amilorida.
me ate­nua­ção devida às diferenças de impedância mecânica Quando os estereocílios mecanossensíveis são defletidos
entre o ar, onde o estímulo se origina, e os líquidos cocleares, pelo movimento para cima da membrana basilar, o aumen‑
onde estão si­tua­das as células mecanorreceptivas. E, final‑ to de tensão nas pontes proteicas abre os portões dos canais
mente, as propriedades mecânicas da membrana basilar fa‑ MET, permitindo a entrada de K+, Na+ e Ca2+, para os quais
zem com que a onda de pressão acústica propague‑se da base existem gradientes eletroquí­ micos no sentido da endolin‑
para o ápice da cóclea e, de acordo com sua fre­quência tem‑ fa para o citoplasma das células ciliadas (ver Figura 11.7). O
poral, dissipe‑se primordialmente em uma região ressonante influxo de K+ é o principal agente despolarizante das células
específica dessa membrana, um dos principais mecanismos ciliadas devido ao maior número de cargas mobilizadas por
responsável pela tonotopia coclear. essa corrente iônica. Por outro lado, a deflexão dos estereocí‑

10
Capítulo 11 Bases da Fisiologia Sensorial

K+
B

–70 mV –60 mV

Ca2+

C D

Figura 11.7 Características ultraestruturais subjacentes à mecanotransdução das células ciliadas cocleares. A. Micrografia eletrônica de varredura de uma secção
transversal do órgão de Corti mostrando o arranjo ordenado de células ciliadas externas suportadas na base e no ápex pelas células de Deiters. B. As células
ciliadas sensoriais são facilmente identificadas pela presença de um feixe de estereocílios apical, o qual é a organela sensorial mecanoelétrica. C. Micrografia
eletrônica de transmissão mostrando os estereocílios cheios de actina com uma ponte proteica (entre setas) conectando o ápex de um estereocílio mais curto
ao aspecto lateral do estereocílio maior vizinho. Acredita‑se que o aparelho de transdução seja formado por canais iônicos com portões mecanodependen‑
tes, proteí­nas integrais da membrana plasmática, si­tua­dos em uma ou ambas as extremidades das pontes proteicas que ligam os estereocílios. D. As células
ciliadas internas do órgão de Corti convertem os estímulos sonoros em sinais elétricos para os dendritos dos neurônios pós‑sinápticos, cujos corpos celulares
estão si­tua­dos no gânglio coclear (gânglio espiral de Corti). Quando o feixe de estereocílios mecanossensíveis é defletido pela energia sonora (seta), a abertura
de canais iônicos mecanodependentes permite o fluxo de K+ a partir da endolinfa para dentro da célula. A despolarização celular subsequente abre canais de
Ca2+ dependentes de voltagem. O aumento de [Ca2+]int inicia a exocitose de ve­sículas sinápticas contendo o neurotransmissor glutamato na sinapse aferente.
(Modificada de Friedman et al., 2000.)

lios na direção inversa, causada pelo movimento para baixo da de exocitose por perío­dos relativamente longos em sinapses
membrana basilar, relaxa a tensão nas pontes proteicas, fecha sensoriais especiais: as tría­des dos fotorreceptores, as día­des
os canais MET e hiperpolariza as células ciliadas. Isso ocorre das células bipolares retinianas, as sinapses eferentes das célu‑
pela rápida saí­da de K+ através de canais seletivos para esse las eletrorreceptivas sensoriais e as sinapses aferentes das cé‑
ío­n localizados na região basolateral da membrana plasmática, lulas ciliadas da cóclea e do vestíbulo. Inseridos na membrana
onde o gradiente eletroquí­mico é no sentido citoplasma para plasmática, próximos dos ribbons sinápticos, agrupam‑se ca‑
a cortilinfa. A variação cíclica do potencial de membrana das nais de Ca2+ dependentes de voltagem (VGCC) e canais de K+
células ciliadas modula de igual maneira a liberação de gluta‑ dependentes de voltagem sensíveis ao Ca2+ (BK). Nos botões
mato nas sinapses aferentes. aferentes pós‑sinápticos são encontrados receptores de glu‑
As sinapses aferentes das células ciliadas são assinaladas por tamato do tipo AMPA, os quais pertencem à superfamília de
corpos sinápticos elétron‑densos, citoplasmáticos, os ribbons canais de cátions dependentes de ligantes externos e que per‑
sinápticos, os quais são organelas que asseguram altas taxas mitem a passagem de Na+, K+ e Ca2+. Nas células de suporte

11
Parte 1 Fisiologia Geral

que circundam as células ciliadas internas e seus contatos afe‑ sendo a proteí­na prestina o principal candidato para esse papel.
rentes são expressos transportadores de glutamato (GLAST). Outra possibilidade é um motor flexoelétrico, no qual ocorre
Estes pertencem à superfamília de transportadores de mem‑ flexão da membrana plasmática devido à alteração na sua carga
brana plasmática, os quais são proteí­nas com doze segmentos elétrica de superfície. Em qualquer caso, a eletromotilidade das
transmembranares, que utilizam gradiente eletroquí­mico de células ciliadas externas está acoplada à vibração da membrana
Na+ para o transporte ativo secundário do neurotransmis‑ basilar, amplificando‑a na fre­quência temporal de pico e nas fre­
sor. A despolarização das células ciliadas leva ao aumento da quências temporais vizinhas. O resultado é uma sintonia mais
[Ca2+]int, dispara a exocitose das ve­sículas sinápticas e libera fina do que as propriedades mecânicas passivas da membrana
glutamato na fenda sináptica. O glutamato abre os canais de basilar permitiriam (ver Figura 11.8).
cátions AMPA das fibras aferentes, nelas produzindo poten‑ A probabilidade de abertura dos canais MET das células ci‑
ciais pós‑sinápticos excitatórios, os quais geram impulsos ner‑ liadas é regulada por mecanismos de adaptação à intensidade
vosos nessas fibras. Os impulsos nervosos transmitidos nas do estímulo. O deslocamento dos estereocílios está acoplado
31.500 fibras aferentes do nervo coclear levam, para os centros à probabilidade de abertura dos canais MET através de molas
auditivos do tronco cerebral, toda a informação que, após pro‑ de abertura elásticas, cujos correlatos moleculares são as pon‑
cessamento no tronco cerebral e cérebro, originará a percep‑ tes proteicas entre estereocílios vizinhos (ver Figura 11.7). A
ção e os reflexos auditivos. tensão nas molas dos canais é regulada por motores ativos de
As propriedades passivas viscoelásticas da membrana ba‑ adaptação localizados nas extremidades superiores das pontes
silar não são suficientes para explicar a qualidade da sintonia proteicas. Subindo ou descendo ao longo do citoesqueleto de
para fre­quências temporais observadas na própria membra‑ actina, após o deslocamento dos estereocílios, esses motores
na basilar, nas células ciliadas e nos neurônios da via auditiva controlam a tensão nas molas dos portões. Um único motor de
(Figura 11.8). O órgão de Corti possui um mecanismo ativo de adaptação contém dezenas de moléculas de miosina que coo‑
amplificação eletromecânica, o qual é responsável pelo refina‑ peram para gerar as forças requeridas para a adaptação. Como
mento da sintonia coclear, sendo as células ciliadas externas os acontece noutros mecanismos de adaptação sensorial, o Ca2+ é
elementos centrais desse mecanismo. As células ciliadas exter‑ essencial para a adaptação. A elevação de [Ca2+]int que ocorre
nas alongam e encurtam nas fre­quências acústicas em resposta pela entrada de Ca2+ via canais MET dispara mecanismos de
à variação dos seus potenciais intracelulares. Essa eletromotili‑ retroalimentação que agem no motor de miosina e/ou direta‑
dade faz com que as células ciliadas externas funcionem como mente nos canais MET.
aparelhos ativos capazes de amplificar localmente as respostas
mecânicas produzidas pelos sons no órgão de Corti.
Dois mecanismos de retroalimentação têm sido propostos, Codificação da informação sensorial
um estereociliar e outro somático. No mecanismo estereociliar,
os portões dos canais MET abrem‑se, permitindo a entrada de O meio externo e o meio interno são representados várias ve‑
Ca2+, os quais ­atuam nos próprios canais MET ou em proteí­nas zes na atividade do sistema nervoso a partir das respostas dos
a eles associadas, gerando forças nas extremidades das pontes receptores sensoriais. Isso é feito a partir da variação da ener‑
proteicas entre os estereocílios e, consequentemente, uma força gia do estímulo que neles incide. Portanto, o procedimento
no feixe de estereocílios que aumenta o movimento das células fundamental a ser rea­li­zado para, a partir dele, construir uma
ciliadas externas. No mecanismo somático, ocorrem mudanças representação sensorial é a medida da intensidade do estímu‑
conformacionais dependentes de voltagem na região lateral da lo. Naturalmente, a intensidade do estímulo assume forma
membrana plasmática, as quais geram uma força de encurta‑ diversificada, de acordo com o sistema sensorial envolvido:
mento celular nas células ciliadas externas. Essas mudanças luminância, concentração de substância odorífera no ar, con‑
conformacionais podem ser devidas a um motor de á­ rea, no centração de substância palatável na saliva, pressão acústica,
qual uma proteí­na motora da membrana plasmática com um pressão arterial, concentração de oxigênio no sangue, e assim
sensor de voltagem intrínseco é responsável pelo fenômeno, por diante. Os diversos mecanismos de transdução sensorial,

Com amplificador coclear


Direção de
propagação da onda
Apenas com mecanismo passivo

Base

Ápice
Membrana
basilar

Órgão de Corti
Células ciliadas externas exercem força

Figura 11.8 A onda sonora que entra na cóclea propaga‑se ao longo da membrana basilar da base para o ápice. O movimento no pico de vibração é ampli‑
ficado, até cerca de 100 vezes, pelos efeitos do filtro ativo das células ciliadas externas. Esse efeito refina a sintonia devido às propriedades passivas viscoelás‑
ticas da própria membrana basilar. A extensão onde essa amplificação ativa ocorre é cerca de 50 nm, correspondendo à ação de cerca de 200 células ciliadas
externas. (Modificada de Ashmore e Kolston, 1994.)

12
Capítulo 11 Bases da Fisiologia Sensorial

descritos nos parágrafos anteriores, encarregam‑se de reduzir


essa diversidade de fenômenos físicos a uma única linguagem: 0
a variação do potencial de membrana das células receptivas. mV
A intensidade do estímulo varia no espaço e no tempo e, –5
correspondentemente, os sistemas sensoriais têm mecanismos
apropriados para codificar a variação em ambos os domínios.
Além disso, em cada domínio sensorial – luz, pressão acús‑ –10
tica, estimulação cutâ­nea – existem outras dimensões do es‑ A
tímulo, além da intensidade, as quais são de interesse para o
organismo. Elas originam outros aspectos da sensação que são
chamados coletivamente de qualidades sensoriais e são codifi‑
20
cados de maneira par­ticular em cada sistema sensorial.
pA 10
Codificação da intensidade do estímulo 0
O primeiro passo da codificação da intensidade do estímulo
–10
ocorre no próprio receptor sensorial. Em quase todas as si‑
tuações, a amplitude do potencial receptor é proporcional à 0 0,1 0,2 0,3
intensidade do estímulo. Essa relação entre estímulo e resposta B Tempo (s)
pode ser estudada registrando‑se o potencial de membrana ou Figura 11.9 A amplitude do estímulo sensorial determina a amplitude do po‑
a corrente de membrana com estímulos de intensidade cres‑ tencial receptor, constituindo o primeiro passo da codificação de intensidade
cente. A Figura 11.9 ilustra um estudo desse tipo rea­li­zado em do estímulo em sistemas sensoriais. Essa relação entre estímulo e resposta
cones da retina de macaco, os quais são bastante semelhantes pode ser estudada registrando‑se o potencial de membrana (Em = Eint – Eext)
aos cones humanos em diversos aspectos. A resposta à luz dos ou a corrente de membrana (Im) com estímulos de intensidade crescente. A
figura ilustra um estudo desse tipo rea­li­zado em cones de macaco (Macaca
cones é uma hiperpolarização do potencial de membrana (ver fascicularis e Macaca mulatta), os quais são bastante semelhantes aos cones
Figura 11.9 A), a qual é devida à supressão da corrente iônica humanos nesse aspecto. A. Fotovoltagem registrada por whole‑cell voltage
que entra na célula no escuro (ver Figura 11.9 B). Essa resposta clamp com eletrodos patch. Respostas de um cone L (com uma pequena
guarda relação estreita com a intensidade do estímulo v­ isual, contribuição de bastonetes via junções comunicantes) a estímulos luminosos
ou seja, com a intensidade luminosa, de uma forma geral au‑ de intensidade crescente, variando de 3,68 × 103 a 2,96 × 106 fotons/mm2. O
mentando à medida que a intensidade do estímulo aumenta. segmento externo do cone foi iluminado axialmente com luz não polarizada
A amplitude do potencial receptor determina a fre­quência de 660 nm. Para intensidades pequenas foi tirada a média de várias respostas
de descarga da fibra nervosa associada ao receptor, constituindo ao mesmo estímulo, de tal forma que cada traçado resulta de 1 a 11 respostas.
o segundo passo da codificação de intensidade do estímulo em Os cones respondem à luz com um potencial receptor hiperpolarizante, cuja
amplitude cresce em função da intensidade do estímulo (Em = –30 mV no es‑
sistemas sensoriais. Essa etapa é essencial para a transmissão a curo, correspondente ao nível constante de 0 mV no gráfico). B. Fotocorrente
longas distâncias da informação sobre a magnitude do estímulo, registrada com eletrodos de sucção. Respostas de outro cone L a estímulos
uma vez que protege o sistema de perdas dissipativas que ocor‑ luminosos, com intensidade variando de 3,36 × 103 a 6,23 × 105 fotons/mm2.
reriam em qualquer processo de transmissão que envolvesse o O segmento externo foi iluminado transversalmente com luz polarizada de
próprio potencial receptor. A longa distância, tudo o que é ne‑ 660 nm, sendo a á­ rea estimulada 4,28 × 10–2 mm2. Cada traçado resultou de 2
cessário computar é o número de impulsos nervosos que chegam a 11 respostas. A resposta à luz dos cones é uma supressão da corrente iônica
em uma dada unidade de tempo, independentemente de sua am‑ que entra na célula no escuro, a qual depende da intensidade do estímulo.
plitude. Esse fato foi descoberto pelos engenheiros nas primeiras Nos traçados, a corrente de escuro dirigida para dentro corresponde ao nível
tentativas de transmissão de sinais de rádio a longas distâncias, constante de 0 pA, enquanto a resposta celular ao estímulo é mostrada como
deflexões positivas a partir desse nível. Essa alteração da corrente de membra‑
através de perturbações atmosféricas e de outras naturezas. Os na ilustrada em B leva à hiperpolarização celular mostrada em A. Os registros
diversos aspectos desse fenômeno podem ser estudados regis‑ em A e B foram feitos com filtro de 0 a 100 Hz, sendo a forma de onda e a
trando‑se os potenciais de ação das fibras de um nervo sensorial. duração do estímulo (10 ms) mostradas no gráfico do meio. (Modificada de
A Figura 11.10 ilustra as relações complexas entre intensidade e Schneeweis e Schnapf, 1999.)
fre­quência temporal do estímulo acústico e a fre­quência de des‑
carga de potenciais de ação de uma fibra do nervo coclear do gato.
Na sua fre­quência característica (fre­quência ótima para estimula‑
ção), a fibra coclear começa a responder a níveis baixos de inten‑ organizados e como mudam de um momento para outro. Para
sidade do estímulo, apresenta uma faixa dinâmica relativamente rea­li­zar essa tarefa, cada sistema sensorial usa um conjunto
estreita e satura a níveis altos de intensidade, enquanto em fre­ específico de estratégias, adaptado ao tipo de energia do es‑
quências maiores ou menores, a fibra só começa a responder em tímulo.
níveis relativamente altos de intensidade. A codificação temporal é essencialmente direta, traduzin‑
do‑se na variação “em tempo real” da amplitude do potencial
receptor em função da variação da intensidade do estímulo.
Codificação das propriedades Isso ocorre em todas as classes de receptores da olfação, vi‑
são, audição, equilíbrio, gustação e somestesia. Os receptores
temporais do estímulo | Intervalo transmitem essa informação às células de segunda ordem
de amostragem no tempo através da modulação da liberação de neurotransmissor pela
própria variação do potencial receptor. Isso acontece nos co‑
Cada sistema sensorial mede a variação da intensidade dos nes e bastonetes, nas células ciliadas do órgão de Corti, nas
estímulos no espaço e no tempo, extraindo a informação re‑ células ciliadas das máculas do sáculo e do utrículo, nas cé‑
levante sobre como o meio ambiente ou o meio interno estão lulas ciliadas das cristas ampolares e nas células de Merckel.

13
Parte 1 Fisiologia Geral

111 167 222 256 273 impulsos s–1


110 impulsos 239 90 56
10
35
90
80
80

Nível do tom (dB)

Nível do tom (dB)


70
70

60 60

50 50

40

30
30
3 4 5 6 7 8 9 10 20
Frequência do tom (kHz) 4 5 6 7 8 9 10
Frequência do tom (kHz)
A C
Taxa de disparo (impulsos s–1)

Taxa de disparo (impulsos s–1)


90 dB
300
300
70
200 50
200

100
100
0
20 30 40 50 60 70 80 90
30
Nível do tom (dB)
0
Faixa dinâmica 4 5 6 7 8 9 10 11
Frequência do tom (kHz)
B D

Figura 11.10 A amplitude do potencial receptor determina a fre­quência de descarga da fibra nervosa associada ao receptor sensorial, constituindo o segun‑
do passo da codificação de intensidade do estímulo em sistemas sensoriais, o qual é essencial para a transmissão a longas distâncias da informação sobre a
magnitude do estímulo. Os diversos aspectos desse fenômeno são estudados registrando‑se os potenciais de ação das fibras de um nervo sensorial. A figura
ilustra as relações complexas entre intensidade e fre­quência temporal do estímulo acústico e a fre­quência de descarga de potenciais de ação de uma fibra
do nervo coclear do gato. A. Área de resposta de fre­quência da fibra nervosa. O comprimento de cada linha vertical indica o número médio de potenciais de
ação provocados por um estímulo de 50 ms na fre­quência e intensidade indicadas. B. Funções fre­quência versus intensidade obtidas por “cortes verticais” nas
fre­quências indicadas pelos símbolos correspondentes em A. Na sua fre­quência característica, a fibra coclear começa a responder a níveis baixos de intensidade
do estímulo, apresenta uma faixa dinâmica relativamente estreita e satura a níveis altos de intensidade (linha con­tí­nua). Em fre­quências maiores ou menores,
a fibra só começa a responder em níveis relativamente altos de intensidade (linhas pontilhada e tracejada, respectivamente). C. Contornos de isofre­quência da
resposta da fibra coclear, obtidos através de “cortes horizontais” em B. D. Contornos de isointensidade da fibra coclear, obtidos através de cortes horizontais
em A. (Modificada de Evans, 1982.)

Alternativamente, o potencial receptor gera diretamente po‑ dade em um certo intervalo de amostragem. Quando a janela
tenciais de ação, os quais vão, por seu turno, modular a libe‑ de amostragem é pequena, a precisão é alta e, em teoria da
ração de neurotransmissor ao chegarem à primeira sinapse, informação, diz‑se que a entropia é baixa. Quando o interva‑
como acontece nas células olfativas, nas células gustativas, nos lo de amostragem é grande, dá‑se o oposto: a precisão é baixa
cor­púsculos de Meissner, nos cor­púsculos de Ruffini e nos e a entropia é alta. Por outro lado, uma janela de amostragem
cor­púsculos de Paccini. De uma forma ou de outra, o sistema grande apresenta a vantagem de tornar a medida final menos
nervoso central recebe, através de milhões de fibras, codifi‑ sensível às flutuações, relacionadas ou não com variações do
cada na fre­quência de descarga dos potenciais de ação dessas estímulo que não têm interesse para o in­di­ví­duo. Esse tam‑
fibras, a informação em “tempo real” de como está variando a bém é um princípio fundamental da engenharia para melho‑
intensidade da estimulação sensorial na miría­de de receptores rar a relação sinal/ruí­do, a técnica de promediação (tirar a
periféricos. média de uma distribuição).
Entretanto, deve‑se notar que os diversos canais de trans‑ Assim, não é surpresa que vários sistemas sensoriais apre‑
missão de informação sensorial – as diversas vias sensoriais sentem pelo menos duas classes de canais trabalhando lado a
– sinalizam os fenômenos temporais com diferente precisão lado, porém operando com janelas de amostragem temporal de
de amostragem. A precisão depende essencialmente do ta‑ diferentes durações: as vias M e P da visão, as vias associadas
manho da janela de amostragem temporal, ou seja, do in‑ aos receptores de Meissner e Merckel da pele superficial e as vias
tervalo de tempo em que uma única medida da intensidade associadas aos receptores de Paccini e Ruffini da pele profunda,
do estímulo é feita. Essa janela nunca é infinitésima e, assim, para citar alguns exemplos, compreendem pares com janelas
cada medida é sempre uma média das flutuações de intensi‑ temporais relativamente curtas e longas, respectivamente.

14
Capítulo 11 Bases da Fisiologia Sensorial

Codificação das propriedades espaciais Codificação espectral | Intervalo


do estímulo | Intervalo de amostragem de amostragem nas fre­quências
no espaço, campo receptivo temporais e espaciais
Ao lado da amostragem temporal, os sistemas sensoriais tam‑ Além do compromisso entre precisão no espaço e tempo,
bém medem as variações espaciais da energia associada aos outro fator limitante fundamental influencia o desenho de
estímulos. A amostragem espacial constitui um aspecto fun‑ qualquer sistema de amostragem, seja dos sistemas sensoriais,
damental da somestesia cutâ­nea e da visão humanas. seja dos equipamentos de medida construí­dos pelo homem.
Na visão, o sistema óptico o
­ cular forma uma imagem sobre Trata‑se de como um sistema amostra simultaneamente um
a retina na qual estão representados, com alto grau de deta‑ determinando domínio e sua transformada espectral, ou seja,
lhamento, os objetos distribuí­dos no campo v­ isual mon­ocular domínios que são transformações de Fourier um do outro.
correspondente. Essa imagem é amostrada por um mosaico Por exemplo, quando o sistema auditivo é estimulado, com
de cones e bastonetes, os quais alimentam circuitos neuronais que precisão ele registra simultaneamente a variação de ener‑
retinianos, cuja saí­da é constituí­da pelos axônios das células gia do estímulo no tempo e nas fre­quências temporais? Uma
ganglionares que integram o nervo óptico. Na fóvea humana e solução idea­li­zada para esse problema seria obtida se o sistema
de outros primatas, as células ganglionares P estão conectadas operasse com canais de amostragem trabalhando em paralelo,
a células bipolares MB e, essas, a cones M e L, em uma razão especializados para cada domínio, com precisão infinita em
de um cone para uma célula bipolar e uma célula ganglionar. cada caso. Dessa forma, uma amostragem infinitamente pre‑
Nesse caso, a precisão da amostragem espacial é determinada cisa no tempo poderia ser feita usando‑se um canal com jane‑
pela região do espaço capaz de estimular aquele cone, ou seja, la de amostragem temporal infinitésima. Contudo, esse canal
pelo campo receptivo do cone. Entretanto, fora da região fo‑ não poderia discriminar fre­quências temporais, uma vez que
veal, a via P está organizada com grande convergência a cada responderia igualmente a todas elas. Simultaneamente, po‑
estação sináptica, o que também ocorre com outros circuitos deria ser obtida precisão infinita no domínio das fre­quências
retinianos em toda a retina, incluindo a fóvea, como é o caso temporais usando‑se filtros perfeitamente sintonizados para
da via M. Nesse caso, a janela de amostragem espacial é o cam‑ uma única fre­quência. Como esses filtros precisariam ter jane‑
po receptivo da célula ganglionar, cujas dimensões determi‑ las de amostragem de duração infinita, eles seriam incapazes
nam a precisão espacial do sistema. de assinalar o momento de ocorrência de qualquer evento.
As vantagens e desvantagens apresentadas por canais de Nenhum desses extremos existe no mundo físico, sendo
processamento sensorial com campos receptivos pequenos apenas idea­li­zações matemáticas. Todos os sistemas de medi‑
ou grandes são semelhantes ao que já foi dito anteriormen‑ das naturais e artificiais, construí­dos para armazenar, trans‑
te para os intervalos de amostragem temporal. Campos re‑ mitir ou analisar informação acústica, representam graus
ceptivos pequenos, como os da via P, asseguram alto grau diferentes de compromisso entre precisão nos domínios do
de precisão de amostragem espacial. Por outro lado, campos tempo e das fre­quências temporais. Em 1946, Dénes Gábor
receptivos grandes, como os da via M, apresentam a vanta‑ (1900‑1979), cientista húngaro que recebeu o Prêmio Nobel
gem de aumentar a relação sinal/ruí­do para sinais espaciais de Física pela invenção da holografia, demonstrou que as in‑
relativamente grandes. certezas ou entropias (grandeza inversa à precisão) de dois
Para a somestesia cutâ­nea, há vias de campos receptivos domínios relacionados pela transformada de Fourier são in‑
pequenos e grandes tanto para a pele superficial quanto para versamente proporcionais, de tal forma que quando a incerte‑
a profunda. Nas camadas superficiais, as vias associadas aos za diminui em um domínio ela simultaneamente aumenta no
receptores de Merckel e Meissner apresentam campos recep‑ outro, seguindo a identidade matemática (no caso do tempo
tivos relativamente pequenos e grandes, respectivamente. Nas e fre­quência temporal): Dt. Df ≥ 1/2. Nessa identidade, Dt é a
camadas profundas, o mesmo é encontrado para as vias as‑ incerteza ou entropia de amostragem temporal (a duração da
sociadas aos receptores de Ruffini e Paccini, respectivamente. janela de amostragem expressa como variância), Df a incerteza
Essas diferenças entre os mecanorreceptores cutâ­neos e suas ou entropia da amostragem espectral (a sintonia do filtro de
fibras nervosas associadas, na maneira como codificam as pro‑ fre­quências temporais também expressa como variância), e o
priedades espaciais e temporais do estímulo, explicam a enor‑ produto das duas é chamado incerteza ou entropia conjunta.
me capacidade sensorial da pele, a qual é capaz de representar Assim, um sistema de medida acústica precisa ser otimiza‑
acuradamente estímulos relativamente complexos. do para amostrar com maior precisão o domínio que contiver
O mais comum é que uma célula ganglionar na visão ou a informação necessária à tarefa a ser desempenhada. No caso
uma fibra aferente na somestesia transmitam para os centros do sistema auditivo humano, ele precisa ser otimizado para
nervosos mais centrais informação tanto espacial quanto tem‑ permitir, por exemplo, a compreensão da fala. É essencial a
poral, ou seja, como a intensidade do estímulo está variando análise simultânea no tempo e nas fre­quências temporais para
simultaneamente nesses domínios. Devido às limitações na a compreensão da fala. Essa análise é feita na natureza pelo
capacidade de amostragem dessas células, geralmente é neces‑ sistema auditivo humano e, em laboratório, pela espectrogra‑
sário algum tipo de compromisso entre precisão no espaço e fia acústica. Em ambos os casos é necessário que o sistema de
no tempo. Qualquer ganho em precisão espacial acaba sendo amostragem tenha a precisão necessária no domínio do tempo
acompanhado por uma perda de precisão temporal e vice‑ver‑ e das fre­quências temporais.
sa. Assim, uma razão adicional para que os sistemas ­visual e A situação pode ser ainda mais complexa no sistema
somestésico das diversas espécies trabalhem com vias parale‑ ­visual, onde a informação presente na imagem retiniana está
las com diferentes dimensões de janelas espaciais e temporais contida na variação de energia no tempo, em duas dimen‑
é obter precisão suficiente simultaneamente no espaço e no sões de espaço e nas suas transformadas espectrais – uma
tempo para a solução eficiente das tarefas comportamentais. dimensão de fre­quências temporais e duas dimensões de

15
Parte 1 Fisiologia Geral

fre­quências espaciais. Esse também é o caso da informação


somestésica cutâ­nea, onde essas seis dimensões precisam ser
Codificação da qualidade
consideradas. sensorial | Espaços sensoriais
Tomando a visão como exemplo, os estímulos encontrados
na natureza são compostos por objetos isolados ou, frequente‑ Muitos sistemas sensoriais estão organizados para extrair in‑
mente, grupos de objetos similares. Assim, os estímulos visu‑ formação sobre outras propriedades do estímulo além da in‑
ais exibem simultaneamente singularidades e periodicidades tensidade. Essas propriedades são par­ticulares a cada tipo de
espaciais. Da mesma maneira, os estímulos visuais compre‑ estímulo sensorial e originam aspectos da sensação coletiva‑
endem singularidades e periodicidades temporais, devido aos mente chamados de qualidades sensoriais.
movimentos dos objetos em uma cena v­ isual sob a ação de Em certos casos, o sistema sensorial está organizado em
forças aplicadas em objetos isolados ou objetos semelhantes de torno de receptores seletivos aos aspectos do estímulo que são
re­giões circunscritas do meio ambiente. relevantes para a qualidade sensorial. A informação é envia‑
Tanto as singularidades quanto periodicidades são severa‑ da em canais paralelos para o sistema nervoso central, onde é
mente limitadas em condições naturais – somente na matemá‑ integrada. Isso acontece no sistema sensorial somático, onde
tica os pontos são infinitésimos e as fre­quências são infinita‑ existem receptores específicos para dor primária, dor secun‑
mente estendidas. Quando uma singularidade tem dimensão dária, frio, calor, diversas qualidades de mecanorrecepção
finita, o sistema que a mede também não necessita ter preci‑ cutâ­nea e mecanorrecepção ar­ticular, as quais contribuem
são infinita e sua janela de amostragem pode ter certa exten‑ para a percepção de estímulos somestésicos com qualidades
são ou duração. O mesmo aplica‑se às periodicidades: se elas distintas.
não se estendem infinitamente, parte substancial da energia Noutros casos, circuitos neurais específicos operam sobre a
espalha‑se para as fre­quências vizinhas, e os filtros que serão saí­da de receptores sensoriais sensíveis às variações de inten‑
utilizados para medi‑las também não necessitam ter precisão sidade do estímulo, com diferentes faixas de sensibilidade, ge‑
infinita, podendo ter alguma sensibilidade a fre­quências espa‑ rando novas qualidades sensoriais, como os odores, as cores,
ciais ou temporais em torno da sua fre­quência ótima. os timbres e os sabores, entre outras. Cada qualidade sensorial
Na visão, esses canais estão implementados em circuitos pode ser mapeada em espaços sensoriais, os quais represen‑
retinianos cujas saí­das são os axônios das células gangliona‑ tam a sua diversidade de forma quantitativa e estabelecem os
res. As diferentes classes de células ganglionares retinianas limites da percepção humana no domínio considerado.
representam diferentes compromissos de precisão no espaço A discriminação de cores é construí­da fisiológica e psico‑
e no tempo (como já mencionado nas seções anteriores), mas fisicamente. No primeiro estágio, os três cones têm sensibili‑
também diferentes compromissos de precisão nesses domí‑ dades diferentes aos diversos comprimentos de onda, mas por
nios e suas transformadas. Por exemplo, no homem e outros si sós não podem dar suporte à discriminação de cores. Isto
primatas, as células M e P respondem com diferentes graus porque a resposta de um cone pode ser equalizada em toda
de precisão nos domínios do espaço, tempo, fre­quências es‑ a faixa de comprimentos de onda, ajustando‑se a intensidade
paciais e fre­quências temporais (Tabela 11.2). Dessa forma do estímulo, o que é chamado de Princípio da Univariância de
elas remetem ao córtex cerebral informações complementa‑ Rushton, em homenagem ao fisiologista inglês Sir William A.
res e uma hipótese é que nas diversas vias corticais essa in‑ H. Rushton (1901‑1980). No segundo estágio, mecanismos re‑
formação seja usada de acordo com a tarefa comportamental tinianos pós‑receptorais operam sobre a saí­da dos três cones,
executada. constituindo canais de oponência de cores – um para o azul/
Um arranjo semelhante é encontrado na somestesia cutâ­ amarelo e outro para o verde/vermelho. Nos estágios posterio‑
nea, com as vias relacionadas aos cor­púsculos de Meissner res, esses canais são modificados ao nível cortical, sendo que
e Merckel da pele superficial, e as vias relacionadas aos cor­ sua sensibilidade pode ser quantificada nos experimentos de
púsculos de Paccini e Ruffini da pele profunda, rea­li­zando o cancelamento de matizes. Finalmente, o produto final da dis‑
partilhamento das tarefas de transmissão de informação ao criminação de cores pode ser mapeado em espaços sensoriais
córtex cerebral de uma forma que guarda certa semelhança tridimensionais como, por exemplo, o que usa as coordenadas
operacional às vias M e P da visão (ver Tabela 11.2). xyz do espaço de cores da CIE 1931. Nesse espaço, o plano xy

Tabela 11.2 Divisão de tarefa entre os canais de processamento de informação sensorial: vias M e P do sistema v­ isual; vias associadas aos cor­púsculos de Meissner e
Merckel do sistema sensorial somático cutâ­neo superficial; vias associadas aos cor­púsculos de Paccini e Ruffini do sistema sensorial somático cutâ­neo profundo.
Canal M Canal P
Canal Meissner Canal Merckel
Domínio de amostragem Canal Paccini Canal Ruffini
Precisão no espaço Baixa Alta
Tamanho do campo receptivo Campo receptivo grande Campo receptivo pequeno
Precisão nas fre­quências espaciais Alta Baixa
Largura da banda espectral Banda estreita Banda larga, estendendo‑se a fre­quências espaciais altas
Precisão no tempo Alta Baixa
Duração da resposta a um pulso luminoso Resposta breve Resposta longa
Precisão nas fre­quências temporais Baixa Alta
Largura da banda espectral Banda larga, estendendo‑se a fre­quências temporais altas Banda estreita
A comparação é apenas relativa entre cada par de canais e é estritamente dependente do local considerado (p. ex., células M e P da mesma região da retina e assim por diante).

16
Capítulo 11 Bases da Fisiologia Sensorial

representa todas as cromaticidades, combinações de matiz e


saturação, discriminadas pela visão humana, enquanto a di‑
Organização topográfica
mensão perpendicular a esse plano, z, representa luminância. As vias sensoriais, assim como as vias motoras, estão organiza‑
Quando as três dimensões são combinadas, verifica‑se que o das topograficamente, ou seja, deslocando‑se ao longo de um
ser humano é capaz de discriminar até 16 milhões de cores, as núcleo ou uma ­área sensorial, observa‑se que os neurônios das
quais estão representadas nesse espaço de cor. diferentes localizações representam progressivamente, orde‑
nadamente, um determinado contínuo funcional.
A compreensão desse arranjo estrutural emana da aná‑
Organização topográfica do lise em par­ticular de cada sistema sensorial. Na somestesia,
processamento sensorial | Do os receptores sensoriais de cada local do corpo conectam‑se
a locais específicos dos núcleos e ­áreas somestésicos, o que é
neurônio primário ao córtex sensorial chamado somatotopia (termo também empregado nas vias
motoras). Na visão, cada região do campo ­visual projeta‑se em
Nos receptores sensoriais iniciam‑se as vias neurais receptivas, uma região da retina e os fotorreceptores de cada local da reti‑
as quais levam diversos tipos de informação para o sistema na originam vias que se projetam para localizações específicas
nervoso central, cada uma delas sendo portadora de um tipo dos núcleos e á­ reas visuais, sendo esse arranjo chamado de re‑
de mensagem. As modalidades de informação receptiva que tinotopia ou visuotopia (Figura 11.11). Assim, na somestesia,
dão origem à atividade consciente trafegam todas por vias que, motricidade e visão, as vias neuronais conectam re­giões cor‑
através de várias estações sinápticas, vão até o córtex cerebral. porais contíguas a localizações também contíguas do espaço
Como mencionado no início deste capítulo, outros tipos de neural. Essa ordem é mantida ao longo de sucessivas estações
informação receptiva não originam nenhum grau de atividade sinápticas, sobrevivendo a reorganizações muitas vezes com‑
consciente e, nesse caso, suas vias podem ou não envolver o plexas ao longo do seu trajeto, como acontece na separação
córtex cerebral. das diversas classes de axônios de células ganglionares retinia‑
Quase todas as vias que vão ao córtex cerebral, não somente nas na chegada do trato óptico ao núcleo geniculado lateral
as vias sensoriais, mas inclusive certas vias do controle motor, do tálamo.
têm uma estação sináptica no tálamo. Essa volumosa massa de Independentemente de suas par­ticularidades, na someste‑
substância cinzenta subcortical é dividida em um grande nú‑ sia, motricidade e visão, a topografia altamente ordenada das
mero de núcleos. Cada um deles recebe um tipo de aferência projeções neurais gera mapas espaciais do corpo ou do campo
e projeta‑se para uma região específica do neocórtex cerebral. ­visual no espaço neural. Na audição, entretanto, o que é simi‑
Por exemplo, o núcleo geniculado lateral recebe informação larmente representado é a fre­quência temporal do estímulo, a
da retina e conecta‑se com a á­ rea ­visual primária no lobo oc‑ tonalidade. Isto se deve à maneira como sons de fre­quências
cipital; o núcleo geniculado medial recebe informação coclear diferentes são mapeados ao longo da cóclea. Isso é feito gra‑
e projeta‑se para a ­área auditiva primária no lobo temporal; ças às propriedades mecânicas da membrana basilar, sendo
o complexo ventrobasal recebe informação dos receptores so‑ chamado tonotopia coclear. A partir daí existe uma projeção
mestésicos especializados e projeta‑se para a ­área somestésica ordenada das diferentes re­giões da cóclea ao longo das vias
primária no lobo parietal; e assim por diante. Uma exceção auditivas, de tal forma que o mapa tonotópico é preservado.
importante é a via olfativa, a qual se projeta inicialmente para Cada contínuo sensorial está representado várias vezes no
várias re­giões do paleocórtex cerebral. De uma dessas re­giões, sistema nervoso central. Em primeiro lugar, ele é mapeado em
o córtex piriforme, uma via olfativa de segunda ordem, proje‑ cada nível da via. No caso da visão, por exemplo, existem ma‑
ta‑se para o núcleo médio‑dorsal do tálamo e daí para as ­áreas
pas na retina, no tálamo, no córtex cerebral e assim por diante.
órbito‑frontal medial e lateral do neocórtex cerebral.
Em segundo lugar, em cada um desses níveis existem vários
Dois princípios importantes influenciam a organização das
mapas, multiplicidade essa que atende às necessidades do pro‑
vias e centros sensoriais: a informação sensorial é transmitida
cessamento paralelo de informação de cada sistema sensorial.
ao longo de linhas rotuladas (ou marcadas) (Quadro 11.1); a
Assim, existem ­áreas corticais, cada uma contendo um mapa
anatomia e a fisiologia das vias e centros sensoriais são domi‑
do campo ­visual, especializadas para o processamento de di‑
nadas pela sua organização topográfica.
versos aspectos do estímulo ­visual: cor, movimento, e assim
por diante.

Quadro 11.1 Linhas rotuladas.


O fisiologista e anatomista alemão Johannes Peter Müller (1801‑1858)
Bases psicofísicas da
foi o responsável por enunciar a chamada Lei das Energias Nervosas Es‑
pecíficas, a qual estabelece que, quando uma determinada população
fisiologia sensorial
neuronal é ativada, isso origina sempre a mesma percepção consciente, A psicofísica é a ciên­cia que procura quantificar as sensações,
independentemente de o estímulo utilizado ter sido o estímulo natural tendo sido fundada pelo médico, físico, matemático e filósofo
para aquela via ou qualquer outro. Por exemplo, a compressão do glo‑ alemão Gustav Theodor Fechner (1801‑1887). Fechner mos‑
bo ­ocular produz um fosfeno, uma forma de percepção v­ isual, na região trou que os eventos mentais não somente eram mensuráveis,
apropriada do campo ­visual, ou seja, diametralmente oposta à região mas, inclusive, podiam ser medidos em termos de suas rela‑
retiniana estimulada, apesar de o estímulo mecânico não ser a forma ções com os eventos físicos que lhes dão origem, possibilitanto
natural de estimular a visão. a exploração experimental quantitativa dos fenômenos senso‑
A existência de linhas sensoriais rotuladas reside não somente na riais e estabelecendo a psicofísica como um dos métodos fun‑
maior sensibilidade dos receptores sensoriais a um dado tipo de estímu‑
damentais da psicologia científica.
lo, mas também na sua conexão através de uma se­quência altamente
Os métodos psicofísicos dependem essencialmente do co‑
organizada de estações sinápticas com centros cerebrais específicos.
nhecimento do estímulo físico e da resposta dada pelo sujei‑

17
Parte 1 Fisiologia Geral

0
90 15
Esquerda Direita
80 30

70
45
60
50
60
40

30
75
20
10

90

10
20
105
30

40
120
50
60
135
70

80 150
90 165
180
Figura 11.11 O córtex cerebral contém vários mapas do campo v­ isual, sendo um deles localizado no córtex estriado ou á­ rea ­visual primária. A metade direi‑
ta do campo ­visual está representada na ­área estriada do hemisfério esquerdo cerebral, a qual é mostrada na figura com a fissura calcarina aberta. Símbolos
iguais são usados para delimitar as diversas re­giões do campo ­visual à direita e da ­área estriada à esquerda na figura. A região central do campo ­visual está
representada posteriormente no cérebro e ocupa uma á­ rea relativamente grande. A região periférica do campo v­ isual está representada anteriormente no
cérebro e ocupa uma região relativamente pequena. O meridiano horizontal está representado ao longo da fissura calcarina, em sua profundidade, enquanto
o meridiano vertical, ao longo das margens superior e inferior do córtex estriado. (Modificada de Holmes , 1944.)

to. O estímulo pode variar ao longo de um grande número cada apresentação, se ela consistirá em um estímulo maior ou
de dimensões, incluindo intensidade, tempo, espaço e as di‑ menor que o anterior. No método dos estímulos constantes,
mensões de qualidade. A resposta do sujeito pode ser uma a ordem de apresentação dos vários níveis de estimulação é
resposta verbal ou noutra dimensão motora, como pressionar aleatória, de tal forma que a expectativa do sujeito é mantida
manual­mente um botão. Através do uso dessas outras formas constante ao longo de todo o procedimento. Outro método de
de resposta, métodos semelhantes aos empregados na psicofí‑ medida dos limiares psicofísicos é o da escolha forçada entre
sica humana têm sido usados em animais, tornando possível duas ou mais alternativas. Nesse caso, o sujeito é obrigado a
a comparação das capacidades sensoriais das várias espécies. escolher entre dois ou mais estímulos apresentados simulta‑
neamente. Esse procedimento pode ser associado aos demais
já mencionados, de forma a minimizar o tempo despendido,
Limiares de detecção combinando‑o como o método do ajuste, ou minimizar ar‑
tifícios como a expectativa do sujeito, combinando‑o com o
Grande parte da psicofísica sensorial é dedicada à medida dos método dos estímulos constantes.
limiares de detecção, ou seja, encontrar o valor para uma de‑ As medidas dos limiares psicofísicos resultam em valores
terminada dimensão do estímulo que o torna detectável pelo ligeiramente diferentes em tentativas sucessivas, seja porque
sujeito. Por exemplo, descobrir a luminância que um padrão os limiares efetivamente variam ou porque um certo grau va­
exibido em um monitor precisa ter para ser visível ao ser hu‑ riá­vel de ruí­do está sempre presente no processo. A conse­
mano ou a outro animal. Esse tipo de limiar é comumente cha‑ quência é que a relação entre percentual de acertos e nível
mado de limiar absoluto. de estimulação não é uma função degrau, como seria se as
Existem vários procedimentos de medida de limiares de medidas fornecessem sempre o mesmo valor para o limiar,
detecção. No método dos limites, o estímulo é aumentado e sim uma função sigmoidal, chamada função psicométrica
(série ascendente) ou diminuí­do (série descendente) até que (Figura 11.12). O limiar passa a ser definido estatisticamente
se torne minimamente visível. O sujeito participa assinalando em um ponto dessa curva, o qual depende do número de al‑
em cada apresentação do estímulo sua presença ou não. No ternativas apresentadas ao sujeito, sendo de 50% para o caso
método do ajuste, o sujeito tem um papel mais ativo e con‑ mais simples, em que o sujeito responde sim ou não para
trola o nível de estimulação, aumentando‑o ou diminuindo‑o uma alternativa, 75% para o caso de escolha forçada com
até encontrar o seu próprio limiar. Nesses procedimentos, um duas alternativas, e assim por diante (ver Figura 11.12). A
fator indesejável é a expectativa do sujeito, o qual sabe, em função psicométrica é a probabilidade de o limiar ser menor

18
Capítulo 11 Bases da Fisiologia Sensorial

Percentual detectado 100

Probabilidade do limiar
em cada intensidade
50

0
Intensidade
A 0
–3 –2 –1 0 1 2 3
A Intensidade
Percentual detectado

100

Probabilidade cumulativa (%)


50

100

S0 S2 S4 S6 S8 S10 S12 Intensidade


Limiar 50
B

0
Intensidade
100
B Limiar
Percentual detectado

75 Figura 11.13 A. Probabilidade de o limiar ocorrer nos diversos níveis de esti‑


mulação testados. A maior probabilidade corresponde ao valor aceito como
mais representativo do limiar sensorial. B. A função psicométrica corresponde
50
à integral da função de probabilidade. (Modificada de Levine, 2000.)

25
A propriedade do estímulo a ser variada pode ser quanti‑
0 tativa ou qualitativa, embora os trabalhos pioneiros de Ernst
S2 S4 S8 S10 S12 Intensidade Heinrich Weber (1795‑1878), médico alemão considerado um
Limiar dos fundadores da psicologia experimental, tenham sido rea­
C
li­zados com va­riá­veis quantitativas. A chamada Lei de Weber
Figura 11.12 Resultados esperados de experimentos para a medida do limiar
estabelece que a diferença mínima perceptível de intensidade
de detecção de estímulos sensoriais. Os gráficos representam a proporção de
acertos para cada nível de estimulação. A. Resultado esperado se o limiar de (DI), tamanho, duração ou outra propriedade quantitativa de
detecção medido não variasse em medidas sucessivas, representado por uma um estímulo é proporcional ao valor dessa mesma grandeza
função psicométrica em degrau. B. Resultado geralmente obtido quando a no estímulo de comparação (I0):
resposta do sujeito à apresentação de um único estímulo é sim ou não, mos‑
trando que o limiar muda ligeiramente de uma medida para outra, resultando DI = k × I0 (11.1)
em uma função psicométrica com a forma sigmoidal. C. Resultado geralmente
obtido quando o sujeito é obrigado a escolher entre dois estímulos apre‑
sentados simultaneamente (escolha forçada com duas alternativas, 2AFC). Essa equação pode ser arrumada para expressar o fato de
(Modificada de Levine, 2000.) que a diferença mínima perceptível é uma fração constante do
estímulo de comparação, a chamada Fração de Weber (k):
ou igual a um determinado nível de estimulação, em função k = DI/I0 (11.2)
do nível de estimulação, e como tal corresponde à integral
da função probabilidade de o limiar ocorrer em um deter‑ A Lei de Weber é uma formulação fundamental da psico‑
minado nível de estimulação em função do próprio nível de física, e essencialmente mostra que quanto maior o estímulo,
estimulação (Figura 11.13). maior o incremento necessário para notar uma variação do
mesmo.
Limiares de discriminação
Os métodos psicofísicos também podem ser usados para a Magnitude da sensação
medida da diferença mínima entre dois estímulos que um su‑ Os métodos psicofísicos também podem ser usados para
jeito percebe. Esse tipo de limiar é comumente chamado de responder à questão da magnitude da sensação produzi‑
limiar diferencial ou diferença mínima perceptível. Os proce‑ da por um determinado estímulo, problema esse referido
dimentos usados são os mesmos descritos na seção anterior como escalonamento sensorial. A primeira tentativa de
mas, aqui, busca‑se quantificar a mudança em um determi‑ abordar o problema foi feita por Fechner, partindo da Lei
nado estímulo necessária para que ele seja percebido como de Weber para deduzir uma relação teó­rica entre estímu‑
diferente pelo sujeito. lo e sensação. Fechner considerou que a diferença mínima

19
Parte 1 Fisiologia Geral

perceptível poderia ser usada como escala para medir a Tabela 11.3 Expoentes (n) para a Lei de Stevens, relacionando a magnitude da
sensação. Ao longo de todo o contínuo a diferença mínima
sensação (S) com a magnitude do estímulo (I), através da função S = k × In.
perceptível tem valor limiar e, portanto, deve significar a
mesma magnitude da sensação. Assim, à medida que au‑ Contínuo sensorial Expoente medido Estímulo
mentamos o estímulo ao longo do contínuo considerado Audibilidade 0,67 Pressão sonora, 3.000 Hz
(intensidade, tamanho, duração), a sensação aumenta em
Vibração 0,95 Amplitude, 60 Hz, no dedo
unidades de diferença mínima perceptível, originando uma
função desacelerada. A Lei de Fechner usa uma função lo‑ Vibração 0,6 Amplitude, 250 Hz, no dedo
garítmica para descrever essa relação entre magnitude da Brilho 0,33 Alvo de 5° no escuro
sensação (S) e do estímulo (I), a qual pode ser obtida pela Brilho 0,5 Fonte puntiforme
integração da Lei de Weber: Brilho 5 Lampejo breve
Brilho 1 Lampejo de fonte puntiforme
S = c × log (I) (11.3) Branqueza 1,2 Reflectância de papéi­s cinza
Comprimento v­ isual 1 Linha projetada
A constante de proporcionalidade, c, é diretamente relacio‑
Área v­ isual 0,7 Quadrado projetado
nada à Fração de Weber, k.
Outras funções não lineares desaceleradas podem ser usa‑ Saturação 1,7 Mistura vermelho‑cinza
das para descrever essa relação, notadamente funções potência Gosto 1,3 Sacarose
de expoente menor que um (n), introduzidas pelo físico belga Gosto 1,4 Sal
Joseph‑Antoine F. Plateau (1801‑1883), a partir de experimen‑ Gosto 0,8 Sacarina
tos de escalonamento ­visual: Odor 0,6 Heptano
Frio 1 Contato de metal no braço
S = k × In (11.4)
Calor 1,6 Contato de metal no braço
Calor 1,3 Irradiação de uma ­área pequena da pele
O psicólogo americano Stanley Smith Stevens (1906‑1973)
utilizou o método de escalonamento sensorial direto, no qual Calor 0,7 Irradiação de uma ­área grande da pele
o sujeito declara a magnitude das sensações produzidas por Desconforto, frio 1,7 Irradiação de todo o corpo
uma série de estímulos, para mostrar que a relação encontrada Desconforto, calor 0,7 Irradiação de todo o corpo
por Plateau podia ser aplicada a um grande número de con‑ Dor térmica 1 Calor radiante sobre a pele
tínuos. Essa relação é conhecida modernamente como Lei de Aspereza tátil 1,5 Atritar tecido de esmeril
Stevens. Dependendo do contínuo, n pode assumir valores
Resistência tátil 0,8 Apertar borracha
menores que um (gerando funções não lineares desaceleradas,
relacionando sensação e estímulo), iguais a um (funções line‑ Abertura dos dedos 1,3 Espessura de blocos
ares) ou maiores do que um (funções não lineares aceleradas) Pressão palmar 1,1 Força estática na pele
(Tabela 11.3). Força m ­ uscular 1,7 Contração estática
Peso 1,45 Levantamento de peso
Viscosidade 0,42 Misturar silicone fluido
Teoria de detecção de sinais Choque elétrico 3,5 Corrente elétrica através dos dedos
Mais modernamente, a psicofísica tem utilizado a teoria de Esforço vocal 1,1 Pressão sonora vocal
detecção de sinais, um ramo da engenharia de comunicação, Aceleração angular 1,4 Rotação de 5 s
para dar outro tratamento à maneira como um sujeito deter‑ Duração 1,1 Ruí­do branco
mina se um estímulo está ou não presente.
Dependendo do contínuo, n pode assumir valores menores que 1 (gerando funções não lineares
Os resultados dos experimentos de medida dos limiares desaceleradas), iguais a 1 (funções lineares) ou maiores do que 1 (funções não lineares aceleradas).
sensoriais podem ser interpretados através da teoria de detec‑
ção de sinais (Figura 11.14). Quando não há sinal a ser de‑
tectado pelo sujeito, o sistema sensorial está exposto apenas a desenvolvida para engenharia de comunicação). A ROC rela‑
um certo nível de ruí­do, originado externa ou internamente. ciona a probabilidade de acertos com a probabilidade de falsos
Quando o in­di­ví­duo é estimulado, esse sinal soma‑se ao ruí­ positivos, as quais são obtidas integrando‑se as funções que
do presente no sistema sensorial que o irá detectar. A diferen‑ relacionam probabilidade de detecção com o nível de ativação
ça entre as duas situações é dada pela detectabilidade (d’) ou do sistema sensorial a partir do critério de decisão. Quando
quão bem o sujeito pode discriminar entre o sinal superposto a ROC coincide com a primeira diagonal, a situação é de não
ao ruí­do e o ruí­do sozinho. Conforme o critério de decisão detectabilidade, não há diferença entre a presença de sinal
adotado pelo sujeito, ocorre um certo número de respostas mais ruí­do ou ruí­do sozinho (d’ = 0). Curvas ROC altas, atraí­
corretas, falso‑positivas e falso‑negativas, e o sujeito na ver‑ das para o extremo superior esquerdo do gráfico, são situações
dade usa um critério adequado à situação, influenciado pela progressivamente mais próximas do i­deal, de perfeita detec‑
presença ou não de recompensa, punição ou ambas para o seu tabilidade (d’ S ∞). Valores in­ter­me­diá­rios de d’ originam
desempenho. curvas ROC in­ter­me­diá­rias, e o desempenho do in­di­ví­duo, de
As características do desempenho do sujeito podem ser acordo com seu critério de decisão, corresponde a um ponto
quantificadas para os diversos d’ e critérios de decisão, levan‑ sobre a curva mais próximo da origem (critério pouco exigen‑
tando‑se a função ROC para o sistema sensorial considera‑ te) ou do extremo superior direito (critério muito exigente),
do (ROC, receiver operating characteristic, termo que vem da ou ainda em re­giões in­ter­me­diá­rias da curva para critérios
terminologia da teoria de detecção de sinais, originalmente balanceados.

20
Proba
Erros

B Capítulo
Nível 11 Bases da Fisiologia Sensorial
de ativação

0,0 0,5 1,0


1,0
Pontuação
A C B perfeita A
0,9
(d’ = ∞)
Probabilidade de N

0,8
d’ = 1,0

Probabilidade de um acerto
Rejeição 0,7
C
correta

0)
Falso 0,6

’=
(d
alarme

al
su
0,5

ca
A

ce
d´ 0,4

an
rm
Probabilidade de S + N

rfo
0,3

Pe
0,2
B
0,1
Acertos
Erros 0,0
0,0 0,1 0,2 0,3 0,4 0,5 0,6 0,7 0,8 0,9 1,0
Nível de ativação Probabilidade de falso alarme
B C
Figura 11.14 Interpretação dos resultados dos experimentos de medida dos limiares sensoriais através da teoria de detecção de sinais. A. Na ausência do sinal
a ser detectado
0,0pelo sujeito, o sistema sensorial
0,5 está exposto apenas a um 1,0certo nível de ruí­do (N). B. Quando o sinal é apresentado ao sujeito, ele se soma ao
ruí­do presente
1,0 no sistema sensorial que o irá detectar (S + N). A diferença entre as duas situações é dada pela detectabilidade (d’) ou quão bem o sujeito pode
discriminar entre Pontuação
o sinal superposto ao ruí­do e o ruí­do sozinho. Conforme
A o critério de decisão adotado pelo sujeito – menos exigente (linha vertical A), mais
exigente0,9 perfeita (C) – ocorre um certo número de respostas
(B) e balanceado corretas, respostas falso‑positivas e respostas falso‑negativas. C. As características do
desempenho do (d’ = ∞)
sujeito podem ser quantificadas para os diversos d’ e critérios de decisão, relacionando‑se a probabilidade de acertos com a probabilidade
de falsos0,8
positivos. Essas probabilidades são obtidas integrando‑se as funções em A e B a partir do critério de decisão. A curva em C é chamada ROC (receiver
operating characteristic, termo que vem d’da=terminologia
1,0 da teoria de detecção de sinais). (Modificada de Levine, 2000.)
Probabilidade de um acerto

0,7
C
0)

0,6
Leitura adicional Levine MW. Levine & Shefner’s fundamental of sensation and perception. Ox‑
’=
(d

ford: Oxford University Press; 2000.


al

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su

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ca

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